Oficiais sumariamente executados, "Massacre de Algalé", Torrão Alentejo, 1833
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Oficiais sumariamente executados, "Massacre de Algalé", Torrão Alentejo, 1833
"Narração histórica do/feito a que respeita o Epi/fio
supra/Vinte e nove Officiaes do/ Exercito da Rainha a Se/nhora D. Maria
Segunda/prisioneiros pelas Tropas/do Uzurpador na batalha/que em
Alcácer do Sal se/havia dado no dia 2 de/Novembro de 1833 conduzi/dos
para Campo Maior com/443 seus Camaradas tão/bem prizioneiros sendo/
aleivosamente chamados/ a frente compretesto de / mudarem daquella
direcção/ para Beja afim de se pouparem (na face Nascente) « aos
encomodos dhuma/ mais extensa jornada forão nes/te lugar barbaramente
fusilados/ no dia 4 dos refferidos mez/ e anno so por seis Soldados,/
mandada e presidida tão ne/ fanda execução por Diogo/ Joze Vieira de
Neronha Co/ rregedor de Beja pelo Go/ verno da Uzurpação e Ignacio/
dos Montinhos Alferes de / Realistas pelo mesmo Go/ verno. Os nomes
que destas/ infelizes víctimas se pu/ de/ rão saber são os seguintes /
Alexandre Ferreira Bemfeito, /Bento Bravo da Paz, Braz Na/ tonio
Ferro, Braz António/ Toicinho, Chambel, Francis/co de Mattos e
Silva, Paula/ Botelho, Francisco Manuel/ Vieira, Francisco Joze
Ame/do, Francisco Maria do Torno, /(fase Norte) « João Joze de
Andrade, Joa/quim de Beja Capucho/ João Maria de Oliveira,
Lou/renço Supardo Manoel Joze/ Gomes, Martinho António de
/Mira, Manoel Toazuim (Joaquim?) Afonso, / Pedro Maria Crauijol."
Gostava que alguém me pudesse ajudar , em relação à descendência dos oficiais aqui mencionados. Em relação ao primeiro, Alexandre Ferreira Bemfeito, encontro na Geneall outras pessoas com este nome, associadas à Ribeira de Santarém, um dos quais casou em Goa com uma senhora Correia da Silva e Gama. Tratarse-á da mesma família?
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RE: Oficiais sumariamente executados, "Massacre de Algalé", Torrão Alentejo, 1833
Renovo pedido de informação.
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RE: Oficiais sumariamente executados,
Caro António Vieira
O Massacre de Algalé seguiu-se como retaliação ao massacre de Panoyas perpetrado pelos liberais a 14 de Agosto de 1833. Como os liberais foram os vencedores da Guerra Civil, em Panoyas não houve necessidade de comemorar as vítimas.
Tanto as vítimas de Algalé com as de Panoyas, foram sim, vítimas dos Franceses que provocaram uma guerra mortífera entre portugueses como nunca se tinha visto na História deste país, só para que a “Luz” da sua revolução fosse levada a todo o Mundo!!! Presentemente já temos oportunidade de constatar os seus frutos dessa “Luz”pelo mundo fora…
Assim o mencionado corregedor Diogo José Vieira de Noronha pertenceu ao corpo académico miguelista que fez parte da divisão da vanguarda do exército de operações no ano de 1828, era filho de Henrique José Vieira de Guimarães e estava matriculado no 5.° ano de leis, na Universidade de Coimbra. Em 18 de Julho de 1833 como corregedor de Beja, empossou de novo a Câmara de Alvalade no Campo de Ourique, que tinha sido deposta aquando as tropas liberais comandadas pelo Duque da Terceira passaram por aquela localidade e depuseram a câmara então formada por elementos miguelistas.
Sobre Alexandre Ferreira Bemfeito, uma das vítimas do massacre de Algabé, possivelmente será o mesmo que em 1825 foi promovido a Alferes da Companhia de Granadeiros no Regimento de Milícias de Santarém, e em meados do mesmo século morava em Lisboa na Rua de Buenos Aires 61 2º, supostamente ainda parente de José Maria Ferreira Bemfeito, também aí morador nesta cidade e de Alexandre Augusto Ferreira Bemfeito aqui na base de dados do Geneall.
http://www.geneall.net/P/per_page.php?id=1120939
Os meus cumprimentos
Zé Maria
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RE: Oficiais sumariamente executados,
Caro António Vieira
O Massacre de Algalé seguiu-se como retaliação ao massacre de Panoyas perpetrado pelos liberais a 14 de Agosto de 1833. Como os liberais foram os vencedores da Guerra Civil, em Panoyas não houve necessidade de comemorar as vítimas.
Tanto as vítimas de Algalé com as de Panoyas, foram sim, vítimas dos Franceses que provocaram uma guerra mortífera entre portugueses como nunca se tinha visto na História deste país, só para que a “Luz” da sua revolução fosse levada a todo o Mundo!!! Presentemente já temos oportunidade de constatar os seus frutos dessa “Luz”pelo mundo fora…
Assim o mencionado corregedor Diogo José Vieira de Noronha pertenceu ao corpo académico miguelista que fez parte da divisão da vanguarda do exército de operações no ano de 1828, era filho de Henrique José Vieira de Guimarães e estava matriculado no 5.° ano de leis, na Universidade de Coimbra. Em 18 de Julho de 1833 como corregedor de Beja, empossou de novo a Câmara de Alvalade no Campo de Ourique, que tinha sido deposta aquando as tropas liberais comandadas pelo Duque da Terceira passaram por aquela localidade e depuseram a câmara então formada por elementos miguelistas.
Sobre Alexandre Ferreira Bemfeito, uma das vítimas do massacre de Algabé, possivelmente será o mesmo que em 1825 foi promovido a Alferes da Companhia de Granadeiros no Regimento de Milícias de Santarém, parente de um outro de Alexandre Ferreira Bemfeito que em meados do mesmo século morava em Lisboa na Rua de Buenos Aires 61 2º, supostamente ainda parente de José Maria Ferreira Bemfeito, também aí morador nesta cidade e de Alexandre Augusto Ferreira Bemfeito aqui na base de dados do Geneall.
http://www.geneall.net/P/per_page.php?id=1120939
Os meus cumprimentos
Zé Maria
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RE: Oficiais sumariamente executados, "Massacre de Algalé", Torrão Alentejo, 1833
Ex.mo Senhor António Viana
Quando refere o nome "Paula Botelho", trata-se de FRANCISCO DE PAULA BOTELHO DE MORAES SARMENTO, que nasceu na villa de Setúbal, freguesia de São Sebastião a 02.04.1786 e morreu fuzilado pelos miguelistas ,em Algalé, Alcácer do Sal a 02.11.1833. Era filho de HEYTOR BOTELHO DE MORAES SARMENTO, 4º Guarda Mor do Sal de Setúbal (alvará de 8.1.1748), Cavaleiro da Ordem de Cristo, Cavaleiro da Ordem de Santiago, Ministro da Junta da Repartição do Sal, Vereador de Setúbal e Almotacé de Setúbal, Familiar do Santo Ofício, por carta de 8.8.1760, Senhor da Quinta dos Machados, da Quinta da Bombarralha, da Quinta do Guarda-Mor, da Quinta de Espim, etc, e de sua mulher D. MARIA XAVIER DE FARIA E SOUSA.
Casou em Setúbal, na freguesia de São Sebastião a 16.02.1816 com D. ANA RITA DA HORTA DE SOUSA TAVARES, filha de Luís José Godinho de Sousa Tavares e s.m. D. Maria Inácia Rita da Horta Moniz de Carvalho. Tiveram, 5 filhos (smn), entre outros os seguintes : D. Maria Inácia Botelho que nasceu a 25.02.1818 ; Luis José Botelho de Moraes Sarmento que nasceu a 02.04.1819 e sabe-se que foi aluno do Colégio Militar e Joaquim José Botelho de Moraes Sarmento que nasceu em 1820.
FRANCISCO DE PAULA BOTELHO DE MORAES SARMENTO foi o irmão mais novo, de DIOGO BOTELHO DE MORAES SARMENTO, 5º Guarda-Mor do Sal de Setubal, solteiro e sg, e que nasceu a 04.12.1778 e de ANTÓNIO MANOEL BOTELHO DE MORAES SARMENTO, 6º Guarda-Mor do Sal de Setubal, que nasceu a 03.03.1782 e foi casado com sua parente D. MARIA BENEDICTA XAVIER BOTELHO, da casa dos Condes de S. Miguel. Sou 4º neto de António Manoel Botelho de Moraes Sarmento e de sm D. Maria Benedicta Xavier Botelho.
Com os melhores cumprimentos
Luis Botelho de Moraes Sarmento
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RE: Oficiais sumariamente executados, "Massacre de Algalé", Torrão Alentejo, 1833
Ex.mo Senhor António Viana,
Passo a transcrever a curiosa Certidão de Óbito de FRANCISCO DE PAULA BOTELHO DE MORAES SARMENTO :
Certidão de Óbito de FRANCISCO DE PAULA BOTELHO DE MORAES SARMENTO
Aos quatro dias do mês de Julho de mil oitocentos e trinta e quatro, me foi apresentado um mandado para se abrir o assento de óbito de FRANCISCO DE PAULA BOTELHO, casado que foi com Dona Ana Rita da Horta, paroquiano que foi desta freguesia de São Sebastião de Setúbal, o qual faleceu junto da Ponte de Algalé, onde foi fuzilado pelos rebeldes de quem tinha ficado prisioneiro na Vila de Alcácer do Sal, em o dia dois de Novembro de mil oitocentos e trinta e três, como justas ficou perante o Reverendo Vigário Geral d’este Arcediago, e lhe abro este assento em virtude do dito mandado, o qual é de forma e teor, o seguinte: -----------------------------------------------------------------------------
Manuel da Gama Xavier, Professo na Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, Prior da Freguesia de São Sebastião d’esta Notável Vila de Setúbal e na mesma e seu Arcediago Vigário Geral por Sua Majestade Imperial, O Duque de Bragança, Regente em nome da Rainha, que Deus Guarde = Mando ao Reverendo Pároco da Freguesia de São Sebastião d’esta Vila, que siga este meu Mandado, hindo por mim assinado, em seu cumprimento abra o assento no livro dos Óbitos da sua Freguesia, do falecimento de FRANCISCO DE PAULA BOTELHO, que foi casado com Dona Ana Rita da Horta, o qual no tempo de seu falecimento era paroquiano d’essa sua freguesia, e faleceu junto da Ponte de Algalé, em um dos dias do mês de Novembro de mil oitocentos e trinta e três, tendo sido no dia dois do mesmo mês prisioneiro dos rebeldes, em a Vila de Alcácer. O que tudo foi perante mim justificado, com testemunhas de crédito, cuja Justificação julguei por boa, segundo se mostra da minha Sentença proferida nos Autos, que à cerca do mesmo objecto se processarão perante mim e ficão no Cartório do Escrivão que este passou, o qual sendo-lhe apresentado o cumprirá.------------------
Dado em Setúbal aos três de Julho de mil oitocentos e trinta e quatro, sob o meu signal e valla sem selo. E eu Frederico Amâncio Pereira da Silva o escrevi = Manuel da Gama Xavier = Mandado dirigido ao Reverendo Pároco da Freguesia de São Sebastião, para o mesmo que o fim se reclama. ------------------------------------------------------------
E não se continha mais com o dito Mandado, que fica no arquivo d’esta Igreja, e que bem e fielmente transladeis.-------Setúbal 4 de Julho de 1834
Com os melhores cumprimentos
Luis Botelho de Moraes Sarmento
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RE: Oficiais sumariamente executados,
Caro José Maria Ferreira:
Muito obrigado pelas suas informações. A sua leitura do excesso de "Luzes" de que a nossa história padeceu fez-me lembrar duas intervenções recentes de intelectuais portugueses sobre este período : o historiador Paulo Varela Gomes que, a propósito de páginas de El Rei Junot de Raúl Brandão, classifica a invasão francesa de Portugal como "apocalíptica" e como algo sem precedentes na história europeia; a de Rui Ramos , que considera que o iluminismo em Portugal, ao ir progressivamente retirando à igreja o monopólio da educação, acabou por fomentar o obscurantismo, uma vez que as campanha de alfabetização na europa oitocentista só foram bem sucedidas quando houve concurso das estruturas eclesiásticas nacionais.
Em relação aos Bemfeitos, foi-me também sugerido que se trata da mesma família do tenente-coronel João Maria Duarte Bemfeito, pai do Eng João Eduardo Bemfeito, oficial da Armada e director da Firestone, mas não pude confirmar estes dados.
Cumprimentos,
António Viana
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RE: Oficiais sumariamente executados, "Massacre de Algalé", Torrão Alentejo, 1833
Exmo Senhor Luís Botelho de Moraes Sarmento
O meu mais sincero agradecimento:
são contribuições generosas e rigorosas como a sua que permitem tornar momentos do nossa história nacional e patrimonial - não menos negros, mas menos fantasmagóricos.
Com os melhores cumprimentos
António Viana
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RE: Oficiais sumariamente executados, "Massacre de Algalé", Torrão Alentejo, 1833
Sobre os acontecimentos de Algalé e a figura de D. Diogo de Noronha escreveu o seguinte nas suas Memórias Raul Brandão:
"A PONTE DE ALGALE
Tem um aspecto sombrio aquelle valle de Al-
galé, onde se deu o monstruoso attentado ! Eu
conheci o homem que executou a nefanda tra-
gedia, com quanto o mandador houvesse sido
um miserável, curto de entendimento e perver-
so de condição, chamado general Lemos.
Diogo José Vieira de Noronha — o famoso
corregedor de Beja — era de estatura avanta-
jada, pescoço taurino, moreno, braços e peito
com a musculatura de um athleta. Os cabellos
dos pulsos e costas das mãos pungiam como
cerdas de javali !
Bigode farto e negro. Olhos pretos como
amoras, pestanas longas; olhar torvo. A voz
forte, mas com um som baço, que impressio-
nava desagradavelmente. Maneiras cortezes.
Era bravo como as armas, e tinha um coração
de tigre.
Uma vez, no Campo Grande, na casa de
pasto do Escovei ro — a mais fina cosinha por-
tugueza de todo o paiz — depois de jantar, a
propósito de uns artigos que haviam appare-
cido nos jornaes, o próprio Noronha fallou no
caso de Algalé.
Confirmou o que, passado tempos, escreveu
Francisco José de Almeida, nos Apontamentos
da vida de um homem obscuro.
— O Lemos quer deitar as culpas para mim;
mas, se elle vier á imprensa, publico-lhe a or-
dem que tenho do seu próprio punho.
— Ordens d'essas não se cumprem^ respon-
deu alguém sêccamente:
— Eu tinha de me vingar dos malvados de
Beja, continuou elle.
A physionomia assumiu-lhe um aspecto feroz,
e, arregaçando os beiços, mostrou a enorme ci-
catriz, que um tiro de zagalotes, á queima rou-
pa, deixara no interior d'aquella bocca^ que
por fora estava lívida ainda do rancor da vin-
dicta.
— Hoje em dia não se faz idéa do que fo-
ram essas coisas !
Noronha referia- se á scena de Beja, em que
os liberaes romperam com elle, e que o teriam
esquartejado, se não fora o seu grande valor e
desmesurada força.
O antigo corregedor, durante o café, poucas
palavras proferiu, e ficou taciturno.
Creio que havia alli, n'aquelle peito, uma
fibra, que não estava completamente paralysada
ao vibrar do remorso.
O desastre de Alcácer deveu-se á falta de um
cabeça, e á pouca firmeza com que se bateram
os liberaes. Podia haver actos de bravura pes-
soal, mas a acção foi uma lastima.
No dia seguinte ao combate, Noronha, á
frente dos officiaes prisioneiros, manietados,
partiu para Porto de Rei. O corregedor sabia
o fim que ia dar áquelles desgraçados; mas a
sua Índole fatal queria exercitar ainda mais
uma vingança. Entre os prisioneiros vinha o
dr. Deodato Zuzarte de Mattos, seu condiscí-
pulo de Coimbra. A politica tornara-os inimi-
gos. Diogo de Noronha desviou-o, de noite,
para uma vinha, e coseu-o a punhaladas ! *
Como é que aquella alma ferina, n'essa mes-
ma noite, se condoeu de dois moços adolescen-
tes — Francisco José de Almeida, e outro ra-
paz de Alcácer, chamado Silva — proporcio-
nando-lbes a fuga, procurando-lhes guia e dan-
do-lhes dinheiro ? !
O grande animo do corregedor de Beja sos-
sobrou, uma vez, debaixo de uma apostrophe!
Mas foi tremenda — essa apostrophe!
Dava-se um baile para beneficiar alguns rea-
listas, que estavam em más circumstancias, ho-
mens respeitabilissimos, como havia tantos, e
ha ainda, nos correligionários da Nação.
A festa era promovida pelos amigos e affins
do principe proscripto; mas todas as cores po-
liticas concorreram gostosamente a ella.
Diogo de Noronha assistia ao baile.
Na casa do fumo, n'um grupo de pessoas, o
corregedor teve a imprudência de soltar algu-
mas palavras desagradáveis, a propósito dos
seus adversários politico». Então um homem
tão forte e tão valente como elle, mas com uma
nobre alma, em phrase polida, porém severa,
censurou as expressões de Diogo de Noronha.
Este homem era o meu querido amigo Jacin-
tho Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos, vis-
conde das Nogueiras, hoje nosso Ministro nos
Estados Unidos.
O antigo corregedor de Beja disse-lhe, com
desdenhosa altivez:
— Sabe com quem falia?
Sant'Anna e Vasconcellos, com a sua bella
estatura, levemente pallido, o bigode pequeno
e petulante arripiado, deitando para traz a
banda da casaca azul com botões amarellos,
6 batendo no peito ancho, onde pulsava um co-
ração juvenil, intrépido e generoso, respondeu:
— Sei com quem fallo, sei! E com o faça-
nhoso corregedor de Beja, o grande assassino
da Ponte de Algalé!
Fez-se um silencio mortal. Noronha ficou co-
mo fulminado. D'alli a pouco desappareceu do
baile.
Que tormenta de cólera não iria rebramindo
no abysmo d'aquelle truculento caracter!
Na primavera de 1860, partimos de Alcácer
do Sal, com o meu velho amigo António de
Campos Valdez e mais alguns companheiros,
para visitar a Ponte de Algalé. Era um dia de
abril magnifico. Jornadeavamos a cavai lo, na
melhor disposição de espirito.
Algalé é um valle, apertado e triste. A ri-
beira bordada de arvores mal medradas. Gran-
des bandadas de corvos crucitando. Algumas
d'essas aves, tão vivazes como funestas, teriam
repastado nos cadáveres d'aquelles vinte e seis
infelizes, que foram atirados para um covão,
uns sobre outros, crivados de bailas, ensan-
guentados, quasi todos ainda palpitantes!
O sol, pelas duas da tarde, n'um céu sem
mancha, faiscava rutilante. Nos vallados sar-
çosos abriam os botões da piorneira e da amo-
ra ; nos ramos dos choupos, e ás bandadas nos
cardos, enflorados e hostis, as chamarizes, ver-
des e doiradas, esvoaçavam, no chilrear alvo-
roçado 6 alegre dos dias vernaes, azues e per-
fumados.
Todavia o valle continuava a ter um aspecto
lúgubre para mim. A nossa jovialidade esmo-
receu. Approximámo-nos do covão e do monu-
mento.
Aquella repugnante tragedia teve episódios
medonhos. Fazem lembrar essas scenas as nos-
sas carnificinas do Oriente. Os presos vinham
a quatro e quatro. Os vinte e seis teriam de
ser espingardeados só com seis fusís de peder-
neira, de que alguns falhavam fogo!
Calcule-se o tempo que durou o pavoroso
morticinio !
Houve ânimos varonis, que não fizeram uma
supplica. Outros esmoreceram, implorando!. . .
chorando ! . . . Um horror ! E Noronha, com o
seu coração de bronze, inabalável, no meio da
brutal e sangrenta matança!
#
* #
O ex-corregedor acompanhou D. Miguel no
seu doloroso exilio. Em Roma, e durante a
emigração, teve dias apertados e amargos.
Depois appareceu, ainda muito encolhido, por
Lisboa. Se fosse a Beja, embora nos ultimos
tempos da vida, faziam-o a pedaços ! Por um si-
nistro, depois do seu regresso a Portugal, tive-
ram de lhe amputar o médio e o annullar da
mão direita. Não quiz tomar chloroformio, e
não soltou um gemido; que m'o disse a mim
o seu operador e meu amigo, o dr. Ignacio de
AVellar !
Tinha nervos de um homem!
Que pena ser tão cruel.
*
* *
O monumento levantado em Algalé é peque-
no e sem mérito algum artistico. Ergueram-o
junto da valia, onde foram sepultados os cadá-
veres.
Numa das faces estão inscriptos os nomes das
victimas. N'outra face uma quadra.
Ao ermo do logar, á memoria do drama que
alli se deu, como se casam estes soberbos versos :
Aqui da tua pátria os defensores
tragaram do martyrio, inteira, a taça t
Viandante, leva as lagrimas e as flores ;
lê só ! curva o joelho, adora, e passa !
líè, só! — Concisão admirável!
O grande mestre da língua, o poeta do Amor
melancholia — Castilho, o luminoso cego, re-
sumiu toda aquella tragedia n' esses quatro ver-
sos!
Outubro , 1885.
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