Indicação de "Dona" nos nomes femininos
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Indicação de "Dona" nos nomes femininos
Tenho encontrado alguns assentos, nomeadamente de casamento, em que as senhoras são nomeadas com um "Dona" antes do nome. Coloco duas situações :
1ª - Assento de casamento da freguesia de Barrô (actual concelho de Resende) de 25 de Janeiro de 1804 - "... celebraram o sacramento do matrimónio António Pereira Cardoso de Meneses filho de João Pereira Cardoso e de sua mulher D. Teresa Joaquina de Meneses da Quinta da Granja e D. Luísa Joaquina do Espírito Santo filha legítima de José Pereira e de sua mulher Josefa de Almeida da Ribeira de S. Gonçalo...". No casamento da filha esta surge também com "Dona", mas a neta em 1881 já não tem a indicação.
2ª - Assento de casamento da freguesia de Eiriz (actual concelho de P. Ferreira) de 23 de Maio de 1741 - "... abaixo assinadas Manuel Álvares Ribeiro filho legítimo de Domingos Álvares e de sua mulher Ângela Manuela já defuntos naturais da freguesia de S. Miguel de Vilarinho com D. Joana Maria Luísa Figueiredo filha legítima de Baltazar Netto da Cruz e de sua mulher D. Maria Joana de Figueiredo Carneyro já defunta do lugar de Vila Verde desta freguesia...". Do mesmo modo no casamento da filha esta aparece com a indicação "Dona". Neste caso seguem-se filhos e as esposas não aparecem com o "Dona".
Pode não ter qualquer interesse (ou terá!) mas gostava de perceber.
Agradeço desde já qualquer esclarecimento,
J. Correia
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RE: Indicação de "Dona" nos nomes femininos
Caro confrade J. Correia:
Esta questão quanto a mim tem muitíssimo interesse, sobretudo nos casos que aponta, em que houve alteração do tratamento em descendentes. Com efeito, o tratamento de Dona das senhoras estava regulado pela Lei; determinados cargos ou distinções davam (a partir de certa época) esse direito às mulheres e filhas dos detentores (por exemplo o Hábito de Cristo) e esse direito era hereditário de mãe para filha e de sogra para nora, ou seja, teoricamente deveria passar para toda a descendência feminina e mulheres de descendentes masculinos, por qualquer via (legítima) que fosse.
Até ao século XVII era reduzido o número de Senhoras que tinham esse direito; até certa altura eram mesmo apenas as filhas legítimas de homens com direito ao uso de "Dom" que tinham esse tratamento (mesmo algumas bastardas reais na Idade Média não tinha esse tratamento); assim em grande parte da fidalguia, mesmo em filhas de pessoas com foros da casa real, não havia esse uso. Com o tempo o direito foi-se alargando por via legal e consagrou-se o modo de suceder acima referido, com todos os abusos e erros que sempre ocorrem à margem da Lei.
Deste modo, nos casos que refere em que o "Dona" deixou de ser usado na descendência ou houve alguma decadência social ou por alguma razão os padres deixaram de usar esse tratamento; se foi na época da revolução liberal poderá até haver razões ideológicas. Em antepassados meus em que o uso do "Dona" provinha de um hábito de Cristo a regra foi rigrosamente seguida com excepção dos assentos efectuados nos anos que se seguiram à revolução de 1820, sendo retomada uns anos depois, sem mais interrupção até ao século XX. Assim presumo que tenha havido alguma razão política ou ideológica. Outra explicação poderá ser alguma decadência social que levasse os párocos a perder a noção de que essas pessoas tinham o direito a esse tratamento, ou então por pura ignorância do pároco e desleixo dos próprios.
Em algumas regiões nota-se maior "contenção" que noutras no uso do "Dona"; em freguesias do Alto Minho encontro mulheres e filhas de Fidalgos de Cota de Armas no século XVIII que não têm o "Dona" e também encontro assentos em que aparece uma avó com "Dona" e a respectiva filha sem esse tratamento. Em Monção ao longo de quase todo o século XVI apesar de existir numerosa fidalguia de linhagem e alguns com foros da casa real apenas encontrei um reduzidíssimo número de Senhoras como tratamento de "Dona"; que me lembre, a mulher e uma "criada" (possivelmente parente) de D. Pedro de Sottomayor (galego) e a mulher de Leonel de Abreu. Em toda a descendência (bastarda, é certo) do protonotário D. Vasco Marinho esse uso praticamente não existia, mesmo na que passava pelo Fidalgo da casa de El Rei D. Manuel I, Lançarote Falcão (progenitor dos Marinhos Falcões).
Cumprimentos,
António Bivar
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RE: Indicação de "Dona" nos nomes femininos
Caro António Bívar
Excelente explicação!
ÓCP
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RE: Indicação de "Dona" nos nomes femininos
Caro Óscar Caeiro Pinto
Muito obrigado pela palavras simpáticas. Fica no entanto muito por dizer; nomeadamente datas e mais pormenores acerca da evolução da legislação pertinente (o conhecimento que tenho é bastante empírico e de "ouvir dizer" a pessoas em quem tenho confiança). Julgo mesmo que ainda haverá muita investigação por fazer quanto a esta questão.
Cumprimentos,
António Bivar
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RE: Indicação de "Dona" nos nomes femininos
Caro António Bivar,
Depois de ler a sua explicação debrucei-me um pouco mais sobre os dados que tenho e verifiquei que no primeiro caso a bisneta tem outra vez o "Dona". O ter falhado na neta pode ter sido um lapso do sacerdote que escreveu o assento.
No segundo caso houve uma mudança de localidade por parte do herdeiro masculino, o que pode ter levado ao fim da menção.
Parece-me assim haver um padrão que está de acordo com o que disse.
J. Correia
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RE: Indicação de "Dona" nos nome
Caro J. Correia
Respondo-lhe com uma breve passagem de um texto do Dr. Manuel Artur Norton, sobre as famílias burguesas de Caminha, em Raízes & Memórias nº 9:
"Por outro lado, a força empreendedora que traziam era bem grande, pois não só desenvolviam o ramo de negócios que tinham, como criavam outros. É o caso da fábrica de louças que começava a laborar em 1846, apesar da crise sócio-administrativa que o país estava a atravessar.
A própria rusticidade social já devia estar a passar, pois nota-se, pelos registos dos assentos paroquiais, o elemento feminino passar a usar o tratamento de dona. Este é um aspecto bem importante, pois este tratamento não é só quererem-no usar, mas também haver um consenso de aceitação no meio em que viviam."
Meus cumprimentos,
joão mamede
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RE: Indicação de "Dona" nos nomes femininos
Caro J. Correia,
Apesar do essencial já ter sido dito pelos Confrades António Bivar e João Mamede, vou tomar a liberdade de lhe deixar aqui uma dica que pode ser útil para compreender esta questão do tratamento de/por “Dona”.
No site do NEPS (Núcleo de Estudos de População e Sociedade) na paróquia de São Sebastião (em Guimarães) se pesquisar por “dona” vai encontrar as pessoas tiveram direito a esse tratamento ao longo dos séculos na referida paróquia. Como irá verificar, esse tratamento não era muito comum estando reservado apenas a algumas pessoas. Contudo, no século XIX há um aumento de pessoas tratadas por “dona” (especialmente no final do século XIX). Como já aqui foi dito a sensibilidade do pároco era muito importante na “atribuição” destes tratamentos…
Não sei se o levantamento está completo mas penso que dá para se ficar com uma ideia sobre o assunto.
Fica aqui o link: http://sarmento.eng.uminho.pt/cgi-bin/geneweb?b=Sebas&lang=pt&m=NG&n=dona&t=PN
Melhores cumprimentos,
Francisco Brito
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RE: DONA
Caro Vasco:
O Lourenço já respondeu quanto à legislação, melhor do que eu poderia ter feito; como eu escrevi numa resposta ao Óscar Caeiro Pinto, o conhecimento que tenho é por o ouvir afirmar (com segurança) a pessoas em quem tenho muita confiança (nunca tinha visto directamente o texto da lei) e é também a observação empírica, que confirma essa informação: os COX que tenho encontrado passam a "dar o Dona" às mulheres e filhas exactamente a partir do momento em que obtêm o hábito (a menos que aquelas já tivessem antes esse tratamento por outro motivo) e esse tratamento é herdado exactamente como me disseram que devia ser. Muitos párocos sabiam muito bem o que faziam e havia também visitações que os "punham na ordem"...
A excepção que referi pode ser pura coincidência mas não encontrei melhor explicação para a omissão do tratamento (e mesmo algumas rasuras cortando os "donas" antes escritos) exactamente nessa época que referi. Este exemplo não invalida que haja situações opostas noutros casos na época liberal, mas concerteza não se pode "confirmar o contrário" com toda a generalidade! estamos a falar de um pároco numa freguesia de Trás-os-Montes que, objectivamente, teve esse comportamento nessa época, tendo posteriormente sido retomado o costume anterior, em relação às mesmas pessoas... Não sabemos exactamente o motivo, mas em épocas conturbadas podem existir comportamentos particulares contraditórios.
Um abraço,
António
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RE: DONA
Caro Vasco:
Na mensagem anterior não tinha a certeza se eras tu! Achei que podias ser outro Vasco (não estava a ver bem qual, mas não conhecia esta tua identificação...). A pessoa de confiança a que eu me referia era mesmo o Miguel! Foi também ele que me falou na transmissão para filhas e noras. No documento que o Lourenço transcreveu, pela desrição da mercê no princípio, "todos os descendentes" refere-se concerteza ao direito de tratamento de Dona das mulheres e filhas, ou seja, os homens herdavam o direito de "dar o Dona" às mulheres e filhas, o que é equivalente a dizer que o tratamento passava das mulheres para as filhas e noras.
Assim, nesse sentido, a mercê passava a toda a descendência; é claro que a letra do documento está confusa, mas como dizes noutra mensagem, não pode concerteza querer dizer que todos os descendentes tinham o "Dom", uma vez que os próprios primeiros agraciados não tinham esse direito. Aliás é bem sabido que não o tinham nem nunca o usaram, ao contrário das ditas filhas, noras e por aí a fora, ainda que se encontrem excepções (encontrei uma, mais uma vez no Alto Minho, no século XVII, e uma possível em Lisboa no século XVI - Cavaleiros de Cristo sem que as mulheres e filhas fossem tratadas por "Donas": no Minho era um Capitão Manuel de Castro Rego, mas foi mercê tardia e nunca o vi referido com COX nos paroquiais, mas apenas noutros documentos, incluindo a chancelaria da ordem, e em Lisboa um Pedro Fernandes de Almada, mas não tenho a certeza de ser o homónimo COX, ainda que seja contemporâneo e assim o digam alguns autores, mas sem confirmação documental inequívoca).
Em alguns casos de "novas Donas" mulheres de cavaleiros até encontrei a imitação de um hábito antigo da alta nobreza em que a ascensão à grandeza e o "novo uso" do Dom levava à omissão do patronímico que por vezes acompanhava determinados apelidos e/ou a substituição da forma vulgar do nome próprio pela forma "erudita" (estilo "Martim Vaz de Castello Branco" passar a "D. Martinho de Castello Branco"); assim tenho uma Luisa Mendes de Chaves que passa a chamar-se "D. Luisa Maria de Chaves".
O teu exemplo envolve pessoas com notoriedade nacional e de uma camada social muito diferente das que eu referia. O que eu queria dizer era que me parece uma explicação plausível considerar que o pároco que por alturas da revolução liberal resolveu omitir o tratamento de "Dona" nas paroquianas que o usavam e depois voltaram a usar (e foi provavelmente também quem riscou o "Dona" em alguns assentos anteriores) talvez estivesse pessoalmente entusiasmado com os "ventos igualitários" que então sopravam...
Um abraço,
Tó
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