Herança de Família
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Herança de Família
HERANÇA DE FAMÍLIA
Por Lívio Correia
Economista
Uma herança é uma universalidade, um conjunto incomensurável de partes, de influências do passado que estão patentes, em maior ou menor grau, de forma mais evidente ou mais subtil no nosso presente e indirectamente se insinuam no nosso futuro.
Algumas dessas influências são uma herança de família no sentido lato do termo, transmitem-nos do passado estatutos materiais, sociais, culturais, características físicas, rácicas, etc., segundo leis que, no plano físico, a ciência, na dinâmica imparável do progresso, se vai encarregando de desvendar. Outras, inexplicáveis a essa luz, quedam-se atribuídas a uma herança divina, têm o sabor misterioso dos desígnios imprescrutáveis do destino, pertencem ao plano espiritual.
Os estudos da população, a história da família e a genealogia, que hoje têm um desenvolvimento crescente, principiam a mostrar-nos algumas evidências de como o Homem gere, num mundo de incerteza e mudança, esta complexa herança de família.
Observemos algumas evidências e conclusões que se podem extrair da leitura atenta de uma árvore de costados, esta peça que, partindo do presente e avançando directamente para o passado, constitui a trave mestra dos estudos genealógicos. Apesar de não contribuir com um grande brilho para a história de uma família, uma árvore de costados dá a este género de estudos uma estrutura humana rigorosa, transmite segurança ao investigador e distingue realidades de fantasias – e revela-nos, quando a lemos atentamente, algumas evidências notáveis.
Primeira evidência – a matemática:
Esta árvore representa de facto o mapa do grande rio da vida de uma indivíduo, com a rede crescente dos afluentes que forneceram as gotas do sangue que lhe corre nas veias, ou seja, o sangue do pai e o da mãe, o dos 4 avós, o dos 8 bisavós e o de todos os sucessivos ascendentes, os quais vão duplicando, em cada geração, segundo uma progressão geométrica de base 2 e razão 1, cuja fórmula é a exponencial 2 elevado a n (variando n de 1 a infinito). Admitindo que em média estatística a diferença entre gerações sucessivas é de 25 anos, e considerando, por simplicidade de cálculo, um indivíduo nascido no ano 2000, esta exponencial mostra que na 10ª geração (há 250 anos, portanto) ele possuía 2 elevado a 10 ascendentes, o que lhe dá 1.024 nonos avós (só nessa geração, recordemos), mas na 20ª geração (há 500 anos, aquando da descoberta do Brasil) ele já possui 2 elevado a 20 ascendentes, ou seja, tem o número insólito de 1.048.576 décimos nonos avós. Apenas por mera curiosidade vejamos que na 40ª geração, por volta do ano 1000, quando morreu Mumadona Dias, o número matemático dos seus trigésimos nonos avós seria de 1.099.511.627.776.
Segunda evidência – a histórica:
Se em tão curto espaço de tempo este número de ascendentes do indivíduo considerado já é absurdo, a soma algébrica dos ascendentes de todas as gerações suas contemporâneas daria um número infinito, na realidade impossível. E quanto mais caminhássemos para o passado (50, 60, etc., gerações) mais este número cresceria, quando se sabe empiricamente que a população do planeta, pelo contrário, diminuiria. O que nos mostra um primeiro paradoxo da evidência matemática.
O que se passa de facto então? Vamos imaginar que na floresta genealógica dos nossos avós descobrimos um casamento entre primos em primeiro grau de consanguinidade. Como os ascendentes de um dos cônjuges são os mesmos do outro, a soma real dos nossos antepassados vai sofrer instantaneamente uma redução, denominada implexo de ascendência, relativamente à soma teórica. E quantos mais casamentos consanguíneos encontrarmos maior será este implexo que vai fazer convergir, de geração para geração na direcção do passado, o número teórico para o número exacto de avós de quem cada indivíduo efectivamente descende.
Na verdade, o número de ascendentes de qualquer indivíduo tem que estar limitado, em cada geração do passado, pela população fértil que nela vive. Para essa população terá que convergir o número de ascendentes de cada um, e a velocidade da convergência será tanto maior quanto maior for o número de casamentos consanguíneos efectuados. E vice-versa. Por isso, será através do implexo da ascendência que iremos perceber como historicamente, há pouco mais de meia dúzia de séculos, todos passamos forçosamente a descender de uma malha endogâmica, tecida de consanguinidades cada vez mais frequentes, isto é, todos começaremos por força dessa lei natural a ser parentes uns dos outros.
É certo que mesmo hoje poderá ser difícil, ou mesmo impossível, em muitos casos particulares, demonstrar a carga de consanguinidade de um indivíduo pois, a partir de 3 ou 4 gerações para trás, o conhecimento dos antepassados começa normalmente a escassear por variadas razões, a mais habitual das quais é o desaparecimento dos livros de assentos paroquiais. Poderemos encontrar inúmeras ilustrações práticas deste óbice num breve relance a um vulgar livro de costados, onde tantas árvores nos aparecem incompletas, não obstante cada uma delas apenas contenha as 5 gerações que cabem numa lauda.
Certamente que nas comunidades fechadas o número de casamentos consanguíneos é mais elevado do que nas comunidade de fronteiras permeáveis. Em Portugal, num passado não muito longínquo, o fechamento das comunidades foi muito acentuado nos segmentos extremos da população: na nobreza, classe fechada pela exigência da manutenção do poder, e nas comunidades pobres, fechadas pela necessidade de sobrevivência no isolamento geográfico e social em que viviam.
Num estudo sobre a herança de consanguinidades do Rei D. Fernando I de Portugal, feito pelo Dr. Asdrúbal d’Aguiar (“O rei formoso e a flor de altura”, Archivo de Medicina Legal, Vol. I, Lisboa: 1922) diz o autor: “Logo a partir dos terceiros avós, grande cópia de antepassados de D. Fernando I, começa a enviar-lhe sangue por mais de uma via acentuando-se tanto mais a multiplicidade de caminhos quanto mais os avoengos se encontram afastados do rei formoso “. Entre os inúmeros exemplos por ele referidos dois bastam para nos mostrar a velocidade da redução do seu implexo de ascendência: D. Afonso VII de Castela era simultaneamente 5º, 6º e 7º avô de D. Fernando e D. Ramiro I era simultaneamente seu 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º e 21º avô.
É provável que nas comunidades isoladas e nas etnias fechadas o panorama seja semelhante o que faz destes extractos extremos elites bem amadas e mal amadas, portadoras de culturas, de segredos, de saberes, de poderes raros. Umas, ditas de sangue azul, outras, de tez morena, cada uma delas possui traços, predisposições, que tornam os seus membros diferentes, exclusivos.
É no intervalo entre estas franjas extremas que o homem comum se situa, buscando no equilíbrio das suas alianças matrimoniais, a um e a outro lado, a ascensão social, perseguindo a felicidade, a esperança de que no fim todos cheguemos a ser iguais.
Terminemos com uma notícia do jornal “O Público” de 27.6.2000, pgs. 26 e 27, sobre os sinais genéticos presentes no ADN, notícia em que a jornalista Ana Correia Moutinho descreve os resultados de alguns esforços desenvolvidos pela ciência para caracterizar o genoma do português. Segundo a articulista, na avaliação da população portuguesa comparada com dados históricos, culturais e arqueológicos que reflectem a subdivisão do País em Norte e Sul, feita pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, nos marcadores da amostra não foram encontradas diferenças genéticas significativas e, por seu turno, no grupo de trabalho do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup), alguns dos marcadores utilizados revelaram resultados interessantes como seja “o gradiente Norte/Sul que assinala a influência recente do norte de África, já durante o domínio islâmico, nos portugueses do sul do país, de tal modo que o seu aparecimento na Galiza é quase nulo”. Na senda da História, a Ciência no seu actual estado da arte, não obstante longe de se considerar conclusivo, parece dar-nos sinais de convergência.
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