Resposta a Manuel Rosa: "brincar com as princesas em casa da tia"
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Resposta a Manuel Rosa: "brincar com as princesas em casa da tia"
Caro Manuel Rosa,
Fez-me ontem uma pergunta directa, e assim tento responder o melhor que posso.
A sua pergunta, no topico "Manuel Rosa: commentarios à sua methodologia..." http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=301163#lista foi:
"Caro Anachronico
O importante é saber a história no seu todo, não apenas o estatuto da amante do Bispo.
O importante é entender que o homem casou em 1479 com uma senhora cujo sobrinho era não só Comendador-Mor de Santiago, mas Mordomo de D. João II.
Que a sobrinha do seu pai era não apenas Comendadeira de Santos, nem Amante de D. João II mas MÃE do homem que D. João II queria fazer REI de Portugal.
É saber que seu irmão era Capitão de Porto Santo.
Que seu cunhado era Guarda REAL de D: João II
Que sua irmã era Capitoa da Graciosa e SOBRINHA da Comendadeira de Santos, VIOLANTE NOGUEIRA, a qual criou as filhas do Rei D. Duarte.
Acha o confrade que, como sobrinhas de VIOLANTE NOGUEIRA, as primas Izeu Perestrelo e Ana de Mendonça, teriam alguma oportunidade de se mixturar e brincar com as Princesas em casa da sua tia?"
Ora a minha resposta, com toda a sinceridade, é que não sei. Não vou conjecturar sobre com quem exactamente brincariam as infantas, nem onde exactamente, nem se as primas que menciona alguma vez visitaram a casa de sua tia. O que lhe posso dizer com bastante convicção é que as infantas de maneira alguma visitariam a casa de Violante Nogueira, como parece sugerir. Toda a historia de Portugal medieval indica terem estas vivido primeiramente nos paços reaes, onde Violante Nogueira [que eu saiba apenas aia da infanta D. Catharina, mas posso estar enganado], seria moradora. Mais tarde, ao atingir a adolescencia, teriam as infantas recebido cada uma sua Casa, com respectivos moradores e creados, como era costume.
Para que tenha uma ideia: o numero total de moradores das Casas dos infantes de D. João I em 1408, quando D. Duarte, D. Pedro, D. Henrique e D. Isabel tinham 16, 15, 13 e 11 annos, era de 374, o que equivale quasi aos 390 moradores da Casa del-rey. Como pode ver as Casas dos infantes eram authenticas pequenas cortes, com mordomos, camareiros e reposteiros-mores, tesoureiros, vedores e contadores, &c, &c, &c. Para a epocha de D. Affonso V infelizmente apenas temos as listas completas dos fidalgos cavalleiros - 262 em 1462, o dobro dos 130 em 1408 -, mas a situação era identica, se bem que os numeros de moradores das Casas fosse mais elevado que no principio do seculo. Enquanto pequenos, todos os infantes teriam companhia no paço escolhida principalmente entre os filhos da principal nobreza do reino, lettrados e nobres da corte: "de seys ou sete annos loguo os tomaaes e trazeis em vosa corte e lhes daaes cassa e moradia". Estes viveriam assim na corte fazendo companhia aos infantes "como apremdam a ler e a escreuer e gramatiqua" &c, &c.
Como pode deprehender, creanças e jovens não faltariam na corte e nas Casas dos infantes. Isto era a chamada criação; não raras vezes os reis, infantes e nobres da era medieval atribuiam cargos a homens e mulheres da sua criação - "meu Senhor de Jdade de xj anos me criou senpre em sua camera" -, isto é, pessoas em quem confiavam - "hua especialidade de fiança" - por com ellas terem crescido nos paços reaes. Por isso a importancia de collocar filhos e filhas ao serviço dos mais poderosos como pagens, escudeiros, &c. Por fim devo dizer que existiam regras especificas de accesso e moradia na corte: se é verdade que as familias dos mordomos, camareiros e reposteiros-mores assim como tesoureiros, vedores e varios outros cargos tinham accesso à corte, o mesmo não se pode dizer quanto às familias das aias.
Convem não esquecer que a corte medieval não era fixa, como seguramente sabe: as cidades mais visitadas nos seculos XIV & XV eram Lisboa, Santarem, Evora & Coimbra. No caso da aia Violante Nogueira, a infancia da infanta D. Catharina coincide com a regencia do tio, o duque de Coimbra, que naturalmente deu uma atenção especial a essa cidade. D. Pedro passava quasi todos os meses de Septembro & Octubro em Coimbra; os meses de Dezembro a Março a corte permanecia principalmente em Evora, logo seguida de Lisboa (e curiosamente nunca em Coimbra), Março & Abril repartiam-se principalmente entre Lisboa, Evora & Santarem, Maio entre Lisboa, Santarem & Coimbra, e nos meses de Junho a Agosto a corte encontrava-se principalmente em Coimbra, e em menor grau em Lisboa e Santarem. De notar que durante a regencia de D. Pedro a corte nunca esteve em Evora nos meses de Maio a Septembro. Para alem d'estas cidades principaes a corte visitava naturalmente outras cidades e villas. Todas estas deslocações regias implicavam normalmente tambem a presença dos pequenos infantes, que assim poucas semanas permaneciam em qualquer lugar de cada vez. Ao obter as suas Casas os infantes obtinham tambem um certo grau de independencia, mas a Inclita Geração era particularmente solidaria e costumava seguir a corte del-rey ou revezar a sua comparencia de maneira a que el-rey sempre fosse acompanhado por alguns de seus filhos, ou mais tarde irmãos. Todas estas deslocações regias explicam tambem de certo modo porque a vida dos infantes se centrava de tal forma na corte ou na sua Casa: eram o seu universo fixo numa existencia sempre em movimento.
A infanta D. Leonor, filha de D. Duarte, casou como sabe em 1452 em Roma com o imperador Frederico III. Recommendo-lhe a leitura dos depreciativos commentarios d'esta infanta portuguesa à corte imperial para melhor entender as realidades de etiqueta da corte portuguesa de meados de Quatrocentos. Resumindo: não andarei longe da verdade se disser que a probabilidade de uma pequena infanta de Portugal ainda residente nos paços reaes ter visitado a casa onde a sua aia residia quando se encontrava fora da corte é practicamente nulla, e a probabilidade da mesma infanta o fazer depois de obter a sua Casa é igualmente quasi nulla. Quanto às primas que menciona, a menos que fossem creadas das infantas difficilmente teriam acceso às suas Casas, e ainda mais difficuldade teriam em acompanhar as mesmas nas suas deslocações.
Esta é a melhor resposta que lhe posso dar, sem ter bem investigado o caso. É apenas uma opinião, como me pediu, sobre a sua um pouco ingenua pergunta "Acha o confrade que, como sobrinhas de VIOLANTE NOGUEIRA, as primas Izeu Perestrelo e Ana de Mendonça, teriam alguma oportunidade de se mixturar e brincar com as Princesas em casa da sua tia?". E como assim respondi à sua pergunta da melhor forma que pude, espero que possa retribuir a gentileza e responder a pello menos algumas das perguntas que antes lhe fiz como melhor puder. Esta será a quinta [!] vez que lhe colloco estas questões. Assim, sobre os casamentos das donas de Sant'Iago, saberá dizer-me:
a) Quantos pedidos de casamento de donas de Sant'Iago foram feitos na segunda metade de Quatrocentos?
b) Quantos desses pedidos foram rejeitados pellos diversos mestres da ordem durante esse periodo?
c) Os pedidos de casamento de donas de Sant'Iago eram systematicamente rejeitados, salvo um ou outro caso, ou eram automaticamente approvados?
d) A que familias pertenciam as donas que casaram, e com quem casaram ellas?
...e sobre o caso do "especial amigo":
a) fez uma analyse de quantas vezes o termo "especial" é usado em cartas e outros documentos regios de Quatrocentos?
b) Analysou quem era assim tratado?
c) Sabe dizer-nos como tratava D. João II os nobres da primeira nobreza do reino em cartas e outros documentos?
d) Imaginou que o termo "especial amigo" pode reflectir precisamente uma categoria social inferior de quem assim era tratado - tal como o Pestana de Evora no exemplo citado - sendo outras titulações reservadas a personagens de categorias superiores?
Aguardo a(s) sua(s) respostas.
Cumprimentos,
Anachronico
P.S. Na these de doutoramento sobre "A Comunidade Feminina da Ordem de Santiago..." citada no referido topico são mencionadas muitas donas da epocha logo posterior a Philippa Moniz. Veja a que familias pertenciam não poucas d'ellas. Ficará certamente um pouco surpreendido.
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RE: Resposta a Manuel Rosa: "brincar com as princesas em casa da tia"
Caro Anachronico
"...e sobre o caso do "especial amigo":
a) fez uma analyse de quantas vezes o termo "especial" é usado em cartas e outros documentos regios de Quatrocentos ?"
O termo "especial amigo" na época de quatrocentes referia-se em especial aos freires e religiosos da Ordem de S. Francisco e da Ordem de S. Clara!!!
D. Diogo/Cristóvão Colombo era "um especial amigo" pois que fez tudo para que a Ordem de Santa Clara se desenvolvesse pelo Mundo, não só no velho como no Novo!!! Em 1472 estando D. Diogo no Convento de Cuba em Aragão, que era da Ordem de Santa Clara, enviou um Frei ao "seu especial amigo" Papa Sisto IV, para lhe dar os parabéns e felicitá-lo não só por ter ascendido à Suprema Dignidade, como pela fundação de vinte conventos da primeira Ordem e três mosteiros da segunda Ordem, entre estes estavam o de S. Francisco e o da Conceição de Beja
"Especial amigo" era um termo serafico e por isso usado muito pelos franciscanos!!! E D. João II e Cristovão Colombno eram franciscanos. Lembra-se daquela narração na sua crónica quando na hora da sua morte um fidalgo pobre das ilhas dos Açores se dirige ao Rei D. João II e lhe pede mercê?
Saudações fraternas
Zé Maria
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