Porta da traição no Castelo de Almourol
This topic is classified in rooms: Património
Porta da traição no Castelo de Almourol
Caros amigos,
Como por este Fórum passam muitoas pessoas curiosas e sabedoras sobre os nossos monumentos nacionais, pergunto se haverá quem me conte a história da porta da traição do Castelo de Almourol, ou alguma lenda ligada a esta estrutura.Conheço a do Palmeirim de Inglaterra, a de D.Ramiro, e a da princesa moura Ari, peada por uma perna, por seu Pai, que terá dado origem ao nome do lugar do Arrepiado .
Desde já agradeço a vossa gentileza
Cumprimentos
Maria Oom Oliveira Martins
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Olá, Maria
Faz muito tempo que não comunicamos pessoalmente. Vou aproveitar esta deixa de histórias e lendas e dizer que, caso esteja interessada, tenho uma interessante colecção sobre lendas portuguesas que abrangem a totalidade do nosso país, continental e ilhas.
Assim, para além dessa sua curiosidade sobre a porta da traição (vou ter que analisar bem os seis livros para ver se consta dessa colecção), diga-me se há alguma outra região sobre a qual gostasse de conhecer os mitos criados. Tenho todo o gosto em passar aqui essas histórias. Será uma forma interessante e simultaneamente cultural de sabermos mais sobre as nossas terras e as nossas gentes.
Um abraço
Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Maria
Aqui vai uma listagem das histórias e lendas:
- Lendas religiosas
O Açor e o Príncipe
O cativo de Belmonte
Lenda do Convento das Mercês
A conversão dos mouros de Trancoso
A cura do Infante
Maria Mantela
Milagre do Enforcado
O milagre da Nazaré
O milagre da Senhora do Monte~
Milagres de Santo António
O monge e o passarinho
A mula da Rainha Santa
Nossa Senhora do Fetal
Lenda da ribeira de Cales
Santa Comba
Lenda de Santa Iria
Santiago e Caio
Lenda de Santa Aginha
Lenda do santo Servo
SãoJorge e o Dragão
O senhor do Galo de Barcelos
O Senhor Jesus de Alvor
O Senhor Jesus de Ponta Delgada
O Senhor de Matosinhos
O Senhor da Ribeira de Frielas
Senhora do Baleal
A Senhora do Cais
A Senhora da Lapa
A Senhora da Rocha
A Virgem da Abrigada
Vou mandar outra selecção a seguir.
Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
(cont.)
Lendas Históricas:
O Barbadão
A bilha de água
O castanheiro dos Amores
A lenda do castelo de Bragança
O Castelo de D.Branca
O Castelo de Faria
O Cavaleiro Henrique
O decepado
Os degolados de Montemor-o-Velho
Deu-la-Deu Martins
Egas Moniz, o Aio
A eleição do Rei
Lenda de gaia
Gil da Pena
Giraldo Giraldes
A Infanta Ximena
A Inês Negra
O Lidador
Mande Deus que se cumpra Isto!
Martim de Freitas
Martim Moniz
Mem Ramires e a Conquista de Santarém
O Milagre de Ourique
O Milagre das Rosas
O Monstro de Aljubarrota
A Nau Catrineta
Lenda das Obras de Santa Engrácia
Os Paços de D.Leonor
A Padeira de Aljubarrota
O Penedo da Saudade
A Lenda de Pedro Sem
D.Sapo
Lenda de Santa Joana Princesa
Tomada de Silves aos Mouros
A Truta de Celorico
A Truta da Rainha
(cont.)
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Lendas Etiológicas:
Lenda de Abrantes
Lenda de Alcácer do Sal
Alenquer
Algôs
Alvito
Lenda das Aldeias de amor e Cegovim
Aninha-a-Pastora
Bobadela
Boca do Inferno
Chacim
Chaves
Lenda da Costa de Caparica
Dornes
Estremoz
Fátima
Lenda de Figueiredo das Donas
Freixo de Espada à Cinta
Grândola
Linda-a-Velha
Lenda de Machico
Lenda de Maia
Lenda de Mileu
Lenda da Praia do Guincho
Lenda da paria da Rocha
Santa Marta de Penaguião
Lenda de Santarém
São Miguel dos Gémeos
Sertã
Sesimbra
Seteais
Torre de Moncorvo
Lenda de Valongo e Susão
Vila Nova de Ourém e Fátima
(cont.)
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Lendas Míticas:
Lenda de Almaceda
O Bicho Cidrão
Lenda do Cavalum
O Convite da Mirra
A criada de D.Loba
A Dama Pé-de-Cabra
O Diabo da Ponte de Alfosqueiro
Os ferreiros de Penedo
A Grade de Ouro
A Ilha das Sete Cidades
A Lenda dos Marinhos
O Penedo do Perseguido
Lenda da Ponte da Aliviada
A Raiva do Alva
O Rei Chiquito
Lenda da Serra da Estrela
As unhas do Diabo
(cont.)
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Lendas de Mouras:
O Algar do Mouro
Lenda das Amendoeiras
As Arcas de Montemor
Ardinga
Basília
Beatriz e o Mouro
A Bouça do Hortal
A Casa da Moura Zaida
O Castelo da Serra da Nó
Cid Alahum
O Cinto da Moura
A Cobrinha do Barranco
O Degredado de Ledão
Dinorah
O Encantamento de Estói
Fátima
Lenda da Fonte Mouro
A Mina do Crucho
Lenda de Moura
A Moura de Algoso
A Moura do Arco do Repouso
A Moura do Castelo de Tavira
A Moura Cassima
A Moura de Querença
A Moura de Salir
As Mouras do Rio Seco
O Palácio da Moura de Óbidos
O Palácio Sem Portas
A Parteira do Caratão
O Penedo do Sino
O Poço do Vaz Varela
O Tacho do Tesouro
A Tesourinha da Moura
Torre de D.Chama
Os Três Sapinhos
fim...................................uf!
kkkkkkkkkkkk
Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Cara Dona Maria
Pela minha parte, obrigada pela trabalheira que teve...
Fiquei curiosa com, Lendas de Mouras, "A Parteira do Caratão". Não se lhe é possível digitalizar, mas gostava tanto de a ler.
Com os melhores cumprimentos,
Alexandra
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Cara Maria David,
Como tem passado?
Muito obrigada pela lista. Agora queria só referentes ao castelo de Almourol e em especial a da porta da traição, se é que há alguma.
Um abraço
Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Cara Maria David
Podia-me fazer o obséquio de ver se nessa sua colecção constam as lendas de Panoyas:
-O Milagre da Batalha de Ourique
-A Noiva de Panóias
-A Menina do Valdeverde
-O São Sebastião
Obrigado desde já pela atenção
Com os meus melhores cumprimentos
Zé Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Desculpe, só agora verifiquei que colocou aqui a lista das lendas, considere o meu pedido sem efeito.
Zé Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Desculpe voltar a insistir, a Lenda do Milagre de Ourique é de Panoyas ou de outra localidade?
Zé Maria
Direct link:
RE: Garvão, Ourique
Caro
Estou certamente, para aprofundar o meu conhecimento sobre os celtas e os seus Deuses. Garvão e Panoyas são duas vilas geminadas pelo Deus Lug.
Cumprimentos
Zé Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Caro José Maria
Acabei agora mesmo de me ligar à net e vi as suas mensagens.
Consultei as obras que tenho e dos seus pedidos só posso satisfazer-lhe a curiosidade com "O Milagre da Batalha de Ourique", o que lamento....por si... e sobretudo por mim, que não possuo as outras lendas.
Quanto a Ourique, vou enviar ao longo do dia...é só ajeitar umas coisinhas aqui em casa... e transcrever o texto, ipsis verbis tal como o tenho...
Até já, então
Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Cara Alexandra
Sem qualquer problema! Tenho todo o gosto em lhe passar a dita lenda.
Aguarde, ao longo do dia, pois vou ter umas "prioridadezitas" que me vão ocupar algum tempo. Mas ainda hoje a vai ler, fique tranquila.
Até já.
Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Caríssima Maria
Estou mesmo desolada....o seu pedido é o único que não posso satisfazer, pois não consta, do meu conjunto de lendas.
Mas atenção, tenho uma outra colecção de história e lendas, feita pelo grande Oliveira Martins, que devido ao estado desses livros, se encontra guardada num dos vários caixotes que me servem de arrumação. A questão vai ser descobrir onde está e isso demora algum tempo. Se puder esperar....um destes dias vou vasculhar tudo e ver se encontro a "sua" lenda.
Até lá, veja se alguma das listagens que enviei tem interesse para si. Pelo menos alivia a minha tristeza em não lhe ter sido útil.
Abraço.
Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Cara Maria David
E a do Barbadão! Por mim queria-as todas, devia mandar-me comprar os livros e pronto! Mas o Barbadão é especial. Pode ser?
Antecipadamente grata
Maria Benedita
Direct link:
RE: Garvão, Ourique
Bem, a lenda em questão não trata de celtas nem de Deuses, mas de um romance de faca e alguidar, de uma jovem prometida, de um noivo que mais parece um gnomo, e de um verdadeiro apaixonado, que resulta numa coisa mais próxima de 'O carteiro toca sempre duas vezes' que de "A Voz dos Deuses" ...
Se mesmo assim estiver interessado, por favor queira o caro confrade confirmá-lo e trocaremos o texto por mail fora deste Forum (ainda são umas paginitas ...).
Cumprimentos. VF
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Olá Maria,
Não fique triste, pois gostei muito da listagem, pois adoro lendas, só que agora queria conhecer mais uma estória do Castelo de Almourol e em particular a da porta da traição, que não sei se está relacionada com a lenda da moura, princesa decerto, que contou ao amado cavaleiro cristão os segredos do castelo e este foi invadido, tendo-se o Emir dessa altura e sua filha, lançado das ameias para não serem presos e etc....
Tenho tempo, pois estou a organizar um passeio, particular, em Maio, e eu serei a guia-cicerone, no Castelo. Não há como mudar de actividade aos 65 "years old". Numa outra incarnação, quem sabe se fui guia turística!!!! tipo ET.
Tenho um livrinho que me deram, calcule, quando fiz 15 anos, sobre Lendas da Minha Terra, mas não o encontro. As limpezas tiram os livros do sítio... e depois temos que os procurar.
Sobre lendas do Castelo de Almourol para quem esteja interessado(a) há pelo menos:
Morais, Francisco de, Crónicas de Palmeirim de Inglaterra ( combate entre Palmeirim e o Cavaleiro Triste, pela atenção da princesa Missanguarda ou Misaguarda)
Silva, Rebelo da, O Castelo de Almourol e Contos e Lendas
Também, encontrei alguma coisa, na Wikipédia,a enciclopédia livre e na GEPB,Vol 2.
Beijinhos Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Cara Maria Benedita
Vou-lhe enviar a do Barbadão lá mais para a tarde. Acabei agora mesmo de escrevinhar as duas já pedidas e vou dar um pouco de descanso aos dedos ... lol
Mas conte com ela, com todo o gosto da minha parte.
Afinal, não estaremos a contribuir para uma maior divulgação do nosso património cultural, quer querendo saber, quer querendo divulgar?
Até logo
Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Caro José Maria, aqui vai o seu pedido:
Lendas Portuguesas – investigação, recolha e textos de Fernanda Frazão
In Amigos do Livro, Editores, Lda.
“O Milagre de Ourique
Conta a lenda que a batalha de Ourique foi o momento decisivo da independência do pequeno condado portucalense e que, no fim da peleja, Afonso Henriques foi aclamado pelos combatentes como rei.
Era noite. Véspera da batalha. Nos dois arraiais os guerreiros tentavam descansar. Nas coloridas tendas mouras o movimento fora intensíssimo durante todo o dia. De cinco reinos haviam chegado homens aguerridos, decididos a não deixar progredir o pequeno exército dos cristãos. Tinham vindo muitos de Sevilha e de badajoz para se juntarem à hoste composta por gente de Elvas, Évora e Beja. Diz-se mesmo que tinha vindo gente de além-mar.
Durante o dia, não tinha havido descanso para ninguém. Os alfagemes afiaram alfanges, adagas, pontas de lança. Ass setas tinham sido cuidadosamente vistoriadas e guardadas nas aljavas. Os velozes alfarazes da cavalaria moura tinham tido ração suplementar e agora relinchavam respondendo aos puros-sangues árabes dos grandes senhores que, impacientes, esperavam pela acção, pelo combate. Enfim, era noite e a algazarra que pairara todo o dia sobre o arraial esmorecera um pouco e só se ouvia como que um zunir de moscas.
No acampamento cristão também agora pairava um como que silêncio, em comparação com a azáfama que se vivera de dia. Também os ginetes de guerra estavam prontos e impacientes; também as espadas tinham sido afiadas; os peões haviam experimentado as bestas para que tudo corresse como desejavam. Os guerreiros descansavam nas tendas, recostados em leitos improvisados com as peles dos animais mortos lá mais ao norte, nas selvas que bordejavam as suas tenências e propriedades.
Também Afonso Henriques estava recostado na sua tenda. Dera ordem aos escudeiros para que ninguém o incomodasse, a menos que a urgência fosse extrema. Não conseguia dormir. Pensava na batalha que haveria no dia seguinte, na enorme cópia de gente moura que se ajuntara contra a sua minúscula hoste. Corria até que o exército árabe tinha uma ala de mulheres guerreiras... mas, era necessário vencer...
Deus se encarregaria de mostrar ao infiel o Seu poder pelo braço dos guerreiros.
Neste balanço se encontrava Afonso I quando o apanhou o sono. E nesse estado de semiadormecimento apareceu-lhe, como que em sonho, um ancião. Fez sobre ele o sinal da cruz, chamou-lhe escolhido por Deus e alentou-o para a batalha. Entretanto, um pequeno ruido à cortina da tenda fê-lo acordar sobressaltado: era um seu escudeiro que vinha dizer-lhe que estava ali um velho que queria falar-lhe com muita urgência.
Estupefacto, Afonso Henriques viu, na penumbra, surgir-lhe diante dos olhos, bem despertos, o velho do sonho de há pouco:
- Tu, outra vez? Quem és afinal, ancião? O que me queres?
- Quem sou não interessa...Acalma-te e ouve o que venho dizer-te da parte de Jesus, Nosso senhor: daqui a instantes, quando ouvires tocar os sinos da ermida onde há já sessenta e seis anos vivo, deves sair do arraial, só e sem testemunhas. É isto que ele manda dizer-te!
Antes que o guerreiro pudesse abrir a boca, o velho desapareceu na noite, sem deixar rasto.
Daí a instantes, soou, efectivamente, o sino da ermida e Afonso Henriques pegou na espada e no escudo, com gestos quase automáticos, e saiu da tenda embrenhando-se na noite, sem destino, só, como lhe fora recomendado pelo velho.
Subitamente, um raio iluminou a noite e de dentro dele saiu uma cruz esplendorosa. Ao centro, estava Jesus Cristo rodeado de anjos. Afonso Henriques, ajoelhado, deixou-se ficar boquiaberto, sem saber o que dizer, sem se atrever a quebrar o instante, até que dentro de si ouviu Jesus dizer-lhe:
- Afonso, confia na vitória de amanhã. Confia na vitória de todas as batalhas que empreenderes contra os inimigos da Cruz. Faz como a tua gente que está alegre e esforçada. Amanhã serás rei.
Apagou-se o céu e a visão celestial desapareceu, como viera.
No dia seguinte a batalha foi terrível. Os mouros eram aos milhares e avançavam ferozmente contra os guerreiros afoitos de Afonso Henriques. Ao primeiro embate muitos homens cairam no chão trespassados pelas lanças. Puxou-se então por espadas e alfanges e a planície foi invadida por um tinir de ferros misturados com a gritaria de toda aquela imensa multidão e os relinchos doloridos dos cavalos feridos e moribundos. Durante muito tempo, foi um verdadeiro inferno.
Os guerreiros cristãos, porém, levaram a melhor. Em breve, os mouros sobreviventes fugiram pela planície fora, deixando o solo pejado de corpos mutilados de cadáveres e moribundos. Do lado cristão também eram muitos os mortos e feridos, mas os sobreviventes proclamavam a vitória gritando excitados:
-Real!Real! Por Afonso, Rei de Portugal!
Diz a tradição que nesse momento, e em memória do acontecimento, o rei pôs no seu pendão cinco escudos, representando os cinco reis mouros que derrotara. Pô-los em cruz, pela cruz de Nosso senhor, e dentro de cada um mandou bordar trinta dinheiros, que por tanto vendera Judas a Jesus Cristo.
Esta é a patriótica lenda com que os portugueses quiseram perpetuar um facto que na realidade foi bem diverso.
As fontes históricas não concordam com a lenda, que se sabe ter sido forjada séculos depois do acontecimento. A batalha não foi de modo algum tão importante para a independência do novo reino que se afirmava na panínsula Ibérica. Os documentos coevos, especialmente os da histografia árabe, tão pródiga na descrição de acontecimentos deste tipo, ainda que fracassados para o seu lado, não faz menção de tal batalha que, a acreditar na lenda, teria sido importante e decisiva para o poderio muçulmano no além-tejo árabe.
Entre os mulçumanos existia então um desentendimento dinástico entre almorávidas e almoádas, que provocava lutas intestinas e desagregadoras de forças, pelo que não veio qualquer auxílio de além-mar para os árabes que lutaram nesta batalha e foram em número muito inferior ao que se fez crer. Sob o ponto de vista militar e estratégico, a batalha de Ourique não passou de mais um fossado cristão, isto é, uma surtida em território inimigo como era frequente fazer-se de ambos os lados.
Quanto ao título de rei que esta lenda diz ter sido dado por aclamação a D.Afonso Henriques, já este o utilizara bastas vezes em documentos escritos que se conservam nos Arquivos.”
Maria
Direct link:
Oh! Belo imaginário!
Cara Maria David:
Começo por agradecer a disponibilidade que teve em apresentar aqui tanto do nosso imaginário popular. Verdadeiros tesouros!
Li os títulos, rui-me de inveja por não ter essa colecção e, porque sou natural da encantada e decantada região de Lafões, vinha pedir-lhe a amabilidade, se possível, de me brindar com duas lendas que estão ligadas às minhas raizes: a lenda de Figueiredo das Donas e a lenda do Cid Alahum. Isto, claro, se não for abusar da sua boa vontade!
Grato pela atenção,
disponha sempre:
Eduardo Nuno Oliveira
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Cara Alexandra, segue agora a satisfação ao seu pedido:
Lendas Portuguesas – investigação, recolha e textos de Fernanda Frazão
In Amigos do Livro, Editores, Lda.
“A Parteira do Caratão – lenda beirã
Contou-me a minha avó que a bisavó do meu pai assistia aos nascimentos dos filhos das mouras. Foram muitas as maravilhas que lhe aconteceram mas não mas contou todas porque muitas já as esquecera com a idade.
Um dia, depois de assistir a um parto, o mouro que a tinha ido chamar pagou-lhe o serviço dando-lhe lenha para ela se aquecer quando chegasse a casa, pois estava muito frio. Como esperasse outra paga, a bisavó do meu pai, muito contrariada mas com medo do homem, pôs uma pouca de lenha no cesto e foi-se embora. A meio caminho de casa deitou fora os cavacos, que suficiente já lá havia em casa.
Quando pousou o cesto à porta de casa, viu com grande espanto que havia lá dentro bocadinhos de lenha transformados em ouro. Muito contrariada pelo seu desavisamento voltou logo para trás, pelo mesmo caminho, para tornar a apanhar a lenha.
Mas o mouro que a chamara já esperava que ela deitasse fora a lenha e tinha ido atrás recolhê-la. Assim perdeu a bisavó do meu pai uma grande riqueza.
Doutra vez, depois do serviço feito mandaram-na lavar a cara. Achou muito estranho e, por isso, só molhou uma mão e lavou metade da cara.
Um ano depois, estava a bisavó do meu pai a aviar-se na feira de Gavião, encontrou o marido da moura e perguntou-lhe se o filho estava de saúde. O homem respondeu-lhe delicadamente, depois mandou-a fechar um olho e perguntou-lhe se o conhecia. Como ela dissesse que não, mandou-a fechar o outro e a bisavó do meu pai reconheceu-o logo. E vai daí o mouro tirou uma faca da algibeira e arrancou-lhe o olho que ela não tinha lavado, para ela nunca mais o conhecer.
Doutra vez, a bisavó do meu pai foi chamada a casa de uma moura, no sítio que hoje se chama Buraco da Moura. Quando chegou ao sítio que lhe tinham indicado, ficou muito espantada porque só viu uma queda de água. Quedou-se especada em frente daquilo até que de repente as águas se afastaram para ela passar.
Hoje diz-se que quem cair naquele sítio nunca mais de lá sai e acaba por morrer. Mas a bisavó do meu pai contou que viu lá dentro uma casa muito bem-posta e que a moura que ela ajudou era rica e bonita.
E pronto, já não sei mais histórias dessas de quando a bisavó do meu pai era parteira das mouras.”
Maria
Direct link:
RE: Oh! Belo imaginário!
Caro Eduardo
Vou ter todo o gosto em o brindar com o que quer...só mais logo, sim?
...é que vida de mulher é mesmo dose de leão: himalaias de roupa...pirâmides de tachos e panelas...oceanos de limpeza...enfim, aquelas coisas que nos tiram as pequenas alegrias.
...aceito de coração aberto quem me ofereça uma verdadeira VARINHA Mágica que me tire deste inferno....
(ai...porque não me calha a mim uma pequena dose do Euromilhões?!....)
Maria
Direct link:
RE:Barbadão
Cara Maria David
Bem haja!
Claro que acho importantíssimo esse património cultural e, especialmente, a sua divulgação entre as camadas mais jovens que precisavam de aprender a sonhar. Na minha infância havia um programa de rádio que eu não perdia: "Lendas e Narrativas"! E a importância que isso teve para mim! E a inveja que tive da minha prima aquem ofereceram as " Lendas Britânicas", com a história do Sidarta! Tempos velhos em que não havia TV ( e eu vivi parte da minha infância numa quinta, a 5 Km de Viseu, aonde a electricidade só chegou em 1961! Robava velas para ler, diziam - me que eu ia " estragar" a vista)
Um abraço
Maria Benedita
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Cara Maria David
Obrigado por ter transcrito a lenda da Batalha de Ourique. Deu-lhe muito trabalho certamente, mas é sempre reconfortante saber que com o seu gesto gracioso esteve a contribuir para uma causa nobre, neste caso a cultura.
É uma lenda bonita, mas é de origem erudita, a de raiz popular sempre tem mais encanto!!!
Por isso, eu lhe perguntei se era a de Panoyas!!!
Deixo aqui uma pequena parte da lenda da Batalha de Ourique, cantada em verso da autoria de Maria Joaquina Rosa, uma panoniana nascida e criada na terra a que D. Afonso Henriques deu nome:
……
Aproximam-se de um poço
Junto à povoação
E ordena-lhes D. Afonso
-Deponham armas no chão!
Alguns entrando na terra:
-Ó bom povo, aparecei!
Foi aqui o fim da guerra!
Afonso Henriques já é rei!
E o povo que apenas tinha:
"Quase nada" em seu celeiro,
Fez-lhes, da pouca farinha,
Cinco pães e um merendeiro.
D. Afonso ao ver o pão,
Que prá tantos não chegava,
Recolheu-se em oração:
Por mais a Deus suplicava.
E o pão se multiplicou!
Já toda a gente comia,
Foi tanto que até sobrou
Do tão pouco pão que havia!
……….
Saudações fraternas
Zé Maria
Direct link:
RE:Barbadão
Nem me fale em infância, por terras beirãs!...dá-me cá uma saudade enorme...dessa infância e desses tempos...e dessas terras...e de toda a magia que parecia envolver o mundo à nossa volta...e que nos ajudou a refinar a sensibilidade para tanta coisa...e nos permitiu chegar hoje, aqui, com verticalidade na alma que os valores dessa infância alicerçaram...
Bem-hajam (como esta expressão é bem nossa!) digo eu, por poder ter a oportunidade de mais uma vez dizer o que penso, sabendo que sou entendida.
Maria
Direct link:
RE: Oh! Belo imaginário!
Cara Maria,
Agradeço a sua generosidade! E quanto ao momento, não se preocupe, quando puder ser!
Se lhe pudesse pagar com a varinha de condão ou com o euro milhões, acredite que o faria! Mas como não passo de um pobre e humilde servidor dos Homens, apenas lhe posso agradecer e retribuir com o que de mim precisar.
Sempre à sua disposição,
Eduardo Nuno Oliveira
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Caro Zé Maria,
Aqui ficam outras quadras estas do poeta António Correia de Oliveira
O génio do nosso Reino
Inda espírito que faz?
Meteu-se todo no corpo
de Afonso lindo rapaz
Meteu-se todo em seu peito
Quase nem espada em baínha;
E a espada rompeu ao Mundo
No tempo em que a Deus convinha
E a espada abriga Castela
Ao que Deus nos dera herdar;
Dos increus, gulosos Moiros
Desinça o belo pomar
Noite e dia, sem descanso
Que despicado despique
Galopada a Valdevez,
Firme arrail em Ourique
Quantos Castelos tombaram
De Coimbra a Santarém?
Oh, que seara de Torres,
Que ceifas, Moirama além!
A quanta mesquita-em aula
De Alcorão- chegou a voz
De aprender um Latim Novo
Já soando a português!
Lisboa, até! Quando Cristo
Nela entrou mai-los cruzados,
Pensou ficar- dando ao Mundo
Novos Lugares Sagrados
Bem podendo à Cruz de Ourique
chamar-se, em alta certeza,
"Invenção de Santa Cruz",
A da Pátria Portuguesa!
Cumprimentos
Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Cá vai a sua lenda, Maria Benedita:
Lendas Portuguesas – investigação, recolha e textos de Fernanda Frazão
In Amigos do Livro, Editores, Lda.
“O Barbadão – lenda histórica
Na velha ermida de Nossa Senhora de Mileu, em Veiros, no Alentejo, há um túmulo onde se diz estar sepultado, com sua esposa Mafalda Anes, Pero Esteves, conhecido por “o Barbadão”.
Entre os vários filhos deste casal, uma rapariga chamada Inês Peres ou Pires, veio a ser mãe do fundador da Casa de Bragança, o Infante D.Afonso, bastardo de D.João I.
Antes de entrar na lenda, impõe-se uma explicação sobre a razão da alcunha de Pero Esteves, explicação esta que tem a ver com a história do uso da barba.
É sabido que à barba foram sempre atribuídas, através dos tempos e das civilizações, determinadas prerrogativas. Por isso, tempos houve em que usar barbas só era permitido aos homens livres, sendo proibido o seu uso a condenados e a escravos.
Em muitos povos a barba foi considerada adorno sagrado e, de qualquer modo, em geral, o uso da barba foi sinal de nobreza de carácter. É célebre na nossa história o episódio das barbas do vice-rei da Índia D.João de Castro , como ficou célebre a história de pero esteves, que as deixou crescer em sinal de protesto contra o procedimento desonroso de sua filha.
Deve, entretanto, compreender-se que o uso da barba obedeceu a modas, normalmente impostas pela classe dominante, tendo em atenção que esta imposição não era pragmática, antes constituía uma atitude mimética da parte dos escalões mais baixos da sociedade.
Assim, no decorrer da nossa História, houve épocas em que o não uso da barba constituiu moda. Está neste caso todo o final do séc.XIV, desde que o rei D.Fernando decidiu rapar a sua própria face. Vemos então que durante todo o reinado de D.João I não houve o costume de deixar crescer a barba ou até o bigode. Da iconografia desse período é excepção o infante D.Henrique, que foi sempre representado de bigode estreito de pontas caídas e mosca repartida em pontas divergentes.
Depois desta explicação, necessária em absoluto à compreensão da lenda, vamos agora contar como tudo se passou.
Era D.João ainda apenas Mestre de Avis e reinava em Portugal el-rei D.Fernando. Provisoriamente, havia paz em todo o reino e, não se sentindo a ameaça de Castela nos castelos fronteiriços, a vida decorria entre prazeres cortesãos e treinos de armas.
Também no Castelo de Veiros, pertencente à Ordem de Avis, os dias corriam calmos, mais propícios a justas de amor do que de armas.
O Mestre aborrecia-se com a falta de exercício físico e, para obstar ao amolecimento, todos os dias fazia grandes cavalgadas ou terçava armas com os seus homens. Pela tarde passeava o tédio pelas estreitas ruas da vila, aproveitando para saber se tudo estaria prestes em caso de emergência.
Num destes passeios conheceu Inês Peres, filha de um homem-bom da vila de Veiros, sem foros de fidalguia.
Conta a lenda que D.João se enamorou de Inês e a raptou, numa altura em que Pero Esteves andava na guerra, cometendo um acto considerado desonroso para consigo mesmo e para com a donzela.
Não se sabe quanto tempo durou o entusiasmo de D.João, mas é provável que durante alguns anos o Mestre tenha vivido com Inês Peres que dele teve, pelo menos, dois filhos: D.Afonso, futuro duque de Bragança e D.Beatriz, que casou com um conde inglês.
Segundo diz a tradição, Pero Esteves, sabendo da desonra de Inês enquanto estava na guerra, voltou a Veiros, onde deixou crescer a barba e nunca mais, em vida sua, pôs os olhos naquela sua única filha.
Foi a partir de então que as gentes da vila, reconhecendo naquela barba crescida e insólita um sinal de extrema honradez moral, passaram a alcunhar Pero esteves de o Barbadão.”
Maria
Direct link:
RE: Oh! Belo imaginário!
Caro Eduardo
Chegou agora a sua vez!! .....lol
Cá vão os seus dois pedidos:
Lendas Portuguesas – investigação, recolha e textos de Fernanda Frazão
In Amigos do Livro, Editores, Lda.
“Cid Alahum – lenda beirã
Na serra do caramulo há um monte chamado Lafão. No cume desse monte existem umas ruínas cujas pedras desafiam céus e penhascos. São talvez as ruínas do velho castelo do mouro Cid Alahum.
Não se sabe bem porque razão Cid Alahum pediu ao alarife que desenhou o castelo que não lhe fizesse portas. Que medo habitaria este mouro para mandar construir um castelo ali no alto das penedias, muralhado de escarpas, sem portões de entrada, sem portas de saída? Impossível sabê-lo. A entrada para esse castelo inexpugnável era feita através de um subterrâneo, secreta e escondida passagem só conhecida do alcaide Cid Alahum.
Um dia, conta a lenda, os cristãos chegaram ao Caramulo. Nas suas correrias pela Península Ibérica, tinham já reconquistado aos conquistadores de outrora mil castelos, mil fortalezas. E agora queriam também aquela fortaleza batida sobre os penhascos do monte Lafão.
Para além da primeira muralha de penedo escarpado, ficavam as muralhas do castelo de Cid Alahum, e dentro das muralhas estavam os guerreiros, e dentro de cada guerreiro instalara-se Cid Alahum, o único detentor do segredo da entrada para o castelo.
Os cristãos, no entanto, puseram-lhe cerco e quando se cansaram da inacção atacaram. Mas os mouros de Cid Alahum, de todas as vezes que foram atacados, defenderam-se furiosamente.
Os cristãos começaram a ficar em desespero ao verem que não conseguiriam levar a sua avante, pela força. Decidiram mudar de táctica e levantaram o acampamento, arrebanhando nessa altura todas as cabras que se espalhavam pelo monte Lafão.
Assim, certa noite escura em que os mouros já estavam descansados pensando que os sitiantes tinham partido para longe, os cristãos subiram com as cabras até ao topo do monte sem fazerem ruído. Aí, ataram-lhe aos chifres quantos archotes puderam, acenderam-nos e tocaram as cabras monte abaixo. Com esta ideia pensavam eles fazer sair os mouros de entremuros, o que de facto aconteceu.
Espantados pela luminária que, inesperada e misteriosa, se ia espraiando monte abaixo até ao sopé, os mouros pensaram que por qualquer ignoto desígnio de Alá o céu descera à serra. Saíram das muralhas e desceram atrás das luzes, curiosos do que aquilo seria.
Os cristãos, escondidos atrás dos penedos, desemboscaram-se imediatamente, matando quantos mouros puderam.Alguns conseguiram escapar, e quem sabe se entre eles Cid Alahum, levando consigo todos os seus tesouros. O castelo, porém, caiu sobre a garra dos cristãos e nunca mais os mouros o habitaram, nem mesmo em ruínas.”
Lendas Portuguesas – investigação, recolha e textos de Fernanda Frazão
In Amigos do Livro, Editores, Lda.
“Lenda de Figueiredo das Donas – lenda beirã
Figueiredo das Donas é uma pequena freguesia situada na região de S.Pedro do Sul. Ao seu nome anda ligada uma lenda velhinha, anterior mesmo ao nascimento de Portugal, e uma obra poética das mais antigas da nossa literatura, a Canção do Figueiral, que se atribui a Goesto Ansures, o herói desta história.
Na época em que se passa esta história, havia na Península inúmeros pequenos reinos, uns cristãos outros mouros, que se guerreavam entre si. Mauregato, filho de D.Afonso, o católico, e de uma escrava moura, decidiu usurpar o trono a seu sobrinho Afonso, filho do rei D.Fruela. Com esse fim, aliou-se ao califa de Córdova, Abd-el-Raman, célebre pela ferocidade e valentia com que atacava os cristãos. E o califa aproveitou a ambição de Mauregato, impondo várias condições, das quais a mais humilhante e cruel foi o tributo de cem donzelas que o cristão lhe deveria fornecer, anualmente, com destino aos haréns mulçumanos.
Entretanto, Mauregato havia renunciado à religião de seu pai e tornara-se maometano, como o seu novo senhor.
Depois de vender o filho de D.fruela, em 783, Mauregato viu-se aclamado pela força das armas, mas ficou sendo conhecido como o homem mais desprezível e indigno do seu tempo.
Comecemos, então, a nossa história:
Chamavam “caçadores” aos miseráveis que, disfarçados, estavam incumbidos de escolher e escoltar as donzelas – cinquenta nobres e cinquenta plebeias – destinadas ao tributo anual de Mauregato. Ora, os caçadores tinham já arrebatado de casa de seus pais cinco raparigas, quando chegaram ao castelo de D.Ramiro.
D.Ramiro tivera três filhos e deles só lhe restara D.Mécia, visto os moços lhe terem morrido na guerra.
Mas D.Ramiro estava velho e, apesar de representante altivo e orgulhoso de uma velha estirpe, não pôde nem conseguiu opôr-se àquela infâmia.
E lá viu partir a filha, entre os caçadores, a caminho do harém do califa cordovês, sentindo crescer em si o ódio pela sua própria impotência.
Num dia quente de julho, ao passar perto de Viseu, a escolta parou num sítio a três léguas de distância. Era a hora do meio dia e o calor tornava a caminhada insuportável. Os mouros fizeram uma paragem para seu repouso e dos animais.
Na verdade, também não queriam arriscar a vida das raparigas, pois tinham de entregá-las no melhor estado de saúde ou as suas cabeças não pesariam grande coisa na consciência de Mauregato.
Havia por ali um casebre, nele enfiaram as seis donzelas, enquanto eles mesmos se deitaram a descansar, cá fora, à sombra de um figueiral.
Dentro da cabana, as pobres raparigas choravam e lamentavam a sua sorte, lançando pragas contra Mauregato e os caçadores.
Os homens, debaixo das figueiras, riam alto dos lamentos das infelizes e, de vez em quando, faziam-lhes um relato do que as esperava, o que contribuía para aumentar lágrimas e lamentos.
Pouco a pouco, os mouros, pela força do calor e do cansaço, deixaram-se adormecer á sombra das figueiras.
De repente, começou a ouvir-se ao longe um tropear surdo de cavalos, vindos na direcção da cabana. Era o altivo cavaleiro Goesto Ansures que, acompanhado por alguns pagens, procurava causas para combater e ganhar.
Ouviu o cavaleiro os gemidos e prantos das donzelas e aproximou-se do casebre para oferecer a sua ajuda. Olhou pela pequena janela e descobriu espantado D.Mécia, por quem estava enamorado. Não conseguiu Goesto Ansures reter as lágrimas nos seus olhos. Enquanto o seu coração se enchia de dor e desespero. Prometeu salvá-la, prometeu salvá-las a todas.
Correu então para os mouros que acordaram, sobressaltados pela gritaria e surpreendidos pelo ímpeto do cavaleiro. Desafiou-os, dizendo:
Levantai-vos, cobardes! Isto não é uma donzela fraca e desprotegida, isto é o braço de um cavaleiro lutando pela sua dona! Por Santiago e D.Mécia!
Por alá ! - bradaram os mouros, levantando-se à pressa.
Arremeteu com fúria Goesto Ansures, acompanhado pelos pagens. Já alguns caçadores estavam por terra, uns trespassados pela lança, outros derrubados pelas patas do seu cavalo.
Desembainhando o montante, espadeirada à direita, espadeirada à esquerda, jorrou o sangue infiel. Um elmo mourisco aparou um rude golpe em falso de Goesto Ansures e a lâmina da sua espada voou em pedaços. Sem saber o que fazer, o cavaleiro suspendeu momentaneamente a sua fúria. Olhando em volta num relance, viu um tronco de figueira no chão, a seu lado. Pegou-lhe e, com ele, matou os últimos mouros que sobreviviam.
Cansado, meio cego de sangue e de ódio, o cavaleiro contemplou o campo de batalha, enquanto uma lassidão se apoderava do seu corpo, agora em sossego. Tudo era silêncio na natureza. Nem a cigarra deixava ouvir o seu cântico monótono, de uma nota só, silenciada pelo tinir das espadas e pelos gritos dos homens.
Goesto Ansures retomou em breve o ânimo. Abriu a porta do casebre e ajoelhou ante D.Mécia, beijando-lhe as mãos, agradecido pela oportunidade que tivera de lhe ser útil. A donzela levantou-o do chão e pediu que a levasse a casa de seu pai. Montou D.Mécia o ginete de guerra do cavaleiro e Goesto Ansures, pegando nas rédeas da montada, conduziu-a ao castelo de D.Ramiro.
O velho cavaleiro, louco de alegria, concedeu a mão daquela filha – que outra não tinha – ao valente libertador. Mas, antes do enlance, juntou-se o povo aos gurreiros e, depois de muito batalhar, derrotaram o mulçumano, abolindo assim o ignóbil tributo de donzelas.
Em memória deste feito, nasceu em volta do miserável casebre uma pequena povoação à qual chamaram Figueiredo das Donas, ali para os lados de Viseu.”
Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Ao José Maria e Maria Oom:
Obrigada por essas versões em verso!
Está a ser bem divertido, para mim, revisitar a infância quanto a histórias...desta feita, histórias da nossa História, sem lobos maus nem bruxas malvadas.....eheheheheh
Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Cara Maria David
Muito, mas muito obrigada pela lenda beirã. Sou beirã de pai e mãe e apesar de ter nascido em Moçambique sinto-me beirã.
Mais uma vez, obrigada.
Os meus cumprimentos,
Alexandra
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
De que terra da beira, Alexandra? É que a minha família também é da beira, mais rigorosamente falando, beira interior.
maria
Direct link:
RE: Oh! Belo imaginário!
Cara Maria,
Quanta consideração e boa vontade! Muito obrigado pelo trabalho de transcrever essas duas magníficas lendas da minha região. Obrigado ainda por me ter feito sonhar!
A Maria não tem uma varinha mágica, mas tem magia na sua generosidade!
Creia-me à disposição,
Eduardo Nuno Oliveira
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Da linda Celavisa que é uma freguesia de Arganil. Caratão é um lugar da Celavisa. Já agora qual é a sua terra beirã?
Alexandra
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Essencialmente, Covilhã; mas tenho algumas pontas em toda a Cova da Beira (Teixoso, Belmonte, Fundão, Penamacor, Idanha, Monsanto, Castelo Branco). Ainda só consegui chegar até ao século XV.
Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Não estamos muito longe.
Em alguns ramos também já fui longe, 1584. A "minha" freguesia era e ainda é pequena, as famílias estão, quase todas, ligadas umas às outras.
Se alguma vez tropeçar com gentes da Celavisa, agradeço que me informe. Eu farei o mesmo.
Alexandra
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Cara Maria David
Muito, muito obrigada por me ter relembrado a lenda (Histórica) do Barbadão! A importância da barba em aspectos de honra ou de luto, creio que no caso de Pero Esteves seria em sinal de luto pela filha que considerou morta em vida, sempre me causaram impressão estranha, de arrepio. O arrepio que sinto sempre ao ouvir o Hino Nacional!
D. João de Castro empenhou as barbas! Tempos de uma poesia intensa em que a palavra e a honra eram coisas pelas quais se morria.
Creio ter cá em Lisboa ( os meus livros estão sempre dispersos) um livro de Lendas e Narrativas. Vou procurá-lo e tentar contribuir um pouquinho para estes momentos tão bonitos. Só falta o fogo na lareira e a caruma para incendiar e fazer rodinhas de fogo enquanto se ouvem coisas lindas!
Bem haja
maria Benedita
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Caro José Maria,
Ao reler a Lenda da Batalha de Ourique por Marques,Gentil, Lendas na Nossa Terra,Vol.I,Edi. Lavores, Lisboa
."...montes de cadáveres, enchendo todos os terrenos desde o lado de Ourique até às Cabeças dos Reis, onde segundo a tradição os cinco reis mouros acabaram degolados..."
Daí que bandeira portuguesa passasse a ter cinco escudos em cruz, representando os cinco reis vencidos e as cinco chagas de Cristo
Cumprimentos
Maria Oom Oliveira Martins
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Cara Maria Oom Oliveira Martins
Bonitos versos de um grande génio da Alma Portuguesa!
De facto os Reinos de Portugal e Jerusalém foram fundados por acção Divina!!! Os homens só foram os servos de Deus!!!
A Invenção da Santa Cruz, só pode ter sido por Deus, tudo no Mundo foi inventado por Ele, os homens não inventam nada, apenas descobrem.
Foi assim que por vontade de Deus, os seus servos descobriram na Terra Santa o madeiro onde fora crucificado o seu filho; Jesus Cristo. A Santa Cruz foi depois da formação do Reino de Jerusalém pertença dos Templários que a guardavam de dia e de noite por dez cavaleiros. Aquando da perda do Reino de Jerusalém e depois de recuperada teria passado para a Ilha de Rodes, onde depois por receio desta Ilha ser tomada pelos inimigos dos Cristãos, teria passado ao Reino de Portugal que funcionou como reino de rectaguarda no caso de perda da Terra Santa pelos cristãos.
Essa missão de trazer a Santa Cruz coube a uma das maiores mulheres de sempre, D. Vataça, uma templária muito devota a Deus, que numa armada vinda do Oriente chegou a Portugal trazendo uma 1/3 parte da Cruz, a qual ela doou à Vila de Panoyas terra do Espírito Santo, e também parte dela à Igreja do seu Castelo de Cacém onde ainda hoje se encontra.
A Vera Cruz doada por D. Vataça à Vila de Panoyas da qual ela era Senhora, desapareceu e ainda no tempo de D. Jorge de Lencastre, Mestre da Ordem de Santiago, quando este visitou a Vila perguntou pela Cruz que se encontrava encastrada em prata e depositada na Igreja Matriz de S.Pedro,O Príncipe dos Apóstollos " ...Achamos que em tempo del Rey Afonso meu avoo foy tomada desta villa hua cruz de prata a quall atee oje se nom rrecadou por culpa e negrijemcia dos oficiães da dita villa pollo quall mandamos aos ditos oficiães que demtro de huu anno mandem recadar a dita cruz e a tragam a esta villa ssob pena de quinhentos reais cada huu pera a fabrica da dita jgreja..."
Tudo indica que tenha sido Pedro Álvares Cabral, sobrinho do Comendador, a quem a Cruz estava à guarda, que a levou quando se desligou da Ordem de Santiago e aderiu à de Cristo, a confirmar-se, Pedro Álvares Cabral teria levado a Vera Cruz da Vila de Panoyas para o descobrimento da Terra de Vera Cruz.
Será para cantar bem alto, como o grande Génio:
O génio do nosso Reino
Inda "Espírito Santo" que faz?
Meteu-se todo no corpo
de Afonso lindo rapaz
Com os meus melhores cumprimentos
Zé Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Cara Maria David
Sei que estou a ser maçador, mas não resisto a fazer-lhe outro pedido, fazia-me um grande favor transcrever aqui no Fórum a lenda de "A Mula da Rainha Santa", sei que lhe vai custar muito, como se tivesse o Mundo às suas costas, mas tenho a certeza que no fim vai ser gratificante!
Não é preciso ser para já, faço-o de vagar, sem pressas, porque tem todo o tempo da vida, para fatisfazer mais um pedido de um alentejano!!!
Muito e muito reconhecido
Zé Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
PF veja a informação da CM de Vila Nova da Barquinha que se segue
"LENDA DE ALMOROLON
No século XII era senhor de Almorol um emir árabe chamado Almorolon, do qual pretendem alguns que o Castelo tomou o nome.
Nele habitava um moiro com uma filha, formosíssima donzela que adorava.
Quiseram os fados que a bela jovem se enamorasse dum cavaleiro cristão, a tal ponto que a paixão lhe revelou o modo e a arte de o introduzir de noite no Castelo a que se habituara, em repetidas incursões amorosas, franquear a porta deste a companheiros seus que perto embuscados aguardavam.
E assim foi o Castelo traiçoeiramente conquistado. Mas desiludida e triste vitória foi esta, que o emir e sua filha, estreitamente abraçados, lançaram-se das muralhas do castelo ao rio, preferindo tal morte ao cativeiro resultante de tão vil derrota."
A Lenda que procura (ligada à porta) será esta por certo.
Pessoalmente esse é um local mágico para mim pois foi enquanto meu trisavô governava militarmente esse Castelo que nasceu meu bisavô. Na familia dizia-se que teria mesmo nascido no aquartelamento que tinham no Castelo mas o fundo verídico nunca se saberá. Mas de facto ele foi registado como nascido naquela freguesia onde se situa o Castelo.
Rui Correia
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Caro Rui Correia,
Muito obrigada pelas informações.
Eu também suponho que seja essa a porta (paterna).
Já consultei o site de V Nova da Barquinha e todos os que me aparereceram só me falta procurar nas Lendas e Narrativas.
Julgo que é um local mágico para cada um e para todos que o visitam.
Bem haja
Cumprimentos
Maria Oom Oliveira Martins
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Caro José Maria
Reparei agora no seu pedido. Vou mandar-lhe essa lenda da Mula da Rainha Santa. Como não tem pressa, entre hoje e amanhã conte receber.
Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Cara Maria,
É verdade que a Batalha de Ourique está envolta em lenda. Nem sequer se sabe ao certo onde foi. E porque não, aqui mais perto de Lisboa, onde ainda existe o topómimo "Campo de Ourique" ?
A lenda que conheço, é ligeiramente diferente. Mete uma paragem do Sol, por intervenção divina, dando assim tempo a Afonso Henriques para acabar de dar cabo dos 5 reis mouros ...
Quanto à aclamação de Afonso como Rei, ela ter-se-á dado efectivamente, e campo de batalha, pelos seus guerreiros, aliás na tradição suevo-visigótica.
D. Afonso Henriques podia aspirar ao título de "rex" por ser filho de "regina" (filha de Rei). Mas estes títulos - "rex" e "regina" - embora muito elevados e apenas concedidos à mulher e aos filhos e filhas de reis, não correspondiam necessariamente à chefia de um "regnum" ao seja, um estado independente, embora subordinado a um Imperador ou ao Papa. É nesse contexto de D. Afonso Henriques assina como "rex", mesmo antes da fundação de Portugal.
Se em 1143 lhe é concedido o título de Rei, pelo legado papal Guido de Vico, não era ainda uma independência efectiva, uma vez que se mantinham os laços de vassalagem para com Afonso VII de Leão (Rei e Imperador). O nosso Rei, tenta ultrapassar esta situação, colocando-se, a ele e aos seus sucessores, como vassalos directos do Papa (Lúcio II) a quem, além de vassalagem promete um tributo de 4 onças de ouro. A resposta do Papa foi bastante dúbia e só em 1179 Alexandre III reconhece oficialmente D. Afonso Henriques como Rei e Portugal como Reino independente. Para melhor compreensão da política papal, deve ter-se em conta que, após a morte de Afonso VII (1157), o título de Imperador é abandonado em virtude de os seus filhos terem dividido o reino entre si.
Mas voltando à aclamação: todos os Reis de Portugal, até D. Manuel II, foram aclamados antes de investidos. Ao contrário de outros países onde vigorava, e ainda vigora, o "Morreu o Rei, Viva o Rei!".
Isabel Pereira Coutinho
Direct link:
"A Donzela Soldado"
[Beeem, se as mulheres de Garvão forem todas assim ... é melhor não arranjar nenhuma namorada por lá ...]
Lenda da Donzela Soldado
“Conta o povo, nas suas histórias amassadas com verdade e fantasia, que em Garvão (1) (ver notas no fim) no distrito de Beja, existiu em tempos um castelo habitado por um nobre chamado D. António de Azevedo (2). Este nobre tinha uma filha muito bela, embora se não conhecesse bem a origem do sangue materno. O pai adorava-a e fazia-lhe todas as vontades por mais excêntricas que parecessem. Contudo, quando a viu já mulher, pensou logo em casá-la com um nobre da sua estirpe, rico e com poder.
Escolher noivo para a bela Vitória – tal era o nome da donzela – parecia tarefa simples, pois quem a via logo gostava dela. Porém Vitória escontrara certo dia um jovem chamado Florêncio. Vinha de Granada, trazia fama de guerreiro, pois ali combatera os mouros, mas não era nebre nem poderoso. Conhecendo os desejos de seu pai, Vitória não quis contar-lhe a sua paixão repentina; e passou a encontrar-se em segredo com Florêncio, sem no entanto desencorajar as intenções paternas. E um dia, como era inevitável, o pai interpelou-a:
- Minha filha, temos de pensar a sério no teu casamento.
Ela disfarçou, sorrindo.
- Ora … ainda sou tão nova, não achais?
- Há mais de um ano que andas a dizer isso! Não pensas, na verdade, em casar?
- Eu penso, mas …
- Mas o quê?
- Qual o noivo que me destinais?
- Aquele que as mulheres tuas amigas vão invejar!
- Quem? Florêncio de Granada?
- Não! Esse é um rapazote sem futuro, que não serve para meu genro!
- Mas serve-me para marido!
- Que dizes?
- Que só amo Florêncio e só com ele casarei!
O pai de Vitória não cabia em si de espanto.
- Sabes o que estás a dizer?
- Inteiramente.
- Deves-me obediência, não o esqueças!
- Acaso tenho sabido o que isso é ao longo da minha vida? Sempre me fizestes todas as vontades, mesmo quando alguma era menos acertada. Porque me contrariais agora?
- Porque és minha filha e já concertei o teu casamento com alguém a quem não devo faltar. Previno-te que ele chegará aqui dentro de um mês. Quanto ao tal Florêncio, em breve o verás partir, de novo, para a guerra!
- Cuidado, meu pai! Não obrigueis Florêncio a partir! Nunca vos perdoaria.
- O vosso noivo não poderá encontrá-lo aqui!
- Mas eu já odeio esse homem que pretendem impor-me, embora ainda não saiba quem é!
- E eu, pela primeira vez, imponho que o aceites para teu esposo.
E sem dar tempo a ouvir qualquer resposta desabrida, D. António deixou o aposento, onde Vitória ficou como que aturdida. Era a primeira vez que via o pai tão intransigente. Mas no dia seguinte, quando esperou em vão pela chegada de Florêncio, compreendeu que o caso era sério: seriam capazes de lhe impor um marido, desmentindo todo um passado de transigência e fraquezas, sempre que ela tratara de impor a sua forte vontade.
Vitória quis saber de Florêncio. Já não escondia de ninguém o seu amor. Mas uns não sabiam dele, outros, melhor informados, disseram-lhe que havia partido para se alistar nas guerras contra os mouros.
Chorou Vitória amargamente. Deixou de comer, de sorrir, de dormir. Mas no seu peito pouco afeito à derrota, um sentimento mais forte surgiu de repente: o desejo de vingança. Voltou a comer, a sorrir e a dormir. Tinha o seu plano. Seria uma questão de tempo. Arranjou dinheiro e aliciou um mensageiro para que buscasse Florêncio, lhe contasse a verdade, que certamente tinha sido deturpada, e o fizesse regressar em segredo para a raptar no próprio dia do casamento.
Entretanto chegava o noivo de Vitória. Era mais velho do que ela doze anos, baixo, fraca figura, embora de boas maneiras. Ao vê-lo, Vitória começou a rir, o que fez corar D. António e empalidecer o festejado. Havia muita gente convidada para assistir ao anúncio de casamento. E embora nem todas as damas desejassem o recém-chegado para esposo, todas censuravam o procedimento descortês de Vitória.
Cada vez mais alarmado com o carácter da filha, D. António só pensava em casá-la o mais brevemente possível. E assim o casamento foi marcado. Sem se alterar, Vitória ouviu o anúncio. Tinha ainda quinze dias de liberdade. E nesses quinze dias Florêncio, que não poderia estar longe, haveria de voltar!
O dia do casamento chegou. Vitória, mais pálida do que nunca, já não ria. Florêncio ainda não tinha dado sinal de si. Chegou a hora fatídica. Foi levada ao altar pelo braço magro e curto de um marido que detestava. Mordia os lábios para não chorar, a turbulenta Vitória. Numa angústia crescente, assistiu ao banquete nupcial. Não comeu nem bebeu. Nem mesmo quando o seu esposo lhe veio trazer aos lábios uma taça de bom vinho. Parecia a estátua do ódio, ou da vingança!
Alguém segredou a D. António:
- Não auguro nada de bom deste casamento!
Embora receoso da atitude da filha, mas supondo Florêncio fora de jogo, D. António respondeu:
- Agora já não é comigo: é com o marido! Disse que Vitória casaria com ele … e casou!
Mas a pessoa que interpelara o dono da casa teve uma expressão de perplexidade: acabara de ver sorrir Vitória como em triunfo. Alguém lhe dissera algo que a transformara. Alguém que chegara junto dela e que saíra no mesmo instante.
O momento difícil aproximava-se. Vendo a sua filha beber e comer com apetite, D. António sorriu aliviado. O esposo conduziu Vitória para o quarto nupcial. Ela ia pálida, como quem tivesse que decidir um caso de vida ou de morte.
Já no aposento, o marido declarou:
- Vitória … Deste momento em diante sois minha esposa; e devo prevenir-vos de que não encontrareis em mim a benevolência que sempre encontrastes em vosso pai!
Numa voz sem cor, ela respondeu:
- Sei o que me espera e o que vos espera!
- Neste momento … o leito nupcial!
Vitória sentiu um suor frio a correr-lhe pelo corpo. Se era verdade o que lhe haviam dito durante o banquete, que Florêncio acabava de chegar, porque tardaria tanto? O momento crucial já não tardava, e por nada deste mundo ela desejaria entregar-se a esse homem com quem casara odiando-o.
Ele aproximou-se.
- Em que pensais, que tanto vos atormenta?
Vitória não respondeu. Ele tornou:
- Sou vosso esposo! Devo saber tudo quanto vos aflija.
Ela mordeu os lábios. Depois encarou-o de frente.
Já que tanto insistis, sabei que amo outro homem e casei convosco! Mas ficai sabendo que jamais vos pertencerei!
O fidalgo empalideceu.
- Compreendeis o valor das vossas palavras? Podia repudiar-vos neste momento e ficaríeis marcada para sempre. Mas amo-vos e quero-vos! Para isso fecharei os olhos e os ouvidos para não ver a vossa expressão de ódio nem escutar os vossos vitupérios.
- Pois fechai-vos também a vós, para que eu vos não veja nem oiça! Odeio-vos, repito!
Ele começou a encolerizar-se.
- Não desafieis os meus sentimentos! Sou um homem habituado ao comando! Sei como fazer-me obedecer!
- Pois experimentai!
Ele cerrou os punhos. Respirou fundo. Baixou o tom de voz.
- Vitória, deixemo-nos de discussões impróprias da nossa condição! Vou tirar a minha roupa e espero que vos apronteis também.
Vitória viu a espada do esposo sobre uma cadeira. Ele estava desarmado e ela aprendera, num dos seus muitos caprichos de rapariga, a manejá-la como poucos homens o faziam. A espada era como uma forte tentação. Então, num impulso incontido, a indomável Vitória pegou na espada e enterrou-a de surpresa no peito daquele que lhe haviam dado para esposo. O fidalgo caiu morto no solo. Logo, Vitória vestiu a roupa do marido. E com todas as suas armas, absolutamente irreconhecível, de cabelo cortado, saiu do castelo em busca de Florêncio. Depressa o encontrou. Mal o viu correu para ele.
- Florêncio!
Varado pelo espanto, o rapaz nem sabia o que dizer. Ela informou-o do sucedido.
- Acabo de cometer um crime. Deixei trespassado pela sua própria espada aquele que me haviam dado por marido!
Florêncio ia responder. Mas já uma patrulha se aproximava. Um dos homens gritou:
Apanhem-nos! É Florêncio de Granada com um amigo! Decerto sabe onde escondeu D. Vitória, que desapareceu do castelo!
O grupo rodeou-os. Com grande espanto de Florêncio, a sua bem amada feria quantos dele se aproximavam com uma destreza quase diabólica. Quando parecia estar tudo terminado, um dos feridos, que correra a buscar socorros, voltou gritando:
- Prendam-nos! Mataram o genro de D. António de Azevedo!
Vendo o caso mal parado, Florêncio gritou para Vitória:
Foge para Granada enquanto eu os aguento! Se puder, irei ter contigo!
A rapariga esgueirou-se por entre os guardas e logrou fugir. Prém, Florêncio ficou prisioneiro. Acusaram-no da morte do rival. Para não culpar Vitória, não negou o crime. Por isso foi julgado e condenado à morte.
Alucinada com a ideia de que o seu bem-amado iria pagar por um crime que não cometera, Vitória vagueou pelos campos, sem rumo certo. Junto à fronteira foi surpreendida por um grupo de bandoleiros. Atacada, deixou-se prender. Estranharam os homens a sua compleição física e a sua voz. Mentiu com um à vontade que os convenceu. Disse que era um oficial jovem que fugira por ter cometido irregularidades e morto um superior. Em seu lugar ficara um amigo íntimo que estava inocente e ia morre. Pediu para viver com eles, ajudá-los, e logo que acreditassem, no seu valor militar e na sua bravura o ajudassem a salvar o amigo.
Acederam os bandoleiros. Nessa mesma noite forjaram um assalto. Tamanha intrepidez mostrou a jovem, que ganhou a admiração dos companheiros proscritos. Três dias depois, Vitorino – tal como Vitória disse chamar-se – propôs que assaltassem a prisão onde Florêncio estava encerrado na vila de Garvão. De princípio, os bandoleiros acharam a obra muito arriscada, sem proveito que se visse. Mas com tal entusiasmo Vitorino expôs o seu plano, que os homens acederam.
Penetraram de noite na vila, até próximo da prisão, que ficava junto da muralha Norte do castelo. Envergando o seu rico traje militar, fácil foi para Vitória chegar à porta da cadeia, que lhe foi franqueada sem suspeitas. Mal entrou, atacou os guardas, que caíram feridos. Logo os bandidos correram a tirar as chaves ao carcereiro. Os condenados saíram todos. Não havia tempo para distinções. Depois de largarem fogo à prisão, Vitória e os seus companheiros fugiram, levando Florêncio com eles.
No acampamento dos bandoleiros, Vitória ria e bebia. Florêncio, porém não se mostrava contente. Vitória interpelou-o:
- Não agradeces o que fizemos por ti?
Florêncio respirou fundo, antes de responder:
- Desde que a minha noiva morreu, a minha vida acabou-se para mim.
Um dos bandidos perguntou:
- E como morreu ela?
- Quando soube que eu fora condenado à morte.
- Mas não foste tu o culpado!
- Libertamos-te! Portanto, agora, goza a vida!
Esta frase fora de Vitória. Florêncio abanou a cabeça.
- Já te disse que não mais serei feliz sem a minha noiva!
Ela mostrou-se enervada.
- Terás as noivas que quiseres! E talvez a tua não tenha morrido. Talvez esteja bem perto de ti. Procura-a! Ela foi capaz de tudo para ficar fiel ao seu amor!
Florêncio murmurou:
- Foi longe demais! Agora só tenho um caminho: seguir para Granada e alistar-me.
Ela revoltou-se:
- Não! Não irás!
- Porque não?
Escondendo a sua condição dentro do grupo de bandoleiros, Vitória declarou: não te deixarei partir sem mim! Tudo o que fiz e o que faço foi para te agradar, para não pertencer a outro homem!
Os bandoleiros olharam-na surpreendidos. Um deles exclamou:
- Bem me queria parecer que ela era uma mulher. Disse-o ao chefe e ele pregou-me um sermão. Iludiste-o com a destreza com que manejas a espada e matas o teu semelhante!
Florêncio concordou:
É isso! Para Vitória, o seu semelhante não conta, só conta a sua vontade. Como me sinto desiludido! Não foi essa a mulher que amei!
Desesperada, Vitória levantou-se e desafiou Florêncio:
- Pega nessa espada e mata-me, se tanto me odeias!
Ele voltou-lhe as costas. Ela gritou-lhe, enfurecida:
- Aonde vais?
- Para Granada!
- Pois não irás, eu te prometo!
E abriu-lhe o peito de uma só estocada. Florêncio caiu morto, murmurando:
- Ó Senhor Deus! Dai-lhe entendimento, para que possa ainda salvar-se!
Os bandoleiros entreolharam-se. Aquela mulher nem para eles servia.
Vitória pediu uma enxada, abriu uma cova, enterrou aquele a quem sempre amara no seu imenso egoísmo, e partiu a caminho de Granada. Aí conseguiu, mercê de várias mentiras, alistar-se como soldado do tércio (3) de voluntários que ia partir para Flandres.
De tal forma heróica se portou esse soldado que a todos causava estranheza e em breve era um dos mais respeitados. A sua bravura, a sua destreza, a sua camaradagem, os seus actos de altruísmo começaram a tecer à sua volta uma aura de mistério. E o que mais espantava os seus companheiros era os momentos em que, julgando-se isolado, o jovem soldado chorava amargamente e pedia perdão a Deus!
Carta vez, porém, o soldado caiu ferido. Foi levado em braços e o seu segredo descoberto. Conservava-se ainda donzela (4). Pediu um padre, confessou-se de todos os seus crimes, e morreu pronunciando o nome de Deus, que pelas suas culpas havia morrido na cruz, e o nome de Florêncio, vítima do seu terrível egoísmo.”
Notas da Fonte:
(1) Garvão: vila e freguesia do concelho de Ourique, distrito e diocese de Beja; povoação antiquíssima na margem direita de um ribeiro afluente do rio Sado, tem feiras anuais de gado nos meses de Maio e Agosto; teve foral dado por D. Paio Peres Correia, mestre da Ordem de San’Tiago; recebeu foral novo em Lisboa, dado por D. Manuel I em Julho de 1512;
(2) D. António de Azevedo: a fonte diz não ter encontrado na história de Garvão ninguém notável com esse nome;
(3) Tércio: formação do exército espanhol nos séc. XVI e XVII, correspondente ao actual regimento;
(4) Donzela Soldado: o povo diz, de facto, por ter amado um só homem a quem nunca pertenceu, ela se conservou sempre donzela até à morte … Conhece-se outra versão na qual morre no convento, depois de professar.
Cumprimentos. VF
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Cara Isabel
Abri agora este tema para responder a um confrade e deparei-me com a sua achega.
Nem imagina o prazer que me deu ler as suas informações! Foi bom ter colaborado com mais dados, pois desse modo todos nos enriquecemos. Eu, pessoalmente, estou aberta ao aprofundamento dos mistérios que rodeiam as histórias da nossa História. Fico sempre fascinada com cada pedacinho de factos ou lendas que preenchem o nosso imaginário colectivo.
Bem haja pelo que escreveu. Deduzo que saiba bastante sobre história, pelas suas palavras. Faça-me (faça-nos) um grande favor: continue!
Com toda a simpatia, os meus sinceros cumprimentos
Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Caro José Maria Ferreira
Só agora consegui transcrever o seu pedido. Aqui vai ele:
Lendas Portuguesas – investigação, recolha e textos de Fernanda Frazão
In Amigos do Livro, Editores, Lda.
“A Mula da Rainha Santa – lenda beirã
Quando se fala em Rainha Santa, imediatamente se associa o epiteto a D.Isabel de Aragão, mulher de D.Dinis. Contudo, a nossa alta Idade Média é de certo modo abundante de figuras femininas típicas, na sua maioria mal estudadas. Tal não é o caso desta Rainha Santa, de seu nome Mafalda.
D.Mafalda foi uma das filhas mais novas de el-rei D.Sancho I e de D.Dulce. Segundo notícias da época, era filha predilecta de seus pais e irmã preferida do “miserável e avarento” Afonso II. A acreditarmos no que deixaram dito os seus contemporâneos, era tão bela, perfeita e suave de maneiras “que, se não era sua irmã Dona Teresa, ninguém a igualara em Espanha e fora dela”.
Recebeu esmerada educação. Desde bem cedo foi D.Mafalda entregue, tal como seus antepassados, à ilustre família de Egas Moniz. Seu pai, D.Sancho, conhecia desde a meninice a filha mais nova do aio do seu antecessor, D.Urraca Viegas, já que juntos haviam sido criados. Foi pois a esta mulher que o Rei entregou a sua filha preferida que jamais se separou da aia que tão profundamente moldou o seu espírito.
Tanto a infanta como a D.Urraca eram proprietárias de extensas terras e variadas vilas, de tal modo que foram talvez as mais ricas senhoras terra-tenentes desta época. Por isto D.Urraca deu à sua pupila o mesmo tipo de educação que sua mãe e seu pai haviam dado a Afonso Henriques, deslocando-se daqui para ali, ao sabor das suas predilecções místicas do momento, dando-lhe a beber o ar puro e sadio das montanhas e das selvas.
Assim se compreende que nela se tivesse formado um carácetr que lembrava o de Egas Moniz e de D.Teresa Afonso, sua mulher, místicos fundadores de mosteiros, protectores de eclesiásticos e povoadores assisados.
Deste modo se passou a infância de D.Mafalda, que durante a sua longa vida se viu cumulada de dádivas e ofertas pelo pai, pela mãe e pela própria aia, que veio a legar-lhe em testamento muitas das suas propriedades.
Entretanto, sobe ao trono de Castela D.Henrique, uma criança de então doze anos e facilmente moldável aos desejos de seu tutor, Álvaro de Lara, que tencionava reinar ocultamente, dando-lhe uma esposa que o acompanhasse em criança e o dominasse enquanto homem. E a sua escolha recaiu em D.Mafalda, já moça de celebrada formosura, que “na conversação era fácil e mui alegre”, “mui senhoril em todo o seu modo de proceder e amiga de se servir com damas ilustres e formosas”.
Realizou-se o casamento, contrariando D.Berengária, mãe de D.enrique que imediatamente apelou para o Papa invocando a consanguinidade dos nubentes. E quando se iniciava o processo de divórcio, o jovem Rei de Castela morreu de uma pedrada que levou enquanto brincava com os seus companheiros de infância. Tinha então quatorze anos.
Virgem como seguira para Castela, regressou D.Mafalda a Portugal, passando desde então a ser tratada por “rainha”. Segundo consta do epitáfio do seu túmulo antigo, sempre foi “digna dos trajes de donzela, porque permaneceu na pureza virginal para se livrar da segunda morte”.
Alguns cronistas crêem que assim que regressou de Castela, a infanta-rainha se enclausurou no Mosteiro de Arouca, o que não é possível considerar verdadeiro. Acompanhante de D.Urraca Viegas até ao fim da longa vida da velha aia, D.Mafalda só recebeu o véu de monja no último período da sua vida. Viveu em seus domínios territoriais, onde possuía riquíssimas mansões cumuladas de riquezas, especialmente religiosas.
Ao mesmo tempo que auxiliava monges e monjas e doava toda a espécie de bens a mosteiros, ocupava o seu tempo beneficiando as populações, quer aforando terras, quer protegendo certas indústrias, o que lhe trouxe problemas com seu sobrinho, o rei D.Sancho II.
Devota e pacífica, serviu várias vezes de medianeira nas contendas entre bispos e frades, demonstrando justiça e benevolência excepcionais.
Segundo a tradição, viveu os últimos anos da sua vida no Mosteiro de arouca, que muitos anos antes restaurara e cuja regra reformara.
Diz-se que recebeu o hábito de monja e passou os seus dias sendo 2mui frequente na oração, rigorosa na penitência, de grande caridade com os pobres e muito devota de pessoas santas e religiosas”.
Veio a ficar sepultada neste convento mercê de um facto extraordinário que é o fulcro, afina,, desta nossa história.
Segundo conta a tradição, no dia 1 de Maio de 1290, D.Mafalda estava em Rio Tinto, a cobrar foros e rendas do Mosteiro de Arouca. Tinha então cerca de noventa anos e, não aguentando o cansaço da viagem, faleceu inesperadamente nessa povoação. Tal era a sua fama de santidade que os moradores do lugar exigiram que o seu corpo ali ficasse sepultado. Porém, em Arouca, queriam por força que a sua rainha se mantivesse até ao fim dos tempos no convento onde vivera uma parte tão importante dos seus dias.
Enquanto os moradores das duas localidades assim discutiam o que fazer do corpo da rainha Santa, alguém lembrou que se colocasse o caixão sobre a mula em que a senhora costumava viajar e, o que o animal decidisse, assim se faria.
Ora, para grande mágoa das gentes de Rio Tinto, a mula correu pressurosa para Arouca como se aquele fosse também o último dia da sua vida. Caminhou direito à igreja do mosteiro, dirigiu-se ao altar de S.Pedro e, dobrando as patas dianteiras, caíu para, realmente, nunca mais se levantar.
Foi pois a rainha santa Mafalda sepultada na Igreja do Convento de Arouca, do lado da epístola e, mais uma vez, deus disse de sua justiça. Diz o seu epitáfio medieval que “foi humilde, suave, inimiga de obras repreensíveis”. No século XVII foi aberto duas vezes este sepulcro e corpo e vestes estavam incorruptos, “ainda que a carne se via algum tanto mirrada”, diz Frei António Brandão.
Em 27 de Junho de 1793, o Papa Pio VI confirmou-lhe o culto imemorial com o título de beata. Por isso, vemos hoje nos altares esta infanta portuguesa que “com todos foi discreta, branda em obras e palavras, verdadeira, piedosa e honesta, devota, modesta e sábia”.
Cumprimentos e boa leitura!
Maria
Direct link:
RE: Porta da traição no Castelo de Almourol
Bom dia, estava à procura de lendas (sou estudante e estamos neste momento a estudar as lendas) e vi que poderia ter a lenda d'"O castanheiro dos amores". Será que me podia facultar o seu texto. Muito Obrigada,
Sandra
Direct link:
Forum messages ordered by date
Die Zeit wird in GMT angezeigt. Aktuelle Zeit: 16 Nov 2024, 15:31.