Os baptismos eram mesmo obrigatórios?

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Os baptismos eram mesmo obrigatórios?

#158522 | MP | 05 Jun 2007 21:31

Caros,

Sempre tive a ideia de que até à implantação da república e consequente criação do registo civil em Portugal os baptismos eram obrigatórios. Acontece que por diversas ocasiões me sucedeu um baptismo não ser localizado, ou seja não existir :-/ Será que se podia, antigamente, negligenciar o baptismo, não se baptizando uma criança?

Atenciosamente,
Mário Pimentel.

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RE: Os baptismos eram mesmo obrigatórios?

#158544 | chartri | 05 Jun 2007 23:44 | In reply to: #158522

Meu caro Mario Pimentel,

Veja o tópico "como viviam os nossos antepassados": http://genealogia.netopia.pt/forum/msg.php?id=153113

onde coloquei o seguinte texto:

"O baptizado

Os primeiros baptizados cristãos eram dados aos adultos por imersão na água como São João Baptista fez para Jesus. Sobre a influência de Santo Agostinho, o baptismo passou a ser feito por “aspersão” e que o Concílio de Cartago de 418 permite dar ás crianças. Mas o baptizado das crianças irá sempre trazer problemas. A Igreja passa a insistir que o baptizado seja realizado nos 3 dias após o nascimento. O Concílio de Trento parece ter definitivamente imposto tal, e qualquer genealogista poderá confirmar que a partir do final do século XVI todos os registos de baptizados que podemos encontrar, são realizados quase logo após o nascimento. Consequência deste procedimento é que os baptizados nunca serão cerimónias muito organizadas, com muitos convidados, pois a família não chega a ter tempo para se deslocar quando vive longe do local do baptizado. Claro que as famílias mais ricas fogem a esta orientação e são quem baptiza mais tarde os seus filhos permitindo a organização de uma festa.

Claro que o bebé está protegido, como vimos, mas os perigos de fazer deslocar uma criança tão pequena a uma igreja fria, não irá diminuir a taxa de mortalidade infantil, antes pelo contrário. O cortejo chega à igreja com a parteira à frente levando a criança, seguidos dos padrinhos, o pai e alguns familiares, mas nunca mãe que ainda se não recompôs.

E quem são os padrinhos? Devem ser bons católicos para agradar ao padre. Os padrinhos do filho mais velho são normalmente os avós, ou uns tios ou tias para os outros filhos. Às vezes é o cura, tio da família ou ainda uma pessoa importante da aldeia ou cidade, pensando que poderá ajudar a educação da criança. Claro que a escolha deve ser tal que seja muito difícil ao afilhado ou afilhada vir a casar com o seu padrinho ou madrinha, pois tal não é autorizado pela igreja. Padrinho e madrinha serão compadres e não podem se “conhecer carnalmente”. Se tal acontecer, as tradições populares dizem que nunca poderão entrar no Paraíso, salvo se o afilhado fizer penitências por um e pelo outro. Igualmente se o pai da criança tiver um “affaire” com a madrinha, ou a mãe com o padrinho, “haverão raios e coriscos em terra ou no mar”. Repare-se esta precisão que tal poderá somente acontecer no mar, sem que ninguém venha a saber"

Eu podera acrescentar que as deslocações e o isolamento fazam com que "algumas vezes" a criança só fosse baptizada quando o padre a "descobria".
Era mais facil não se registar um casamento (só o fazendo quando nasdcia uma criança) que a não realização de um baptizado. Ás vezes, por morte à nascença registava-se somente o óbito.

Mas atenção muitas vezez o registo do baptizado era feito noutra paróqui que aquela onde os pais se tinham casado ou passaram a viver

Cumprimentos
Ricardo Charters d'Azevedo

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RE: Os baptismos eram mesmo obrigatórios?

#158561 | MP | 06 Jun 2007 01:10 | In reply to: #158544

Prezado Ricardo Charters d'Azevedo,

Muito obrigado pela sua resposta... É, porém, curioso notar que, em diferentes épocas e lugares, apesar de não muito frequente, houve crianças que não foram baptizadas ou que o terão sido noutras freguesias...

Enfim, devo confessar que fico extremamente chateado quando os baptismos parecem ter-se evaporado e se torna quase impossível a sua localização. Já tropecei em 2 casos do género no século XIX e uns quantos mais nos séculos XVII e XVIII :(

Muitos cumprimentos,
Mário Pimentel.

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Eram

#158585 | salen | 06 Jun 2007 10:21 | In reply to: #158561

1. Se eram 'obrigatórios': sim, pelos costumes da comunidade, todos cristãos; pelo 'perigo' da ida para esse 'universo paralelo' em boa hora extinto pelo actual Papa (falo dessa coisa sinistra chamada de 'Limbo'); pelo controlo que o poder civil tinha necessidade de exercer sobre as populações e que só a elas poderia chegar através da Igreja (hoje é por outras vias bem diferentes, mas na essência não mudou em nada, sendo o actual provavelmente mais intrusivo e completo ...); pela necessidade de saber quanta gente havia no reino; e por aí fora;
2. Se os registos eram sempre feitos: havia padres muito, mas muito relapsos. Apesar dos pesares - os 'escondidos', os que morriam à nascença, os que viviam demasiado isolados, os que morriam mais tarde e mesmo assim ninguém dava por eles - até podiam ser quase todos baptizados, mas o Sr. Cura lembrar-se de os registar a todos é que era obra. As inspecções aos livros que eram feitas pelos Padres Visitadores contêm muitos puxões de orelha aos Abades pela ausência de registos.
3. Se havia livros perdidos: ah mas sem dúvida. Alguns serviram para aquecer soldados de Napoleão, para não citar outras utilizações menos nobres do árpero papel dos paroquiais :-P ...
E essas perdas irritam de facto. Cumprimentos. VFerreira

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RE: Eram

#158587 | chartri | 06 Jun 2007 10:33 | In reply to: #158585

Meus caros
Se as pessoas tinham bens, por vezes para esses casos valera a pena de ver as notas elaborados nos "ofícios" dos notários. Muitos destes livros não foram queimados pelos franceses e encontramos registos de compra e venda, de empréstimos, e muitas vezes testamentos, com informação interessante e preciosa.
Cumprimentos
Ricardo Charters d'Azevedo

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Os livros dos Notários

#158594 | salen | 06 Jun 2007 11:07 | In reply to: #158587

Caro RCA,
Os Livros dos Notários são sem dúvida uma fonte preciosa de informação. não Se não houver uns diários e crónicas familiares feitas por alguém mais dado às letras, sobre os 'factos correntes da vida' (vendas, arrendamentos, testamentos, dívidas, e mesmo alguns reflexos de casos na justiça) não há mesmo outra fonte presumo.
Só que dá uma trabalheira andar com uma candeia à procura do notário onde se foi fazer o termo, uma vez que podiam escolher e era frequente ir a um mais longe. É pelo menos a impressão com que fiquei, está de acordo?
Cumprimentos. VF

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RE: Os livros dos Notários

#158598 | chartri | 06 Jun 2007 11:27 | In reply to: #158594

Caro VF

Sim, é muito dificil e trabalhoso pois o uso do notário era facultativo. Por exemplo na zona de Leiria houve dois até cerca de 1800 e depois chegou a hver 5 "ofícios". Muitas vezes iam à Batalha, ou a Porto de Mós fazer um registo ou testamento.

Mas o pior são determinadas letras, difíceis de entender. Mas examinando o índice, quando existe, ou o cabeçalho, ou ainda as assinaturas, não necessitamos de ler tudo, para pesquisar o assento que nos possa interessar. Mas um livro de tamanho normal (100/200 folhas) leva-nos umas duas horas. E há tantos!
Por outro lado pedir fotocópias da página que não conseguimos ler, para o fazer em casa, não resulta, pois a fotocópia é mais difícil de ler que o original.
Cumprimentos
Ricardo Charters d'Azevedo

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RE: Eram

#158607 | MP | 06 Jun 2007 14:01 | In reply to: #158585

Caro VFerreira,

Na sua mensagem, faz referência à «obrigatoriedade» do baptismo, quanto mais não fosse por receio do «universo paralelo»... Devo dizer que fiquei ainda mais intrigado ao constatar que um dos baptismos que não consigo localizar era de uma filha de um padre :) E isso percebe-se através do assento de casamento da mesma, em que se afirma claramente que é filha de padre... Não deveria ter sido dado o exemplo neste caso? Ou não terá sido baptizada por receio? Além disso, o livro de baptismo em que deveria encontrar-se existe, não foi queimado nem desapareceu :(

Coisa estranha...

Cumprimentos,
Mário Pimentel.

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RE: Eram

#158613 | nunoinacio | 06 Jun 2007 14:47 | In reply to: #158607

Boa tarde, caro Mário Pimentel

Na freguesia do Barco, concelho da Covilhã, tenho uma ascendente que, quando foi casar, descobriu que não existia assento do seu baptismo.
Protestou junto do Bispo, que mandou o padre proceder à elaboração do assento, que foi feito mais de vinte anos depois. Ela foi baptizada de facto, mas o padre não procedeu à elaboração do assento no dia e depois esqueceu-se.
Esta ascendente da minha mulher tinha ligações familiares com vários padres, freiras e até com um bispo.
Em casa de ferreiro...

Relativamente ao assento que não encontra. Sendo o progenitor um padre, em principio não a teria reconhecido no momento do baptismo, mas sim posteriormente.
Por acaso viu com atenção os filhos de pais incógnitos e os expostos?
Também já vi casos em que crianças expostas foram posteriormente reconhecidas pelos ligitimos progenitores. Curiosamente tal também acontecia quando o pai era padre.

Cumprimentos

Nuno Inácio

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RE: Os baptismos eram mesmo obrigatórios?

#158619 | mtt | 06 Jun 2007 15:55 | In reply to: #158544

Caro Ricardo Charters d’Azevedo
Conhece a cerimónia chamada “enchampelamento”?
Tenho encontrado alguns assentos portuenses que dão nota de a criança ter sido “enchampelada” (também aparece, mas mais raramente, “enchapelada”).
Estes verbos não constam nos dicionários, mas compreende-se, pelo contexto, que a criança teria sido baptizada pela parteira, por se ter suspeitado da iminência da sua morte. Já vi o que, sem ter a certeza, penso ser esta mesma cerimónia, ser descrita como baptismo “sub condicione”.
Também já li uma maravilhosa notícia de jornal referindo um “baptismo civil”, em 1868 ou 69, logo após a publicação do Código Seabra, o que dá testemunho da confusão entre sagrado e profano, cujos fascinantes exemplos, em minha opinião, não têm despertado o estudo que merecem.
Cometendo a deselegância de me citar a mim próprio, chamo-lhe a atenção para uma mensagem que escrevi, onde comento uma deliciosa confusão deste género, desta vez referindo o outro extremo da vida:

http://genealogia.netopia.pt/forum/msg.php?id=149407#lista

Sobre o tema em questão neste Tópico, ou seja, a obrigatoriedade do baptismo, penso que ela se pode entender no quadro mental que levou os gregos a não penalizar o parricídio. Era inimaginável que alguém, voluntariamente, deixasse de baptizar uma criança. Casos existiam, isso é certo. Um deles, muito conhecido por envolver pessoas célebres, ficou registado na literatura: Ana Plácido só baptizou o primeiro filho que gerou na sua relação com Camilo Castelo Branco, quando a criança já havia completado um ano de vida, decerto por esta ser adulterina e o marido não ter tido, durante esse ano, a gentileza de emigrar para o Além. Existem razões para crer que, não tivesse a marido compreendido por fim o que se esperava dele, o baptismo não viesse a ser celebrado.
Cumprimentos,
Manuel.

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RE: Eram

#158623 | MP | 06 Jun 2007 16:22 | In reply to: #158613

Caríssimo Nuno Inácio,

De facto, o que poderá ter sucedido, no caso que referi, é a criança ter sido baptizada sem que se tenha registado o baptismo. Além disso, a freguesia onde terá acontecido é relativamente pequena e fiz a pesquisa num espaço de 50 anos, o que me teria permitido localizar o assento, caso tivesse sido registado posteriormente... Felizmente, no assento de casamento consta o nome do pai, não tendo sido difícil localizar os avós, etc. Ou seja a inexistência do assento não me impôs um fim de linha, antes pelo contrário :)

Muitos cumprimentos,
Mário Pimentel.

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RE: Os baptismos eram mesmo obrigatórios?

#158644 | feraguiar98 | 06 Jun 2007 17:50 | In reply to: #158619

Caro Manuel,

Sobre o "enchampelamento" apenas posso comentar que reforça a minha ideia de existe Portugal, o Algarve ..., e o Porto!

Mas qualquer baptizado pode baptizar um bébé em risco de vida e, de facto, uma vez isso feito, porque se trata de um Sacramento único, já não é repetido na Igreja.

O caso de Ana Plácido, na época, apenas se explica por falta de imaginação ou falta de vontade do futuro visconde. Poderia haver alguma hesitação - no caso que me é mais próximo e "grosso modo" da mesma época, o atraso foi de 3 meses - mas a solução costumeira era o baptizado por filho de pais incógnitos seguido pelo reconhecimento paterno como filho de mãe incógnita.
Esta figura da mãe incógnita, pela improbabilidade biológica, causou-me alguma perplexidade a primeira vez que com ela me cruzei mas era de facto corrente para mães casadas com outro que não o pai da criança e mesmo das casadas com Nosso Senhor Jesus Cristo, isto é, freiras e correlativas.

Com os meus cumprimentos,
Fernando Aguiar

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RE: Os baptismos eram mesmo obrigatórios?

#158661 | mtt | 06 Jun 2007 19:10 | In reply to: #158644

Caro Fernando Aguiar
Presumo que quis dizer que, se Portugal é uma república e o Algarve um reino, o Puarto é uma naçom.
Nem mais!
Interpretação menos honrosa far-me-ia sair a terreiro, “capa ao ombro, feltro ao vento, espada ao lado”, a justificar o meu recente posto nos Cadetes de Gasconha, por benevolência e debaixo da bandeira de D. Benedita de Armagnac (devo confessar que estas terminações em “ac”, evocadoras de perfumados néctares fermentados nas margens da Dordogne, contaram na decisão de me alistar).
Quanto ao futuro visconde, neste caso, não carecia ele de qualquer faísca de imaginação. Filhos de mãe incógnita sabia bem que existiam.
Muito curiosamente, tanto ele como Eça de Queiroz, os dois mais importantes ficcionistas do séc. XIX, assim constam nos respectivos assentos de baptismo.
No caso de Camilo, não existe grande mistério a considerar: a mãe era uma moça de Sesimbra, que deve ter sido criada do pai, homem com algumas fumaças de sangue.
Já no que diz respeito a Eça, a questão é mais complicada, e agravou-se recentemente.
Como já o vi discutir, sempre consistentemente, questões deste género, chegando até a citar os números dos apropriados artigos do Código, peço a sua opinião sobre o problema que passo a expôr.
O Professor Hermano Saraiva tomou conhecimento, o ano passado, do teor da célebre carta do pai de Eça dirigida à mãe, anexada pelo pároco de Vila do Conde ao assento de baptismo, e tirou a conclusão que o nosso querido José Maria teria que ser filho adulterino.
Eis o que o pai (também José Maria, mas de Almeida Teixeira de Queiroz) escreveu:

Senhora:
Ponte de Lima, 18 de Novembro de 1845.
Recebi carta de meu pai, que novamente me recomenda a criação de meu filho, e se me oferece para mandá-lo criar no Porto, em companhia da minha família, quando a senhora nisto convenha. Espero, pois, a sua resposta para nessa inteligência escrever a meu pai.
Ele me recorda igualmente − e também o desejo − que no Assento do Baptismo se declare ser meu filho, sem todavia enunciar o nome da mãe. Isto é essencial para o destino futuro de meu filho, e para que, no caso de se verificar o meu casamento consigo − o que talvez haja de acontecer brevemente −, não seja precisa em tempo algum justificação de filiação. Espero [que] se ponha ao nosso filho o meu, ou o seu nome, conforme deve ser.
Adeus. Acredite sempre nas minhas sinceras tenções − e agora mais do que nunca − Queiroz.

O Professor Hermano Saraiva, levando em conta que “o autor da carta era jurista e magistrado”, assim como o avô, pelo que “ambos conheciam o sentido jurídico dos termos que utilizavam”, considera como “conclusão obrigatória, e a única possível, da leitura jurídica dos documentos existentes” (esta carta e o assento que o dá como filho de mãe incógnita) que “a mãe do grande escritor era mulher casada”.
Que lhe parece?
Afectuosos cumprimentos,
Manuel.

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#158684 | feraguiar98 | 06 Jun 2007 22:07 | In reply to: #158661

Caro Manuel,

Entre outras qualidades, tem o condão de me tirar do sério.

O Puerto será bem uma naçom e fiquemo-nos por aí pois, sempre que a margem direita da foz do Douro vem à colação, acabo perdido entre os limites da idiossincracia e da patologia.
E não quero que saia a terreiro, pelo menos sob outro comando do que o do senhor de Tréville. Aramis a comandar cadetes seria subversivo! ... além de que os néctares de sua predilecção são bem mais perfumados ou também mais letais do que os D.O.C. de Charentes-Cognac-Dordogne.

Tenho pelo Professor Saraiva o mesmo tipo de sentimentos que já tinha quando foi ministro da Educação e sou suficientemente snob para me excluir do público-alvo que mais evidentemente beneficia com as suas excelentes qualidades de comunicador. Neste caso, acho que o macróbio professor concluiu a partir do que não está no documento, possivelmente para obter um melhor efeito mediático.

De há muitos, muitos anos, tenho a lembrança de ter ouvido comentar essa questão por pessoas conhecedoras e, sem me lembrar em pormenor, lembro-me bem de ter sido dito que a polémica vinda a público, tinha sido muitissimo desagradável por estarem ainda vivos os filhos, incluindo o filho José Maria que se sentiu obrigado a vir a público rebater essa tese.
Assim, sem me pronunciar sobre o fundo da questão, começo por constatar que nada tem de novo; suspeito mesmo que o único elemento novo é o conhecimento da carta - que muitos já conheceriam - pelo professor Saraiva.

A protecção da identidade da mãe e a da prosápia do pai serão, por esta ordem, as causas mais correntes para os registos por mãe incógnita. Mas há outros.
Estou de acordo quanto à possibilidade que avança para Camilo. Não era caso raro devolver a mãe à terrinha com uma adequada quantia em dinheiro, sendo o registo feito como garantia de que, anos depois, não aparecesse a mãe ou familiares a reclamar direitos ou incomodar q.b.. E não era, à luz da época, uma coisa tão tenebrosa como parece hodiernamente; a mãe, com algum senso comum que geralmente não falta aos camponeses, seria a primeira a reconhecer que a sua presença ao lado do filho apenas prejudicaria o futuro deste. Ou seja, fazendo da criança o sujeito principal - ao contrário do que se passa hoje quando os pais discutem o direito de estarem com os filhos em vez do juiz decidir sobre o direito da criança estar com os pais - era uma boa decisão.

No caso de Eça não posso ser assertivo quanto à questão legal mas vou equacioná-la e alguém mais sabedor poderá corrigir-me ou completar-me. O caso que primeiro me despertou para essa questão, dá-se na transição do século e, nessa época, não havia escapatória possível nem sequer por intervenção régia. Filho nascido na constância do matrimónio, era filho dos cônjuges; e mesmo que anos depois, um deles falecesse e os pais biológicos pudessem casar não era possível alterar a situação da criança que para sempre ficaria como filho do cônjuge do progenitor à data do nascimento.
Já está a ver que, se fosse esse o caso, nunca Eça poderia ter sido reconhecido como filho dos pais biológicos. Há a hipótese da lei ter sido alterada por meados do século mas duvido. A primeira grande alteração à lei civil dá-se apenas em 1866 com o código de Seabra e, se tivesse entretanto ocorrido promulgação de lei extravagante sobre matéria tão melindrosa, deveria ser conhecida. Mas, como disse, nesta matéria, aguardo pelos especialistas, talvez mesmo, porque não, a sua protectora nos cadetes da Gasconha.

Como lhe disse, poderão imaginar-se outros motivos para o registo por filho de mãe incógnita, ressaltando desde logo a oposição familiar. Creio ter sido o caso de Eça e vou-me arriscar a navegar por memórias mais do que vetustas mas que, mais uma vez, abrirão caminho às correcções e aditamentos que se imponham. A oposição ao casamento teria partido da mãe da noiva que teria chegado a ameaçar comportamentos extremos se o casamento se concretizasse. A elíptica referência da carta, seria provavelmente referida às diferentes pressões que estariam a ser exercidas sobre a senhora para ceder na sua intransigência. E tenho mesmo ideia de que isso teria acontecido poucos anos depois, com a senhora já doente, e que estavam já a tratar dos papéis para o casamento quando a senhora faleceu em 1849. Eça nasceu em 1845 e a sua legitimação por casamento subsequente dos pais teria assim ocorrido uns 5 anos depois.
Mas, desculpe a insistência, são memórias velhas e de velho e, em rigor, nem posso asseverar que a conversa que há anos ouvi contivesse informação totalmente fiável.

Com os meus cumprimentos,
Fernando Aguiar

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#158724 | mtt | 07 Jun 2007 03:38 | In reply to: #158684

Caro Fernando Aguiar
A doutrina que enuncia, “Filho nascido na constância do matrimónio, era filho dos cônjuges; e mesmo que anos depois, um deles falecesse e os pais biológicos pudessem casar não era possível alterar a situação da criança que para sempre ficaria como filho do cônjuge do progenitor à data do nascimento”, era a vigente na época e já vinha do direito romano: “pater is est quem nuptiae demonstrant”.
Esta é a razão por que o Professor diz que o pai do Eça, ao propor o assento como filho de mãe incógnita, procurou atalhar a eventual contestação futura. O motivo que ele aponta na carta é que “não seja precisa em tempo algum justificação de filiação”, e o Professor Saraiva afirma não ser sustentável outro motivo para que a futura legitimação pudesse ser problemática, senão a mãe ser casada.
Note que casada, o que se chama casada, não me parece que pudesse ser. Se o fosse, o que significaria a previsão de que o casamento “talvez haja de acontecer brevemente”?
A contract on the husband?
O que poderia, a meu ver, era ser viúva, tendo concebido quando ainda o não era.
Penso que o raciocínio do Professor está correcto, mas não acredito que a realidade dance ao som de tão dissonante melodia.
A minha interpretação é que nem um nem outro dos progenitores considerou sequer a possibilidade de exposição do nome da mãe. Sobre isso nem havia necessidade de referência na carta, de tal modo seria óbvio que ela não poderia ser nomeada.
A proposta, tomada deste ponto de vista, referir-se-ia apenas à questão de constar ou não o nome do pai.
Ele entendeu que sim, o que não deixaria de facilitar os procedimentos futuros, ao dar por adquirida a parte da filiação paterna.
Isto de interpretar demasiado estritamente um texto, como fez neste caso o Professor Saraiva, nem sempre conduz a bom porto. Como interpretaria ele a frase do documento de legitimação, datado de 1885, que afirma que o José Maria “é filho da abaixo assinada e que para o legitimar contraímos matrimónio no dia 3-9-1849...”, quando se verifica, no próprio documento, que o casal diferiu a legitimação durante três décadas e meia? Aliás, apenas se resolveram a dar o passo, porque o filho, aos quarenta anos e vencido o “horror do cavalo selvagem pela mangedoura”, se decidira a casar?
O casamento, ao contrário do que a sua memória lhe segredou, não legitimou o filho, que nunca chegou a viver com os irmãos. Para isso continuava a ser necessário expor a mãe. A legitimação só seria automática (ou semi-automática) se o filho tivesse sido baptizado como filho natural de seus pais.
Quanto à razão por que o casamento se não seguiu ao baptizado, ela não é isenta de controvérsia.
Segundo a tradição familiar, a mãe do Eça ficou tão irritada por ter engravidado, que se recusou ao casamento com o autor da obra, tendo anuído apenas, e tardiamente, porque a mãe, no leito de morte, lhe arrancou a promessa.
Segundo o senso comum, verifica-se que ela (órfã de pai) não casou enquanto a mãe não morreu e era de família ferozmente legitimista; ora, o velho Queiroz (avô do Eça) fora condenado à morte pelo regime do D. Miguel e só escapou a ter a cabeça no topo de um mastro plantado na Praça Nova do Porto, por se ter raspado para o Brasil.
Confesso que me inclino para a segunda alternativa e acompanho-o na crença de que terá sido a cansada anuência da mãe da noiva, o que realmente sucedeu, no tal leito de morte.
A tese do Professor Saraiva é rigorosamente inédita. A polémica que refere e que terá incomodado o filho José Maria (the thirth), nada teve a ver com o estado civil da mãe, sempre considerada como solteira, e centrava-se na questão da naturalidade do filho; mas, como era previsível, levantou alguma poeira em mais melindrosos terrenos. A Póvoa do Varzim e Vila do Conde disputavam as primeiras fraldas do Romancista. Génova, distraída e meditabunda, dessa vez não se intrometeu, razão por que, em vez de levar a mão direita ao punho e a esquerda à bainha, o saúdo amigavelmente.
Manuel.

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#161136 | Mavasc | 28 Jun 2007 12:19 | In reply to: #158724

Caro confrade Manuel

Apesar de não estar muito dentro da questão, permito-me chamar a atenção para o disposto no artigo nº 2469ºdo Código de Seabra, que passo a transcrever:

"A legitimação dos filhos por subsequente matrimónio dos pais, e o reconhecimento dos ilegítimos, feito por escritura pública, testamento ou qualquer outro acto solene, serão notados á margem dos respectivos assentos de nascimento, precedendo, porém, despacho do juiz que assim o determine..."

No caso de um filho de pai ( ou mãe) incógnito, poderia aplicar-se o artigo nº 119º do mesmo código, que previa a legitimação do filho mediante casamento dos pais " e reconhecimento dos mesmos, pelos pais e mães, no dito assento de casamento, ou em testamento ou escritura pública, quer anteriores quer posteriores ao matrimónio".

Confesso que a questão que coloca me deixa confusa, desconhecendo a legislação anterior ao Código de Seabra, mas lembro o artigo nº 2468º que trata da absoluta presunção de legitimidade dos filhos nascidos na constância do matrimónio, e o artigo nº 101º que estipula a presunção de legitimidade dos filhos nascidos dentro dos 300 dias subsequentes á dissolução do matrimónio
ou á separação dos cônjuges..."

Duvidando ter ajudado e esperando, contrariamente, não ter vindo aumentar a confusão,
Envio os meus melhores cumprimentos

Maria Benedita

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#161184 | mtt | 28 Jun 2007 18:38 | In reply to: #161136

Caríssima Maria Benedita
A questão em apreço, despida de todos os pormenores irrelevantes, é a de saber quais os obstáculos a que o pai da criança pretendeu atalhar ao decidir assumir a paternidade, ou seja, identificar o que ele antecipava que pudesse vir a acontecer, quando pretendeu garantir que “não seja precisa em tempo algum justificação de filiação”?
O professor Saraiva diz − com razão, segundo me parece − que o único obstáculo que poderia forçar a uma “justificação de filiação” seria existência de um marido que, pela legislação vigente, fosse o putativo e incontornável progenitor legal do infante.
A sua mensagem confirma o enquadramento legal deste aspecto da questão, embora o código eficaz na época fosse a Novíssima Reforma, do Costa Cabral, o que para o caso pouco importa, pois não penso que ela fosse diferente do Código Seabra, no que à questão diz respeito. À luz dessa legislação, um marido vivo, ou morto nos 300 dias (nesta parte também contribuiu para clarificar o assunto) anteriores ao nascimento, seria, segundo o professor, o único obstáculo previsível.
Fossem o pai e o avô carpinteiros ou ferradores e a presunção seria menos solidamente sustentável. O professor Saraiva escreveu o que escreveu por entender que, sendo ambos magistrados, conheciam na perfeição o enquadramento legal.
O raciocínio parece-me sem falhas, o que não quer dizer que estime que a realidade se conforme com a presunção. Parece-me que a assunção da paternidade logo no momento baptismo, ao não prejudicar o ulterior reconhecimento pelo casal, só poderia facilitá-lo.
O estabelecimento de uma garantia talvez não rigorosamente necessária, o uso de uma espécie de redundância, parece-me compreensiva em matéria tão transcendente como é a paternidade. Não ouvimos todos os dias, na televisão, “foram todos unânimes” e “repetiu de novo uma vez mais”? Os interessantes intelectuais que o escrevem, entendem que “repetiu” ou mesmo “repetiu de novo” não exprimem bem a ideia, e querem deixar claro que a coisa aconteceu “uma vez mais”.
O que deixam perfeitamente claro é que... enfim, não preciso dizer-lhe o quê.
Penso também, após ter meditado no que o Fernando Aguiar terá para dizer, que pode existir outro motivo para que o pai tenha querido garantir a paternidade do filho.
A criança estava destinada a ficar à guarda da mãe. Não na residência desta, mas em casa de parentes, os Carneiro Pizarro de Vila do Conde, onde ocorreu o parto e onde o pequeno Zé Maria viria a residir durante a primeira infância, antes de ser entregue ao avô paterno. Esta família era também miguelista.
Terá o pai imaginado que a mãe pudesse vir a casar com outro homem, desapossando-o do filho, instigada pelos parentes que abominavam que um Pereira d’Eça viesse a ser educado por monstros maçónicos capazes de recusar o pescoço à régia corda e sustentar a sacrílega se não satânica ideia de que quem pagava impostos tinha direito a representação parlamentar?
Penso ser este o “ínfimo pormenor” que terá surgido na muito experimentada e esclarecida mente do Fernando Aguiar, e se assim foi, há que concordar com a pertinência do argumento e espanto-me de o não ter considerado anteriormente, pois sempre vi como uma das mais desprezíveis misérias humanas a recusa da paternidade a um filho que se sabe ser seu, quando não a simples displicência face à situação, como poderia classificar-se o facto de o pai não esgotar os meios de que dispunha para assegurar a paternidade legal do filho.
Como bem sabe, a transmissão do importantíssimo e bem definido cromossoma Y acarreta responsabilidades que ultrapassam largamente as que advêm da irrelevante participação com a fútil incógnita X na equação reprodutora.
Cumprimentos um pouco condescendentes mas ainda assim afectuosos,
Manuel.

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RE: Os baptismos eram mesmo obrigatórios?

#161198 | mtt | 28 Jun 2007 20:48 | In reply to: #161136

Cara Maria Benedita
Corrigindo o que escrevi, o parto não ocorreu em Vila do Conde, na casa dos Carneiro Pizarro, mas, sim, na Póvoa do Varzim, em casa de um parente do pai da criança, de seu nome Soromenho, se a memória me não engana.
Logo a seguir é que a criança veio para Vila do Conde, onde o baptismo foi celebrado.
Cumprimentos,
Manuel.

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RE: Os baptismos eram mesmo obrigatórios?

#161202 | Mavasc | 28 Jun 2007 21:31 | In reply to: #161184

Caro confrade Manuel

Começo por confessar que entendo e aceito perfeitamente os seus condescendentes, não obstante afectuosos cumprimentos. A falta do tal cromossoma Y, unâmime e vivamente aplaudida pelos meus filhos, temerosos de um ainda maior impulso guerreiro na minha índole, e das respectivas consequências na deles, deixa-me amplamente contristada. Esperemos que não surjam traumas, problema que consegui contornar durante toda a vida mediante aplicações diárias de saudável bom humor!

No que respeita á questão em apreço, há que ter em atenção que, havendo um matrimónio, o pai seria sempre o cônjuge, pelo que não haveria qualquer justificação de filiação a fazer, nem naquela altura nem nunca ( artigo 2468º do Código de Seabra), salvo havendo separação que datasse de mais de trezentos dias antes do nascimento. E sendo a mãe viúva haverá que ter em conta que seria tido por filho do de cujus o que nascesse nos 300 dias seguintes á morte. Julgo, igualmente de ter em consideração que era proibido o casamento aos menores de 21 anos enquanto não obtivessem o consentimento dos pais e também ao cônjuge adúltero, com o seu cumplice, condenado como tal ( 1058º do Código)...
Enfim, casada, não me parece, pois não havendo divórcio a carta nunca poderia falar em casamento salvo se o marido estivesse com " os pés para a cova" ( perdoe-me o meu arqui inimigo o plebeismo, caso o leia) ou tencionassem pô-lo nesse estado, o que mal pareceria da parte de um magistrado! Mas a idade e a necessidade do consentimento paterno fazem sentido no contexto! A mãe teria menos de 21 anos, o que creio que acontece, e o digno magistrado esperava essa data para poder livremente mergulhar nos sagrados laços com a sua amada, já livre de qualquer obstáculo familiar!

Para quem pouco gosta de especulações já especulei que baste, aguarda-se a sempre douta participação do seu amigo.

De cabeça baixa, como convém a cidadão privado do indispensável cromossoma, mas com amizade

Maria Benedita

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RE: Os baptismos eram mesmo obrigatórios?

#161206 | feraguiar98 | 28 Jun 2007 22:57 | In reply to: #161184

Caro Manuel,

De forma alguma o meu "ínfimo pormenor" era tão rebuscado.

Desculpe se pareço convencido mas a questão parece-me claríssima.
Relendo a carta que teve a amabilidade de transcrever, ressaltam indubitáveis as boas intenções do pai da criança que claramente afirma desejar o casamento e a regularização futura da situação da criança.
Como também é claro depois do que ficou escrito, Saraiva não tem qualquer razão e caro Manuel também a não tem quando põe a hipótese da viuvez. Se a mãe fosse casada ou se a criança tivesse nascida dentro dos tais 300 dias - e à cautela o prazo internupcial era de um ano - não havia processo que lhe valesse 10 ou 50 anos depois. A diferença é que se a criança fosse baptizada como filha de pais incógnitos ou ainda de pais de conveniência que não os biológicos, seria sempre necessário o tal processo e sentença de um juiz enquanto se fosse baptizada como filha de um qualquer dos progenitores biológicos e ambos fossem livres, o casamento posterior permitia a legitimação sem outras formalidades que a declaração dos cônjuges, quer no acto do casamento, quer posterior, mesmo testamentária.
Ou seja, com os seus conhecimentos de magistrado, o pai pretendeu evitar a futura necessidade de um processo, assegurando que bastasse uma simples declaração como efectivamente sucedeu (por aplicação do tal artigo 119º como oportunamente esclareceu a Maria Benedita.

Desculpe-me não ter sido suficientemente claro em mensagem anterior quando disse que a legitimação por casamento posterior seria automática. Dispensava qualquer processo mas não a declaração dos pais que era suficiente quer quando a criança tivesse sido baptizada como filha natural dos dois quer como apenas de um deles.

Com os meus cumprimentos,
Fernando Aguiar

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#161208 | coelho | 28 Jun 2007 23:42 | In reply to: #158724

Caro Manuel,

Génova não se intrometeu, mas a costela aveirense do Coelho tem que lembrar que o pai de Eça de Queiroz era de Verdemilho, Aveiro, tendo o escritor vivido em Verdemilho com os avós paternos desde tenra idade até 1855, ano em que morreu a avó paterna, aliás já viúva desde 1850. Nessa altura, Eça foi internado num colégio no Porto. A ligação a Aveiro é demasiadas vezes esquecida, embora o próprio Eça se considerasse aveirense.

Quanto aos Soromenho, o parentesco era com a mãe de Eça e não com o pai. A avó materna de Carolina Augusta Pereira de Eça era Soromenho.

Cumprimentos,
Coelho

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RE: Os baptismos eram mesmo obrigatórios?

#161227 | mtt | 29 Jun 2007 05:08 | In reply to: #161206

Caro Fernando Aguiar
Eu não coloco, nem nunca coloquei, a hipótese da viuvez, apenas procurei fornecer verosimilhança ao que disse o professor Saraiva.
Quanto a mim, a dama era solteiríssima e a minha convicção, quanto a esse ponto, nunca foi abalada O que me pareceu foi que o raciocínio explanado pelo professor era sustentável, pelo que o sentido da carta do pai carecia de esclarecimento.
Talvez, apesar do que escrevi e do que afirma, a legislação fosse diferente na época, e o professor Saraiva tenha mais razão do que lhe parece, pois a que conhecemos é o Código Seabra, e ele refere-se à que estava em vigor em 1845, que penso que seria a Novíssima Reforma.
Ele diz até que consultou “a lei vigente, ilustres magistrados (até do supremo) e professores de Direito, e a solução foi sempre a mesma; a omissão do nome da mãe, para não ser precisa uma acção de filiação, significa, necessaria e exclusivamente, que a mãe era mulher casada”.
Note que, mesmo que este raciocínio se revele inatacável, do ponto de vista da lógica da legislação de 1845, não deixarei de supor a dama solteira; acredito que a haver um casamento anterior teriam surgido alusões a ele, e inevitavelmente ter-se-ia tornado conhecido. Também, se a carta se lesse tão obviamente da forma descrita, nunca ela seria passada ao pároco para que a colasse entre as páginas do livro de baptismos.
Foi por entender que a interpretação da frase do pai era demasiado restritiva, que citei a passagem do documento de legitimação onde a mãe afirma que o José Maria “é filho da abaixo assinada e que para o legitimar contraímos matrimónio no dia 3-9-1849...”
Como interpretariam esta frase “os ilustres magistrados (até do supremo)” se não como sendo óbvio que legitimaram o filho na cerimónia ou logo após ela celebrada? No entanto, passaram mais de três décadas sem tal acontecer, e não tivesse o José Maria querido casar, pode imaginar-se que nunca tal teria sucedido.
Enfim... seria necessário ver o que constava na legislação do Costa Cabral, para podermos enquadrar melhor a questão, mas confesso-lhe que diga ela o que disser, sem informação de mais segura fonte, não constarão prendas minhas nesse hipotético casamento.
Afectuosos cumprimentos,
Manuel.

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#161228 | mtt | 29 Jun 2007 05:33 | In reply to: #161208

Caro Coelho
Folgo de o ver a defender, por uma vez, um berço não convencional. Enfim... não sei se verdadeiramente o está a fazer, ou se está apenas a brincar com o assunto. Note que há quem o sustente, embora sem qualquer consistência, e até tenho algures um número de um jornal aveirense inteiramente dedicado a esse tema.
Quanto ao que leu, escrevi de memória, no entanto, tenho a certeza de que o pai do Eça se referiu ao Soromenho como seu parente. No livro Os Românticos Antepassados de Eça de Queiroz, o autor, Rocha Martins, escreve:

O apelido da avó paterna de D. Carolina Augusta de Pereira d’Eça, que se chamava D. Ana Pimentel Soromenho, faz acreditar que Francisco Augusto Pereira Soromenho, empregado do pescado da Póvoa do Varzim, e em cuja residência nasceu Eça de Queiroz, não era parente do Dr. Teixeira de Queiroz, mas de sua esposa.
Mais tarde, o pai do grande romancista, dava aquele tratamento ao Soromenho, visto a afinidade estabelecida após o consórcio.
Na data do parto, ele seria o parente bondoso da famíia Pereira d’Eça, e a ele se recorrera no transe que implicava segredo.

Com vê, o autor gasta três parágrafos a explicar este passo porque o pai do Eça afirmou que o homem era seu parente. No livro nada mais consta de explícito mas, se bem recordo, afirmou-o quando da inauguração da estátua do filho, em Lisboa, já no século XX.
Não tenho a certeza de que Rocha Martins esteja certo. A avó Soromenho era de Lagos e conheço um escritor aveirense, embora habitualmente dado como nascido no Porto, cujo nome cabia inteirinho no deste obstétrico parente: chamava-se Augusto Pereira Soromenho (1834-1878) e aparece de maneira algo insólita no programa das Conferências do Casino, organizadas por Eça de Queiroz em Lisboa.
Este Augusto seria, quase certamente, sobrinho do Francisco Augusto, pois os apelidos Pereira Soromenho, vinham-lhe do lado materno.
Até prova em contrário, continuarei a acreditar que estes Soromenhos de Aveiro eram parentes dos Teixeira de Queiroz, fossem ou não também aparentados aos Pereira d’Eça. Quem sabe, terá sido o Soromenho, se acaso era parente comum, quem estabeleceu a ligação entre os namorados.
Saiba que também já tive uma costela aveirense, mas mais no sentido da costela de Adão, ou seja, uma costela conjugal, e devo ter passado algumas centenas de fins-de-semana na simpática pátria dos mexilhões, como lhe chamavam no século XIX.
Saudações cagaréuas (ou serão ceboleiras?),
Manuel.

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RE: Os baptismos eram mesmo obrigatórios?

#161229 | mtt | 29 Jun 2007 05:38 | In reply to: #161206

Caro Fernando Aguiar
Isto é um Post Scriptum.
Ao consultar um livro para responder ao Coelho, verifiquei que, contrariando o que escrevi, o pai da mãe do Eça era liberal. Não me sinto propriamente solitário nesta asneira, pois já a vi escrita vezes sem fim.
Fica a correcção.
Manel.

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RE: Os baptismos eram mesmo obrigatórios?

#161237 | coelho | 29 Jun 2007 09:53 | In reply to: #161228

Caro Manuel,

não estou a defender um berço não convencional e também não estou a brincar com o assunto! ( Se fosse para brincar, tinha pegado na sua capacidade de "tirar do sério" o seu amigo Aguiar ! -- se juntarmos à costela aveirense, já são duas afinidades que temos ...)

Estava apenas a dizer que, embora o nascimento tenha sido na Póvoa do Varzim, Eça de Queiroz desde tenra idade associou a sua origem a Aveiro, porque lá morou até aos 10 anos e porque era ali a casa familiar a que sempre voltava em períodos de férias. Infelizmente, não tenho à mão dados mais concretos, mas lembro-me de ter lido declarações do próprio Eça que indicavam que ele se considerava aveirense.

Quantos aos Pereira Soromenho, é possível que já fossem parentes do pai de Eça de Queiroz antes do casamento. É possível que o namoro fosse proporcionado por essa ligação familiar. É uma questão de estudar a genealogia. ( Na ascendência paterna de Eça não encontro Pereiras nem Soromenhos - ver Genea, mas isso não exclui um parentesco por outra via)

Note entretanto que o tal empregado da fiscalização do pescado, Francisco Augusto Pereira Soromenho, não tinha necessariamente relação com os Soromenhos de Lagos (só agora me apercebi disso). O parentesco era por afinidade. Francisco Augusto era casado com Emília Amália Pereira de Eça e portanto era tio materno por afinidade de Eça de Queiroz.

Felicito-o pela sua ex-costela aveirese! Quanto a cagaréus e ceboleiros não o sei esclarecer muito bem ...

Cumprimentos,
Coelho

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#161292 | Mavasc | 29 Jun 2007 16:27 | In reply to: #161228

Caríssimos Manuel e Coelho

Não obstante a minha costela me puxar para o belo leitão da Bairrada, e mais precisamente ainda para o do Álvaro do Mugasa, não esqueço a terra onde vivi tantos anos. Segue receita de mexilhão á moda de Aveiro, por passos:

1º- Apanhar o dito da manhã cedinho na praia da Barra, junto ao paredão norte. Recomenda-se o uso de sandálias de borracha e bom equilibrio. Só se apanha, obviamente, o mexilhão que está debaixo de água.
2º- Abrir o dito em tacho, sem água, retirando-o das conchas.
3º- Espetá-lo em palitos, cada um abarca, mais ou menos, 6 peças de animalejo e
passá-lo por farinha.
4º- Fritar as espetadas, deixando-as lourinhas.
5º-Fazer molho de escabeche e meter lá as espetadas.
Fica 1 dia de escabeche e come-se com bom branco bairradino, bem fresquinho , podendo ser escolhido entre os Ensaios da Filipa (Pato).

Saudações cagaréuas

Maria Benedita

PS- Não acredito que o Coelho não distinga os cagareus dos ceboleiros!!!!!!!!!!!!!!!!!

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RE: Os baptismos eram mesmo obrigatórios?

#161304 | coelho | 29 Jun 2007 17:54 | In reply to: #161292

Caríssima Benedita,

a minha costela aveirense é meramente de adopção! Sei no entanto localizar os restaurantes "Cagaréu" e "Ceboleiros" ... já dá para ter uma ideia!

Um abraço,
Coelho

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RE: Os baptismos eram mesmo obrigatórios?

#161317 | Mavasc | 29 Jun 2007 21:17 | In reply to: #161304

Carissíssimo amigo

Os cagaréus são os nascidos na freguesia da Vera-Cruz, os ceboleiros na da Glória!

A adopção obriga a estas distinções!
E eu, nascida na freguesia da Sé Nova, em Coimbra, creio nem nome ter!

Um abraço amigo

Benedita

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RE: Os baptismos eram mesmo obrigatórios?

#161340 | mtt | 30 Jun 2007 01:13 | In reply to: #161292

Cara Maria Benedita
A sua receita, quanto a mim, começa tão mal que fica logo sem conserto possível. Essa de apanhar o conduto de “manhã bem cedinho” não é para quem trabalha durante a noite e se deita às seis. Se encontrar por aqui uma mensagem minha datada de entre essa hora e a do almoço, verificará que apenas terá escrito “Zzzz Zzzz”
A redacção apropriada devia ser:
1.º − Manda-se alguém apanhar o dito de manhã bem cedinho... etc.
Devo confessar-lhe que não sou apreciador do dito dito, que considero um impiedoso assassino de arrozadas de marisco, mas condescendo com ele quando cozinhado de uma maneira que se não usa em Portugal.
Como em matéria de culinária sou gastrónomo, dirijo-a para quem sabe do assunto:
http://users.skynet.be/la_cuisine_belge/cuisine_belge_moules-marinieres.htm
Agora, só falta a segunda parte, que consiste em afinar-lhe as maneiras à mesa:
Deve usar um ou dois mexilhões vazios (como em tudo, existem duas escolas), servindo de pinças e uma colher para, de quando em quando, comer um pouco da espécie de sopa onde o material é cozinhado.
Note que ficará sempre com os dedos molhados, mas, que diabo! ou a coisa é Marinière ou então nada é.
No final deve pronunciar, com sotaque bruxellois: Merreci, Maniuel!
Bon apetit, madame!

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