Acepções de nobreza - a clivagem entre Norte e Sul
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Acepções de nobreza - a clivagem entre Norte e Sul
Caro confrade Francisco Cercal,
Caros confrades do forum,
Abro este topico para responder a duas interessantissimas perguntas feitas pello nosso confrade Francisco Cercal. Como é meu costume, e por o thema me parecer extremamente interessante, escrevo demasiado. Por isso peço desde já o perdão dos confrades.
Mas recommendo a leitura mesmo aos confrades que não costumam estar de accordo comigo, pois serei possivelmente de todos os participantes do forum quem tem melhores conhecimentos quanto a este thema, e penso que todos poderão encontrar entre o muito que escrevo interessantes detalhes que não conheceriam. E depois de ler as questões que o confrade Cercal colloca e estes meus contributos, e se o confrade Cercal me permittir fazer echo das suas palavras, espero que estejam dispostos a partilhar comigo as vossas luzes acerca deste assunto.
Os meus desejos de uma boa leitura,
Anachronico
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A ultima das perguntas de Francisco Cercal é a seguinte:
"[...]
—Quantos armigerados haverá no Portugal contemporâneo?
Se considerarmos que desde a categoria de "Fidalgo de Cota de Armas" a "Grande do Reino", toda a nobreza "natural" é putativamente armigerada, e que nos países europeus o estamento nobiliário representava entre 0,5 a 10% da população, quantos portugueses haverá que possam hoje, à luz do Direito Heráldico português, reclamar armas próprias?
50.000?
1.000.000?
Espero que estejam dispostos a partilhar comigo as vossas luzes acerca deste assunto."
[http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=308332]
Depois de ler esta pergunta vi que o confrade Cercal antes tinha collocado outra não menos interessante questão:
"[M]eu quinto Avô por linha varonil, nascido em Lisboa 1762, era o único neto de seu Avô materno. Sucede que este último Avô tinha a qualidade de "Adel" (nobre) da corte Austro-Húngara e era como tal armígero. Não teve irmãos nem filhos varões; a sua única filha (minha sexta avó) veio residir para Portugal, onde contraiu matrimónio com um português não armigerado (meu sexto Avô).
Descendo portanto, por linha masculina com uma única quebra de varonia, de um titular de armas estrangeiro. Esse titular não teve filhos varões. [...] Perante esta situação, gostaria de perguntar aos meus ilustres confrades o seguinte:
—Será legítimo ou sequer pertinente que eu solicite reconhecimento para uso pessoa das armas dos meus antepassados austríacos ao Instituto da Nobreza Portuguesa, tendo em consideração que a minha família não chegou a fazê-lo em vigência da monarquia lusitana?"
[http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=306087#lista]
E ainda:
"[A]lgumas doutrinas do direito nobiliário germânico não reconhecem nobreza a quem tiver menos de 8 bisavôs nobres; outras, a 16 trisavôs; ainda outras a 32 tetravôs. Suponho que à luz desta doutrina a maioria da fidalguia ibérica e italiana perderia esse estatuto.
Por outro lado, em Itália partilham em simultâneo o título de nobreza (e.g., conde) todos os filhos de um titular. Daqui resulta que um secundogénito de um titular italiano imigrado em Portugal poderia solicitar para a sua pessoa o reconhecimento desse título para si e seus descendentes, efectivamente duplicando em terras lusas tal dignidade.
Heraldicamente, o tema também é confuso. Como administrar as diferenças [...]
Estas questões têm alguma pertinência, creio, no quadro cosmopolita e europeísta em que vivemos. A clivagem entre Norte e Sul nas acepções de nobreza ou é vencida, ou é mutuamente desacreditada."
[http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=306187#lista]
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Estas foram as questões collocadas pello confrade Francisco Cercal, que sem sombra de duvida são pertinentes e sinceramente me parecem ser das mais interessantes que alguma vez vi no forum. O confrade Cercal pergunta fundamentalmente: o que é nobreza?
Passemos então aos commentarios.
Os meus melhores cumprimentos a todos,
e um agradecimento especial ao confrade Cercal,
Anachronico
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PARTE I - O numero de armigerados - o exemplo da Escandinavia
PARTE I ― O numero de armigerados ― o exemplo da Escandinavia
Caro confrade Francisco Cercal,
Caros confrades do forum,
Para responder à sua ultima pergunta aqui collocada ― " Quantos armigerados haverá no Portugal contemporâneo?" ― a unica resposta possivel parece-me ser: demasiados. Isto se considerarmos as practicas e tradições entre nós, tão differentes das germanico-austriacas sobre as quaes logo escreverei. Mas é exactamente a dimensão internacional que me faz pensar assim.
O confrade Cercal escreve que "[...] nos países europeus o estamento nobiliário representava entre 0,5 a 10% da população [...]". Ora os numeros que normalmente considero para o caso de Portugal serão cerca de 6-8%. Mas no caso da nobreza polaca por exemplo ― que admitto ser um caso extremo ― os proprios historiadores polacos classificam cerca de 12-14% da população da Polonia do Antigo Regime como nobre, graças ao systema polaco de "clãs" que não sei se os confrades conhecerão. Não irei agora analysar o caso polaco, pois sinceramente parece-me mais comico que outra cousa, e de qualquer forma não applicavel à realidade da Europa occidental continental. Apenas o menciono aqui para fazer ver como de facto as acepções de nobreza na Europa differem enormemente. E infelizmente Portugal está mais proximo do exemplo da Polonia que do exemplo da Austria do septimo avô do confrade Cercal.
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Um bom exemplo d'essas differenças são os reinos escandinavos da Dinamarca e da Suecia. Primeiro uma nota sobre heraldica: em toda a Escandinavia hoje qualquer pessoa pode assumir e registar qualquer brasão pessoal, desde que este não se assemelhe demasiado a algum outro existente e não apresente coronel de nobreza não possuida. E n'este caso a Dinamarca e Suecia são particularmente interessantes por serem duas velhas monarchias. É curioso ver como n'essas monarchias ninguem ― absolutamente ninguem ― se interessa em ver reconhecidos os seus direitos a brasões de armas. É assim notavel e symptomatico como n'essas monarchias não existe sequer um conselho de nobreza official [isto é, da Coroa] que regule estas cousas: se algum nobre ― ou plebeu ― sentir que certo brasão é demasiado parecido com o seu, pode levar o caso a tribunal, e serão os respectivos orgãos civis reguladores de patentes e marcas registadas que o julgarão. Na practica, os pouquissimos casos verificados dizem respeito a empresas que assumem indevidamente brasões heraldicos historicos [ou demasiado parecidos a estes] para promover os seus productos.
Nas republicas da Allemanha e da Austria desde a primeira Grande Guerra e da queda dos respectivos imperios em 1818/1919 tambem não existem orgãos officiaes reguladores quanto a questões heraldicas, a não ser heraldica municipal, militar &c. Na Austria não existe sequer uma associação de nobreza, excepto a velha associação do Tyrol, que engloba tambem a nobreza historica do Tyrol hoje italiano; existia uma associação da nobreza Catholica, mas esta foi forçada a encerrar pello regime nazi depois da annexação da Austria por Hitler em 1938; voltarei à situação n'estes dous paises na minha resposta sobre as armas austriacas do septimo avô do confrade Cercal. Mas nos reinos da Dinamarca e da Suecia as respectivas associações de nobreza limitam-se fundamentalmente a gerir os respectivos annuarios de nobreza, publicados de três em três annos em ambos os reinos [sobre a muito especial "Riddarhuset" ou Casa da Nobreza sueca, ver infra]. As associações de nobreza e respectivos annuarios d'estas monarchias são paradigmaticas quando comparadas com a sua congenere portuguesa, o Instituto de Nobreza, e são uma das indicações possiveis quanto à sua pergunta sobre o numero de armigerados n'uma população. A associação dinamarquesa considera terem existido cerca de 725 familias nobres ao longo dos tempos ― das quaes 179 ainda possuem representação varonil, sendo todas as outras de accordo com o direito nobiliarchico germanico consideradas extinctas ― e cerca de 7000 nobres hoje vivos n'uma população de 5,5 milhões de habitantes. A associação sueca opera com cerca de 2300 familias nobres historicas ― das quaes 694 ainda possuem representação varonil ― e cerca de 27.000 nobres hoje vivos n'uma população de 9,4 milhões de habitantes. A media de nobres hoje vivos por familia é assim curiosamente de 39,1 na Dinamarca e 38,9 na Suecia ― o que bem indica como os criterios e practicas n'estas duas monarchias serão semelhantes.
Vistos estes numeros, a pergunta fundamental é: o que é uma familia nobre? Aqui voltamos à interesante questão das "acepções de nobreza" de que o confrade Cercal falou. Entre os dous principaes reinos nordicos vemos uma interessante differença quanto ao numero de familias nobres que não se explica apenas pella maior extensão e população do reino da Suecia. Os 7000 nobres do reino da Dinamarca são apenas 0,13% da população. Facilmente se poderá perceber que na Dinamarca não bastará uma qualquer casa brasonada e uma quintinha para fazer um nobre. Tudo isto desenvolverei mais tarde. E mesmo os 27.000 nobres do reino da Suecia são apenas 0,29% da população. Como se pode ver, a "clivagem entre Norte e Sul" quanto a esta questão é de facto abysmal. Como veremos a situação na Allemanha e Austria é identica. No Norte ou se é indubitavelmente nobre ou é-se um plebeu; não existem esses fidalgotes com manias de nobreza que vemos entre nós. Como disse desenvolverei este thema mais tarde.
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A associação da nobreza dinamarquesa tem uma assembleia geral annual; a sueca apenas uma "assembleia geral" muito sui generis [ver infra] de três em três annos. Na Dinamarca qualquer nobre dinamarquês, isto é, filho ou filha de um varão nobre, pode ser socio da respectiva associação de nobreza e attender à assembleia geral annual― basta constar do annuario e fazer a inscripção.
A situação na Suecia merece ser aprofundada devido a uma importante e singular characteristica digna de menção. Desde 1626 practicamente todos os nobres suecos foram "introduzidos" na "Riddarhuset" ou Casa dos Nobres. Esta Casa dos Nobres é simplesmente:
a) a propria associação da nobreza sueca desde 1626, com successivos Conselhos Directivos fixos com mandato de três annos desde 1638; esta é hoje a hoje associação de direito privado da "nobreza introduzida" [ver infra] sueca.
b) o palacio em Estocolmo propriedade e sede da mesma associação da nobreza sueca desde 1674, a casa da nobreza propriamente dicta.
A titulo de curiosidade, aqui se pode ver o palacio da "Riddarhuset" ou Casa da Nobreza em Estocolmo, edificado n'esse anno de 1674:
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/e/ec/Riddarhuset]
A Casa da Nobreza sueca é assim uma associação secular impar na Europa. N'esta não existem socios inscriptos: na Suecia cada nobre pertencente a uma das 694 familias que conste do respectivo annuario da nobreza pode entrar no palacio da associação. Mais extraordinario é o facto de cada nobre filho/a de uma d'essas 694 familias ser registado à nascença como tal pellas auctoridades, e a partir do seu vigesimo primeiro anno passar automaticamente a pagar um "imposto de nobreza" ― o "Riddarhuskapitationsafgift" ― que da auctoridade fiscal sueca logo passa à Casa da Nobreza. Isto tem sido feito desde 1812, e apenas em assembleia geral da Casa da Nobreza pode um nobre requerer ser eximido de pagar esse imposto. Não tenho conhecimento de qualquer caso, mas admitto que existam; quanto à situação economica da nobreza escandinava hoje, ver a Parte VI. Finalmente: na assembleia geral da Casa dos Nobres de três em três annos, cada uma das 694 familias nobres suecas tem direito a um representante varão apenas ― o chefe da familia ou outro varão da linhagem maior de 21 annos por este auctorizado. Mulheres nobres podem participar na assembleia geral na Dinamarca; na Suecia não.
De referir ainda que a Casa da Nobreza sueca, graças à sua tradição secular, administra tambem um numero de instituições nobres legadas por testamento ao longo dos seculos. Um exemplo é a fundação de Vadstena, que todos os annos attribui cem estipendios a donzellas solteiras da nobreza sueca ― as chamadas "virgens de Vadstena".
Quanto à "introduktion" ou introducção, essa characteristica tão especial da nobreza sueca, essa practica implicava que cada familia nobilitada pello rei ao ser apresentada aos nobres na Casa dos Nobres recebia um numero de introducção, por ordem chronologica consoante as categorias de condes, barões ou simples nobres, e via as suas armas collocadas juncto às existentes nas paredes do interior do palacio. Quando se iniciou a practica em 1626 as velhas familias da "uradel" [nobreza medieval anterior a 1400] receberam os primeiros numeros por meio de um sorteio. E todas essas 2300 familias introduzidas podem ver as suas armas no palacio sede da associação, cujas paredes estão simplesmente cobertas de brasões de armas ― um autentico espelho de toda a nobreza sueca. Esta practica é identica ao practicado por exemplo pella Ordem da Jarreteira desde a sua instituição na cappella de Windsor, e ainda por algumas outras ordens, apenas applicada systematicamente a toda a nobreza de um reino por essa mesma nobreza. Na Suecia o importante não é assim tanto a nobilitação pello rei como a posterior introducção na "Riddarhuset": as poucas familias nobilitadas mas nunca introduzidas aos nobres ― as chamadas "familias não introduzidas" ― não constam pura e simplesmente do annuario da nobreza sueca, publicado desde 1854 cada três annos como disse pella Casa dos Nobres.
Practicamente todas as familias nobres suecas podem assim ser identificadas com um numero de introducção, que na sua optica é por assim dizer a verdadeira prova de nobilitação ― a aceitação pellos pares. Na Suecia é assim normal hoje ao falar-se sobre uma familia nobre dizer-se apenas por exemplo: "Löwenhielm, introduzida em 1726 com o numero 1791" sobre a familia Löwenhielm, nobilitada em 1725. Do mesmo modo, sobre um ramo d'esta familia posteriormente elevado à dignidade baronial e mais tarde condal, se dirá: "Löwenhielm, introduzida [...], elevada a familia baronial em 1752 com o numero 224, elevada a familia condal em 1766 com o numero 87". O exemplo é real; este ultimo ramo extinguiu-se na linha varonil em 1861.
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Pello exemplo dos Löwenhielm se pode ver como das cerca de 2300 "familias introduzidas" suecas já se tinha chegado ao numero 1791 no anno de 1725; a grande maioria das nobilitações na Escandinavia deu-se antes de meados do seculo XVIII [ver ainda a Parte IV].
Enquanto o seculo XIX em Portugal foi o descalabro total, na Escandinavia n'esse seculo já practicamente não se nobilitava. Mesmo considerando apenas os titulos nobiliarchicos e não os milhares de homens feitos fidalgos da nossa Casa Real no seculo XIX, n'esse seculo foram creados mais titulos em Portugal que o total de todas as nobilitações na Escandinavia [e alias practicamente tambem no Imperio Austriaco e depois Austro-Hungaro]. Os ultimos cinco titulos de barão na Suecia foram creados por exemplo em 1860 [2], 1864, 1880 e 1885, enquanto os ultimos seis titulos de conde foram creados em 1819[2], 1823, 1826 [2] e mais tarde 1843. Na Dinamarca os ultimos titulos de barão e conde foram igualmente creados n'esse mesmo anno de 1843. Mais tarde veremos a situação na Allemanha e na Austria; mas nos reinos nordicos esta politica de nobilitações é simultaneamente causa e effeito de "acepções de nobreza" totalmente differentes das nossas.
Esta contenção nobiliarchica escandinava no seculo XIX conferiu obviamente um muito maior prestigio aos titulares nordicos, muito maior credibilidade a toda a instituição da nobreza, e tambem muito maior credibilidade à propria instituição da monarchia. Sem chegar de maneira alguma aos extremos de riqueza e antiguidade da nobreza germanico-austriaca, mesmo da nobreza nordica se pode dizer que um nobre na Escandinavia é sem sombra de duvida isso mesmo. Como veremos mais tarde segundo os criterios na Parte VI, a principal centena de nobres na Escandinavia apenas tem um punhado de iguaes em Portugal, se tanto.
Repare-se que as associações de nobreza nos reinos da Dinamarca e Suecia não deliberam sobre o uso de titulos nobiliarchicos e brasões de armas ainda reconhecidos officialmente. Quanto a estes não há discussão possivel: seguindo de perto o direito nobiliarchico germanico, ou se é descendente por legitima varonia de um nobre ― logo tendo o direito a usar as armas da linhagem ― ou não. Quebras de varonia não são aceites. N'este ultimo caso, resta apenas registar um qualquer brasão de armas assumidas não demasiado semelhantes ― como alias qualquer cidadão pode fazer, como expliquei. Mas na practica ninguem usa já um brasão de armas. Tal como para os nobres austriacos na hoje republica da Austria, isso não tem importancia. Porque como veremos nas Partes IV & V os brasões hoje já absolutamente nada significam: as acepções de nobreza no Norte não passam de maneira alguma ― de maneira alguma ― por um brasão de armas.
No Norte um nobre ― ao contrario da grande maioria dos nobres portugueses ― tem um appellido unico que na Escandinavia apenas essa cerca de meia centena de pessoas como vimos terá. E no Norte um nobre ― ao contrario da practicamente totalidade dos nobres portugueses ― possui as propriedades que possui, e que veremos na Parte VI. E é por isto, porque são tão relativamente poucos, e são tão relativamente ricos, que se pode dizer que no Norte um nobre é de facto um grande senhor. E todas as minhas respostas às questões do confrade Cercal voltam fundamentalmente sempre a tocar esta mesma questão: o que é um nobre? Qual das varias acepções de nobreza é mais acertada? A germanico-austriaca do Sacro Imperio, que já veremos? A escandinava, que veremos mais tarde? A iberica, que todos conhecemos? Quando é que se deixa de ser um nobre? E que direito nobiliarchico reflecte afinal melhor a verdadeira qualidade de nobreza ― o iberico ou o germanico?
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Passo agora, antes de responder ao caso austriaco do septimo avô do confrade Cercal, a dar uma curta introdução ao Sacro Imperio de cuja corte este seria nobre.
Cumprimentos a todos,
Anachronico
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PARTE II - Imperios - O Sacro Imperio e a Austria
PARTE II ― Imperios ― O Sacro Imperio e a Austria
Caro confrade Francisco Cercal,
Caros confrades do forum
A questão fundamental que o confrade Cercal colloca é se será legitimo solicitar reconhecimento para uso pessoal das armas dos seus antepassados austríacos, pois como este escreve o seu quinto avô:
"por linha varonil, nascido em Lisboa 1762, era o único neto de seu Avô materno. Sucede que este último Avô tinha a qualidade de "Adel" (nobre) da corte Austro-Húngara e era como tal armígero".
Antes de responder a essa pergunta vou muito brevemente explicar a propria natureza do Imperio, pois esta foi fundamental quanto às practicas linhagisticas germanicas que quer debater. E permitta-me um pequeno esclarecimento, confrade Cercal: o seu septimo avô não era nobre da corte do Imperio Austro-Hungaro, mas sim da corte do Sacro Imperio Germanico-Romano. Vejamos as differenças.
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O SACRO IMPERIO
O Sacro Imperio era, desde a Alta Idade Media, uma confederação de varias centenas de principados, ducados, condados, baronias, e ainda bispados, cidades livres &c do mundo allemão. Esta Allemanha ― não o estado então inexistente, mas a area geographica-cultural, assim como podemos falar de uma Iberia ou Italia ― englobava obviamente tambem a Austria. A Austria, tal como a Bavaria, a Saxonia, e as outras regiões da Allemanha, encontrava-se dividida em varias provincias: no caso a Estyria, a Carinthia, o Tyrol, a Alta e Baixa Austria, &c. E todas estas provincias estavam então subdivididas em numerosos senhorios ecclesiasticos e leigos ― as taes centenas que ao todo compunham o Sacro Imperio.
Todos estes estados tinham a qualidade de "Reichsstand", ou Estado do Imperio; e o imperador era eleito por um grupo restricto entre estes, os chamados principes eleitores, que eram sete. Mas para alem dos principes eleitores existia ainda a Dieta Imperial, que é o que mais nos interessa aqui pello papel que teve quanto ao desenvolvimento da practica linhagistica allemã. A Dieta Imperial era, simplificando, o "parlamento" do Imperio. Nos seculos XVI-XVIII todos os senhorios com qualidade de "Reichsstand", os Estados do Imperio, tinham um lugar e um voto na Dieta Imperial. Esta encontrava-se dividida em dez Circulos. Assim, o Circulo Austriaco tinha quinze Estados do Imperio, o Bavaro vinte, os da Alta e da Baixa Saxonia perto de trinta cada, &c. Os Circulos do Alto e do Baixo Rheno chegaram a ter cerca de oitenta Estados do Imperio cada, e o Circulo Suabio chegou a ter mais de uma centena; isto deve-se em parte às divisões de condados e principados entre ramos Catholicos e Protestantes durante a Reformação no seculo XVI.
Cada Circulo do Imperio tinha ainda a sua Dieta regional, em que os Estados do Imperio d'essa região deliberavam sobre questões regionaes.
Como os confrades provavelmente poderão imaginar, toda esta estructura ― afinal a propria natureza electiva do Sacro Imperio ― e a importancia de se ser senhor de um senhorio com lugar nas dietas foi justamente um dos factores que mais influenciaram as practicas linhagisticas germanicas. E isto por uma razão muito simples:
Para alem dos Estados do Imperio existiam ainda mais de um milhar e meio de estados menores sem direitos de voto. O senhor de um d'estes poderia ter como senhor o soberano de um dos Estados do Imperio, ou poderia ser um "Reichsritter" ou Cavalleiro [Livre] do Imperio, sem outro senhor que o Imperador. Mas os cavalleiros livres e os outros senhores de senhorios sem lugar nas dietas eram apenas considerados baixa nobreza. Apenas um nobre senhor de um Estado do Imperio, com direito de voto nas dietas, era considerado alta nobreza.
Como já se terá adivinhado, qualquer cavalleiro livre poderia aspirar a ver o seu senhorio ser elevado a Estado do Imperio ― e elle proprio a barão ou conde &c ― por merito proprio. Mas igualmente importante: graças à fortissima tradição da Lei Salica, isto é, successão agnatica, qualquer cavalleiro livre, dependendo da politica de casamentos de seus pais, avós, bisavós &c, poderia ainda vir a herdar um Estado do Imperio, e assim obter um voto nas dietas e ascender à alta nobreza.
E finalmente: cada senhorio com lugar nas dietas tinha um voto, e quem fosse senhor de varios d'esses Estados do Imperio teria varios votos. Creio não ser necessario continuar: toda a politica de allianças matrimoniaes ― e fundamentalmente todo o direito nobiliarchico ― nas terras do Sacro Imperio Germanico-Romano reflecte tudo isto.
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O IMPERIO AUSTRIACO & AUSTRO-HUNGARO
O Sacro Imperio Germanico-Romano, como o nome indica, era germanico. Assim, a Austria fazia parte do Sacro Imperio. E como se saberá os Habsburgos austriacos lograram sempre ser eleitos imperadores desde 1452 a 1740 ― e na linha feminina dos Habsburgo-Lorena de 1745 até à dissolução do Imperio em 1806.
Mas a Hungria, herdada pellos Habsburgos depois da morte do seu rei na batalha de Mohács contra os Turcos [1526], não fazia parte do Sacro Imperio; assim como não o faziam outras terras hungaras muito disputadas tambem herdadas pella Austria, como a Transsylvania [sobre esta, ver a Parte III].
No seculo XVI o Sacro Imperio foi profundamente abalado pella Reformação. Curiosamente depois da Paz de Augsburgo [1555] a maior tensão existia não entre Catholicos e Protestantes, mas entre estes ultimos, nomeadamente entre Lutheranos e Calvinistas. O imperador Rudolpho II escolheu Praga, na Bohemia, para sua capital no ultimo quartel d'esse seculo, e Praga foi ainda capital no primeiro quartel do seculo XVII. Mas sempre depois os imperadores residiram em Vienna. Assim, por os imperadores serem austriacos e residirem em Vienna, a expressão Imperio Austriaco, ou simplesmente Austria, é por vezes usada para descrever o Sacro Imperio no seculo XVIII. Este erro entende-se, mas não deixa de ser um erro: o Sacro Imperio era uma confederação germanica: era essencialmente uma coligação de estados practicamente independentes allemães, muito embora a Austria depois de Mohács ter ganho muito mais peso e se ter tornado sem duvida no estado dominante do Imperio.
Mas o Imperio Austriaco que succedeu ao Sacro Imperio depois de 1806 era apenas constituido pella Austria e a herança oriental d'esta, tendo assim uma estructura totalmente differente, e um imperador já absoluto. Então sim, e apenas então, se pode falar de um imperio austriaco. E apenas cem annos depois de quinto avô do confrade Cercal ter nascido em Lisboa em 1762 ― depois da derrota da Austria na Guerra Allemã de 1866 contra a Prussia, e o subsequente "Ausgleich" ou compromisso de 1867, que equiparou o reino da Hungria à Austria e instutiu o regime constitucional ― passamos a falar da dupla monarchia do Imperio Austro-Hungaro, que já pouco tem que ver com o Sacro Imperio, apesar de, como veremos, ter herdado e continuado a sua tradição nobiliarchica. Tudo isto poderá talvez parecer pouco importante, mas como se poderá entender eu como historiador logicamente dou importancia a estes pequenissimos detalhes.
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E agora, passo a responder à questão especifica das armas austriacas do septimo avô do confrade Cercal.
Cumprimentos a todos,
Anachronico
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PARTE III - As armas austriacas - a Austria no seculo XVIII
PARTE III ― As armas austriacas ― a Austria no seculo XVIII
Caro confrade Francisco Cercal,
[Caros confrades do forum,]
Quanto à questão das armas austriacas do seu septimo avô, lamento ter o prazer de concordar com tudo o que escreve. Passo a explicar.
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A CORTE IMPERIAL
Tudo o que escreve sobre os costumes do direito nobiliarchico germanico é acertado. E como apparententemente não tem bem a certeza, posso adiantar que os costumes austriacos eram fundamentalmente identicos até à Grande Guerra de 1914-1918 e o fim do Imperio Austro-Hungaro: eram em tudo os mais conservadores ― ou elitistas, se preferir ― da Europa occidental. Posso dar-lhe algumas informações sobre a corte austriaca no seculo XVIII que possivelmente desconhecerá:
Na corte imperial da Austria do seculo XVIII, a requisição nobiliarchica ― a "Ahnenprobe", litteralmente "prova de costados" ― tanto podia ser a de "8 Ahnen" que o confrade Cercal refere, isto é, oito bisavós nobres, a de "16 Ahnen" ou dezasseis trisavós nobres que tambem menciona, ou ainda a de "12 Ahnen", isto é, três quartos de trisavós nobres. N'este ultimo caso exigia-se sempre nobreza dos oito trisavós paternos e de quatro dos trisavós maternos.
Para cargos inferiores apenas se exigia a prova dos "8 Ahnen" ou bisavós nobres. Mas aos chamados "Kämmerer" ou camareiros, os nobres com direito a ser apresentados perante o imperador, que recebiam as symbolicas chaves da camara imperial como prova de sua qualidade, exigia-se "16 Ahnen" no caso de se tratar de nobreza austriaca ou allemã. Em meados do seculo XVIII existiam cerca de um milhar e meio d'esses "Kämmerer". Como já veremos a exigencia nobiliarchica feita aos nobres hungaros era inferior, e infelizmente desconheço a composição exacta d'este milhar e meio de camareiros, mas certamente mais de um milhar d'estes seriam nobres austriacos e allemães com 16 trisavós nobres, e os restantes seriam nobres de outras partes do imperio, onde as exigencias eram outras.
A "Ahnenprobe" ou prova de costados de "16 Ahnen" incluia obviamente tambem os quatro grandes cargos da corte, os chamados "Hofchargen", e os oito chefes dos varios serviços da corte imperial, os "Hofdienste" [litteralmente "serviços da corte"]. A saber:
Os quatro grandes "Hofchargen" eram: o "Obersthofmeister", ou mordomo-mor; o "Oberstkämmerer", ou camareiro-mor; o "Obersthofmarschall", ou meirinho-mor [contrariamente ao que o nome pode suggerir]; e o "Oberststallmeister", ou estribeiro-mor.
Os oito "Hofdienste" [às ordens do mordomo-mor] eram: o "Oberstküchenmeister", responsavel pellas cozinhas; o "Oberstsilberkämmerer", responsavel pella prataria; o "Oberststabelmeister", responsavel pello pessoal; o "Oberstjägermeister", ou monteiro-mor; o "General-Hofbaudirektor", ou architecto-mor; o "Hofbibliothekpräfekt", ou guarda-mor da bibliotheca da corte [a "Hofbibliothek", em Vienna, ]; o "Hofmusikgraf", responsavel pella musica da corte imperial [litteralmente "conde de musica da corte": este era superior ao "Kappelmeister" ou mestre de cappella, que sendo um musico não teria que obedecer às exigencias nobiliarchicas da corte, mas não sendo necessariamente nobre nunca poderia exercer a chefia de um departamento da corte. Para dar um exemplo, Salieri foi nomeado mestre de cappella em 1788, enquanto Mozart ainda era vivo, mas o "Hofmusikgraf" era Johann Ferdinand Graf von Kueffstein, que como o nome indica era de facto conde do Imperio]; e por fim o "Oberceremonienmeister" ou mestre de cerimonias.
De todos estes e alguns outros, como por exemplo o proprio "Ahnenprobeexaminator" ― cujo significado penso que todos os confrades poderão adivinhar ― se exigia "16 Ahnen" no caso de se tratar de um nobre austriaco ou allemão.
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HUNGRIA & TRANSSYLVANIA
A importante excepção quanto à exigencia dos "16 Ahnen" durante o seculo XVIII era a nobreza da Hungria e da Transsylvania [esta em allemão chamada "Siebenbürgen", os "Sete Castellos"]. Isto era na realidade tão magnanimo como pragmatico.
Em 1529 os turcos chegaram às portas da capital imperial, no Primeiro Cerco de Vienna [o segundo seria um seculo e meio mais tarde, em 1683]. O exercito hungaro fora, como se sabe, totalmente destroçado pellos turcos na batalha de Mohács, em 1526, que com a morte do seu jovem rei offereceu a Hungria e a Bohemia à Austria. Depois da hecatombe da primeira batalha de Mohács [na Segunda Batalha de Mohács, em 1687, foi a vez dos turcos serem destroçados] a Hungria não apenas perdeu a sua independencia: ficou fundamentalmente reduzida a um campo de batalha entre o Sacro Imperio e o Imperio Ottomano durante mais de seculo e meio. A partir da Primeira Mohács [na realidade já anteriormente] a nobreza hungara foi dizimada pellas frequentes incursões turcas na Hungria durante os seculos XVI-XVII. Ora exigir no inicio do seculo XVIII dos nobres hungaros ― a primeira linha de defesa do Sacro Imperio ― os mesmos "16 Ahnen" que se exigia dos nobres austriacos não seria apenas injusto: seria mesmo indecente. Esta era afinal a Austria da famosa "pietas austriaca", a campeã das guerras contra os turcos: os feitos da nobreza hungara nas guerras não foram esquecidos, nem mesmo depois da rebelião de Rakoczi contra os Habsburgos [1703-1711]. E assim, por exemplo, mesmo os nobres da guarda imperial de elite, a "Ungarische Leibgarde" [Guarda Hungara] apenas tinham que provar esses "8 Ahnen". De um nobre bohemio exigia-se na corte do Sacro Imperio de meados de Setecentos os "12 Ahnen" mencionados
[Um parenthesis sobre a Transsylvania. Esta região tão disputada, mas fundamentalmente sempre sob soberania hungara até ao absolutamente extraordinario tractado de Trianon [1920], foi em meados do seculo XII povoada por colonos allemães a pedido do rei da Hungria. Estes fundaram inicialmente seis cidades; uma septima foi fundada pella Ordem Teutonica em 1211. Isto levou a que a região em allemão fosse e ainda hoje seja conhecida como "Siebenbürgen", a terra dos "Sete Castellos"; o nome hungaro, com o mesmo significado que o latino, é "Erdély". Apesar da immigração allemã e mais tarde especialmente romena a Transsylvania sempre continou hungara, ainda que em certas phases das guerras contra os turcos tenha sido um estado semi-independente vassalo dos turcos. Antes da Grande Guerra de 1914-1918 a população allemã, com mais de meio milhão de pessoas, era o terceiro grupo ethnico-linguistico da Transsylvania depois dos romenos [2,8 milhões] e hungaros [1,6 milhões], sendo ainda maioritario n'essas sete cidades. Recommendo aos confrades a excellente e imparcial pagina sobre o Tractado de Trianon e a partilha da Hungria na wikipedia inglesa. Como os confrades poderão imaginar, como historiador não posso deixar de achar o que foi feito aos hungaros em Trianon uma enorme ― absolutamente enorme ― injustiça: os Austro-Hungaros perderam a guerra, e a Hungria perdeu, entre tantas outras terras, a Transsylvania que sempre lhe pertencera. Varios milhões de hungaros vivem ainda hoje fora da Hungria ― e não como os nossos emigrantes portugueses por vontade propria. Tudo isto me foi contado quando era eu ainda adolescente por um diplomata hungaro cuja filha eu então namorava, e sempre me fascinou desde então. O interesse pella historia já o tinha, mas foi com esse senhor hungaro ― que tambem vivera a revolta de 1956 contra a União Sovietica, e que contava todas estas cousas com a maior dignidade, sem rancores nem amargura ― e as nossas longas conversas que começou o meu interesse pella historia da Europa Central. Ainda me lembro de como com dezasseis annos me deliciei ao aprender que os magiares afinal não são um povo eslavo, como até então, na minha ignorancia juvenil, imaginara. Curiosamente mais tarde, já n'outro pais, voltei a namorar uma hungara filha de outro diplomata; e de outros amigos hungaros que mais tarde tive pude sentir como a questão da Transsylvania na Hungria ainda hoje é uma enorme ferida aberta. Entende-se bem: a nossa Olivença é uma villa apenas ― a Transsylvania era um terço da Hungria. Para confrades que gostem de geographia e de philologia como eu, as sete cidades allemãs são, em allemão/hungaro [e actual romeno]: Schäβburg/Segesvár [Sighişoara]; Mediasch/Medgyes [Mediaş]; Hermannstadt/Nagyszeben [Sibiu]; Mühlbach/Szászsebes [Sebeş]; Bistritz/Beszterce [Bistriţa]; Klausenburg/Kolosvár [Cluj (-Napoca)]; e por fim a cidade fundada pellos cavalleiros teutonicos, a "Cidade da Coroa": Kronstadt, em hungaro Brassó [Braşov]. Foi alias perto d'esta ultima, na fortaleza de Rosenau/Barcarozsnyó [Raşnov], que o nosso Infante D. Pedro durante as suas viagens passou um inverno com quatrocentos homens de armas a serviço do imperador ― já então, no primeiro quartel do seculo XV, contra os turcos].
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1898 ― "16 AHNEN"
As exigencias nobiliarchicas conheceram obviamente fluctuações. Depois da dissolução do Sacro Imperio Germanico-Romano por Napoleão em 1806 seguiram-se duas chaoticas decadas em que as exigencias nobiliarchicas não eram tão rigorosas, para depois a partir da decada de 1830 novamente se assistir a uma tendencia cada vez mais restrictiva no agora Imperio Austriaco. E em 1898 a "Ahnenprobe" de "16 Ahnen" começou a ser exigida de todos os nobres do Imperio na agora corte Austro-Hungara; o numero de "Kämmerer" ou camareiros no inicio do seculo XX era ainda practicamente o mesmo que fora em meados do seculo XVIII, tendo augmentado para cerca de mil e seiscentos, mas todos estes podiam agora documentar 16 trisavós nobres. Não quero aqui mencionar todas as varias ordenações sobre a materia, mas no essencial a situação que descrevi primeiramente era a relevante quanto ao caso do septimo avô austriaco do confrade Cercal no Sacro Imperio do seculo XVIII, mais especificamente o estabelecido ou confirmado nas ordenações de 1754 e de 1766, na epocha em que nasceu o quinto avô do confrade Cercal [1762].
[Para as ordenações do seculo XVIII e o inicio do seculo XIX, ver Johann Ludwig Ehrenreich Graf von Barth-Barthenheim: "Das Ganze der Österreichischen Politischen Administration..." &c, Tomo I, Vienna, 1838.
Para os cargos da corte, ver a obra supracitada e ainda a obra contemporanea d'esta de Adolph Schmidl: "Wien wie es ist: die Kaiserstadt..." &c, Vienna, 1837, capitulo III: "Der Hof", pagina 30 e seguintes.
Para a evolução posterior, ver a excellente synthese de Daniel L. Unowsky: "The Pomp and Politics of Patriotism: Imperial Celebrations in Habsburg Austria, 1849-1916", Purdue University Press, 2005].
De referir ainda que na Austria o que dava direito a audiencia era apenas a "Ahnenprobe" e não o titulo: muitos titulos do Imperio, especialmente os mais recentes dados a nobres hungaros, bohemios, lombardos e polacos, simplesmente não davam accesso à corte. Depois das ordenações de 1898 mencionadas ― que effectivamente baniram muitos nobres titulados durante o seculo XIX da corte, principalmente das provincias estrangeiras do Imperio ― vemos assim algumas timidas queixas de parte d'esta nobreza titulada que agora estava prohibida de se apresentar perante o imperador. A corte foi accusada de se afastar demasiado da realidade da sociedade; mas a realidade da corte é que mesmo os mais altos titulos ― os de principe do Imperio ― não davam accesso à corte se não acompanhados dos respectivos "16 Ahnen". O mesmo se pode obviamente dizer dos burgueses que recebiam uma carta de nobreza, a baixissima "briefadel" que o confrade Cercal menciona. A "clivagem entre Norte e Sul nas acepções de nobreza" ― no caso entre a corte austriaca do imperador Franz Joseph e a sua congenere portuguesa del-rei D. Carlos ― não podia assim ser maior.
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A ORDEM TEUTONICA
Mas tudo isto apenas falando sobre a corte. No seculo XVIII, em que todos os verdadeiramente nobres tinham seculos de historia documentada, a prova dos "16 Ahnen" que o confrade Cercal menciona era commum em muitas outras instituições que não a corte, assim como tambem o era nos principados, ducados e condados &c allemães como o confrade refere. Não sei se o confrade sabe, mas a prova de "32 Ahnen" que tambem menciona era apenas exigida pella Ordem Teutonica. Ainda assim, é justamente symptomatico como a unica ordem de cavallaria no mundo que exigia ― e podia razoavelmente exigir ― 32 tetravós nobres dos seus cavalleiros era precisamente a Ordem Teutonica [em allemão normalmente chamada "Deutscher Orden" ou Ordem Allemã; o grão-mestre da ordem designava-se "Hoch- und Deutschmeister" ou Alto Mestre Allemão]. Como se sabe os turcos no auge do seu poder em 1683 chegaram a cercar novamente Vienna; na historiographia germanico-austriaca a guerra contra os turcos de 1683-1699 é mesmo chamada "Groβer Türkenkrieg" ou Grande Guerra Turca. Durante essa guerra a Ordem Teutonica [que, é importante salientar, sempre foi uma ordem Catholica] apresentava systematicamente centenas de cavalleiros nos campos de batalha; e é impressionante como a ordem nas batalhas contra os turcos de Peterwardein em 1716 e de Belgrado em 1717 foi capaz de apresentar, a pedido do imperador, perto de mil cavalleiros ― todos de "32 Ahnen" ― no campo de batalha ― um bom exemplo de como a tradição linhagistica germanico-austriaca não tem parallelo no mundo occidental. De salientar tambem que a cruz negra da ordem é ainda hoje a insignia das forças armadas allemãs; e na Austria, apesar do succedido em 1919 [ver Parte V], ainda existe no respectivo exercito o "Hoch- und Deutschmeister", o succesor do regimento imperial homonymo de 1696 em honra do grão-mestre da Ordem Teutonica [hoje o Caçadores de Vienna 1].
Mas mesmo sem os cavalleiros teutonicos de 32 tetravós nobres se pode dizer sobre a commum prova de "16 Ahnen", como o confrade bem commenta, que seguindo esta regra "a maioria da fidalguia ibérica e italiana perderia esse estatuto". Alias, foi essa mesma a razão porque os nobres lombardos, entre outros, se queixaram das exigencias nobiliarchicas da corte a partir de 1898. Em poucos outros lugares se exigia o mesmo ― na Escandinavia, como veremos na Parte VI, apenas no caso unico de Vallø. E como as provas de 16 ou 12 trisavós nobres eram o normal na Austria, de pouco adiantava receber uma carta de nobreza no principio do seculo XVIII. Com toda a sorte, apenas os trinetos poderiam mostrar esses 12 ou 16 costados e ser nobres de pleno direito, isto é, ascender aos mais altos cargos &c. Afinal ― e como este é um forum de genealogia ― não é por mero accaso que Stephan von Stradonitz era allemão, e que os principios que desenvolveu foram iniciados por um austriaco, Michael Eyzinger [sem "von", que apenas em 1630 se tornou obrigatorio por lei no Imperio para denotar nobreza; mais sobre as importantes practicas anthroponymicas germanicas na Parte V].
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VIRTUTI MILITARI
Os costumes nobiliarchicos do Imperio continuaram ainda a dar especial emphase à virtude militar como factor de ascensão social. Já vimos o caso da Ordem Teutonica; e não é por accaso que a mais velha academia militar do mundo ainda em existencia é austriaca e precisamente do tempo do septimo avô do confrade Cercal [Theresianische Militärakademie, 1751]. Um lettrado ou mercador não tinham hypotheses de chegar mais longe que a "briefadel" e um qualquer cargo inferior na corte, mas um official da baixa nobreza podia receber um titulo: um excellente exemplo é o irlandês John de la Feld, de baixa nobreza irlandesa documentada desde o seculo XIII, que depois da batalha de Zenta contra os Turcos na Hungria em 1697 foi feito conde do Imperio. E veja-se que ainda na primeira Grande Guerra a percentagem de officiaes dos exercitos allemão e austro-hungaro que pertenciam a velhas linhagens nobres era muitissimo superior à de qualquer outra nação salvo a Russia imperial.
A comparação n'este aspecto entre os germanico-austriacos e Portugal é exemplar: mesmo no seculo XVIII era relativamente commum ver um official general português não nobre. Veja-se o conhecido caso de Manuel da Maia, filho de um luveiro. E veja-se acima de tudo o numero assombroso de membros do generalato português do seculo XVIII sobre os quaes não se conhece practicamente sequer a ascendencia [veja-se por exemplo o primeiro tomo da obra "Os Generais do Exército Português" (Coronel Alberto Ribeiro Soares, Biblioteca do Exercito, 2003)]. Assim se pode observar a differença de costumes, practicas e mentalidades: é absolutamente impensavel não se conhecer a ascendencia de um general austriaco do seculo XVIII, que na maior parte dos casos poderia tambem satisfazer a prova dos "16 Ahnen"; e não poucos poderiam ainda satisfazer a exigencia dos 32 tetravós nobres da Ordem Teutonica. Ainda que o ingresso nas academias militares não fosse totalmente vedado aos plebeus, o generalato dos austriacos era na practica reserva dos verdadeiramente nobres. A pequena "briefadel" não tinha mesmo possibilidade de ascender a outra cousa ― a real nobreza austriaca no seculo XVIII, nos tempos do septimo avô do confrade Cercal, era o que sempre foi: linhagem e armas.
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A SUCCESSÃO AUSTRIACA
Quanto aos direitos de successão austriacos, que são os que mais interessam para responder à pergunta do confrade, estes seguiam rigorosamente a tradição Salica. Isto falando novamente da nobreza austriaca; a nobreza hungara era tradicionalmente mais pragmatica, devido às constantes guerras com os turcos. Mas confesso que nunca estudei a nobreza hungara a serio depois da rebelião de Rakoczi, apenas um punhado de casos isolados que nada provam. Por isso abstenho-me de conjecturar sobre esta. Mas entre os austriacos vemos apenas successão agnatica. A unica excepção, precisamente na primeira metade do seculo XVIII, é justamente famosa: a crise de successão da dynastia Habsburga:
Em 1703 existiam apenas três varões Habsburgos vivos: o velho imperador, que morreria dous annos depois, e os archiduques Joseph e Carlos, irmãos de Maria Anna, rainha de D. João V. No Pacto Mutuo de Successão de 1703, em plena Guerra de Successão de Espanha, verificamos a velha tradição Salica. A Casa de Habsburgo ficaria novamente dividida entre os ultimos varões Habsburgos ― Joseph, o mais velho, seria imperador da Austria, e Carlos seria rei de Espanha ― mas qualquer um dos irmãos herdaria o outro se este falhasse ter filhos varões. Apenas se nenhum tivesse filhos varões se admittiu que as filhas do irmão mais velho, Joseph, herdariam o Imperio Austriaco. Mas depois da morte de Joseph em 1711 [que dictou o fim da Guerra de Successão de Espanha], Carlos, o ultimo varão Habsburgo, decidiu com a famosa Pragmatica Sancção de 1713 que, se falhasse tambem em ter filhos varões, seriam as suas filhas que herdariam o Imperio. Isto era uma clara violação do Pacto Mutuo de Successão, que dera como vimos esses direitos às filhas do seu irmão mais velho. E foi justamente essa violação do Pacto Mutuo que, quando Carlos de facto morreu em 1740 sem filhos varões, justificou a Guerra de Successão Austriaca, sobre os direitos de Maria Thesesa.
Ora tudo isto ― o Pacto Mutuo de 1703 e a Pragmatica Sancção de 1713 ― é, no contexto austriaco, totalmente excepcional e justamente famoso, destinado a tentar manter viva a dynastia Habsburga, senhora da Austria durante meio millennio, mesmo por via de successão feminina se tudo falhasse. Em qualquer outro caso na Austria a linhagem seria declarada extincta com a morte do seu ultimo varão. Existem excepções rarissimas, como o caso dos principes de Dietrichstein, cujo titulo em 1868 foi renovado no marido da filha do ultimo varão da linhagem, dando origem aos Dietrichstein-Mensdorff ― mas este é um caso claramente anomalo d'essa decada tão atribulada do seculo XIX austriaco; e ainda assim veja-se, n'esse mesmo anno de 1868, a extincção da Casa de Stubenberg, assim como, para dar um exemplo da nobreza não austriaca do Imperio, a extincção da casa bohemia de Kolowrat-Liebsteinsky em 1861, cujo ultimo varão em 1848 substituira mesmo o chanceller Metternich no cargo de primeiro-ministro do Imperio. No seculo XVIII não encontramos parallelos ao caso Dietrichstein.
Justamente na epocha da Pragmatica Sancção e do septimo avô austriaco do confrade Cercal temos um magnifico exemplo ― o caso dos principes de Eggenberg, a principal linhagem da Estyria. A Casa de Eggenberg, apesar das suas muito boas relações com o imperador, extinguiu-se em 1717. O principal herdeiro foi o marido da filha do principe, o conde de Herbenstein; no entanto, seguindo a regra germanica [ver Parte V] os filhos d'este casal mantiveram naturalmente o titulo de conde apenas e o brasão de armas dos Herbenstein. Por occasião da annexação da Austria por Hitler em 1938 os condes de Herbenstein foram forçados a vender ao estado o enorme palacio dos principes de Eggenberg ― o maior da Estyria ― que tinham herdado. Nunca ao longo d'esses duzentos annos entretanto passados usaram os Herbenstein as armas dos Eggenberg em seu brasão [conheço todos os brasões d'estes condes do periodo]. O caso dos principes de Eggenberg é paradigmatico: o ultimo varão da linhagem morreu; os seus titulos não foram renovados; as suas armas nunca mais foram usadas. Tudo em perfeita syntonia com a tradição nobiliarchica germanica.
Na Peninsula Iberica quebras de varonia pouco ou nada significam em comparação com a Austria. Poderia assim mencionar a primeira quebra de varonia dos duques de Palmella em 1864, apenas para mencionar um caso de descendentes de uma nobre austriaca na epocha do caso dos Dietrichstein na Austria. Mas a melhor expressão das nossas practicas linhagisticas são os vinte e cinco primeiros Grandes de Espanha de 1520. Apenas um unico d'esses vinte e cinco titulos é hoje ostentado por alguem descendente por varonia do titular em 1520: o marquesado de Priego. E o actual titular é uma mulher. Se se applicasse o direito nobiliarchico austriaco, todas as casas Grandes de Espanha de 1520 estariam hoje extinctas, salvo talvez uma ou outra que tivesse recebido essa auctorização extraordinaria do imperador. Mas certamente mais de vinte das vinte e cinco estariam hoje extinctas ― pura e simplesmente.
Para acabar, posso acrescentar um pequeno detalhe muito symptomatico do conservadorismo alpino: o caso do principado dos Liechtenstein e da Suiça. Como se sabe o primeiro é o ultimo principado soberano que hoje resta do Sacro Imperio. É tambem a ultima monarchia na Europa onde as leis de successão seguem rigorosamente a regra de successão agnatica. E foi ainda o penultimo estado europeu a conceder o direito de voto às mulheres, em 1984. E qual foi o ultimo? Este foi o pequeno cantão suiço de Appenzell Innerrhoden, que é tambem um dos ultimos cantões onde ainda se practica a democracia directa ao mais alto nivel cantonal, na tradicional assembleia na praça da capital uma vez por anno. Às mulheres de Appenzell Innerrhoden o direito de voto apenas foi concedido em 1990. É esta a fortissima tradição patrilinear dos velhos principados austriacos e dos idyllicos cantões suiços.
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CONCLUSÃO
É por tudo isto, por os costumes germanicos e austriacos terem sido o que foram, que lamento ter que dar razão ao confrade Cercal: se o seu septimo avô pertencia à nobreza austriaca nunca as suas armas seriam transmittidas por via feminina na Austria de meados do seculo XVIII. Se esse seu septimo avô era chefe da linhagem e não tinha primos ou sobrinhos por linha varonil, a linhagem considerar-se-á extincta. E assim, para responder à sua pergunta:
" —Será legítimo ou sequer pertinente que eu solicite reconhecimento para uso pessoal das armas dos meus antepassados austríacos ao Instituto da Nobreza Portuguesa, tendo em consideração que a minha família não chegou a fazê-lo em vigência da monarquia lusitana?"
eu apenas posso responder que não será de maneira alguma legitimo solicitar o reconhecimento d'essas armas austriacas para seu uso pessoal. Não por a sua familia não o ter feito durante a monarchia. Pello simples facto de serem armas austriacas. Terá sido talvez exactamente por isso que a sua familia não fez o pedido. As armas são austriacas, um dos paises de mais orgulhosas tradições linhagisticas do mundo; há que respeitar os seus costumes. Sem querer offender o confrade Cercal, pois possivelmente não o sabia, adoptar essas armas seria uma total adulteração ― uma autentica violação ― do espirito nobiliarchico que representam. O ultimo varão da familia morreu. A linhagem extingiu-se. O direito nobiliarchico austriaco era assim: tão bello, tão duro, tão simples.
Terá talvez sido isto que o confrade António Pena Monteiro [peninha] quis dizer com as suas respostas sobre "a competência do Instituto de Nobreza de Portugal para se pronunciar sobre armas atribuídas, no estrangeiro, a um seu familiar estrangeiro": "Admitindo, por mera hipótese, que o Instituto de Nobreza entende ser competente para apreciar a questão, decide sobre o mérito da pretensão segundo as normas austríacas, ou segundo as normas portuguesas?".
Ora como se poderá entender, qualquer parecer de qualquer instituto nosso que admittisse a attribuição das armas em questão seria uma farça de direito nobiliarchico, e daria toda a razão a qualquer nobre austriaco que perguntasse: "Quem são estes portugueses para attribuir armas nossas de uma linhagem nossa extincta?".
O que em contrapartida penso que qualquer nobre austriaco approvaria seria se o confrade Cercal mandasse fazer uma boa reproducção d'essas armas austriacas a um mestre heraldico, para guardar no seu escriptorio e poder mostrar aos seus filhos, ou sobrinhos, ou netos, se os tiver. E ao mostrar essas armas a seus filhos, para alem da historia de como a sua sexta avó veio para Portugal no seculo XVIII e a historia da familia, poderia aproveitar para lhes contar a historia da magnifica tradição linhagistica da nobreza d'esse pais de que descendem. E poderia ainda aproveitar para contar um pouco da fantastica historia da Austria, e da Hungria, e da Transsylvania, a historia dos dous cercos de Vienna e das duas batalhas de Mohács, que é tambem a historia da queda de Constantinopla e do Imperio Byzantino e a historia do imperio turco nos Balcãs. E poderia contar-lhes a historia d'esse grande principe que foi o Infante D. Pedro, e de como este passou um inverno justamente na Transsylvania, nas neves dos Carpathos, a serviço do imperador contra os turcos. E poderia depois contar-lhes a historia da Grande Guerra de 1914-1918, essa guerra que esse Imperio dos seus antepassados austriacos sem bem o querer iniciou n'esses mesmos Balcãs ― essa grande guerra que representou o fim de toda uma era, e em que o nosso pequeno Portugal tambem acabou por participar, e seguramente tambem algum outro antepassado seu bem mais recente. E assim, sem elles sequer darem por isso, acabaria por mostrar aos seus filhos, ou netos, como a heraldica nos entrelaça a todos com essa cousa tão bella que é a Historia Universal. E esse é, na minha modesta opinião, o uso pessoal mais nobre que hoje se pode dar a qualquer brasão de armas.
Aceite os meus melhores cumprimentos,
Anachronico
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RE: PARTE III - As armas austriacas - a Austria no seculo XVIII
Caro Anachronico,
Interessante o texto, e me vêm à mente os seguintes comentários. Embora provavelmente esteja correto sobre a tradição, cabe lembrar que no século XV as armas de Sponheim foram transmitidas com duas quebras de varonia à família Wittelsbach -- juntamente com as de Veldenz com uma quebra de varonia -- e com uma à família de Baden, por tratado dos próprios condes de Sponheim, em situação semelhante à que coloca Cercal. Ainda assim, creio que cabe como ilustração. Parece-me também, a confirmar, que na França para algumas provas bastariam 100 anos de nobreza em linhagem masculina, "cent ans de noblesse", o que viria ao caso como comparação. Sobre ordens de cavaleiros, há o exemplo da Ordem de Malta. Cf. Newsletter of the Middlesex Heraldry Society, www.middlesex-heraldry.org.uk/publications/seaxe/Seaxe48-200410.pdf ,
"Proof of Nobility for the British Association of the Sovereign Military Order of Malta.
(...) In 1262 it was laid down that “…no Prior nor Bailiff nor other brother knight or brother, unless he who is to be knighted should be the son of a knight of a knightly family”. (...) Germany and Austria are well known in their strictness, demanding that all 16 great-great-grandparents be noble. In this country the requirements are that each grandparent has inherited arms. The new grade of Grace and Devotion, which was introduced after the Second World War, requires only 100 years nobility in the male line.‘
Blood of the Martyrs’ by Sir Conrad Swan and Peter Drummond-Murray of Mastrick. For the heraldic practices of the numerous grades see ‘The Double Tressure’ No.27, 2004."
Sds,
Herculano L. E. Neto
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RE: PARTE III - As armas austriacas - a Austria no seculo XVIII
Caro confrade Anachronico,
Apreciei muito esta sua exposição, a qual lhe agradeço.
A definição de nobreza, obviamente, varia de país para país, e penso que existirá seguramente uma diferença entre ser um 'nobre' ou um 'descendente de nobres'.
Tenho lido, por coincidência, alguns textos sobre a aristocracia britânica, e o que a define. Parece-me que no caso da Grã-Bretanha, todos os que são descendentes por linha legítima varonil de nobres, o são por direito, contornando desta forma o problema dos '16 costados'!
Por outro lado, mais uma vez, aqui se verifica a diferença do sistema britânico em relação ao sistema português. No caso britânico, o equivalente a 'fidalgos de cota d'armas' ou 'fidalgos da Casa Real', seriam os 'Esquires' (existem inclusive os 'Esquires of the King/Queen's body'), no entanto, estes não são considerados nobreza, e não constam nos 'Peerage books'.
De notar que em Inglaterra existe uma 'sub-classe' abaixo da Aristocracia, comummente denominada de 'Landed Gentry', que são senhores de terras abastados, que vivem destas, mas que não possuem qualquer título nobiliárquico, apesar de inúmeras vezes serem aparentados com estes.
Existem também as 'Lordships of the Manor' que reflectem em tudo os morgadios portugueses, incluido a possibilidade de vínculo a uma capela ou igreja - e que também não é título de nobreza, mas apenas reflecte o sistema de organização territorial e senhorial, que existia em Inglaterra, na Escócia, e na Irlanda, historicamente associada às leis feudais ( o 'Senhor da Mansão' seria um vassalo do rei, ou do nobre - titulado - com senhorio sobre a terra). Apesar dos 'Lords of the Manor' terem privilégios especiais sobre as terras que possuissem.
Curiosamente, este é o suposto 'título' mais falsificado em Inglaterra, pois segundo a lei comum britânica, ainda hoje se podem criar 'Lordships of Manors' ou até mesmo, adquirindo uma antiga 'Lordship', requerer o tratamento de 'Lord of the Manor X' que neste caso, significa pouco mais do que proprietário da mansão X.
Atenciosamente,
pedrolx78
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RE: PARTE III - o condado de Sponheim
Caro Confrade Herculano Neto,
Muito obrigado pella contribuição.
Tem razão em ambos os casos, se bem que Sponheim é um caso practicamente unico.
Na França, a que voltarei muito brevemente na Parte IV, a situação era de facto totalmente differente à que descrevo sobre o Imperio, e a prova de nobreza seria apenas patrilinear no seculo XVIII.
Quanto ao caso do condado de Sponheim tambem tem razão, mas convem dizer que se trata de uma caso rarissimo ― existe em todo o Sacro Imperio uma duzia de exemplos semelhantes ― em que o condado por extincção da linha varonil em 1437 foi governado em condominio ― tal como por exemplo, nos Pirineus, Andorra ― por, entre outros, os condes de Baden [1/5] e de Veldenz [tambem 1/5], com as quebras de varonia que menciona. Esta situação é totalmente excepcional e em nada semelhante ao caso collocado pello confrade Cercal. Cabe assim como illustração de uma interessante e practicamente unica situação entre todas as centenas de Estados do Imperio. Ainda assim, obrigado por mencionar o facto, que é digno de menção justamente pella sua singularidade. Na Parte V voltarei a commentar a practica de divisões de Estados do Imperio na Allemanha durante a Reformação no seculo XVI, a grande era das divisões germanicas. Mas como disse o regime de condominio do condado de Sponheim pellos condes de Baden e de Veldenz, herdeiros ainda por cima com quebras de varonia, é practicamente unico.
Como sempre affirmo aqui no forum, para qualquer regra historica se podem encontrar excepções. Mas no seculo XVIII, que é o que mais nos interessa no caso do confrade Cercal, o direito nobiliarchico e as practicas linhagisticas no Sacro Imperio Imperio encontravam-se já totalmente crystalizadas. E ainda assim conhecem-se algumas raras excepções à regra mesmo nos seculos XVI e XVII, e conheço mesmo uma na Austria do seculo XVIII, a que voltarei na Parte V. Mas as excepções n'este ultimo caso são de facto tão raras que faz absolutamente sentido ― ao contrario do que affirmo n'outros topicos ― affirmar a regra. Voltarei como disse a tudo isto.
Mas muito obrigado pellos commentarios. É sempre interessante aprofundar as questões.
Os melhores cumprimentos,
Anachronico
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RE: PARTE III - As armas austriacas - a Austria no seculo XVIII
Prezados Senhores,
Fiquei um tanto impressionado com a forma como alguns tentam diminuir a nossa nobreza e as coisas de Portugal e glorificar as estrangeiras. Esta característica de tentar diminuir os nossos antepassados e’ a meu ver lamentável.
Lendo muitos livros em Inglês sempre encontrei o oposto, a nobreza germânica sempre foi considerada de baixo escalão comparada com o resto da Europa, a Prussiana particularmente foi durante muito tempo ridicularizada devido a pobreza dos seus membros. Estas regras de 32 avós nobres e’ um mito, falsificações eram correntes nos estados germânicos, certamente mais até do que nos países Latinos. Não são poucos os casos que foram exceção a regra, são muitos.
Os nossos reis e nobres construíram um império global que atingiu os quatro cantos da Terra, será que são tão inferiores aos nobres provincianos da Alemanha ou Áustria? Eu definitivamente vejo a historia de uma forma completamente diferente de muitos nesse fórum, acho as nossas tradições Latinas melhores, não são perfeitas, são dinâmicas. Um sistema que nobilita através do mérito sempre foi melhor que um sistema tacanho e fraudulento.
Uma segunda observação - Esquire não e’ a mesma coisa que fidalgo e nunca foi, tenho diversos livros que referem a fidalgo como nobre (Inglês - nobleman). Os dicionários em Inglês também se referem a fidalgo como nobleman e nada falam de Esquire, que significa uma coisa completamente diferente. O Esquire não era reconhecido como nobre, já os Fidalgos da Casa Real claramente eram nobres reconhecidos pelo MONARCA (fons honorum) e passavam esta condição a seus descendentes.
Não gosto de Voltaire, porém, nesta observação estava certíssimo: Ce corps qui s'appelait et qui s'appelle encore le saint empire romain n'était en aucune manière ni saint, ni romain, ni empire.
Cumprimentos,
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RE: PARTE III - As armas austriacas - a Austria no seculo XVIII
Esquire was Escudeiro. In fairly recent English when writing a letter to a gentleman if he had no title to be addressed by he would be addressed as
John Smith Esq. First name and surname only followed by the short form Esq. Pure politeness and of no special meaning other than revealing the good manners of the writer.
Direct link:
RE: PARTE III - As armas austriacas - a Austria no seculo XVIII
Dear Menarue,
The main difference between Portugal and the United Kingdom is that in here we had two 'revolutions' (prior to the one in '74 of course), one of which actually changed the system from a Monarchy to a Republic, whereas in Great Britain the monarchy evolved through reform.
The meaning of Esquire is subject to interpretation, as it is certainly very different from the meaning attributed to it in the 19th century, or before that, much in the same way as the meaning of 'gentleman' has evolved with time. In the US Esquire is simply a barrister, but the meaning is quite different in the UK.
I call out your attention to the definition of esquire on wikipedia:
http://en.wikipedia.org/wiki/Esquire
"Chief Justice Coke (1552-1634) defined "gentlemen" as those who bear coat armour, and are therefore superior to esquires. He followed Sir William Camden (1551-1623, Clarenceux King of Arms), who defined esquires as:
-the eldest sons of knights and their eldest sons in perpetuity,
-the eldest sons of younger sons of peers and their eldest sons in perpetuity,
-esquires so created by the king,
-esquires by office, such as justices of the peace and those holding an office of trust under the crown"
and to the definition found on this encyclopedia:
http://books.google.pt/books?id=o8ZPAAAAMAAJ&pg=RA1-PA13&lpg=RA1-PA13&dq=esquire+of+the+king's+body&source=bl&ots=EIuuwSm55J&sig=plh-F-c1ymJcXSSbsNIg-DgecAo&hl=pt-PT&sa=X&ei=9TboT_X7K9LB0gWR5dDpDw&ved=0CGIQ6AEwAzgK#v=onepage&q=esquire%20of%20the%20king's%20body&f=false
pages 11 and 12.
In the United Kingdom only titled nobles are considered 'peers'. I don't think I was wrong when I said that esquires or others (even baronets!) are not considered 'peers' and as such are not considered 'nobles'. This is actually a matter of debate in Britain, as they are quite aware that in the French system (for instance), untitled nobles were still nobles.
Best regards,
pedrolx78
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RE: PARTE III - As armas austriacas - a Austria no seculo XVIII
Caro Campesino,
Peço desculpa se a impressão que ficou foi a de que quis diminuir, de alguma forma, o estatuto de 'nobreza' em Portugal.
Apenas me limitei a descrever aquilo que tenho lido, aqui e acolá.
Em relação à tradução de fidalgo, penso que também aqui, poderá haver 'pano para mangas', mas segundo o que tenho lido, a tradução mais próxima do inglês não é seguramente a de 'nobleman', sendo que esta tem, a meu ver, tradução directa para o português - nobre.
O 'Oxford English Dictionary online' aceita o verbete 'hidalgo' (sim, espanhol, mas haverá assim tanta diferença??)
http://oxforddictionaries.com/definition/hidalgo?q=hidalgo
e define-o como 'gentleman'.
Relembro que no Reino Unido, apenas a nobreza titular é considerada 'nobreza'. Penso não estar errado quando digo isto, mas deixarei que outros, mais versados no assunto, esclareçam a dúvida.
Não creio que estes factos diminuam de alguma forma a nobreza portuguesa - existem apenas costumes diferentes, em países diferentes. Penso que este é o debate, para o qual espero contribuir, com o pouco que sei.
Quanto ao Sacro-Império Romano-germânico, muito foi dito sobre este império. Não deixa de ser irónico que Napoleão, ele próprio coroado Imperador pelo Papa (condição essencial para que um Imperador do Império Romano-Germânico o fosse de facto) tenha sido o grande destruidor deste 'Império', que se considerava, e o seria seguramente, pelo menos da parte oriental, o descendente legítimo do Império de Carlos Magno.
Cumprimentos,
Pedro
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RE: PARTE III - As armas austriacas - a Austria no seculo XVIII
There is certainly a different system in England. I find the Portuguese much more reasonable where nobility stems from having noble blood and it extends to all members of the family. At least that is my interpretation. Esquire really in modern (or fairly modern times) is simply a class distinction, by addressing someone as Esquire (only written on an envelope) it is showing that the person is not someone who works with his hands, in fact a gentleman.
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RE: PARTE III - respostas ao confrade Campesino
Caro confrade Campesino,
Muito obrigado tambem pello seu commentario, que contem affirmações interessantes que todas merecem ser aprofundadas. Mas como poderá ter visto eu faço referencias a Partes IV, V, e VI. Se chegar a ler tudo estarei interessado em novamente ler a sua opinião. E como ainda nunca tive o prazer de o ler antes, e por isso nunca tambem o de lhe escrever, permitta-me explicar que sou historiador, e que este é um dos três campos que principalmente investigo.
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Vejamos o que o confrade escreve poncto por poncto:
" Lendo muitos livros em Inglês sempre encontrei o oposto, a nobreza germânica sempre foi considerada de baixo escalão comparada com o resto da Europa, a Prussiana particularmente foi durante muito tempo ridicularizada devido a pobreza dos seus membros. Estas regras de 32 avós nobres e’ um mito, falsificações eram correntes nos estados germânicos, certamente mais até do que nos países Latinos. Não são poucos os casos que foram exceção a regra, são muitos."
1) É verdade que na Allemanha a situação era variavel quanto à distribuição de terras. Enquanto no reino da Bavaria no Sul predominavam de forma absoluta as pequenas propriedades, a importancia dos grandes dominios nobres aumentava quanto mais a Norte se chegava; até aos casos extremos da Prussia e da Pommerania, onde a grande maior parte da terra estava nas mãos de nobres com vastos dominios. Por isso, é tambem verdade que parte da nobreza da Prussia e da Pommerania era pobre em relação aos muito ricos donos de enormes dominios, especialmente na era medieval. Mas não era mais pobre que grande parte dos nossos nobres, ou os da vizinha Castella. E os grandes nobres da Prussia do seculo XVIII outra cousa totalmente differente.
2) O confrade diz que leu muitos livros em inglês. Mas temos que ter cuidado com o que lemos, especialmente no caso de obras da primeira metade do seculo XX, em que a noção de que a gloriosa Inglaterra do Imperio Britannico e os seus costumes era em tudo superior, e em que se tenta muitas vezes justamente ridicularizar os gauleses e especialmente os detestados e temidos teutonicos. E mesmo em decadas posteriores essa tendencia existe; a historiographia inglesa, como todas as historiographias, soffreu até bem pouco tempo da sua dose de chauvinismo. E infelizmente muitas vezes vemos ainda os grandes auctores tardo-Victorianos serem citados em obras modernas, até mesmo algumas das suas passagens mais infelizes. Isto é simples analyse de discurso: qualquer obra é escripta a partir de um determinado poncto de vista, e nós temos que saber identificar esse poncto de vista. Alguma vez terá lido obras em francês, ou allemão, ou uma das linguas escandinavas? Terá conversado sobre estes themas com historiadores ou nobres de varios paises europeus? Tudo isto é importante "no quadro cosmopolita e europeísta em que vivemos", como escreve o confrade Cercal. A não ser que esses livros em inglês que refere sejam theses de mestrado e doutoramento das ultimas decadas, que logo à partida não ridicularizam ninguem ou não seriam aceites, tem que ter cuidado ao julgar a nobreza do Sacro Imperio a partir da optica da historiographia inglesa justamente quando o detestado inimigo era o Boche.
3) A regra dos "16 Ahnen" e mesmo dos 32 tetravós nobres da Ordem Teutonica não é nenhum mytho. Era a practicada. Obviamente encontrarar-se-ão falsificações. Mas sinceramente não accredito [nunca investiguei ainda isto] que a frequencia de falsificações seja maior nos paises germanicos que nos latinos. Antes muito pello contrario. E isto por razões simples: o rigor das administrações germanicas era geralmente bastante superior ao das nossas, e a ethica burocratica germanica era já no seculo XVIII bastante superior à nossa. Isto não quer obviamente dizer que no mundo germanico não existia corrupção ― claro que existia. Mas imagine como seria difficil a um qualquer nobre com por exemplo "8 Ahnen", isto é, oito bisavós nobres, falsificar a identidade dos 8 trisavós para obter os desejados "16 Ahnen", n'um pais onde os cartorios de nobreza eram seculares, tudo era meticulosamente registado, e qualquer inquirição de genere mostraria que afinal um ou outro d'esses oito trisavós "nobres" parecia um pouco suspeito. Como escrevi na Parte III existia na corte imperial o cargo de "Ahnenprobeexaminator"; e em todos os Circulos e provincias do Imperio que menciono na Parte II existiam auctoridades competentes quanto às inquirições de genere a realizar para as instituições d'essa provincia ou Circulo. Porque julga que os inquiridores germanicos, com uma tradição linhagistica e um arsenal archivistico sem parallelos, tratariam estas cousas com leviandade?
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"Eu definitivamente vejo a historia de uma forma completamente diferente de muitos nesse fórum, acho as nossas tradições Latinas melhores, não são perfeitas, são dinâmicas. Um sistema que nobilita através do mérito sempre foi melhor que um sistema tacanho e fraudulento."
4) Mas o direito nobiliarchico germanico tambem nobilitava pello merito. Simplesmente as practicas estavam no seculo XVIII já tão totalmente enraizadas que eram os proprios nobres que eram escolhidos para practicamente todos os cargos importantes, e logo eram elles os elevados: de cavalleiros livres a barões, de barões a condes, &c. Mas os lettrados burgueses com cargos na administração, tribunaes &c tambem eram nobilitados: apenas como escrevi teriam que esperar três ou quatro gerações antes de poder mostrar os 8 ou 16 costados. Isto sinceramente não me parece tacanho. E mais fraudulento que o nosso systema não era de certeza.
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"Uma segunda observação - Esquire não e’ a mesma coisa que fidalgo e nunca foi, tenho diversos livros que referem a fidalgo como nobre (Inglês - nobleman). Os dicionários em Inglês também se referem a fidalgo como nobleman e nada falam de Esquire, que significa uma coisa completamente diferente. O Esquire não era reconhecido como nobre, já os Fidalgos da Casa Real claramente eram nobres reconhecidos pelo MONARCA (fons honorum) e passavam esta condição a seus descendentes."
5) Tem razão, mas não tem razão. Explico: do poncto de vista legalista o que escreve é verdade. Mas na practica não. Imagine que algum monarcha muito liberal decide conferir fidalguia a toda a população do seu reino. Ainda considerará todos esses fidalgos reconhecidos pello monarcha como nobres?
Entre nós vemos uma distribuição de certo modo tão exaggerada de foros de fidalgo da Casa Real que essa dignidade perde grande parte do seu valor. Fidalgos da Casa Real encontravam-se aos molhos no seculo XVIII. Alias, a propria natureza hierarchica dos foros, com escudeiros e cavalleiros fidalgos e moços fidalgos e fidalgos cavalleiros &c, mostra até que poncto se tornou a practica ridicula. O confrade não imagina os risos que uma descripção d'este punhado de graus de baixa nobreza causa ― especialmente a distincção entre cavalleiros fidalgos e fidalgos cavalleiros ― quando o explico a historiadores estrangeiros, habituados a uma realidade bastante mais binaria.
O confrade não sabe, mas já investiguei em estudos quantitativos litteralmente varios milhares de fidalgos da Casa Real dos seculos XVII e XVIII. Assim sei bem que muitos d'elles eram indubitavelmente nobres, por exemplo commendadores das Ordens Militares filhos ou sobrinhos de nobres titulados, ou de poderosas e igualmente antigas linhagens. Mas tambem sei que muitos outros não o eram. Se se aceitar a acepção polaca de que um decimo da população ou mais era "nobre" não há obviamente qualquer problema. Mas se se quiser ― como nas ainda monarchias escandinavas, onde como vimos na Parte I menos de 0,5% da população é considerada nobre ― que o termo "nobre" ou "fidalgo" tenha algum significado e denote de facto uma certa grandeza, somos forçados a reconhecer que o valor de um foro de fidalgo para fins de identificação social era já no seculo XVIII mais reduzido do que seria desejavel.
Um conde português do seculo XVIII era indubitavelmente nobre, assim como um conde do Sacro Imperio. Um fidalgo da Casa Real não necessariamente: somos forçados a averiguar afinal quem era o homem em questão para decidir se de facto era nobre ou se era apenas um qualquer pobretanas de provincia indigno de assim ser chamado. Tenho discutido exactamente este thema com historiadores estrangeiros conhecedores da nossa realidade, e a opinião é unanime: ser fidalgo português ou castelhano por si só absolutamente nada significa ― não existe simplesmente respeito por este grau, devido à proliferação exaggerada do mesmo. Tudo isto tem que ver com uma outra razão infelizmente muito pouco discutida: quando é que um fidalgo deixa de ser fidalgo? Quando é que uma linhagem nobre deixa de ser nobre? Voltarei a todas estas questões mais tarde no topico.
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5) Por fim: a palavra "dynamicas" que usa sobre as nossas tradições foi bem escolhida. Deixe-me agora dar-lhe um exemplo absolutamente typico d'essa nossa mentalidade dynamica: o caso de Gaspar de Barros Calheiros, de Vianna do Castello, ainda no seculo XVII:
O nosso Gaspar de Barros Calheiros foi para o Brasil com a expedição que libertou Salvador da Bahia em 1625. Ora o bom Gaspar por lá ficou. E sempre andou envolvido nas guerras contra os hollandeses. Em 1644, quasi vinte annos depois de chegar ao Brasil, foi agraciado com o habito de Christo, que como se sabe requeria não propriamente fidalguia mas ainda assim ― na theoria ― um certo grau de nobreza. Mas... as inquirições de genere mostraram que o dicto Gaspar era filho de um sapateiro, e a dignidade não lhe foi conferida. No entanto o bom Gaspar continuou os seus serviços por terras brasilicas, e nove annos depois, em 1653, voltou a pedir o habito. E esta vez foi dispensado do defeito mechanico, recebendo o habito de Sanct'Iago... E symptomaticamente de tudo o que quero dizer, logo o seu filho Mateus ― neto de um sapateiro e sem serviços militares ― pediu do modo mais natural do mundo o habito de Christo, visto ser... filho de um cavalleiro de Sanct'Iago [!]. Ora que se julga que um qualquer cavalleiro da Ordem Teutonica, ou qualquer nobre allemão ou austriaco de apenas "16 Ahnen", pensaria d'este caso absolutamente normal entre nós em meados do seculo XVII e, mutatis mutandis, no seculo XVIII?
Ora eu sinceramente não vejo nada de mal no caso do bom Gaspar: vejo um soldado justamente recompensado depois de decadas de serviço, como alias era a norma. Mas se um cavalleiro da Ordem Teutonica nos disser que este filho de um sapateiro não era nobre, teremos obviamente que lhe dar razão. E se o mesmo cavalleiro disser que bom o Gaspar ainda se admitte, por ser soldado na guerra e se tratar de uma ordem militar, mas que o caso do filho é inadmissivel, e que em tempos de paz, como no seculo XVIII, ao contrario do que succedeu não se deveriam ter admittido mechanicos em Ordens Militares suppostamente para nobres, que responder? E se um qualquer conde austriaco imbuido na sua tradição senhorial nos disser que um alvara de fidalgo cavalleiro da Casa Real apenas corresponde à baixissima "briefadel" austriaca e mal pode ser characterizado como nobreza ― que o alvara é um pedaço de papel, e que verdadeira nobreza é antiguidade e senhorios ― que responder?
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O direito nobiliarchico germanico parece-me exactamente bello por ser tão simples. Os filhos herdam o titulo do pai e apenas o do pai [sobre isto, ver a Parte V]. E se o ultimo varão de uma linhagem morrer o seu appellido, os seus titulos e as suas armas morrerão com elle. Há uma profunda belleza n'esta implacavel simplicidade. Porque o resultado da simplicidade é clareza, e o resultado d'essa clareza é dignidade. No Norte não se discute tanto questões de direito nobiliarchico, porque há muito pouco a discutir.
E qual é o resultado das "dynamicas" practicas linhagisticas entre nós no Sul? Discussões intensas sobre se alguem era fidalgo cavalleiro ou afinal apenas cavalleiro fidalgo, debates ridiculos sobre se alguem tinha direito ao Dom ou não, polemicas acesas sobre quebras de varonia e bastardias, e todos os patheticos e mesquinhos casos semelhantes que vemos ainda hoje entre nós, de disputas sobre armas, e titulos, tudo tão pouco digno de alguem que se diz nobre. É por observar tudo isto que admiro a belleza e dignidade do direito germanico. Como escrevi ao confrade Cercal: O ultimo varão da familia morreu. A linhagem extingiu-se. Mais palavras para quê?
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Como pode ver, tentei responder aos seus commentarios, que assim mais uma vez agradeço, pois são exactamente perguntas e commentarios que nos permittem aprofundar as questões. Se tiver mais perguntas ou commentarios estou à sua disposição.
Aceite os meus melhores cumprimentos,
Anachronico
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RE: PARTE III - o condado de Sponheim
Caro Confrade Anachronico,
Obrigado pela resposta.
Seus textos são interessantes, espero também as partes complementares que menciona e coloco a seguir mais alguns comentários.
Em minhas pesquisas sobre a história do Sacro Império Romano-Germanico vejo diversas vezes a prática do esquartelamento heráldico, que me parece seja uma característica mais presente em Portugal, mas ainda assim de forma alguma inexistente, na Germânia (e também na Inglaterra). Transmissões de armas e título em via feminina, que são as exceções que cita, permita-me citá-las nomeadamente as que conheço: Veldenz e Sponheim (já citados), Sayn (transmitido a uma linhagem Sponheim), Wittgenstein (transmitido a uma linhagem Sayn), Blankenheim (transmitido a Manderscheid), Loon ou Looz (a Heinsberg), mais recentemente Rappoltstein também aos Wittelsbach do ramo Bischweiler. São casos em que a linhagem masculina se extingue, em sua maioria. Sou propenso a concordar com o confrade que na maioria dos casos, e certamente em alguns dos mais importantes, a lei Sãlica predomina, como ocorreu com os ramos da Casa de Wittelsbach na extinção do ramo da Bavaria, e mesmo na Casa de Sponheim na extinção do ramo de Kreuznach. Como bem coloca, "E finalmente: cada senhorio com lugar nas dietas tinha um voto, e quem fosse senhor de varios d'esses Estados do Imperio teria varios votos.", e essa situação me parece muitas vezes verificar-se por uma transmissão por via feminina ou por casamento. Foi também o caso do Ducado de Julich-Kleve-Berg, cf. http://de.wikipedia.org/wiki/Johann_(Jülich-Kleve-Berg) .
Outra questão que coloco ao confrade que poderá talvez responder é quanto à importância do direito a armas em Portugal e em Inglaterra. Parece-me que em Portugal, e nos titulares do Império do Brasil, houvesse e haja nobres sem direito a armas. Enquanto isso, em Inglaterra parece ser direito de qualquer família gentil, mediante registro em um órgão, ter suas próprias novas armas. O direito a armas parecem ser de maior gravidade em Portugal neste sentido, porquanto em Inglaterra não seja sinônimo de Peerage, pariato, e sim de Gentry, gentileza.
Saudações e cumprimentos,
Herculano L. E. Neto
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RE: PARTE III - titulos vs. senhorios no Sacro Imperio
Caro Herculano Neto
Muitissimo obrigado pella sua mensagem, que merece novamente um esclarecimento, este verdadeiramente fundamental, pois suspeito que será um problema frequente.
O confrade escreve:
"Transmissões de armas e título em via feminina, que são as exceções que cita, permita-me citá-las nomeadamente as que conheço: Veldenz e Sponheim (já citados), Sayn (transmitido a uma linhagem Sponheim), Wittgenstein (transmitido a uma linhagem Sayn), Blankenheim (transmitido a Manderscheid), Loon ou Looz (a Heinsberg), mais recentemente Rappoltstein também aos Wittelsbach do ramo Bischweiler. São casos em que a linhagem masculina se extingue, em sua maioria [...] e essa situação me parece muitas vezes verificar-se por uma transmissão por via feminina ou por casamento. Foi também o caso do Ducado de Julich-Kleve-Berg "
[http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=308960#lista]
1) Os casos de Veldenz e Sponheim de facto já expliquei: por extincção da linha varonil em 1437 foi o condado de Sponheim governado em condominio por, entre outros, os condes de Baden [1/5] e de Veldenz [tambem 1/5], com as quebras de varonia que menciona.
Vamos agora ver os outros casos:
2) O caso dos Sayn-Wittgenstein ― "Wittgenstein (transmitido a uma linhagem Sayn)". Para esclarecimento dos outros confrades do forum: Herculano Neto refere-se aqui à herança do condado de Wittgenstein pellos condes Eberhardt e Heinrich de Sayn em 1361.
3) O caso de Blankenheim ― "Blankenheim (transmitido a Manderscheid)" ― tem que ver com os senhores de Manderscheid. Para esclarecimento dos confrades: Wilhelm V casou no segundo quartel do seculo XIV com Johanna von Blankenheim. Por causa d'esse parentesco, em meados do seculo seguinte o conde Dietrich III de Manderscheid, elevado a conde em 1457, veio a herdar o senhorio de Blankenheim, e assumiu o nome de Manderscheid-Blankenheim em 1469. Em 1488 este conde dividiu todos os seus senhorios entre os seus três filhos, dando origem a três linhas que viriam a unir-se novamente no seculo XVIII.
4) O caso de Heinsberg ― "Loon ou Looz (a Heinsberg)" ― tem que ver os senhores de Heinsberg no inicio do seculo XIV: Gottfried I casou com uma filha do conde de Loon. O filho d'este casal veio a herdar o condado da familia materna em 1336.
Os ultimos casos de Rappoltstein e do ducado de Kleve já mencionarei, pois existe uma importante differença quanto a estes.
Em geral, nota-se que o confrade Herculano Neto tem estudado o Baixo Rheno tardo-medieval. Para esclarecimento dos confrades, todos os casos mencionados excepto o dos Sayn-Wittgenstein situam-se ao longo da presente fronteira occidental da Allemanha, estando Kleve e Heinsberg mesmo sobre a fronteira hollandesa, Blankenheim sobre a fronteira belga, Sponheim sensivelmente entre a fronteira com o Luxemburgo e a Alsacia francesa, e Rappoltstein já no outro lado da fronteira na Alsacia francesa.
E sobre todos os casos 2)―4) se pode dizer o mesmo: o que vemos não é transmissão de titulos, mas sim transmissão de senhorios.
Para que se entenda o que quero dizer: os rendimentos de um condado português no seculo XVIII poderiam ser variados: terras da Coroa e bens patrimoniaes, commendas, morgadios, quintas, propriedades urbanas, direitos de foral, juros, &c, &c, dispersos por todo o reino. Os condes de São Vicente, por exemplo, tinham em determinada altura, para alem de commendas, tenças, padrões de juro &c, uma quinta em Cintra, um morgadio em Mirandella, pensão de casas em Coimbra, foros de casa e vinhas em Portalegre, foros de uma quinta em Alcochete, foros de herdades em Arronches, &c, &c.
Um conde do Imperio era algo totalmente differente: era soberano de um condado muito especifico ― uma cidade, villas, aldeas, castellos, tudo normalmente n'uma area geographica bem delimitada e normalmente de area reduzida; por isso mesmo existiam às centenas. Um titulo português nada mais era em Setecentos que a globalidade de uma serie de direitos e patrimonio: o conde de S. Vicente poderia vender a quinta de Cintra e comprar outra em Barcellos e trocar os foros das herdades em Arronches por outros em Bragança sem em nada alterar a essencia do condado. Já um conde do Imperio não. Os titulos portugueses eram por assim dizer construcções abstractas, enquanto os senhorios do Imperio era algo muito concreto. Por isso, ao herdar o condado de Blankenheim em 1468, o conde de Manderscheid passou obviamente a entitular-se conde de Manderscheid-Blankenheim. E normalmente as divisões que vemos são exactamente quando algum nobre do Imperio, depois de por herança ter accumulado senhorios, divide estes entre os filhos.
No caso 3) em 1488 a Casa de Manderscheid ficou dividida nos ramos Manderscheid-Kail, Manderscheid-Schleiden e Manderscheid-Blankenheim-Gerolstein [a que as outras reverteriam no seculo XVIII]. Todos estes nomes são senhorios, não appelidos ou titulos na acepção portuguesa. No caso Manderscheid vemos como o senhorio original de Manderscheid é mantido como nome principal, para indicar o parentesco; todos os outros são os respectivos senhorios dos ramos em questão. Apenas nos casos dos grandes principes do Imperio, como os austriacos Liechtenstein e Schwarzenberg, se começou a utilizar esses nomes quasi como appellido, por essas linhagens deterem tantos senhorios e serem tão poderosas que qualquer listagem de senhorios seria absurda. Mas no caso dos condes &c do Imperio já faz todo o sentido usar os dous ou três principaes senhorios como nome, para differenciar de outros ramos. Isto não significa que qualquer d'esses nomes toponymicos seja um titulo na acepção portuguesa. Eram senhorios effectivos; falamos afinal de Estados do Imperio. [A titulo de curiosidade, tanto o castello medieval de Liechtenstein como o de Schwarzenberg pertencem ainda às respectivas familias a que deram o nome].
Convem ainda lembrar a questão da posse da terra no mundo germanico. Ao contrario do Portugal da Lei Mental, e mesmo de por exemplo a Inglaterra, onde toda a terra era fundamentalmente considerada propriedade da Coroa, no Sacro Imperio senhorial a posse da terra sempre foi absoluta. Segundo me dizem, pois não sou jurista, ainda hoje a protecção da propriedade privada na Allemanha ― quanto a leis de expropriação &c ― ultrapassa a de qualquer outro pais na Europa occidental. Assim, não nos pode causar surpresa que os senhorios depois da morte do ultimo varão da linhagem fossem sempre transmittidos por via feminina em vez de revertir à coroa imperial. Isto não nega o facto de que eram apenas os senhorios physicos, e não titulos abstractos, que eram assim transmittidos.
Enfim, não tenho agora bem paciencia para mais; os outros casos que o confrade Neto menciona são tambem bastante interessantes, mas terão que esperar. Mas espero que esta explicação não tenha sido demasiado cryptica e que possa ajudar a comprehender a natureza dos "appellidos"―"titulos" dos nobres do Sacro Imperio, afinal apenas os senhorios de que eram senhores. E que quando vemos certos "appellidos" ou "titulos" passar de uma filha herdeira de uma linhagem extincta na linha varonil aos seus filhos, não se trata nem de appellidos nem de titulos abstractos, mas sim e apenas dos senhorios em questão.
Cumprimentos a todos,
Anachronico
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RE: PARTE III - respostas ao confrade Campesino
Prezado Anachronico,
Agradeço a resposta. Tenho admiração por historiadores, trabalhei na área e acho triste que estas profissões sejam tão pouco valorizadas. No final acabei mudando de campo, entretanto, ainda gosto muito de História e nunca parei de fazer minhas pesquisas nas horas vagas.
Não concordo com suas observações em relação à historiografia Inglesa, acho que a língua Inglesa tem historiadores muito bem preparados, o fato dos Ingleses basearem suas observações principalmente em fontes primarias faz da historiografia Britânica admirável. Talvez eu seja um pouco parcial em meu comentário, fiz meus estudos secundários e universitários em escolas de língua inglesa, aprendi a raciocinar da mesma maneira.
Voltando ao assunto, acho triste que seus colegas germânicos tenham dado risada do sistema português, uma atitude que mostra certa falta de cavalheirismo e nobreza de caráter, alguns Alemães, incluindo muitos da “nobreza” já causaram tantos danos a Europa, quantas guerras ocorreram pelo fato de se acharem superiores, as duas grandes guerras foram exemplos claros desta atitude lamentável.
O sistema de nobreza deles teve tantas falhas que já foi assunto de muitos livros. Tenho aqui um livro que gosto muito, escrito por um grande pesquisador sobre nobreza e heráldica, o britânico Stephen Slater, ele diz:
“In later centuries the use of von in front of a name became debased, becoming almost as common as the van in Dutch surnames.”
“Since World War I, the position of the armiger, whether a private individual or a civic authority has proved complex and curious in German-speaking lands. Before that time, a noble title was inherited by all the legitimate children of a noble father, not just the eldest son, as in the case in the British nobility.” (The Complete Book of Heraldry, 2002, p. 211)
Slater também menciona Portugal: “The need for social identification found a creative outlet in the marshalling of arms. The heraldic principle of quartering had its origins in Iberia: the Portuguese system aimed at representing every one of an armiger’s ancestors, both heraldic heiresses and others” (The Complete Book of Heraldry, 2002, p. 204)
Slater admira o sistema Português: “On the Iberian península the situation seems to be much more sensible, and the female side of a family is considered every bit as important as that of the male. In Portugal anyone is entitled to choose their surname and arms from whichever side of the family they wish, and a system of difference marks denotes from which side of the family the arms are derived and whether they come from parents or grandparents.” (The Complete Book of Heraldry, 2002, p. 120)
Slater também menciona que títulos de nobreza já foram comprados por não nobres em diversos períodos da história, incluindo Inglaterra.
Nobreza germânica - O livro A Social History of Germany 1648-1914 de Eda Sagarra menciona fatos importantes: a pobreza de muitos nobres germânicos, o fato de no século XVI terem menos status que patrícios e burgueses das principais cidades da Alemanha. Também menciona que 75% dos nobres eram de origem recente e apenas 25% poderia traçar sua linhagem a nobreza antiga. Achou casos de nobres de descendência em profissões humildes. E claro, menciona o fato de muitos destes nobres paupérrimos terem sido obrigados a vender seu trabalho como mercenários.
Nobres da Prussia: “Many were little more than peasants, living in thatched houses which did not differ greatly from the barns and sheds alongside, and were known mockingly as ‘krautjunker’.” (A Social History of Germany 1648-1914, Eda Sagarra, p. 48)
Em relação aos mercenários, eu me lembro que alguns foram para Portugal e Brasil, principalmente como mercenários nas guerras da Cisplatina.
Não acredito que uma pessoa de origem nobre seja melhor que uma pessoa comum, mesmo que a monarquia fosse restaurada eu duvido que fosse da maneira que muitos imaginam, ate’ a tradicional Inglaterra esta acabando com os privilégios da nobreza, e como você mencionou os nórdicos já acabaram com elas há muito tempo.
Também acredito que as pessoas que queiram demonstrar descendência de um fidalgo devem provar com documentos tal descendência. Infelizmente muitos estudos genealógicos publicados contem tantos erros que devem ser evitados e rejeitados como provas de nobreza.
Muito obrigado, apesar de não concordar com alguns pontos achei outros muito interessantes, especialmente a pesquisa sobre Fidalgos da Casa Real.
Cumprimentos,
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RE: PARTE III - As armas austriacas - a Austria no seculo XVIII
Well said, I agree.
Regards,
Direct link:
RE: PARTE III - titulos vs. senhorios no Sacro Imperio
Caro Anachronico,
Muito obrigado pela partilha de conhecimento com que nos brinda neste fórum, eu não sendo de área cientifica, tenho tido a honra de o ler a si e aos demais confrades principalmente neste tema e aprendido bastante.
Gostaria no entanto e perdoe talvez a minha ignorância ou pertinência de entrar nesta comunhão de saber de tão elevado conhecer, de lhe colocar algumas questões:
1) Ao ler este tema, lembrei-me de Aristóteles, e do seu estudo sobre a Política, nomeadamente a parte onde é reflectido pelo autor, que regras definiam um Cidadão de pleno direito nas cidades estado. Para se ser cidadão de plenos direitos, teria de se descender por via masculina de pai e avô dessa cidade, ora rapidamente Aristóteles rebate e coloca esta regra de parte, pois isso afastaria os Fundadores da condição de Cidadão da Metrópolis. Este caso tem na minha cabeça um certo paralelismo com a forma como foi apresentada questão da Nobreza do Norte e a forma como esta é transmitida, ora se para se ser Nobre teria de se ter um certo número de costados todos eles Nobres, isso colocaria sempre de fora os "fundadores" da varonia nobilitada! Ou então temos de supor que não teriam estes Nobres nórdicos uma ascendência natural como os demais seres humanos.
2) Tendo em conta que a expressão máxima da nobreza quer seja no sul ou no norte é a do Rei e da Rainha, podemos contar vários casos em que o título e a nobreza é passada por via feminina,por exemplo na Dinamarca com a sua actual Rainha e recentemente com a Princesa herdeira da Suécia.
3) Eu entendo a leitura que faz da Nobreza, aproximando-se de um modelo que pretende ser "mais Papista que o Papa" desculpe a expressão, e baseando-se ao mesmo tempo em tradições do Séc. XVII e ambicionando ser mais moderno actualmente, achando que o facto de se ter menos Nobreza é sinónimo de mais qualidade dessa mesma Nobreza. Será também importante considerar o que representa a Nobreza na sociedade actual e ao longo dos tempos, esse sim um exercício interessante. Mas como dizia atrás, compreendo que as regras nórdicas e exclusivistas sejam bastantes atractivas, mas repare, é uma formula que vive de uma memória, presa a um contexto histórico, a das tais famílias Nobilitadas no Sec. XVII, e dos seus actuais representantes varonis, colocando de parte a transmissão feminina, ignorando as suas Rainhas herdeiras e transmissoras da sua Nobreza, direitos, titulos e posses, e assumindo que desde o séc. em questão, passando pelos dias de hoje e negando o futuro de que existirão Homens dignos de Nobreza, juntando a isto a obvia extinção dessa Classe Nobre guardiã das memórias e tradições do seu Povo, quando os últimos varões dessas poucas Casas Nobres morrerem sem filhos a quem transmitir a sua Nobreza.
4) Voltando a Arístoteles como este dizia na Sociedade é certo que em 1000 Homens, poucos serão os Homens Ricos e menos os Homens Virtuosos, mas se a fortuna é certa que pode ser transmitida de pai para filho, a virtude será ou não.
Com os melhores cumprimentos,
João Gaspar
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RE: PARTE III - As armas austriacas - a Austria no seculo XVIII
Caro Pedro,
Em relação a fidalgo ser traduzido como nobleman, existem muitas fontes que provam isso, gentleman também e’ usado as vezes, o gentleman (gentilhomme) neste caso se refere ao termo usado na França para nobre.
Eu acho que hidalgo não e’ a mesma coisa que fidalgo, passou a ter outro significado em Portugal, pelo menos não e’ a mesma coisa que os fidalgos que foram registrados nos livros da Casa Real.
Cumprimentos,
Campesino
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RE: PARTE III - novas respostas
Caro Campesino,
Sou eu quem lhe agradece pella sua resposta. Muito obrigado por contribuir novamente com affirmações interessantes e na realidade verdadeiras, mas que merecem importantes commentarios. E assim, aqui tem novas respostas.
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"Não concordo com suas observações em relação à historiografia Inglesa, acho que a língua Inglesa tem historiadores muito bem preparados, o fato dos Ingleses basearem suas observações principalmente em fontes primarias faz da historiografia Britânica admirável."
A historiographia inglesa é phenomenal, considero-a em certos aspectos a melhor do mundo, e já a characterizei, n'um topico que recommendo, como "the best of both worlds":
http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=303376#lista
Apenas quis fazer ver que especialmente no campo em que agora debatemos ― nobrezas, heraldicas e afins ― grandes obras de referencia ainda hoje citadas foram escriptas n'uma epocha ― o auge do Imperio Britannico Victoriano, de Edward VII e de George V, isto é, a decada de 1950 ― em que por vezes é nitido um certo sentimento de superioridade em relação aos outros povos e um certo desdem pellos seus costumes. Com a descolonização na decada de 1960 e o fim do Imperio Britannico o character da historiographia inglesa ― na realidade toda a imagem que a Inglaterra e os ingleses tinham de si ― mudou enormemente em certos aspectos. Como tambem escrevi, o chauvinismo a partir de c. 1880 fez-se sentir em qualquer pais europeu. Nem sequer me parece que os ingleses tenham sido peores que outros. Apenas quis lembrar o facto de que temos que considerar quem escreve a obra e porquê ― a tal analyse de discurso. Se se analysar David Birmingham não restarão duvidas de que o auctor não tem grande respeito por Portugal: a imagem dada é demasiado negativa, demasiado desfavoravel ao poncto de vista português. Se se analysar Bruce Neil sentir-se-á o contrario: a imagem dada é demasiado positiva, demasiado favoravel. E se se ler o muito melhor Stanley Payne sobre os mesmos themas ver-se-á uma imagem muito mais completa e isenta. É apenas isto que quero dizer: é importante saber deciphrar o que se está a ler.
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"Voltando ao assunto, acho triste que seus colegas germânicos tenham dado risada do sistema português, uma atitude que mostra certa falta de cavalheirismo e nobreza de caráter [...]"
Accredite que não é isso que se passa. Nem eu perderia o meu tempo com tal gente. Falamos afinal de historiadores com um profundo respeito pello thema. É assim mais aquelle riso incredulo de quando ouvimos uma estoria demasiado grotesca para ser verdade, mas demasiado incrivel para ser falsa. Não sei se me entende. Mas a verdade é que os varios escalões de nobreza não titulada n'um pais tão pequeno como Portugal são sinceramente comicos quando se conhece as realidades europeias. Entender-se-ia n'um grande imperio como o Imperio Allemão de Bismarck ou o Imperio Austro-Hungaro. Mas nem mesmo esses imperios ― ou o contemporaneo Reino Unido da era Victoriana ― tinham tantos escalões de nobreza não titulada como Portugal. E isto, tem que admittir, é paradoxal.
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"O sistema de nobreza deles teve tantas falhas que já foi assunto de muitos livros. Tenho aqui um livro que gosto muito, escrito por um grande pesquisador sobre nobreza e heráldica, o britânico Stephen Slater, ele diz:
“In later centuries the use of von in front of a name became debased, becoming almost as common as the van in Dutch surnames.”"
O uso da preposição "von" tornou-se obrigatorio em 1630 para burgueses nobilitados. É esta a baixissima "briefadel" que menciono varias vezes na Parte III. Apenas "Von" ― sem titulo ― sempre foi indicativo d'essa baixa nobreza de origens burguesas, e apenas no estrangeiro se pensa por vezes que "von" é indicativo de alta nobreza. Espero que continue a ler o que vou escrevendo: a Parte V trata de tudo isto.
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“Since World War I [...] Before that time, a noble title was inherited by all the legitimate children of a noble father, not just the eldest son, as in the case in the British nobility.” (The Complete Book of Heraldry, 2002, p. 211)"
Slater apparentemente não está bem informado: ainda é de certa forma assim na hoje republica allemã; na republica austriaca não. Como suggeri, continue a ler, pois a Parte V trata exactamente de tudo isto e explica bem a realidade actual.
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"Slater admira o sistema Português: “On the Iberian península the situation seems to be much more sensible, and the female side of a family is considered every bit as important as that of the male. In Portugal anyone is entitled to choose their surname and arms from whichever side of the family they wish, and a system of difference marks denotes from which side of the family the arms are derived and whether they come from parents or grandparents.” (The Complete Book of Heraldry, 2002, p. 120)
Eu de certo modo tambem o acho admiravel. Mas infelizmente vejo que na practica ― e é isto que me interessa ― o nosso systema faz com que todos se julguem nobres, pois todos descenderão de algum nobre, é só questão de encontrar esse costado nobre. E por isso mesmo vemos todos esses immensos fanfarrões com manias de nobrezas, essa pobre gente que se enche de vaidades só por ter encontrado meia duzia de fidalgos da Casa Real entre os seus antepassados e que não perde uma opportunidade para o mencionar, e que se julga nobre apenas por isso. Um pouco como o caso que dei do neto do sapateiro que assim que o pai recebeu o habito de Sanct'Iago logo reclamou o de Christo. Porque julga o confrade Campesino que certa parte dos nossos confrades frequentam a base de dados do Geneall? Porque esperam descobrir antepassados taberneiros e ferradores? É este o enorme defeito do nosso systema: creou uma nação com manias ― um povo de Dom Quixotes.
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"Slater também menciona que títulos de nobreza já foram comprados por não nobres em diversos períodos da história, incluindo Inglaterra."
Na Parte IV analyso um caso concreto e radical d'este phenomeno: a Escandinavia do seculo XVIII, onde o principio foi elevado à segunda potencia. Julgo que achará interessante.
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"Nobreza germânica - O livro A Social History of Germany 1648-1914 de Eda Sagarra menciona fatos importantes: a pobreza de muitos nobres germânicos, o fato de no século XVI terem menos status que patrícios e burgueses das principais cidades da Alemanha. Também menciona que 75% dos nobres eram de origem recente e apenas 25% poderia traçar sua linhagem a nobreza antiga. Achou casos de nobres de descendência em profissões humildes."
1) Pobreza: isto não nos pode espantar. A pobreza de grande parte da nobreza era universal. Tambem em Portugal era assim. E em Espanha. E na França. Por isso mesmo falamos por exemplo em alta e baixa nobreza. Até mesmo na Escandinavia [isto é, Dinamarca e Suecia], onde a nobreza era tradicionalmente ― até ao ultimo quartel do seculo XVII ― um grupo verdadeiramente restricto, se pode verificar um nucleo duro de grandes nobres e muitos outros bastante mais pobres. Isto tambem não é nada de novo.
2) Origem recente: peço perdão por me repetir, mas isto tambem não nos pode espantar. As nobilitações de homens das camadas populares ― lettrados e mercadores ― tambem foi universal a partir do seculo XVI. Duzentos annos mais tarde a grande maioria da nobreza de qualquer pais europeu era de origem recente. Isto é obvio. E na grande maioria dos casos essa nobreza recente era baixa "briefadel" apenas. Esses são exactamente, em Portugal, os fidalgos da Casa Real de que escrevi antes [se bem que uma parte d'estes fosse tambem de velhas linhagens].
3) Grandes burgueses: isto tambem não nos deve espantar. As principaes cidades do Sacro Imperio ― as cidades livres da Parte II, como Augsburgo ― eram na regra riquissimas: grandes centros de commercio, de artesanato, &c. É assim natural que os grandes burgueses d'essas cidades fossem mais ricos que a maioria dos nobres do Imperio. Porque estamos a falar de cidades verdadeiramente ricas, de grandes casas commerciaes, &c. Isto pode ser visto em qualquer pais europeu. Tambem os grandes burgueses de Lisboa, ou Paris, ou Londres, eram mais ricos que a maior parte dos nobres dos respectivos paises. Isto tambem não é nada de novo.
O confrade Neto ― ou melhor, os auctores que cita ―parecem estar a fazer comparações baseadas na totalidade dos nobres da Allemanha. E isto não faz sentido, porque a maior parte dos nobres será em qualquer pais baixa nobreza apenas, de origens mais recentes e de menos posses que a velha nobreza senhorial de origem medieval. Compare os condes portugueses de Setecentos todos membros das velhas linhagens com os fidalgos da Casa Real: não há comparação possivel. O mesmo pode ser dicto sobre os condes e principes do Imperio.
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Nobres da Prussia: “Many were little more than peasants, living in thatched houses which did not differ greatly from the barns and sheds alongside, and were known mockingly as ‘krautjunker’.” (A Social History of Germany 1648-1914, Eda Sagarra, p. 48)
Como expliquei, a Prussia e a Pommerania eram justamente os casos extremos de concentração de terras no Sacro Imperio: havia os muito ricos e os muitos pobres. Generalizar sobre a Allemanha ou o Imperio a partir d'estes exemplos não é justo e pode mesmo ser considerado tendencioso. Tudo isto soa ― talvez, pois não li as obras que cita ― exactamente como o "mytho" da nobreza germanica propagado pellos historiadores ingleses da era Victoriana, um d'esses mythos da historia que se enraizaram e que hoje fazem parte ― erradamente ― do imaginario commum. O mesmo podemos verificar nos mythos da "leyenda negra" sobre a Espanha na America ou sobre a Inquisição, tão falsos e injustos mas aceites por grande parte da população que nunca estudou o caso como perfeitamente verdadeiros.
Mas na realidade a citação que nos dá poderia ter sido retirada de uma passagem sobre a nobreza das Asturias, de Leão, de Castella-a-Velha, da Cantabria ou do Pais Basco ― ou de grande parte de Portugal. Isto era o mesmo em qualquer lugar. Muitos nobres da velha baixa nobreza eram pobres e difficeis de distinguir de lavradores. No Imperio, em Portugal e em qualquer lugar.
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"Não acredito que uma pessoa de origem nobre seja melhor que uma pessoa comum, mesmo que a monarquia fosse restaurada eu duvido que fosse da maneira que muitos imaginam, ate’ a tradicional Inglaterra esta acabando com os privilégios da nobreza, e como você mencionou os nórdicos já acabaram com elas há muito tempo."
Estamos completamente de accordo :-)
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"Também acredito que as pessoas que queiram demonstrar descendência de um fidalgo devem provar com documentos tal descendência. Infelizmente muitos estudos genealógicos publicados contem tantos erros que devem ser evitados e rejeitados como provas de nobreza."
Estamos novamente completamente de accordo.
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E por fim ― e porque vejo que o confrade João Gaspar acaba de participar na conversa com o exemplo de Aristoteles, a que responderei quando tiver tempo ― aqui volto a repetir a absolutamente fundamental questão que colloquei antes, tambem collocada pellos gregos que afinal inventaram o termo aristocracia: na sua opinião, um nobre pode perder a sua nobreza? Em caso affirmativo, em que circumstancias? Quando é que um nobre perde a sua nobreza e deixa de ser nobre? Quando é que uma linhagem nobre reverte à condição plebeia? Ou acha que uma vez nobre a linhagem sempre será nobre? Não necessita responder já, mas vá ponderando a questão.
Cumprimentos,
Anachronico
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RE: PARTE III - novas respostas
Caros Confrades,
Gostaria de lembrar que na Escócia os títulos podem ser herdados por linha feminina. Como exemplo, refiro Anne, Baroness Herries, filha primogénita do 16º duque de Norfolk, título que herdou de seu Pai que o herdara de sua Mãe, a mulher do 15º. Duque.
Em França também os senhorios, morgadios nobres, podiam ser herdados por linha feminina, segundo penso, até ao século XVII.
No que se refere à Alemanha, o actual duque de Wurtemberg sucedeu a seu Pai, depois do irmão primogénito ter sido obrigado a renunciar à sucessão do ducado por ter casado com uma baronesa da família Bodman, considerada de pequena nobreza, mas com pelo menos oito costados nobres, e o herdeiro do duque que acima referi casou com uma princesa de Wied, com costados nobres apenas por via paterna. Não deixa de ser curioso que se exalte a linha varonil, sendo todavia necessário que fosse provada a nobreza de costados que incluía numerosas senhoras.
Acrescento também que na Áustria é proíbido o uso de títulos nobiliárquicos, razão pela qual a família Habsburgo escolheu outros países para viver.
Não pretendo levantar qualquer polémica, mas, quando nos países governados por reis ou rainhas a sucessão será por primogenitura e não por varonia, e na Grã-Bretanha os membros da Família Real já podem casar com católicos sem ter de renunciar aos seus direitos aos trono, penso que tal é a prova viva da capacidade de adaptação da nobreza e da preocupação de transmitir a continuidade da sua linhagem.
Com os meus cumprimentos
Vianna
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RE: PARTE III - novas respostas
Caro Anachronico,
Agradeço muito a resposta, este fórum esta sendo muito interessante.
Em relação as fontes que usei, os livros citados são modernos e escritos por pessoas respeitadas, estes não são do período de sentimento anti- germânico na Inglaterra que o confrade mencionou. Adiciono que não são apenas em fontes Inglesas que a nobreza do “Sacro Império” (depois do Sec. XVI) e’ vista com certo desdém, nas fontes francesas e italianas também são. Na Itália varias famílias foram nobilitadas com altos títulos do Sacro Império, acho que a diferença e’ que na Itália nunca ninguém escondeu o fato de muitas destas famílias terem origem na riquíssima burguesia das cidades do Norte e Toscana.
Eu me lembrei de uma passagem nas memórias de Giacomo Casanova em que ele fala de uma conversa com o Arquiduque José II da Áustria, muito interessante, procurei e achei, acho que o confrade vai gostar:
It was a prophecy, for Joseph II positively killed himself, although not willfully, and it was his self-conceit which prevented him from knowing it. He was not wanting in learning, but the knowledge which he believed himself to possess destroyed the learning which he had in reality. He delighted in speaking to those who did not know how to answer him, whether because they were amazed at his arguments, or because they pretended to be so; but he called pedants, and avoided all persons, who by true reasoning pulled down the weak scaffolding of his arguments.
Seven years ago I happened to meet him at Luxemburg, and he spoke to me with just contempt of a man who had exchanged immense sums of money, and a great deal of debasing meanness against some miserable parchments, and he added,--
"I despise men who purchase nobility."
"Your majesty is right, but what are we to think of those who sell it?"
After that question he turned his back upon me, and hence forth he thought me unworthy of being spoken to.
(The Memoires of Casanova, Complete - The Rare Unabridged London Edition Of 1894 http://www.gutenberg.org/files/2981/2981.txt)
Outro texto interessante, este publicado em uma antiga enciclopédia Americana, um ditado contado na Itália:
Nobility - The Italians thus satyrised nobility: the dukes and earls of Germany (every son of a duke being a duke and every daughter of a dutchess being a dutchess), the dons of Spain, the monsieur of France, the bishops of Italy (every city having a bishop), the nobility of Hungary, the lairds of Scotland, the knights of Naples and the younger brethren of England make all together a poor company.
(A Military Dictionary by William Duane, Philadelphia, 1810, p. 480)
Este ditado contado durante o século XVIII demonstra bem o estado decadente que já se encontrava a nobreza de diversos países europeus. A meu ver nunca houve uma nobreza perfeita, em nação alguma ela existiu, por este motivo considero injusto ter uma visão baixa da nobreza portuguesa, eu penso diferente, lembro de Zarco, Gama, Cabral, Dias, Raposo Tavares e tantos outros, todos eram inicialmente fidalgos não titulados, e provavelmente como a maioria dos portugueses possuíam uma gota de mouro, uma gota de judeu, talvez não fossem perfeitos aos olhos dos nórdicos. Na minha, são e foram motivo de orgulho, não troco um destes por dez duques da Áustria. E’ muito difícil achar nobres germânicos com uma historia interessante, com verdadeiros atos de nobreza. Enquanto outros estavam tramando matança e destruição no leste da Europa os portugueses estavam liderando a exploração de terras no outro canto do planeta, procurando fortalecer o então humilde reino de Portugal. Tiveram sucesso, apesar dos poucos recursos.
Com os melhores cumprimentos,
Campesino
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RE: PARTE III - Aristoteles e aristocracia
Caro João Gaspar,
Muitissimo obrigado pello seu commentario.
É que, como veremos no final de tudo isto, a minha visão da aristocracia tem justamente que ver com uma das visões classicas gregas. Mas como quero ainda desenvolver as partes que me faltam ― e que vão dar precisamente ao caso grego ― perdoe-me se prefirir não lhe responder agora.
Mas fundamentalmente os três differentes modellos que quero mostrar ― o iberico, o germanico e o escandinavo ― representam os três grandes paradigmas europeus. Practicamente todos os outros modellos da Europa occidental acabam por ser variantes fraccas de um d'estes três [as excepções sendo systemas de clãs]. E no final quero demonstrar como um d'estes três acaba por ser precisamente o correspondente moderno, mutatis mutandis, do exemplo mais classico da aristocracia grega do seculo V antes de Christo. Por isso, o seu exemplo de Aristoteles não podia ser mais bem vindo.
Quanto ao que escreve quanto a eu ser "mais papista que o Papa", entendo-o perfeitamente. Mas apenas leu metade do que tenciono escrever. Talvez veja tudo de outra maneira depois de ler tudo o que tenciono escrever.
Quando diz que "Será também importante considerar o que representa a Nobreza na sociedade actual e ao longo dos tempos, esse sim um exercício interessante" não poderia ter mais razão. Mas lá chegarei.
E quanto ao papel das mulheres nas monarchias nordicas da actualidade ― uma rainha e duas princesas herdeiras, isto é, só quebras de varonia ― isto tambem tem, como muito bem diz, que ver com o papel da nobreza na sociedade actual ― e com a "capacidade de adaptação da nobreza e da preocupação de transmitir a continuidade da sua linhagem" de que fala o confrade Vianna. Lá chegaremos. Por agora, aceite apenas os meus agradecimentos pello seu commentario.
Cumprimentos,
Anachronico
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RE: PARTE III - varonias e primogenituras
Caro confrade Vianna,
Seja bem vindo. O confrade não causa naturalmente qualquer polemica, antes pello contrario, qualquer exemplo é agradecido. Eu normalmente prefiro em estudos historicos admirar cada arvore a contemplar a floresta inteira; mas isto é naturalmente impossivel ao querer descrever de uma forma geral as varias evoluções historicas dos mundos germanico e escandinavo em tão poucas paginas. Por isso tenho que limitar o meu numero de exemplos. E por isso quantos mais exemplos os confrades quiserem contribuir melhor.
O confrade faz uma observação muito acertada: "Não deixa de ser curioso que se exalte a linha varonil, sendo todavia necessário que fosse provada a nobreza de costados que incluía numerosas senhoras".
E tem de certo modo razão. parece paradoxal. Mas a explicação é que cada mulher nobre será nobre porque o seu pai e a sua mãe o eram. E a sua mãe seria-o porque o seu avô materno e a sua avó materna o foram. E a sua avó materna por sua vez porque o seu bisavô..... &c, &c. Assim, cada mulher nobre indica "apenas", n'esta tradição, a nobreza do seu pai. E assim um nobre austriaco de "16 Ahnen" teria na realidade pello menos 8 tetravós varões nobres: todos os seus 8 trisavós varões poderiam ser burgueses nobilitados; mas as suas 8 trisavós nobres não, pois mulheres não eram nobilitadas ― herdavam o estatuto nobre dos pais, e logo estes teriam que ter sido nobres. É este o valor das mulheres n'estes systemas, que como vê exaltam claramente o principio varonil.
O confrade Vianna menciona ainda a "capacidade de adaptação da nobreza e da preocupação de transmitir a continuidade da sua linhagem".
Isto é uma questão fulcral. Porque como vimos no caso da Casa de Habsurgo, quando esta foi forçada a continuar a linhagem por via feminina ou simplemente entregar o throno imperial ao nobre estrangeiro mais proximo por parentesco, escolheu a primeira opção. Assim como a Inglaterra de Elizabeth I no seculo XVI e de Elizabeth II nos nossos dias. Assim como a Dinamarca de Margrethe I no seculo XV e de Margrethe II nos nossos dias. Nenhuma d'estas escolheu obviamente declarar a republica ao não ter herdeiros varões, ou sequer offerecer o throno ao nobre estrangeiro mais proximo. E tambem em Portugal se aceitou no seculo XIX um varão estrangeiro como rei consorte. Hypocrisia? Ou apenas essa preocupação de transmittir a continuidade da linhagem, custe o que custar?
Mas como disseram ou suggeriram tambem varios dos outros confrades, vivemos n'uma epocha de transições. Tudo isto mudará n'uma questão de algumas decadas; no proximo meio seculo veremos certamente o principio da primogenitura vencer em qualquer monarchia da Europa, talvez mesmo até no ultra-conservador Liechtenstein que mencionei. Porque não vejo sinceramente os principes do Liechtenstein ao não ter herdeiros varões offerecer o seu principado a um nobre estrangeiro, e muito menos a proclamar a republica.
Quanto aos paises nordicos, estes foram desde o seculo XVIII como veremos agora na Parte IV totalmente differentes do Sacro Imperio. Por alguma razão alteraram os dinamarqueses já em 1953 a sua constituição para permittir a successão da presente rainha. E em 2010 alteraram novamente a constituição para estabelecer o principio da successão por primogenitura, o que os suecos tinham feito já decadas antes. É importante ver que as tradições germanicas que menciono na Parte III são em muitos aspectos apenas validas para as terras do[s] Imperio[s]. Os escandinavos como veremos já no seculo XIX eram bastante "modernos".
Os meus melhores cumprimentos,
Anachronico
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RE: PARTE III - Aristoteles e aristocracia
Caro Anachronico,
Agradeço a sua simpática resposta, e permita-me que o corrija apenas num ponto; eu não o considerei "Mais papista que o Papa", essa referência era em relação aos sitemas germanico e escandinavo que creio terem falhas na sua forma de protecção de classe.
Concordo plenamente que não existem sistemas perfeitos, e obviamente que existia e existe um certo interesse por parte de certos membros da Nobreza de se distanciarem das restantes classes, como forma de se sentirem unicos e representantes de algo, construindo regras blindadas muitas vezes com resultados opostos aos desejados. Essas pequenas revelações da natureza humana, são reveladas nas imensas sub-categorizações das Classes Sociais.
Aguardo atentamente as suas mensagens a este tópico,
Com os melhores cumprimentos
João Gaspar
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RE: PARTE III - novas respostas
Caro Campesino
É com imenso gosto que leio as suas palavras.
A defesa da Nação …virá de fora! Bem-haja!
Cumprimentos,
José de Azevedo Coutinho
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RE: PARTE III - As armas austriacas - a Austria no seculo XVIII
Estimado confrade Anachronico,
Muito lhe agradeço as luzes que me concedeu sobre esta matéria. Li os seus textos três vezes: primeiro para me deliciar com as suas gramática e estilística decimonónicas que tanto me fizeram lembrar as Conferências do Casino; depois para fruir essa ortografia que outro conferencista, Adolfo Coelho, talvez não subscrevesse; e finalmente para assimilar a essência da informação que me transmitiu.
A sua exposição e o seu raciocínio são brilhantes. Não possuo o mais mínimo cabedal de erudição para apresentar qualquer contraditório válido, nem sequer o desejo de o fazer. Estou aqui para aprender de outiva com a sabedoria dos meus confrades. Por isso, continuarei a apelar à vossa generosidade na resposta às seguintes questões, que coloco sem qualquer expectativa pré-concebida quando às respostas:
—Gozando a mãe do meu sexto avô por linha varonil do estatuto de nobre segundo os critérios austríacos, sendo além disso a última representante da sua linhagem (não teve irmãos nem tios), e tendo-se radicado em Portugal como parte do séquito de D. Mariana de Áustria), passou por essa virtude a integrar tacitamente a nobreza portuguesa?
—Em caso afirmativo, ser-lhe-ia aplicado o direito nobiliário português, segundo o qual a nobreza e as armas se transmitem também por via feminina, desde que não haja mais de três quebras de varonia?
—Tendo o seu filho adoptado um apelido composto pela adaptação ao "génio" da língua portuguesa do seu apelido germânico (embora a minha 6.ª procedesse de Viena, a sua família por varonia provinha da Renânia-Palatinado, mais precisamente das imediações de Nassau), e tendo-se extinguido a varonia nos territórios do império, o reconhecimento de nobreza *portuguesa* no meu 5.º avô teria tais efeitos de extra-territorialidade ao ponto de ser considerado uma violação do direito nobiliárquico imperial? Ou produziria efeitos apenas em terras lusitanas, portanto não violando a soberania dos Habsburgos? A leitura de Luís da Silva Pereira Oliveira ("Privilegios da nobreza e fidalguia de Portugal") não logro sacar conclusões.
—O sistema de diferenças e brisuras utilizado na heráldica portuguesa não bastaria para, aplicado às armas de origem austríaca, constituir um brasão distinto que não violasse os princípios da exclusividade e individualidade da heráldica de cada ramo familiar?
Extravasando estas questões particulares, aproveito para questionar também:
—Entre as dezenas de brasões estrangeiros listados na "Armaria Portuguesa" de Braamcamp Freire, de cuja grande parte se desconhecem quaisquer cartas de brasão, há casos comparáveis de transmissão por via feminina de armas estrangeiras? Há precedentes jurídicos — digamos assim — que formem jurisprudência nesta matéria?
—Qual poderá ser a percentagem os títulos e das armas portugueses que se manteriam em uso, caso fosse aplicada a regra agnática na transmissão? E a regra dos "16 Ahnen"?
—Bastam umas poucas consultas à base "geneall" para encontrar linhagens cuja varonia é francamente "roturière", mas nem por isso deixaram de acumular títulos de nobreza portuguesa. Pode um plebeu estrangeiro casar com uma titular portuguesa e transmitir a nobreza da sua mulher aos descendentes, ao passo que uma aristocrata estrangeira casada com um comum português já não pode transmitir nobreza nem armas aos seus filhos?
—Terá havido motivos de ordem demográfica a causar o princípio da transmissão de nobreza por via materna? Terá sido essa uma forma de assegurar a manutenção de uma nobreza numerosa, necessária à manutenção de um império ultramarino?
Espero não abusar da vossa generosidade, colocando tantas questões.
Agradeço de antemão as vossas respostas.
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RE: PARTE III - As armas austriacas - a Austria no seculo XVIII
Caro Campesino,
Bom, efectivamente, penso que a situação em Espanha é seguramente paradigmática de um certo exagero. Li algures que nas Astúrias (??) 30-40% da população era 'hidalga', uma degenerescência que penso nunca ter ocorrido em Portugal.
Eu penso que, por terem tantas acepções diferentes, a tradução dos diferentes termos para designar 'nobreza', e os seus diferentes escalões, em línguas diferentes, deve ser reflectida. De notar que a palavra 'Squire' ou 'Esquire' tem uma evolução interessante em inglês, tendo perdido completamente o seu significado inicial, do normando, 'escudeiro'. Obviamente que a diferença entre as línguas e a forma como as palavras são entendidas, é gigantesca, e por isso o ideal é saber falar o maior número de línguas diferentes para compreendermos as coisas como elas são. Concorda comigo? Espero que sim.
Espero também que compreenda que nunca quis diminuir a Nobreza portuguesa. Talvez tenha sido impulsivo em responder ao confrade Anachronico, mas foi com boas intenções.
Também acho que os portugueses, ao longo da História, sempre souberam encontrar uma harmonia, por vezes difícil de gerir, na 'corda-bamba' se quiser, mas que permitiu a sobrevivência de costumes e tradições, que nos definem enquanto nação, e que tanto surpreendem os estrangeiros que de facto nos tentam conhecer com profundidade. Parece-me certo que uma classe de aristocratas tão fechada, e com regras tão específicas, como a do Sacro Império, acaba por se extinguir, naturalmente. Tive essa discussão precisamente com duas amigas inglesas há pouco tempo, enquanto discutíamos o sistema indiano de castas. Quantas famílias precisa numa determinada casta, considerando-a estanque, para que esta não se extinga naturalmente? Mas divago talvez....
Finalmente, acho que podemos ser patrióticos, e eu sou-o seguramente, mas devemos ter a capacidade de discutir as coisas com naturalidade, sem que isso seja visto como um atentado à pátria. Se não tudo o seria. Espero que concorde comigo neste assunto também.
Ficarei a aguardar os restantes ensaios do confrade Anachronico, muito mais versado do que eu nestes assuntos, e as suas respostas.
Cumprimentos de Além-mar,
Pedro
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RE: PARTE III - APPLAUSOS!!!
Caro confrade Pedro,
"Finalmente, acho que podemos ser patrióticos, e eu sou-o seguramente, mas devemos ter a capacidade de discutir as coisas com naturalidade, sem que isso seja visto como um atentado à pátria. Se não tudo o seria. Espero que concorde comigo neste assunto também."
[http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=309113#lista]
Por minha parte eu concordo, subscrevo e applaudo! É tão importante sabermos conversar amigavelmente...
E quero pedir perdão por não lhe ter respondido antes, mas não tenho sinceramente muito tempo. E como já nos cruzámos no caminho anteriormente, e como insisto em considerar o que cada confrade escreve e responder a todos com os confrades, estou certo de que entende que prefiro primeiro responder aos confrades com os quaes ainda não tive o prazer de trocar mensagens.
Mas fundamentalmente estou de accordo consigo quanto à questão dos esquires e fidalgos da Casa Real portugueses: não vejo melhor equivalente. Tentarei responder-lhe quando tiver tempo. E quanto ao exemplo que dá das Asturias tem tambem toda a razão; por isso mesmo dei as Asturias como exemplo ao confrade Campesino.
Os meus melhores cumprimentos,
Anachronico
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RE: PARTE III - As armas austriacas - a Austria no seculo XVIII
Confrade Cercal,
O Instituto de Nobreza Portuguesa pronuncia-se apenas acerca de mercês dadas pelos Reis de Portugal até ao dia 4 de Outubro de 1910.
Posso citar-lhe um exemplo que, embora não seja exactamente igual ao seu caso, penso que esclarece algumas dúvidas: Um tetravô meu, Adrien Gabriel Viger Pelée de Varennes, francês, nascido em Paris, foi senhor de um condado em Montargis por permuta real, o que lhe dava o direito a usar as suas armas encimadas pela coroa de conde, segundo carta do Rei Luis XIV ao seu bisavô, Blaise Pelée de Varennes, membro do Parlamento de Paris, conselheiro do Rei, etc, cujo filho foi feito conde pelo Rei Luis XVI durante a estada da Família Real no Palácio das Tulherias, tendo sido guilhotinado antes de receber a referida mercê.
Peço desculpa pela longa e complicada introdução, pretendendo apenas referir que El-Rei D. Carlos fez o meu tetravô cavaleiro da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, querendo registar as armas da família em Portugal. Tal só seria possível se Adrien de Varennes aceitasse armas novas portuguesas, pois o Rei de Portugal não poderia interferir numa mercê de um rei estrangeiro.
O anel de família é usado, mas nem o senhorio, terras vendidas entretanto, reconhecido.
Tudo isto para dizer que o património familiar, castelos, loiças, roupas armoriadas podem ser usadas, mas particularmente.
O exemplo que citei é em tempo de Monarquia.
Peço desculpa porter sido demasiado pormenorizado e que aceite os meus cumprimentos
Vianna
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RE: Acepções de nobreza - a clivagem entre Norte e Sul
Caro Confrade Anachronico (e restantes confrades participantes no presente tópico),
Para um plebeu não historiador, o presente tópico tem vindo a constituir-se numa lição muito interessante de sabedoria - e de elevação no trato humano -, sobre a dinâmica das instituições e da hierarquização social na Europa. O meu muito obrigado a todos, mas em especial ao confrade Anachronico!!!
Continuem assim... :)
Os meus melhores cumprimentos,
José Fernandes Rodríguez
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PARTE IV - Egalitarismo - a Escandinavia nos seculos XVII-XIX
PARTE IV ― Egalitarismo ― a Escandinavia nos seculos XVII-XIX
Caros confrades do forum,
Quero antes de tudo agradecer a todos os confrades que contribuiram com commentarios n'este passeio que ora damos pellas diversas acepções de nobreza na nossa velha Europa.
Na Parte III vimos a situação no Sacro Imperio no seculo XVIII: o phenomeno dos "16 Ahnen von Vater und Mutter", essa requisição nobiliarchica de dezasseis costados do mundo germanico. Voltarei a descrever certos aspectos da situação actual ― desde 1918 ― na Parte V.
Continuando a exploração do thema das "acepções de nobreza" e das "clivagens entre o Norte e Sul", vou agora descrever a radicalmente differente evolução na Escandinavia no mesmo seculo XVIII, para mostrar como as acepções de nobreza differiam entre si no Norte, e como mesmo no Norte existiam enormes clivagens. Passo assim a descrever a totalmente differente realidade escandinava.
Mas antes, gostaria de lembrar aos confrades que a Noruega e a Finlandia pertenceram durante seculos às outras duas. Se escrevo apenas sobre a Dinamarca e a Suecia é porque as outras não merecem quanto a este thema practicamente qualquer consideração. Não existia por exemplo uma nobreza norueguesa propriamente dicta no seculo XVIII; practicamente toda a "uradel" ou nobreza original norueguesa extinguiu-se no seculo XVI; os poucos noruegueses depois nobilitados passavam quasi sempre a residir na Dinamarca, e todos os titulos dinamarqueses excepto dous ― os condados de Laurvigen [1671] e Jarlsberg [1673] na Noruega ― dizem respeito à Dinamarca. Na Finlandia a situação era semelhante: os reis suecos conferiram alguns titulos finlandeses, mas practicamente sempre a nobres suecos; a nobreza finlandesa era baixa nobreza de serviço sem grandes posses, e os poucos nobres finlandeses com successo radicavam-se normalmente na Suecia. Para todos os effeitos a Noruega e a Finlandia podem ser consideradas meras colonias; a Dinamarca e a Suecia são os unicos paises da Escandinavia que nos interessam n'esta curta exposição.
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1400-1650
Nos reinos escandinavos da Dinamarca e Suecia considera-se como velha nobreza ou "uradel" as linhagens que eram nobres antes da Reformação [1536, Dinamarca] ou antes de 1400 [Suecia]. A nobreza que recebeu alguma carta de brasão de armas &c posteriormente é chamada de "brevadel" ― correspondente à "briefadel" germanica.
Na Dinamarca e Suecia n'este periodo até meados de Seiscentos apenas filhos de pai nobre e mãe nobre eram considerados nobres: um filho de um homem nobre e uma mulher plebeia era considerado plebeu. E uma mulher nobre perdia mesmo a sua nobreza se casasse com um plebeu. No seculo XVI e primeira metade do seguinte a nobreza escandinava era sem qualquer sombra de duvida a mais fechada e tambem a mais poderosa [no contexto nacional] da Europa occidental. A nobreza detinha o monopolio de todas as terras excepto terras da Coroa ou da Egreja [que com a Reformação passou toda à Coroa]; posse de terras era prohibida a burgueses. Todos os cargos na administração &c nos reinos eram tambem monopolio dos nobres [excepto obviamente os baixissimos cargos]. E as principaes 20-30 linhagens em ambos os reinos constituiam os "Conselhos do Reino", orgãos aristocraticos cujo poder rivalizava com o dos monarchas ― tendo os nobres mesmo chegado a depor um rei na Dinamarca no seculo XVI.
Tudo isto mudou no ultimo quartel do seculo XVII.
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ESCANDINAVIA 1660-1808
A partir de 1660 a Dinamarca foi mais longe que qualquer pais europeu no que diz respeito a pacificamente revogar os privilegios dos nobres e implantar uma hierarchia social mais egalitaria ― isto é, aberta à burguesia. N'isto foi a Dinamarca de perto imitada pella Suecia. Na Parte I vimos a singular Casa da Nobreza sueca; agora veremos a evolução na Dinamarca [-Noruega] que inspirou tambem a Suecia [-Finlandia].
Depois das para a Dinamarca desastrosas guerras contra a Suecia das decadas de 1640 e 1650, em que se perderam importantes provincias ainda hoje suecas, em 1660 a posição da até então poderosissima velha nobreza estava profundamente abalada. Isto foi aproveitado pello rei n'esse anno para ― no que pode ser considerado um autentico golpe de estado por parte do monarcha ― se proclamar rei absoluto da Dinamarca. A velha nobreza perdeu o monopolio que até então detinha das terras e dos cargos do reino, perdeu os seus importantissimos privilegios politicos, e perdeu mesmo a sua isenção fiscal. A partir de 1660 os nobres pagavam os mesmos impostos que os burgueses, e os burgueses podiam finalmente comprar terras, ser nomeados para cargos no reino, e em tudo competir com os velhos nobres.
Em 1671 o filho do rei precedente, coroado rei absoluto da Dinamarca em 1670, creou com as ordenações d'esse anno toda uma nova hierarchia de estado. As ordenações designaram 55 cargos officiaes na corte e nos reinos. Apenas estes 55 cargos em todo o reino davam direitos de precedencia. Qualquer grande senhor de terras da velha nobreza que não exercesse um d'estes 55 cargos, independentemente da antiguidade da sua linhagem, ou da sua fortuna e dominios, era agora apenas um cidadão, e teria em tudo que dar precedencia a por exemplo um qualquer secretario plebeu das diversas secretarias de Estado, Guerra, Commercio &c no ultimo lugar da lista dos 55.
Em 1679 novas ordenações dinamarquesas proclamaram que qualquer um dos 55 cargos conferia agora nobreza pessoal a qualquer burguês que o exercesse, e tambem à sua mulher e filhos na primeira geração. Todos os outros subditos do reino eram apenas cidadãos.
Em 1693 novas ordenações dinamarquesas augmentaram o numero de categorias de cargos na hierarchia de estado para 101 e dividiram os mesmos em VII classes. Mas mais importante: decidiram tambem que os cargos das classes I-III conferiam nobreza hereditaria, enquanto os das classes IV-VII conferiam a nobreza pessoal supracitada. E todos os nobres das velhas linhagens da era medieval, independentemente da sua riqueza, herdades &c, que não occupassem um cargo n'uma d'estas 101 categorias da hierarchia official eram apenas cidadãos, sem mais direitos que qualquer outro burguês.
A evolução dinamarquesa foi de perto imitada pella Suecia. Em 1672 a Suecia introduziu uma hierarchia de estado semelhante à dinamarquesa do anno anterior; e em 1680 os suecos voltaram com um anno de atraso a imitar as ordenações dinamarquesas de 1679. Ambas as vezes continuaram os reis suecos o processo iniciado em 1655 de "reduktion" ou reducção dos na Suecia enormes dominios nobres. Isto foi feito por meio de expropriação mas de forma pacifica, sendo os nobres devidamente compensados. Como consequencia d'essas reducções, poucos annos depois das ordenações suecas de 1680 os nobres tinham perdido quasi todo o seu poder politico ― tal como o perderam na Dinamarca no mesmo periodo.
Novas ordenações no seculo XVIII regularam tudo isto consoante as necessidades e os tempos nos dous reinos nordicos; em tempos de guerra por exemplo os cargos dos officiaes subiam na hierarchia de estado. Mas fundamentalmente nada importante foi alterado, a unica excepção sendo algumas decadas em meados de Setecentos na Suecia em que o principio foi elevado à segunda potencia, mas isto requeriria demorada explicação.
Vemos assim que nos novos systemas escandinavos no seculo XVIII se insistia no importante e à epocha innovador principio de que era o cargo que nobilitava o homem e não o contrario: qualquer burguês tinha accesso a qualquer cargo e correspondente grau de nobreza ― e igualmente importante: pertencer à velha nobreza nenhum privilegio especial conferia. Como se pode ver, estamos muito, mas mesmo muito longe da realidade austriaca ou allemã do seculo XVIII vista na Parte III.
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HONRA VENDE-SE
As mesmas ordenações de 1671 crearam ainda os titulos de barão e conde na Dinamarca, os primeiros titulos n'esse pais. Na Suecia existiam desde 1561, mas apenas na decada de 1640 começaram a ser conferidos em quantidade appreciavel.
Os novos titulos de barão e conde davam direito de precedencia ― lugares 14 & 15 na ordem official de 55 da Dinamarca de 1671 ― mas não eram conferidos pello monarcha: eram vendidos. Isto logo foi aproveitado pellos grandes mercadores, que assim podiam satisfazer as suas ambições sociaes. Muito poucos nobres da "uradel" dinamarquesa ou sueca compraram algum titulo: a orgulhosa velha nobreza preferiu sacrificar essa precedencia a associar-se aos burgueses nobilitados.
Todos os condados e baronias tinham lugar nas classes II ou III no protocolo de estado da Dinamarca [ver infra]. Mas não foram apenas os titulos que foram collocados à venda a partir de 1671: grande parte dos cargos no reino se podiam comprar ― não exactamente o cargo effectivo, mas o cargo titular, que dava direito de precedencia normalmente não muito inferior ao effectivo. Veja-se alguns dos cargos das VII classes na hierarchia de 1693:
Classe I ― conferia nobreza hereditaria
1: o Chanceller-Mor; 2: o Contador-Mor; 3: o Marechal-General; 4: o Almirante do Reino; 5: o Governador da Noruega; 6: Condes Conselheiros de Estado; 7: Cavalleiros da Ordem do Elephante [instituida n'esse mesmo anno] [...] 13 e ultimo: Conselheiros de Estado effectivos
Classe II ― conferia nobreza hereditaria
1: Condes com senhorios nos Reinos; 2: Condes Camareiros; 3: Cavalleiros da Ordem da Dannebrog [instituida em 1671]; 4: o Mordomo-Mor; 5: o Camareiro-Mor [...]; 7: Secretarios de Estado; [...] 9: o Estribeiro-Mor; 10: o Monteiro-Mor; 11: o Mestre de Cerimonias; 12: o Mordomo-Mor da Rainha; 13: o Camareiro-Mor do Principe Herdeiro; 14: "os Nossos outros Condes sem algum Cargo"
Classe III ―conferia nobreza hereditaria
1: Barões com senhorios nos Reinos; 2: Barões [...]
Classe IV ― conferia nobreza pessoal e aos filhos
1: Brigadeiros & Vice-Almirantes; 2: o Bispo da Zelandia [Copenhague, Dinamarca] 3: o Bispo de Christiania [Oslo, Noruega]; 4: o Confessor do Rei; 5: Conselheiros de Estado titulares; 6: Desembargadores do Reino effectivos [os desembargadores titulares tinham lugar na Classe V]; [...] 9: o Presidente da Camara de Copenhague; 10: o Chefe da Policia; [...] 12: o Reitor da Universidade; 13 e ultimo: outros Bispos
&c
Como assim se pode ver, comprar um titulo de conde dava automaticamente lugar na Classe II, e conferia assim nobreza hereditaria. Comprar um titulo de barão dava lugar na Classe III, que tambem conferia nobreza hereditaria. No caso da Dinamarca nenhum outro cargo nas Classes I-III que conferiam nobreza hereditaria se podia comprar alem dos de condes e barões. Mas a venalidade era ainda assim universal; logo na Classe IV vemos por exemplo o cargo de conselheiro de estado titular, que qualquer burguês sufficientemente abastado podia comprar, e que conferia nobreza pessoal e aos filhos e direito de precedencia a practicamente qualquer outro homem nos reinos salvo essa vintena de cargos unicos nas Classes I-III e todos os condes e barões. E não raramente algum dos filhos d'esse rico burguês conselheiro de estado titular viria a servir a Coroa como official ou lettrado e logo ser nobilitado.
Todas estas questões de precedencia eram importantes na sociedade Setecentista. Practicamente todos os meses os monarchas convidavam os nobres ― na nova acepção ― do reino: festas, bailes, estreias na opera, caçadas n'um palacio real na provincia, casamentos e baptizados da Casa Real, &c. E o methodo de selecção era facil: apenas os "nobres" das Classes por exemplo I-VI seriam convidados para determinado baile no palacio real, apenas os "nobres" das Classes I-IV seriam convidados para determinado baptismo, &c. E uma vez no palacio real apenas os "nobres" da Classe I se sentariam à mesa com o rei, os da Classe II estariam mais afastados das majestades, &c. Era este um dos mais importantes significados da hierarchia de estado: não fazer parte d'ella era estar de certa forma excluido dos circulos do poder. E como foi dicto, a partir do ultimo quartel do seculo XVII qualquer nobre das grandes velhas linhagens que não fosse nomeado ou comprasse um cargo ou titulo da hierarchia official, e apenas cuidasse os seus vastos dominios na provincia, era apenas um cidadão como qualquer outro e não faria parte da nobreza da corte. Teria assim muito mais difficil accesso aos monarchas que um qualquer grande mercador conselheiro de estado titular na Classe IV ou um grande financeiro conde na Classe II que todos os meses privava com sua majestade absoluta e demais membros das Classes superiores. E teria assim mais difficuldade em conseguir cargos para seus filhos &c e assim a longo prazo assegurar a posição da linhagem. O resultado d'este systema era uma enorme procura pellos cargos da Coroa ― a unica fonte de poder e prestigio.
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Convem lembrar que systemas semelhantes existiam em muitos outros reinos ― todos os principaes Estados do Imperio tinham assim a sua hierarchia ―, mas em todos estes outros systemas certos cargos e privilegios eram sempre reserva dos nobres, e em todas as outras hierachias ser-se nobre era sufficiente para occupar um lugar na hierarchia, dependendo do grau de nobreza. Assim podemos ver o character singular do systema dinamarquês.
Este systema foi imitado na Suecia, e assim a partir dos ultimos annos do seculo XVII as nobrezas dinamarquesa e sueca confundem-se de certo modo totalmente com a burguesia, pois qualquer burguês podia em principio simplesmente comprar as honras, titulos e cargos que desejava.
No entanto, um factor é digno de menção: exceptuando os mais baixos cargos titulares, os altos cargos titulares e especialmente os titulos nobiliarchicos nas Classes I-III que conferiam nobreza hereditaria eram bastante caros, o que favorecia principalmente a alta burguesia. A media burguesia poderia normalmente ascender apenas à nobreza titular pessoal das Classes IV-VII. E como vimos na parte I apenas se considera terem existido cerca de 725 familias nobres na Dinamarca e 2300 na Suecia ao longo dos seculos . E apenas cerca de 550 d'essas três mil linhagens são condes e barões posteriores a 1660. Compare-se isto aos milhares e milhares de fidalgos da Casa Real nos seculos XVIII e XIX. Os reis escandinavos prostituiram a nobreza, mas ao contrario de Portugal na segunda metade do seculo XIX não a venderam barato.
Compare-se assim a practica iberica com
1) a rigorosa practica aristocratica germanica que vimos na Parte III, onde apenas os nobres de velhas linhagens de "16 Ahnen" tinham accesso a todos os principaes cargos no[s] Imperio[s]. Este era um systema totalmente aristocratico, que apenas dava importancia à linhagistica e à honra nobre.
2) os novos principios burgueses-egalitarios escandinavos, onde a venalidade dos cargos e titulos foi pura e simplesmente legalizada e systematizada, mas segundo os quaes se insistia acima de tudo nos inportantissimos principios de que a) era o cargo que nobilitava o homem, e não o contrario; e como consequencia d'isto b) era o serviço à Coroa que nobilitava: para alem dos condes e barões, quem não servia a Coroa n'um alto cargo não fazia parte da hierarchia de estado e era um simples cidadão; a subordinação do nobre à Coroa ― hoje diriamos Estado ― era total. A honra nobre perdeu toda a sua importancia.
Bem se pode ver que a "clivagem entre Norte e Sul" não é só uma.
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"BRIEFADEL" AUSTRIACA vs "BREVADEL" NORDICA
Voltando agora a comparar o caso da Austria que vimos na Parte III com o caso de Portugal, e apenas para dar um exemplo, muitos dos altos cargos que em Portugal frequentemente vemos occupados por lettrados ou pequenos nobres, como o de embaixador, seriam na Austria sempre occupados por nobres das velhas casas tituladas. Um excellente exemplo d'isto é o futuro ministro Sebastião José de Carvalho e Mello, de baixa nobreza e embaixador em Londres e Vienna. O correspondente exemplo austriaco, o famoso Metternich, mais tarde chanceller do Imperio durante decadas, começou tambem a carreira como embaixador, em Dresden e Berlim; mas Metternich era filho de um conde allemão, que por sua vez fora justamente embaixador do principe eleitor allemão de Trier em Vienna. O embaixador da Austria em Londres ao tempo de Carvalho e Mello, Franz Xaver Wolfgang Graf von Orsini und Rosenberg, era igualmente filho de um conde do Imperio. E tambem o nosso embaixador em Roma à epocha, o padre Manuel Pereira de Sampaio, não pertencia à principal nobreza do reino ― enquanto o embaixador austriaco, o bispo Joseph Maria Graf von Thun und Hohenstein, era tambem filho de um conde do Imperio. Os exemplos são immensos: practicamente qualquer cargo importante do Imperio era exercido por um titular ou filho ou sobrinho &c de um titular.
Comparando agora a Austria com o exemplo escandinavo podemos ver como as acepções de nobreza no Norte eram differentes entre si no seculo XVIII. A categoria de "briefadel" germanica e austriaca que o confrade Cercal menciona contrasta enormemente com a correspondente "brevadel" nordica: apenas a etymologia é a mesma, pois enquanto a "brevadel" nordica do seculo XVIII podia obter ou comprar quasi qualquer cargo ou dignidade e assim ascender a quasi qualquer posição na corte e na hierarchia nobiliarchica, a "briefadel" allemã ou austriaca no seculo XVIII era baixa nobreza apenas.
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IMMIGRANTES ALLEMÃES NA ESCANDINAVIA
Pellas razões que acabo de descrever podemos a partir do ultimo quartel do seculo XVII observar um phenomeno interessante: muitos nobres ou filhos segundos da velha nobreza allemã, principalmente de Holstein, de Mecklenburg e da Pommerania [e da Livonia no caso sueco], emigraram para a Dinamarca e a Suecia, exactamente por n'esses reinos poderem comprar as posições de poder e prestigio que não poderiam alcançar nos seus principados ou ducados de origem. Linhagens como os Bernstorff, os Moltke, os Reventlow, os Brockdorff, assim como tantas outras que nos seculos XVIII e XIX ascenderam aos mais altos cargos principalmente na Dinamarca, descendem todas de nobres allemães que escolheram emigrar para poder simplesmente comprar terras, cargos e titulos. Um conhecido caso sueco da segunda metade do seculo XVIII é o conde Hans Axel von Fersen, o favorito de Maria Antonieta, cuja familia condal sueca era de origem allemã da Livonia.
E ao contrario da velha nobreza escandinava estes nobres allemães não viam qualquer razão que os impedisse de comprar condados e baronias nos novos reinos ― precisamente uma das razões porque frequentemente emigravam. Assim temos a paradoxal situação hoje na Escandinavia de que as familias tituladas na sua grande maioria ou são de origem burguesa nobilitada principalmente no ultimo quartel do seculo XVII e na primeira metade do seculo XVIII, ou são de origem medieval nobre allemã; a "uradel" ou velha nobreza nordica, principalmente na Dinamarca, é hoje na sua maioria ainda, tal como o era no seu seculo de ouro de Quinhentos, não titulada.
Os systemas hierarchicos nordicos differenciavam como vimos entre cargos effectivos e cargos titulares. Ainda hoje na Dinamarca differenciam entre os condados & baronias que até meados do seculo XIX incluiam senhorios e os condados meramente titulares. Nada d'isto vemos obviamente nos principados allemães ou nos varios Imperios nos seculos XVIII-XIX, onde "16 Ahnen" simplesmente não se podiam comprar.
Por fim é importante referir que as largas dezenas de linhagens allemãs immigradas na Escandinavia contribuiram para manter um certo rigor linhagistico nos reinos nordicos, pois continuaram, grosso modo, a applicar o principio germanico de "16 Ahnen" e a casar-se, durante o seculo XVIII, apenas com a velha "uradel" nordica e não com a burguesia nobilitada, sendo n'isso imitadas durante o seculo XVIII por essa mesma velha nobreza escandinava.
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NOBRES & BURGUESES ― CASAMENTOS
Apenas no ultimo quartel do seculo XVIII começaram as casas da velha nobreza escandinava a casar os seus filhos e filhas com essa nova nobreza de origens burguesas ― precisamente quando esta contava já três ou quatro gerações e assim pello menos pais, avós e bisavós nobres. Isto, em termos europeus e se exceptuarmos a Allemanha e a Austria, é relativamente tardio.
Na França por exemplo vemos varios successores de casas ducaes casar com filhas de grandes financeiros ao longo de todo o seculo XVIII. No reino da França, onde a prova de nobreza era apenas patrilinear, o indice de casamentos endogamicos entre os "pairs de France" n'esse seculo das Luzes era de menos de metade. Na Inglaterra entre a "Peerage" esse indice eram tambem de cerca de metade, pouco superior ao caso da França. Na Austria, dadas as exigencias dos "16 Ahnen", o indice era obviamente de practicamente cem por cento.
Curiosamente Portugal era talvez o unico pais europeu fora da esphera germanico-austriaca onde a alta nobreza ― os titulares com Grandeza ― no seculo XVIII practicava uma homogamia social mais estricta que nos reinos nordicos. Em Portugal o primeiro casamento de um titular com Grandeza com uma mulher de origem burguesa deu-se em 1814, com o casamento do IV conde da Cunha com a filha do I barão de Quintella.
Mas existe uma grande differença entre os casamentos dos nobres portugueses com mulheres de origens burguesas na primeira metade do seculo XIX e os equivalentes escandinavos: as casas tituladas portuguesas estavam n'essa altura fortemente endividadas. A velha nobreza escandinava não. Nunca examinei as causas d'isto [o relativo não-endividamento escandinavo]; não sei se terá sido devido à famosa "Ethica Protestante e o Espirito Capitalista" de Max Weber [1920; Weber era Catholico; recommendo vivamente esta obra a todos os confrades: como tantos outros considero-a a principal obra academica do seculo XX no campo das Lettras]. Apenas sei que assim era: os portugueses casavam com as novas ricas porque precisavam do dinheiro; os escandinavos porque as novas ricas eram effectivamente novas nobres. É esta enorme e brutal differença que veremos em mais pormenor na Parte VI, que dará uma fantastica perspectiva das differenças quanto às acepções modernas de nobreza no Norte e Sul.
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O TRIUMPHO DO ILLUMINISMO
Voltemos às ordenações. Durante todo o seculo XVIII pouco se passou na Escandinavia: manteve-se o principio de que era o cargo que nobilitava o homem, e de que todos os cargos estavam abertos a qualquer membro da burguesia. O passo seguinte apenas veio no inicio do seculo XIX:
1808/1809 ― As ordenações dinamarquesas de 1808 aboliram toda a nobreza hereditaria dos cargos e decidiram que apenas os das classes I-III [das agora IX classes e 99 categorias] conferiam nobreza pessoal. Os suecos mais uma vez seguiram o exemplo de seus "hermanos" dinamarqueses com um anno de atraso com as ordenações de 1809, mas foram no entanto muito mais longe: aboliram o absolutismo e com elle practicamente toda a hierarchia official conhecida. Varias leis suecas de 1868-1885 confirmaram a hierarchia ainda em vigor, com apenas IV classes e 26 categorias.
Nas ordenações dinamarquesas e suecas de 1808/1809 vemos algo phenomenal, que bem mostra como os tempos e a "acepção de nobreza" mudaram com o Illuminismo na Escandinavia: o que confere prestigio já não é ser-se nobre: é ser-se um leal servidor do estado ― é fundamentalmente ser-se um competente e fiel burocrata, uma engrenagem da grande machina do estado.
Assim, a partir de 1808/1809 occupar um cargo em qualquer das categorias IV-IX é sufficientemente prestigiante para que seja sequer necessario conferir nobreza pessoal a quem o exerce. E os Cargos das Classes I-III apenas conferem nobreza pessoal, não hereditaria. A partir de 1808/1809 o rythmo de nobilitações, como vimos na Parte I, baixa tambem abruptamente: ao contrario do que podemos observar em Portugal no seculo XIX, o numero de novos titulos na Dinamarca e Suecia depois de 1843 resume-se a seis baronias na Suecia. Vemos assim como já na segunda metade do seculo XIX titulos nobiliarchicos são algo do passado nos reinos nordicos. N'estas ordenações de 1808/1809 podemos assim observar o embryão do estado burocratico de Max Weber ― o estado moderno em que todos vivemos hoje. Apenas no Norte, ao contrario do que se passou entre nós, este foi introduzido na primeira metade do seculo XIX de uma forma pacifica e ordenada.
O proprio facto de o absolutismo ter sido abolido na Escandinavia no seculo XIX não após revoluções e guerras civis mas sim de forma consensual e ordenada é assim extraordinariamente revelador da importancia e consequencias do principio nobiliarchico escandinavo do seculo XVIII e o emphase que este dava ao egalitarismo e ao servir fielmente a Coroa em vez de realçar a importancia da linhagem como no caso do Sacro Impreio dos "16 Ahnen".
E aqui fica uma pergunta aos caros confrades do forum: qual será a relação entre os nossos "dynamicos" costumes nobiliarchicos e linhagisticos, que não realçavam nem o dever perante o Estado nem sequer a linhagem, mas sim apenas o individuo ― ao dar-lhe, comparando com as practicas do Norte, quasi livre escolha de armas e appellidos ―, e o chaos do Portugal do seculo XIX, ou do Portugal actual? Recommendo aqui a leitura da obra magna de Cervantes, que viu e descreveu melhor que ninguem a realidade iberica, antes de responder à pergunta.
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RESUMO
Toda esta historia de precedencias nos diversos reinos europeus [para o caso austriaco a "Hofrangordnung" ou ordem de precedencia da corte imperial] é curiosa e interessantissima, e pellas fluctuações da cotação de um general ou de um reitor da universidade &c ao longo dos annos se aprende muito. É assim interessantissimo comparar esta evolução escandinava ― logo com as ordenações de 1671 & 1679, autenticos monumentos à ascensão da burguesia e ao egalitarismo moderno ― com a evolução nos principados allemães e no[s] Imperio[s], cujas hierarchias de estado eram iguaes monumentos ao espirito aristocratico.
Pellos exemplos escandinavos citados aqui e uma comparação com o descripto na Parte III se pode ver como a mentalidade escandinava differe da mentalidade germanica, e como ambas differem da mentalidade sul-europeia. A partir de 1808/1809, com a quebra de novas nobilitações, a acepção de nobreza na Dinamarca e Suecia torna-se cada vez mais restricta, até incluir practicamente apenas os nobres titulados dos seculos XVII-XVIII que veremos na Parte VI. Tudo o resto são na practica plebeus, sem que isso os diminua.
Na Parte V veremos as practicas anthroponymicas na Allemanha e na Austria desde a queda dos Imperios depois da primeira Grande Guerra até aos dias de hoje, cada uma d'ellas magnificos exemplos que illustram bem certos aspectos da real situação da nobreza europeia nos nosso dias, e tambem a fundamental acepção da nobreza hoje no Norte da Europa.
Mas antes de prosseguir com a Parte V, gostaria de pedir a opinião dos confrades quanto ao que aqui ficou exposto. E se algumas duvidas de interpretação houver, estou à disposição dos confrades para as esclarecer.
Mais uma vez cumprimentos a todos,
Anachronico
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RE: PARTE IV - Egalitarismo - a Escandinavia nos seculos XVII-XIX
Caro confrade Anachronico,
A sua narrativa continua luminosa e escorreita.
O sistema escandinavo parece francamente progressista e racional; quase democrático o suficiente para merecer aprovação de qualquer discípulo de John Rawls. O germânico, pelo contrário, parece criar já não um estamento aristocrático, mas uma casta tão nepótica, endogâmica e rentista que repugna ao pensamento político moderno. Já o sistema ibérico parece na verdade anárquico.
Na esteira das reflexões de Max Weber, também crê que a religião contribuiu para gerar estas diferentes estruturas sociais?
Ainda a propósito de Weber, lembro-me constantemente daquele seu discurso "A Política como Vocação" quando leio sobre a nobreza europeia. Torne-se hereditário um "aparelho político" tal como definido por aquele autor, conceda-se-lhe rendas de monopólios comerciais e fundiários, justifique-se tal estrutura com um discurso legitimador inspirado em Aristóteles e Ramon Llull, dê-se-lhe uns ademanes de cortesia sacados de Baldessare Castiglione — e eis recriada uma nobreza.
Cordialmente,
Francisco Cercal
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RE: PARTE III - As armas austriacas - a Austria no seculo XVIII
Caro confrade Vianna,
Muito obrigado pelo ilustrativo exemplo. Integrar-se-ia naquilo a que a tradição nobiliária francesa chama de "noblesse inachevée"? O nosso rei D. Carlos chegou a confirmar as armas, embora sem o uso da coroa condal?
Queira aceitar os meus melhores cumprimentos,
Francisco Cercal
PS- Tive a ventura de ser aluno de uma parente sua — a professora Amarilis de Varennes — quando estudei no Instituto Superior de Agronomia, há vinte anos.
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RE: PARTE III - As armas austriacas - a Austria no seculo XVIII
Caro confrade Francisco Cercal,
A nobreza dos Varennes, senhores de Bayeux, remonta a cerca de 1300. Vidames, pequena nobreza, foram cruzados e militares.
Mais tarde, no século XVI o Rei quis trocar o senhorio de Bayeux, que transformaria em coutada de caça, pelo condado de Varennes en Allier, junto a Montargis. O condado permitia o uso da coroa nas armas, e respeitava a respectiva hierarquia feudal: dois viscondados e três baronatos, que teriam de pagar tributo ao senhor do Condado.
Os Varennes passaram de noblesse d'epée a noblesse de robe, sendo conselheiros do Rei, cargo nobilitante e passível de ser herdado se fosse desempenhado 30 anos seguidos, membros do Parlamento e juizes do tribunal de Montargis. Todos estes cargos eram comprados, sendo o de membro do Parlamento considerado caríssimo. Os Varennes, com a nobreza militar medieval, estavam dispensados do cumprimento de prazos, tendo todavia de comprar os cargos. Mais tarde, um foi ministro de Luis XVI, mas, tendo escrito ao Rei a queixar-se dos parlamentares da época, foi guilhotinado. Vêm no Genea.
Penso que noblesse inachevée é precisamente o exercício de cargos que não são desempenhados durante o período exigido. São nobres enquanto o desempenham.
O Rei D. Carlos queria confirmar as armas, substituíndo a coroa por um elmo, para permitir que a filha Camille de Varennes, casada com um português pudesse usar as armas, mas não seria aceite no Ministério da Justiça em França e Adrien de Varennes perderia o direito ao uso das armas de família e, apesar de França ser uma república, deixaria de ser nobre.
O anel de armas, pratas e loiça armoriada são usados pelos vários membros da família, e o nome.
Essa minha prima, prima co-irmã da minha Mãe, é filha do segundo casamento do meu Tio-avô Pedro de Varennes e Mendonça, também professor do ISA e penso que, apesar da carreira deste ter sido brilhante, a filha segue-lhe os passos.
Agradeço a sua simpática mensagem e aceite os meus melhores cumprimentos
José Berquó de Menezes (Vianna)
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RE: PARTE III - As armas austriacas - a Austria no seculo XVIII
Em tempo,
Mencionei Bayeux quando deveria ter escrito Veaujan.
Vianna
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RE: PARTE III - As armas austriacas - a Austria no seculo XVIII
Caro confrade Vianna,
Mais uma vez obrigado pelo esclarecimento. De facto equivoquei-me com o conceito de "noblesse inachevée": pensava que abrangia aqueles títulos concedidos no final do Antigo Regime que não chegaram a ser assumidos por a Revolução Francesa ter entretanto impedido a efectiva "tomada de posse". Vejo agora que não é o caso.
Os seus parentes professores no ISA gozam de uma excelente e bem merecida reputação académica: estão à altura dos seus maiores.
Com os melhores cumprimentos,
Francisco Cercal
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RE: PARTE III - APPLAUSOS!!!
Caro confrade Anachronico,
Obrigado pelas suas palavras.
Não necessita de se desculpar por não ter respondido anteriormente, pelo contrário, eu compreendi desde o início que as suas respostas aos restantes confrades englobavam todos os restantes comentários deixados por todos.
Aguardarei com entusiasmo as partes VI, VII, (e, esperemos mais!) , da sua brilhante exposição.
Muito obrigado por enaltecer este fórum com as suas brilhantes exposições.
Com os meus melhores cumprimentos,
Pedro
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RE: PARTE III - novas respostas
“e provavelmente como a maioria dos portugueses possuíam uma gota de mouro, uma gota de judeu”
Sr. Campesino! Que injustiça, induzir em erro, omitindo os ciganos, os negros, os goeses, entre outros, incluindo os autóctones, como parece, do seu país.
Só em África os portugueses estiveram 500 anos; tendo construído, naquela época, autênticos “países” avançados.
Quanto aos os ciganos, esses sempre estiveram e ainda estão bem presentes e de boa saúde em Portugal.
Cumprimentos do
Quím
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RE: PARTE III - o condado de Sponheim
Retificando minha mensagem, onde está "lei Sãlica" leia-se "lei Sálica" ou "lei Salica", e onde está "a armas parecem" leia-se "a armas parece".
Cumprimentos,
Herculano L. E. Neto
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RE: Acepções de nobreza - a clivagem entre Norte e Sul
Caro Confrade Anachronico,
Queria felicitá-lo pela escolha de um tópico tão interessante.E também pela partilha do muito que sabe sobre a organização das nobrezas europeias. Ao contrário do que afirma logo no início, não acho que escreva demasiado, embora escreva bastante. Nunca é excessivo aquilo que se possa ler com aproveitamento e prazer.
Há muito que se sente a falta de uma estudo comparativo entre a nobreza portuguesa e as congéneres estrangeiras. Apesar das evidentes particularidades nacionais e de clivagens culturais mais amplas (como aquelas que aqui estabelece entre o Norte e o Sul), a nobreza é um fenómeno surpreendentemente homogéneo na história europeia. E não aludo apenas aos aspectos mais gerais, de natureza moral, psicológica ou sociológica (ética de sacrificio ou de serviço, reverência pela linhagem, primazia dada à sucessão patrilinear, etc, etc). Mesmo ao nível das subdivisões e categorias concretas, bem como dos processos e formas de admissão, há espantosas analogias entre as nobrezas da Península Ibérica e da Rússia ou entre as da Polónia e da Sicília. Se tivermos isto em conta, perceberemos facilmente que as nossas Cartas de Brazão de Armas de Sucessão foram o equivalente nacional das Ejecutórias de Nobleza espanholas e das Maintenues de Noblesse Francesas, que os Fidalgos da Casa Real corresponderam à BriefAdel germânica e que os Titulares "em vida" do século XIX foram a versão portuguesa dos famosos "Titres Viagiers" Napoleónicos. Ou seja, a Nobreza também faz parte do património comum da Civilização Europeia.
Aquilo que exista de comum não apaga todavia consideráveis diferenças regionais. Como o confrade Anachrónico tem mostrado, privilegiando a clivagem Norte-Sul. Outras clivagens interessantes poderiam ser consideradas. Por exemplo,a clivagem entre os países com nobrezas numerosas (muito heterogéneas e com segmentos desclassificados - Hungria,Espanha,Polónia) e os países
com nobrezas restritas (mais homogéneas, afluentes e apresentando-se como verdadeiras elites de poder - Suécia, Holanda, Bélgica).
E Portugal,onde entraria nesta classificação?
Mas enfim, a linha seguida pelo meu caro confrade está longe de esgotada. Limito-me por isso a segui-lo, calando-me e aprendendo.
Os meus cumprimentos,
Nuno Côrte-Real
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RE: PARTE III - novas respostas a mensagem que abandalha o tópico!
http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=309224#lista
"Quanto aos os ciganos, esses sempre estiveram e ainda estão bem presentes e de boa saúde em Portugal."
Claro que sim!
Integram as principais redes de pequena distribuição de droga, de receptação e contrafacção de produtos vendáveis em mercados regulares, actividades que pouco sofreram com a actual crise.
Fazem ligações directas aos postes e recolhem a electricidade que usam sem preocupações de agravamento de preços - aperfeiçoamentos da facturação como a EDP tem a lata de dizer - nem quaisquer outras pois os funcionários já nada fazem dizem ou denunciam e a empresa limita-se a reflectir esses "custos" no preço que todos pagamos.
Obtiveram dos iluminados magistrados do ministério público - formados desde 1975 num Centro de Estudos Judiciários dominado por ideologias de extrema-esquerda em que a propriedade privada é menorizada, para dizer o mínimo - o estatuto de inviolabilidade domiciliária para os seus acampamentos e até para as carroças em que se deslocam quando migram internamente.
Nenhum - que eu saiba - pôs os pés na guerra do Ultramar, pois as próprias autoridades militares preferiam ensinar-lhes o estatuto de objetores de consciência a terem de com eles lidar nas fileiras e, suponho que como prémio, beneficiam hoje na prática de preferência nos concursos de atribuição de casas municipais.
Nenhum - que eu saiba - prosseguiu por tempo sensível qualquer actividade económica com descontos regulares para a Segurança Social e, suponho que como prémio, beneficiam do Rendimento Social de Inserção, recebendo mais do que um assalariado agrícola que trabalhou 40 e mais anos, os primeiros ainda de sol a sol.
Finalmente, os "iluminados" que nos governam e subscreveram Schengen e gratificaram-nos com os "primos" romenos que até fazem com que pareçam santos.
Mas está errado quando a deles descendermos. Sempre foram e continuam uma sociedade fechada e casamentos mistos constituem uma raridade ainda hoje. Nesse aspecto não destoam dos arquiduques de Áustria
A. Luciano
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Respostas
Caros Senhores,
Obrigado pelas mensagens.
Algumas respostas:
• Quím – Desculpe a omissão, concordo, todos estes grupos étnicos foram importantes na formação portuguesa, não só em Portugal, mas em todo o território do antigo ultramar. Só tenho cuidado, pois cada historia familiar e’ um caso muito específico, porem, na alma certamente carregamos todos. A cultura portuguesa e suas diversas variações, como a brasileira, angolana, moçambicana, açoriana e tantas outras são um testamento vivo desta riqueza cultural.
• José de Azevedo Coutinho – Obrigado, admiro imensamente a cultura portuguesa, junto com a italiana forma a base de minhas raízes. Creio que minha pátria e’ o mundo, nasci em São Paulo, já morei em diversos países, a minha língua materna e’ o português, porem, uso diariamente o Inglês. Uma coisa que sempre me chocou em nossa cultura e’ a quantidade de pessoas que criticam a história portuguesa, e’ sempre a mesma coisa, dizem: o Brasil e’ corrupto devido as nossas origens portuguesas, ou em Portugal: viemos de uma cultura decadente, anárquica, ultraconservadora e católica, por este motivo não temos um país desenvolvido como, por exemplo, a Áustria. O que observei morando e estudando em países diferentes foi que o que falta em nossa cultura e’ patriotismo, no exterior não encontro este auto-criticismo extremo, sempre tentando colocar tudo e todos para baixo. Em Portugal e no Brasil muitos acham que ser patriota e’ colocar uma camisa da seleção de futebol e sair gritando pela rua. Patriotismo vai muito além, patriotismo e’ ter amor a sua cultura e a seus compatriotas, não roubar, não corromper e nem ser corrompido, ser honesto nas grandes e pequenas coisas, e’ pensar na comunidade e menos em si próprio. Todos os povos do planeta tiveram dificuldades imensas em sua historia, o que separa os vencedores dos perdedores e’ justamente a maneira como encaram o seu passado e presente, uma coisa lhe garanto, nunca conheci uma cultura bem sucedida que fique culpando os antepassados por tudo de errado.
• Pedro – Muito obrigado, peço desculpas se fui um tanto duro nos meu comentários. Não acho que excesso de patriotismo seja o problema, seria irônico uma pessoa com origem em mais de uma nação ser tão radical assim, não acha? Sem querer ser combativo, tenho que lhe dizer, eu ainda acredito que esta errado a tradução do termo fidalgo, eu procurei novamente em fontes inglesas e francesas, sempre achei referência a condição de nobre dos fidalgos portugueses. O esquire (escudeiro na tradução literal) pode ou não pode ser nobre, depende muito do caso e não se aplica ao termo diretamente.
• Cercal – Eu concordo com o Vianna. Se precisar de um artista heráldico, este e’ o melhor que já encontrei: http://www.jamiesongallery.com/coatsofarms1.html
Meus cumprimentos a todos,
Campesino
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RE: PARTE III - Resposta à carraça tolinha deste sítio.
Atão o cabalheiro é o campesino.
- A sociedade cigana é tão fechada como a hebraica! -
"pois as próprias autoridades militares preferiam ensinar-lhes o estatuto de objetores de consciência a terem de com eles lidar nas fileiras ".
Este arremesso é gratuíto e grave.
Só alguém que sabe que é totalmente destituido de imputatibilidade se atreveria a escrever isto e outras coisas.
"beneficiam hoje na prática de preferência nos concursos de atribuição de casas municipais"
Talvez seja pelo facto dessas casas estarem apetrechadas de estábulos e anexos específicos para os ciganos guardarem os equídeos e as suas carroças.
Gostava de habitar nas extensões das casas dos ciganos?
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RE: PARTE III - Resposta à carraça tolinha deste sítio.
Caro Jdas
Manífica definição!Clap!Clap!Clap!
"Resposta à carraça tolinha deste sítio."
Um must
Cpts
Àlvaro
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RE: Respostas
Somewhere along the railway line which links Coimbra and Porto my husband's grand uncle was leaning out of the window either enjoying the view or having a quiet smoke when he lost his ring with the family "brazao" it would be interesting to know if it were found or whether it is still in the undergrowth along the track. I like to imagine that there is a family somewhere in that region that was suddenly ennobled, without having the bother of building a family tree.
(Please excuse my British sense of humour).
Menarue
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RE: Respostas
Nudge, Nudge, wink wink, say no more! ;-)
I once lost an absolutely beautiful fountain pen much the same way; nasty treacherous things, them fountain pens, they suddently decide to go wandering about all by themselves and sneak out of your pockets when you least expect it! And one of my great-grandparents lost his ring while out for a swim. All these pretty little trinkets of ours... I do hope someone somewhere is writing a moving love letter with my fountain pen - with your husband's grand uncle's ring on his finger! ;-)
Best regards,
Anachronico
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RE: Respostas
Your wish is my wish Anachronico. I hope he is writing copperplate and that the ring is on the correct finger.
Regards,
Menarue
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RE: Respostas
Menarue, Anachronico e todos os meus caros Confrades,
Um amigo meu, de quem fui padrinho de casamento e que já não está entre nós, perdeu a aliança de casamento numa das praias da Costa da Caparica. Apesar da mulher dele e amigos lhe dizerem que desistisse de a procurar, não ligou ao que lhe dissemos e passou a tarde à beira-mar, passeando de um lado para o outro de olhos fixos na areia, dizendo uma ou outra vez um responso a Santo António, o que foi acertado, pois, quando a maré desceu, encontrou-a. Fé, acaso, sorte ou azar? Encontrou-a.
No que se refere ao dedo certo e posição do escudo, depende dos países.
Os meus melhores cumprimentos
Vianna
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RE: Respostas
Caro Confrade Anachronico,
Gostaria de ouvir a sua opinião acerca da realeza e nobreza polacas.
Há uns anos num site criado por um príncipe de Hohenzollern e Geroge Lucki, Nobility Network, foi abordado com interesse de todos a a eleição dos reis da Polónia e a sucessão nobiliárquica sem primogenitura. Penso ser o único país europeu em que tal sistema vigorou.
Com os meus melhores cumprimentos
Vianna
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RE: Respostas
Vianna, it was Portuguese- so little finger of the left hand, is that right?
A moot question as this particular ring has "Gone with the Wind".
Thanks and regards,
Menarue
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RE: Respostas
Menarue,
Hoje em dia, por influência inglesa, sim, mas até ao século XX era usado no dedo da aliança de casamento... mesmo por quem não fosse casado...
Se fosse encontrado e usado indevidamente, em qualquer dedo.
Com os meus melhores cumprimentos
Vianna
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RE: Respostas
You made me laugh. Vianna. Thanks we need to laugh sometimes.
Regards,
Menarue
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RE: Esclarecimentos - patriotismo, religião, e auto-critica
Caro confrade Campesino,
Antes de mais nada obrigado pella passagem de Casanova que cita. Conhecia-a, mas sinceramente tinha-me esquecido d'ella; muito obrigado por me lembrar. Não deixa de ser pertinente, apesar de sempre se poder dizer que estupidos são os que compram e espertos os que vendem. Mas não tenho alma de mercador, e por isso estou totalmente de accordo com o que Casanova ― e o confrade Campesino ― quis dizer.
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Quero ainda deixar bem claro que como português tenho um grande orgulho pello meu pequeno pais. E tenho como não podia deixar de ser um especial ― immenso ― orgulho pellos Descobrimentos. A nossa nação deu de facto novos mundos ao Mundo. É a nossa pagina na Historia, e é uma pagina bellisima. É, por exemplo, o que faz eu poder conhecer um cabo-verdiano em Estocolmo ou um angolano em Berlim e rir às gargalhadas após poucos minutos. É tambem o que faz o confrade Campesino, agora, poder ler o que lhe escrevo. E é, mais fundamentalmente, o que fez o Mundo moderno. Não sei bem como interpretar certas palavras suas. Assim, digo apenas o seguinte: que ninguem ― mas ninguem ― tenha a ousadia de suggerir que eu quero denegrir o meu pais.
Mas tambem não quero denegrir outros. Eu accredito na bella tradição de "l'Histoire pour l'Histoire". Vejo as Cruzadas como o phenomeno fantastico que foram ― por bem e por mal. Vejo a Inquisição como o phenomeno extraordinario que foi ― por bem e por mal. Apenas muito raramente condeno absolutamente ― sendo o nazismo o exemplo mais obvio. Mas aqui falei até agora principalmente dos seculos XVI-XIX. Assim, onde o confrade parece ver germanicos "tramando matança e destruição no leste da Europa", e porque falamos d'esses seculos, eu vejo apenas uma guerra defensiva contra um Imperio Ottomano extraordinariamente aggressivo e expansionista. A culpa d'isto não era bem dos turcos ― esta era a propria dynamica do seu imperio: expandir ou estagnar ― nem obviamente dos austriacos. Tambem nós portugueses chacinamos os castelhanos em Aljubarrota em 1385, e novamente em Montes Claros em 1665. Teremos nós tambem tramado matança e destruição?
Mas a verdade é que as guerras contra os turcos são uma longa lista de actos de bravura e nobreza, misturados com actos de barbara crueldade, por parte dos nobres austriacos e hungaros. Sobre o nosso povo escreveu o Poeta que se mais mundo houvera, lá chegara. Mas da mesma forma poderia um austriaco, ou um hungaro, com toda a justiça dizer que se menos antepassados seus tivessem morrido nas guerras conta os turcos, menos mundo Christão haveria hoje na nossa velha Europa. Mais: os Descobrimentos não foram bem actos de nobreza. Por vezes foram actos de bravura, sem duvida, mas não propriamente nobreza. Nobreza é saber perdoar, é saber ser justo, é saber ser digno, é saber sacrificar-se; é outra cousa totalmente differente. Poderia passar as proximas semanas a dar-lhe exemplos da absoluta inepcia e mesmo estupidez dos nossos fidalgos durante as guerras contra os hollandeses no Oriente durante toda a primeira metade do seculo XVII. E tambem alguns exemplos de actos de indesmentivel e verdadeira nobreza. E exactamente o mesmo, mutatis mutandis, poderia fazer quanto aos nobres austriacos. Admitto que a dimensão quasi global dos feitos dos portugueses é verdadeiramente impressionante. Mas isso não nos pode fazer menosprezar a historia mais limitada geographicamente dos austriacos. Porque não é uma questão de geographia, por muito que eu como português me orgulhe d'essa mesma dimensão global. Assim, quando o confrade diz que
"E’ muito difícil achar nobres germânicos com uma historia interessante, com verdadeiros atos de nobreza",
eu apenas lhe posso perguntar: acha mesmo que sim?
_____________________________
O confrade escreve que não tem visto tanta auto-critica no estrangeiro. E eu digo-lhe que eu não tenho visto outra cousa. A differença é que no Norte são as proprias instituições que se criticam constantemente a si proprias. Especialmente na Escandinavia isto chega a attingir proporções obsessivas: as cousas parecem nunca ser sufficientemente perfeitas, procura-se sempre melhorar qualquer cousa, o conceito de "not good enough" ― para o qual symptomaticamente nem temos bem equivalente em português! ― pervade tudo. Em contrapartida o preço em termos humanos é enorme: chega a ser deprimente a obsessão pella perfeição, a incapacidade de disfrutar um pouco os resultados antes de os querer novamente superar ou melhorar. Mas a auto-critica não é necessariamente má cousa. Porque crê o confrade Campesino que estas sociedades em muitos aspectos são entre as mais avançadas e prosperas do mundo?
Na Allemanha o espirito critico é differente, combinado com uma rigidez auctoritaria inexistente nas muitissimo mais informaes sociedades nordicas. Como poderá ver, e certamente saberá se já viveu, estudou ou trabalhou n'esses paises, quer a formalidade auctoritaria germanica como a informalidade escandinava actuaes reflectem-se exactamente nos systemas nobiliarchicos do seculo XVIII que descrevi nas Partes III & IV.
Porque crê o confrade Campesino que não existe igualmente uma relação directa entre o systema nobiliarchico iberico ― "dynamico" na sua expressão, talvez "anarchico" na expressão do confrade Nuno Côrte-Real ― e a realidade da sociedade portuguesa de hoje? E porque crê o confrade Campesino que é a Allemanha que de momento está a sustentar todo o Sul da Europa ― Portugal, Espanha, Italia, e o notorio caso da Grecia ― economicamente, e não o contrario? O nosso patriotismo não nos deve impedir de ver as cousas como ellas são.
_____________________________
No seguimento do anterior, o confrade escreve sobre
"a quantidade de pessoas que criticam a história portuguesa, e’ sempre a mesma coisa, dizem: o Brasil e’ corrupto devido as nossas origens portuguesas".
E eu apenas posso responder: mas o confrade tem alguma duvida ― a mais minima duvida que seja ― de que se a Hollanda tivesse conquistado, populado e governado o Brasil a partir de meados do seculo XVII, o Brasil hoje seria um pais mais desenvolvido economicamente, e com indices de corrupção bastante inferiores aos actuaes - uma Australia nas Americas? Novamente escrevo: o nosso patriotismo não nos deve impedir de ver as cousas como ellas são.
_____________________________
O confrade Campesino queixa-se ainda das vozes que dizem que :
"em Portugal: viemos de uma cultura decadente, anárquica, ultraconservadora e católica, por este motivo não temos um país desenvolvido como, por exemplo, a Áustria."
E aqui, e agora para responder a uma pergunta do confrade Cercal:
"Na esteira das reflexões de Max Weber, também crê que a religião contribuiu para gerar estas diferentes estruturas sociais?"
posso responder que existe uma clarissima correlação entre religião e estructuras sociaes. Mas não pellas razões que muitos talvez imaginem. A verdade é que o Catholicismo é em tudo uma variante sympathica da fé Christã. Qualquer variante Protestante ― Lutheranos, Calvinistas, Presbyterianos, &c ― é de uma inclemencia total em comparação. A verdade é que o Catholicismo é a variante allegre, tolerante, humana do Christianismo [para ser breve deixo de fora os nossos primos Orthodoxos , por quem tenho tambem o maximo respeito]. Aqui faço uma suggestão a todos os confrades que illustra de forma extraordinariamente clara as differenças entre Catholicos e Protestantes: tente-se ler os grandes Sancto Agostinho (sec. IV) e São Thomas de Aquino (sec. XIII). Simplificando muito ― e sem querer de modo algum menosprezar a gigantesca importancia de cada um ―, um d'elles é por assim dizer o principal theologo dos Protestantes, e o outro o principal theologo da Egreja de Roma. Qual d'elles parece immediatemente mais sympathico? E quem é quem?
Com isto quero apenas suggerir que existe uma correlação directa entre o perdão Catholico ― o errare humanum est, que tanto define a religião de Roma ― e a falta de rigor generalizada do mundo latino Catholico. Porque fundamentalmente na tradição do errare humanum est tudo se perdoa entre nós. E existe uma igual correlação directa entre a inclemencia e a severidade Protestantes e os rigosos systemas administrativos e normativos do Norte da Europa. A quem tiver alguma duvida quanto a isto recommendo ler protocolos de julgamentos do Sancto Officio da Inquisição do seculo XVII e os correspondentes protocolos de julgamentos de bruxas no Norte Protestante. Depois de os ler ver-se-á com toda a clareza como a Egreja Catholica era [e é] clemente, e as Protestantes são severas.
As sociedades do Norte da Europa não são para brincadeiras: uma pequena falha, um pequeno erro, e o julgamento é immediato e severo. Chega a ser incrivel por exemplo como ministros hoje no Norte são demittidos por pequenissimas infracções que qualquer autarcha que se preze no Sul comette semanalmente. Mas mesmo nas relações humanas do quotidiano se sente isto. Isto é uma verdade incontornavel: no Norte Protestante quasi não se perdoa. No Sul Catholico quasi tudo se perdoa. E assim, tambem se perdoam por exemplo quebras de varonia. O nosso direito nobiliarchico apenas reflecte a nossa sociedade. Assim como os do Norte. Era apenas isto que queria fazer ver.
_____________________________
Com todas estas mensagens tento mostrar as tradições nobiliarchicas muito differentes entre si do mundo germanico e escandinavo, pois como disse a acepção da nobreza em todo o Norte da Europa occidental, como já veremos, está profundamente ligada a estas. E espero que tudo isto possa causar alguma reflexão e auto-critica. Sobre os systemas germanico e escandinavo se pode dizer que um era oito e o outro oitenta. Mas ambos eram coherentes. Ambos representavam um determinado principio em todo o seu esplendor. E é essa coherencia que falta de forma absoluta no systema iberico, que não é nem oito nem oitenta nem o dourado caminho do meio. Apenas quero mostrar isto, pois tem uma relevancia absolutamente gigantesca: o direito nobiliarchico iberico é, afinal, o espelho da nossa sociedade. E isto nada tem de novo: foi magistralmente commentado já em 1605 exactamente por um d'esses pequenos nobres hidalgos de que falamos, n'esse seu magnifico livro sobre outro pequeno nobre hidalgo de certo lugar de La Mancha.
Assim, queira o confrade Campesino mais uma vez aceitar os meus sinceros agradecimentos por seus commentarios, que me permittiram esclarecer tudo isto.
Atenciosamente,
Anachronico
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Transmissão de nobreza por via matrilineal
“XIV. Os filhos nascem nobres ainda quando o pai sómente for nobre, e a mãi pean; o mesmo digo sendo a mãi nobre, e o pai plebeu. Pouco importa que Pichardo, Guerreiro, e alguns outros tenhão a fraqueza de dizer que he indecoroso aos filhos gloriarem-se da nobreza das mãis, e tomarem dellas os Apellidos, e as Armas; porque nem eles declarão, nem eu alcanço em que consiste esse imaginado indecóro, antes observo que neste Reino, e fóra delle se está praticando o contrario desde a mais remota antiguidade. As Leis promulgadas neste Reino decidem expressamente que os filhos possão tomas estremes as armas da parte de suas mãis; que se possão chamar fidalgos, sendo-o (de linhagem) seus avós maternos […]. Fóra do Reino não he menor a estimação que sempre se fez desta nobreza. […] He verdade que a mulher Nobre casando-se com marido plebeu perde, e derroga a sua qualidade, e segue a condição e a fortuna do marido, mas esta derrogação só prejudica a ella, e não aos filhos, os quaes succedem na Nobreza dos avós, em a qual não podia a mãi lezallos.”
(Luiz da Silva Pereira Oliveira, 1806: “Privilégios da Nobreza e Fidalguia de Portugal”, capítulo 3)
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RE: Transmissão de nobreza por via matrilineal
Caro Confrade Francisco Cercal,
Suas mensagens têm sido para mim muito interessantes.
Cumprimentos,
Herculano L. E. Neto
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RE: "Privilegios da Nobreza e Fidalguia de Portugal" [1806]
Caro confrade Cercal,
"Fóra do Reino não he menor a estimação que sempre se fez desta nobreza. […] He verdade que a mulher Nobre casando-se com marido plebeu perde, e derroga a sua qualidade, e segue a condição e a fortuna do marido, mas esta derrogação só prejudica a ella, e não aos filhos, os quaes succedem na Nobreza dos avós, em a qual não podia a mãi lezallos.”
[http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=309326#lista]
Cita os "Privilegios da Nobreza e Fidalguia de Portugal..." [Capitulo III, 1806], que conheço bem. E assim sei que justamente a passagem que cita é um bom exemplo de como Luis da Silva Oliveira Pereira nem sempre tem razão no que escreve. Immediatamente antes do que cita este escreve:
"XV. [...] sei que em muitos casos a Lei não se contenta com a nobreza de hum só progenitor, e que he preciso ter ambos os pais, e avós Nobres para ser Cavalleiro na Ordem Militar de Christo (i), na de Santiago, e na de Avís; para ser Cadete (k), Guarda Marinhas (l), e Aspirante a Guarda Marinhas (m); para ser admittido a ler no Desembargo do Paço (n); para ser filhado, e matriculado na Casa Real (o); para ser substituto de Alcaide Mór na guarda de algum Castello, ou Fortaleza (p); para ser em Malta recebido á Ordem Militar de S. João; para ser em Alemanha promovido nos Canonicatos de algumas Igrejas Cathedraes (q); para ser em Castella admittido nas Tenencias da Real Fazenda (r); para ser em Sicilia Cavalleiro da Ordem do Crescente (s); para ser Cidadão em Athenas (t); para succeder nos Feudos em Milão (u); para entrar nos Conselhos da Senhoria de Veneza, e ter eleição activa, e passiva na Magistratura daquella Republica (x).
XVI. Porém todos estes casos são excepções, que fórmão a regra em contrario, e em todos os outros onde a Lei, ou o Estado não requer não requer Nobreza de pai, e mãi, basta que hum delles seja nobre, para tambem o filho o ficar sendo, e como tal dever gozar dos privilegios pertencentes á gente nobre (y). [Segue a passagem citada pello confrade Cercal; paginas 28-30]".
Ora mesmo antes de fazer uma analyse de discurso à obra, podemos ver como não é verdade o que o auctor escreve. Mesmo esquendo aqui o facto de que n'as Ordens Militares portuguesas os indices de dispensados por defeito mechanico eram assombrosos ― veja-se os estudos de por exemplo Fernanda Olival, e de Thiago Krause para o Brasil ― e de que a exigencia nobre já pouco significava n'esta altura ― veja-se os indices de dispensados de provanças, e mesmo a venalidade dos habitos ― o que vem referido não é correcto. Apenas para commentar o mais obvio, para em Malta ser recebido à Ordem Militar de S. João não bastavam "os pais, e avós Nobres": o requerido eram 16 trisavós nobres, tal como no mundo germanico que os cavalleiros de Malta faziam questão de igualar. E para ser promovido nos canonicatos allemães a exigencia eram tambem os "16 Ahnen" germanicos. O justo seria referir o facto, para evidenciar aos seus leitores as exigencias de certos outros costumes. Mas o auctor não o faz, assim como não refere todos os outros cargos no Sacro Imperio onde o mesmo era exigido, logo começando pellos da corte, como indiquei na Parte III.
Se se ler bem o auctor dos "Privilegios..." poderá verificar-se que este é claramente a favor de uma practica linhagistica mais liberal ― muito possivelmente porque elle proprio era de muito baixa nobreza. A passagem que o confrade Cercal cita não é isenta. Porque o auctor não é isento. Assim, quanto a este thema refere uma quantidade de casos desde a Antiguidade ― passando pella era medieval à moderna ― de transmissão de nobreza por via feminina, mas negligencia referir de forma justa e igualmente completa os casos oppostos. E a isto chama-se ser tendencioso. Assim, o que o auctor dos "Privilegios..." opina não nos deve preoccupar demasiado. Muitas vezes é uma opinião pessoal apenas. E como ainda assim o auctor refere na citação que o confrade nos dá, outros auctores opinavam de forma differente. Nada d'isto retira valor à opinião pessoal de Luis da Silva Oliveira Pereira, com a qual podemos concordar ou não; apenas temos que nos lembrar que por vezes o que escreve é de facto de certo modo influenciado pella sua opinião pessoal. Como se poderá adivinhar, eu não concordo com o caro auctor em tudo; acho especialmente todos os seus argumentos sobre a questão da nobreza ecclesiatica fraccos; já os seus argumentos quanto à transmissão de nobreza por via feminina são mais fortes.
E agora quanto à citação inicial do confrade Cercal e a situação no mundo germanico, veja-se o que elle escreve algo antes no Capitulo III:
"III. Ainda não está decidido qual seja o degráo em que a Nobreza de Linhagem adquira a sua perfeição: alguns dizem que basta ser o Pai Nobre, para que o filho tambem o fique sendo (c); outros porém escrevem que a Nobreza deve ser concebida pello Avô, gerada pello Pai, e procreada pello Neto, e que só no fim, e mudança destas trez gerações fica perfeita; á maneira do ouro que muda trez vezes para adquirir o quilate da sua perfeição; outros finalmente remontando mais longe dizem que a Nobreza tem a sua infancia no primeiro adquirente, a puericia nos filhos, a adolescencia nos netos, e que só nos bisnetos chega á vigorosa juventude; e nesta persuasão he que na Armarîa só se abre o elmo aos nobres da quarta geração por diante (d). Na Polonia seguião a primeira opinião, em França a segunda, em Castella, Lorena e Alemanha a terceira (e). Entre nós he constante que só se reputa com nobreza natural aquelle cujos pais, e avós, forem nobres (f), sem o que ninguem póde ser admittido aos empregos, que forem privativos da gente nobre (g). [paginas 16-17]"
Como historiador considero os "Privilegios..." uma fonte interessante e curiosa, mas nem sempre fidedigna. Aconselho assim todos os confrades a fazer uma leitura cuidadosa da obra antes de se basear qualquer conclusão na mesma, e se possivel a consultar alguem com solidos conhecimentos quanto a themas que o auctor trata de forma mais superficial. Mas quanto à questão de um filho de um plebeu no mundo germanico, como acabamos de ver, o auctor confirma tudo aquillo que ficou dicto na Parte III. Voltarei a isto na Parte V.
Cumprimentos a todos,
Anachronico
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RE:
Caro confrade Anachronico,
Se a vantagem num qualquer reino de pertencer à nobreza era usufruir de certos privilégios, e se para aceder a eles era necessário provar descender de 16 trisavós nobres, a vantagem de se ser nobilitado era praticamente nula. Não só esses benefícios eram recusados ao primeiro da linhagem a "sair do conto plebeu", como também aos seus filhos, netos e bisnetos — independentemente da nobreza imaculada dos costados dos outros progenitores. Que nobre de velha cepa haveria de autorizar o matrimónio de um filho ou filha seu com um filho, neto ou bisneto de nobilitado, sabendo à partida que essa filiação o privaria de inúmeros benefícios? Quase nenhum, arriscaria dizê-lo.
A regra dos "16 Ahnen" não seria uma forma encapotada de transformar o estamento da nobreza, inicialmente permeável por nobilitações e derrogações, numa casta impermeável onde somente a derrogação faz mudar o número de nobres?
E não terá sido o espírito de casta tão arreigado dos germânicos do Sacro Império que provocou como reacção ressentida do Terceiro Estado o severíssimo banimento político da nobreza e das suas expressões simbólicas (títulos e brasões) na Alemanha e na Áustria depois da queda das respectivas monarquias?
Quanto à transmissão matrilinear de nobreza em países católicos: arriscaria dizer que o culto mariano, inexistente nos países protestantes, torna os latinos muito mais veneradores daquilo que Kenneth Clark chamava "o princípio feminino da existência". Para este último historiador de arte, protestantismo e barbarismo eram equivalentes, em boa medida devido à brutalidade impiedosa dessa versão do cristianismo na qual a figura materna de Deus é ignorada.
Com a mais elevada consideração,
Francisco Cercal
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RE:
(Evidentemente, o que deixei escrito sobre o protestantismo não se aplica à Áustria enquanto país actual onde predomina o catolicismo, mas ao conjunto do Sacro Império no século XVIII).
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RE: Esclarecimentos - patriotismo, religião, e auto-critica
Caro Confrade Anachronico,
Embora prefira ter a satisfação de o ler a ter de alinhavar aqui as minhas proprias ideias (que conheço já demasiado bem), não posso deixar de fazer ligeira correcção.
O meu caro Confrade refere que eu entendo que o sistema nobiliarquico ibérico é anárquico. Todavia eu não afirmei tal coisa, nem estou de acordo com a ideia.
Desde logo, porque não me parece existir propriamente um "sistema nobiliarquico ibérico": além das diferenças notórias entre Portugal e Espanha, encontramos no pais vizinho uma tão grande diversidade de nobrezas que mais me inclino para a existencia de sub-sistemas regionais. Vejam-se as substanciais diferenças entre a nobreza de Castela e a nobreza Aragonesa, por exemplo.
Além disto, não me parece que as nobrezas peninsulares fossem sensivelmente mais "anárquicas" do que a maioria das restantes. É certo que em Portugal nunca houve uma Carta ou Lei Geral da Nobreza como aquelas que existiram na Rússia, no Reino das Duas Sicilias e em diversas outras Monarquias europeias. Mas acho que as categorias fundamentais da nobressa hereditária estavam suficientemente contempladas nas Ordenações, na legislação avulsa ("extravagante", como se dizia então) e na prática jurisprudencial. A chamada nobreza "civil" (i.e. não hereditária), essa era de facto mais confusa, dispersa, com fronteiras mais dificeis de precisar e muito mais numerosa. Mas parto do princípio que neste tópico se tem estado fundamentalmente a tratar da nobreza de sangue.
A ideia de que as nobrezas peninsulares (incluindo a portuguesa) são "anárquicas" não é inédita e vai fazendo o seu caminho. Mas talvez isso se deva sobretudo a certas "leituras" contemporâneas (do século XIX para cá). Uma coisa era a própria realidade, outra é a "colonização" do objecto de estudo por abordagens posteriores, como bem sabe. Em grande parte trata-se das distorções naturais e inevitaveis em qualquer processo historiográfico. Mas (Deus me perdõe se estiver a ser injusto!), noutros casos, trata-se de verdadeiras "recriações" convenientes da realidade histórica. O esbatimento das fronteiras entre a nobreza hereditária e a nobreza civil e a eliminação do principio patrilinear têm estado na primeira linha destas tentativas de "domesticação" do passado, fazendo-o parecer mais anárquico do que provavelmente era. Um mau serviço prestado à Nobreza de Portugal e à Historia, por conseguinte.
Os meus cumprimentos,
Nuno Côrte-Real
PS - Quando aludo às reinterpretações da realidade deixo de fora, evidentemente, as puras fraudes, que sempre existiram e que curiosamente parecem não ser desincentivadas pelos instrumentos de controlo hoje em dia disponíveis. Nuno Borrego publicou, como sabe, o seu indispensável livro sobre a Mordomia Mor para o periodo compreendido entre 1755 e 1910. Pois continuamos a encontrar às catadupas fidalgos-cavaleiros setecentistas, oitocentistas e novecentistas que não constam dos registos oficiais! E tais "fidalgos" não surgem inventados apenas em publicações particulares, ou nas base de dados online. Mesmo em publicações oficiosas e supostamente credíveis continuam a "infiltrar-se" familias sob pretexto de terem tido foros de fidalgos recentes que não constam dos registos oficiais. Evidentemente, isto também contribui para fazer parecer a nobreza portuguesa "anárquica" .
Finalmente, a minha total concordância com o seu comentário à sempre tão invocada passagem do livro de Luis da Silva Pereira de Oliveira, "Privilégios da Nobreza e Fidalguia de Portugal". Absurda, não resiste de facto ao mais leve exame crítico. Melhor, muito melhor é, apesar de tudo, o "Tratado das Pessoas Honradas", de autor anónimo e publicado na década de 1830.
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RE: ainda os "Ahnen"; e Catholicismo no Norte
Caro confrade Cercal,
Obrigadissimo pella sua ultima mensagem, em que escreve de forma clarissima o que eu apenas suggeri. Aqui tem então os meus habituaes commentarios aos seus tambem já habituaes commentarios.
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"Se a vantagem num qualquer reino de pertencer à nobreza era usufruir de certos privilégios, e se para aceder a eles era necessário provar descender de 16 trisavós nobres, a vantagem de se ser nobilitado era praticamente nula."
Tem toda a razão. Por isso mesmo como escrevi na Parte III devemos considerar a "Briefadel" como muito baixa nobreza apenas. Mas.......:
"[...] Que nobre de velha cepa haveria de autorizar o matrimónio de um filho ou filha seu com um filho, neto ou bisneto de nobilitado, sabendo à partida que essa filiação o privaria de inúmeros benefícios? Quase nenhum, arriscaria dizê-lo."
Isto apenas é parcialmente verdade. Porque uma cousa é a theoria, outra a practica ― em varios aspectos. Primeiro, podemos imaginar por exemplo um nobre de "16 Ahnen" mas de linhagem pouco significante e com nove ou onze filhos. Depois de ter casado os primeiros seis ou sete com familias "condignas", talvez a sua situação forçasse por assim dizer ter que aceitar casar os restantes com filhos de familias menores ― talvez mesmo o ultimo com um plebeu. Para tudo encontramos afinal excepções na vida e na Historia. E estes casos de nobres de velhas linhagens em situações de relativa precariedade eram afinal relativamente communs, como alias o confrade Campesino illustrou com o exemplo da Prussia.
E depois temos que lembrar que a um nobre de "8 Ahnen", ou mesmo muitas vezes menos, a quasi totalidade dos cargos do Imperio seria accessivel ― apenas não os verdadeiramente importantes, como os que mencionei. Podemos assim mencionar os cargos de juiz nas magistraturas locaes, um cargo absolutamente inferior mas ― tal como em Portugal ― absolutamente condigno para um nobre menor: um d'esses nobres de costados comprovados mas em situação pouco prospera não poderia frequentemente aspirar a mais. E mesmo um nobre filhos de pais ou avós burgueses nobilitados teria na esmagadora maioria dos casos accesso a estes cargos; aqui é necessario examinar cada Estado do Imperio e as suas ordenações ao longo dos tempos. Mas na totalidade dos casos que conheço não vejo um unico exemplo que prohiba lettrados burgueses ou recem nobilitados na magistratura local; apenas estariam subordinados aos nobres de 8 ou 16 costados, que frequentemente tinham direito a lugares especificos e trajes especificos nos tribunaes locaes &c. Peço perdão se o que escrevi deu a imagem de que apenas nobres de "16 Ahnen" podiam obter cargos no Sacro Imperio; referia-me apenas aos cargos verdadeiramente importantes, aquelles que interessavam aos condes &c do Imperio, isto é, à alta nobreza dos duzentos ou trezentos principaes Estados do Imperio.
A realidade dos cargos e dos nobres menores era outra. Muitos nobres de velhas linhagens eram relativamente pobres, e não se distinguiam grandemente dos burgueses ― nobilitados ou não ― de uma qualquer villa da Bavaria ou da Prussia. E assim na practica vemos a nivel puramente local uma certa tendencia para casamentos entre estes nobres e burgueses ― até porque a nivel local não existiam quaesquer cargos reservados a nobres de "16 Ahnen". Estes apenas encontramos nas cortes dos Estados do Imperio ou em importantes instituições ― isto é, os principaes cargos do Imperio. A um nobre menor de provincia isto não era importante; não poderia provavelmente nunca aspirar a um cargo na corte ducal &c, e qualquer cargo na administração local ― vereadores &c ― seria perfeitamente satisfactorio e não requeria "16 Ahnen". A grande maior parte dos nobres de velhas linhagens eram afinal tambem baixa nobreza, no Imperio como em qualquer outro lugar. E finalmente: na practica immensos nobres seguiam tambem a carreira das armas. Por isso mesmo escrevi na Parte III que os exercitos dos varios Estados do Imperio e mais tarde dos Imperios Allemão e Austro-Hungaro tinham uma percentagem de nobres altissima. E aqui, salvo raras excepções, tambem não se requeriam "16 Ahnen". A verdade é assim um pouco mais diffusa do que talvez possa parecer na Parte III, em que me refiro aos grandes cargos das centenas de cortes do Imperio &c. Peço mais uma vez perdão; é difficil condensar tanto, e prefiro esclarecer detalhes mais tarde a escrever mensagens de meia centena de paginas que julgo que muito poucos teriam paciencia para ler. Até porque não tenho mesmo tempo para tanto ― e alias assim se torna possivel um agradavel dialogo.
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"E não terá sido o espírito de casta tão arreigado dos germânicos do Sacro Império que provocou como reacção ressentida do Terceiro Estado o severíssimo banimento político da nobreza e das suas expressões simbólicas (títulos e brasões) na Alemanha e na Áustria depois da queda das respectivas monarquias?"
Se esperar um pouco poderá ler em mais pormenor sobre isto na Parte V. Mas fundamentalmente: o banimento que refere apenas se registou na Austria; na Allemanha como veremos foram mais moderados. E fundamentalmente não foi bem o espirito de casta a razão. Esta tem que ver com as consequencias da derrota na Grande Guerra. Assim, a monarchia do Imperio Allemão foi apenas abolida; mas o Imperio Austro-Hungaro foi totalmente desmembrado com o Tratado de Trianon que já referi na Parte III. E por isso soffreram os nobres austriacos muito mais que os allemães: a Austria em 1919 estava simplesmente em estado de choque.
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"Quanto à transmissão matrilinear de nobreza em países católicos: arriscaria dizer que o culto mariano, inexistente nos países protestantes, torna os latinos muito mais veneradores daquilo que Kenneth Clark chamava "o princípio feminino da existência". Para este último historiador de arte, protestantismo e barbarismo eram equivalentes, em boa medida devido à brutalidade impiedosa dessa versão do cristianismo na qual a figura materna de Deus é ignorada."
Clap! Clap! Clap!
Prefiro normalmente não mencionar pensadores para não aborrecer confrades com menos formação em Lettras; este é um forum para todos. Apenas recommendo Max Weber por ser verdadeiramente excellente ― e Cervantes por ser absolutamente fundamental. Quem leu o Dom Quixote não necessita ler mais nada na vida.
A falta de uma figura feminina de referencia no Protestantismo é igualmente fundamental. Confesso nunca ter lido Clark, que apenas conheço de nome. Mas a breve conclusão que cita é acertadissima. Peço perdão a qualquer leitor do sexo feminino a quem o seguinte possa parecer machista, mas a verdade é que se nota nos Protestantes, se me perdoarem uma generalização estupida, essa falta de referencias femininas. E não falamos apenas de Maria; falamos tambem na realidade de todas as sanctas Catholicas e o que estas representam, cada uma de sua maneira, e que até recentemente ajudou a definir a nossa cultura no Sul. Toda a cultura Protestante acaba assim por ser viril, dura, implacavel. Não existem mulheres no Protestantismo. Falta uma certa dose de ternura materna, de carinho ― tudo aquillo a que eu chamo o perdão Catholico. Não quero ser accusado de accreditar que um homem não pode sentir carinho e o transmittir aos filhos; mas ainda assim a differença é notavel e marcante. Já estive, entre tantas outras, na Munique da Bavaria Catholica e na Berlim da Prussia Protestante. Apesar de serem ambas allemãs, são mundos distinctos, pura e simplesmente. E como já fiz uma generalização estupida não vou fazer mais, mas creio que se possa entender onde quero chegar. Apenas quero mencionar o facto de que, durante a decada de 1930, o grande grupo que sempre esteve mais opposto às politicas de Hitler, que sempre menos votou n'elle, e que sempre mais se pronunciou contra tudo o que representava foram justamente os Catholicos do Sul da Allemanha, que apenas não se destacaram mais graças à totalmente oppressora politica ― e policia ― do regime nazi, que foi igualmente oppressor na Austria Catholica após 1938.
Tendo dicto isto, é notavel ― à primeira vista mesmo paradoxal ― como na Austria e na Bavaria Catholicas, assim como em varios estados menores tambem Catholicos do Sul da Allemanha, se practicaram sempre as mesmas tradições linhagisticas que no Norte mais tarde Protestante. Mas essas tradições já estavam precisamente firmemente estabelecidas no seculo XVI: o Protestantismo foi muito posterior ao direito nobiliarchico do Sacro Imperio. O direito nobiliarchico da Bavaria era mesmo em tudo semelhante a por exemplo o dos cantões suiços do radical Calvinismo de meados de Quinhentos. E isto reflecte como escrevi mais a natureza electiva do Sacro Imperio e a complexa politica de allianças matrimoniaes dos numerosos Estados do Imperio que a religião. Sobre tudo isto ainda se pode escrever muito, porque há outro factor que considero importante para considerar a natureza ou character dos diversos povos: o clima, que penso ser tão importante quanto a religião. Mas o confrade Cercal não deixa de ter absoluta razão quanto à referencia a Clark.
Enfim, mais uma vez os meus agradecimentos por todos os seus commentarios.
Anachronico
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RE: Esclarecimentos - patriotismo, religião, e auto-critica
Caros confrades,
Coloco aqui para a consideração, trechos próximos de Balzac, Honoré de, tradução de Pelanda, Ernesto, Ilusões Perdidas, 1843, II-Um Grande Homem da Província em Paris, I-As Primícias de Paris.
"
-- Querida -- disse sob o leque a Sra. de Espard à Sra. de Bargeton --, diga-me por favor, seu protegido chama-se realmente Sr. de Rubempré?
-- Ele adotou o nome da mãe -- disse Anais, embaraçada.
-- Mas, qual é o nome do pai?
-- Chardon.
-- E que fazia esse Chardon?
-- Era farmacêutico.
(...)
-- Minha querida filha, que é que pensa? Espere ao menos que o filho de um boticário se torne realmente célebre para se interessar por ele.
(...)
-- Pois bem -- tornou a marquesa, que tomou por uma resposta a expressão dos olhos da prima -- deixe-o, é o que lhe aconselho. Arrogar-se um nome ilustre? . . . mas é uma audácia que a sociedade pune. Admito que seja o de sua mãe; mas pense, querida, que ao rei somente cabe o direito de conferir, por decreto, o nome dos Rubempré ao filho de uma dama dessa casa. Se ela fez um mau casamento, o favor seria enorme, e para obtê-lo seria preciso imensa fortuna, serviços prestados e altíssimos empenhos.
"
Cumprimentos,
Herculano L. E. Neto
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RE: Esclarecimentos - patriotismo, religião, e auto-critica
TÍTULO XXI
DOS FIDALGOS DE LINHAGEM
Art. 93. Fidalgos de linhagem são as pessoas que teem fidalguia adquirida pelo facto de serem descendentes ligitimos ou ligitimados de ascendente paterno, ou materno que a tinha.
(in "Tratado das Pessoas Honradas", de autor anónimo e publicado na década de 1830)
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RE: ainda os "Ahnen"; e Catholicismo no Norte
Estimado confrade Anachronico,
Cada vez gosto mais de lê-lo, apesar de sentir que o "parti pris" de cada um nestas matérias de direito nobiliárquico é bem distinto. O meu ilustre e ilustrado confrade parece considerar que o direito ibérico a demasiados concede o amplexo da nobreza, ao passo que o germânico apenas o estende a um reduzido e por isso justo número de indivíduos. Prefiro considerar a nobreza um estamento; o meu confrade prefere ver nela uma casta. Parece-me apenas; é muito provável que esteja errado, já que o meu juízo é bem míope.
Ora, a todos os momentos penso na materialização concreta dos sistemas nobiliárquicos germânicos, escandinavos, britânicos e ibéricos no nosso país. A serem efectivados nos dias de hoje, o primeiro monopolizaria o poder nas mãos de uma ínfima minoria de terratenentes militarizados; o segundo, numa burguesia comercial com gosto pela propriedade rústica; o terceiro, de uma elite terratenente, comercial e militar; o quarto pela imediata nobilitação das hordas de militantes dos aparelhos políticos dos partidos do centro, além da manutenção do estatuto de fidalgos quixotescos e sem-terra de uma mole de pessoas da classe média.
Quid juris?
Francisco Cercal
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RE: Esclarecimentos - patriotismo, religião, e auto-critica
corrijo:
(in "Tratado Juridico das Pessoas Honradas escrito segundo a legislação vigente á morte del-rei D. João VI. Lisboa, Imprensa de Lucas Evangelista, 1851. página 82.)
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RE: ainda os "Ahnen"; e Catholicismo no Norte
Caro Confrade Cercal,
Não estando à altura dos intervenientes, penso que devo referir um ponto que considero crucial na "diferenciação" da nobreza do Norte, principalmente a alemã, e a de Portugal e Espanha, pois de nobreza ibérica. A actual Alemanha, país recente, viveu o feudalismo. Portugal não. Infelizmente, acaba por ser sempre o poder do dinheiro a definir as regras.
Quando referiu o culto Mariano dos países católicos e daí ser dada mais importância às senhoras, lembrei-me do que ouvi na Missa do passado domingo, dia de S. João Baptista, filho de Santa Isabel e primo de Jesus Cristo, que disse "É o homem mais santo gerado por uma mulher". O pai, filho de Zacarias, é referido apenas por, doente e sem poder falar, ter escrito numa tábua que queria que o filho se chamasse João e não Zacarias, não seguindo a tradição.
Com os meus melhores cumprimentos
Vianna
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RE: ainda os "Ahnen"; e Catholicismo no Norte
Em tempo
Queria dizer "pois penso que não deve classificar-se a nobreza dos dois países como ibérica, expressão redutora e enganosa".
Vianna
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RE: ainda os "Ahnen"; e Catholicismo no Norte
Estimado confrade Vianna,
Assiste-lhe toda a razão: o direito nobiliário ibérico varia consoante a geografia dos antigos reinos, de modo que não faz muito sentido eu tê-la generalizado sob a expressão "nobreza ibérica". Em todo o caso, parece-me que partilham uma característica comum face às norte- e centro-europeias: reconhecem a transmissão de estatuto por via matrilineal. Além disso, admitem a existência de nobres sem terra — algo inadmissível entre os britânicos. Eu diria mesmo que entre estes últimos é mais importante "ter" do que "ser": vide o ostracismo a que foi condenado Vere Hobert-Hampden, 9.º conde de Buckinghamshire.
Continuo a interrogar-me se terá havido alguma "raison d'État" para as monarquias ibéricas aceitarem a nobilitação por via materna. Terá sido a necessidade de assegurar contingentes numerosos de nobres para o exercício de funções políticas nos impérios ultramarinos?
Para terminar: escutei esta manhã um interessantíssimo "podcast" da BBC sobre aristocracias. Tenho a certeza de que irão apreciá-lo também; encontra-se aqui: http://www.bbc.co.uk/programmes/p00548zx
No final deste programa Felipe Fernández-Armesto é taxativo: o "Código de Cavalaria" ("Code of Chivalry") foi instrumentalizado pelas nobrezas, a partir dos finais da Idade Média, como discurso legitimador dos privilégios que usufruíam; os nobres não o subscreviam na prática. Será mesmo assim?
Subscrevo-me com a mais elevada consideração,
Francisco Cercal
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RE: Esclarecimentos - patriotismo, religião, e auto-critica
Caros Confrades
Tenho seguido com atenção e interesse as vossas intervenções ,porque demonstram grande erudição .
Agora ao ler o que o nosso confrade Cercal colocou,hoje, às 13:22,lembrei-me dos filhos bastardos e nesta ordem de idéias,excluindo
os bastardos Reais,que estatuto nobiliárquico terão direito os bastardos filhos de Grandes do Reino e de mães plebeias ?
Serão simplesmente ignorados ? ou não?! Refiro-me a Portugal.
Desejo-vos um bom fim de semana e obrigado.
Rafael Carvalho
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RE: Esclarecimentos - patriotismo, religião, e auto-critica
Prezado Anachronico ,
Agradeço a ultima mensagem. Acho que estamos em um ponto importante, concordamos no momento, por verdade, acho que a minha e a sua opinião se tornaram menos radicais, acredito que no fundo temos a mesma intenção. Quero deixar claro que admiro os seus textos, o confrade claramente tem conhecimento do assunto, apenas interpretamos e chegamos a conclusões diferentes.
Em relação ao comentário que fiz a respeito da nobreza germânica, me arrependo de ter me expressado desta maneira, estava errado e fui injusto, generalizações são injustas, peço desculpas se ofendi alguém. Estava falando especificamente do sofrimento causado a diversas nações em diversos períodos da historia, por exemplo: Itália, Hungria e Polônia. Já que o confrade foi totalmente honesto, tenho que lhe dizer, eu achei injusta a maneira como o confrade se expressou em alguns momentos, exemplo: “No Norte ou se é indubitavelmente nobre ou é-se um plebeu; não existem esses fidalgotes com manias de nobreza que vemos entre nós”. Ou: “Porque julga o confrade Campesino que certa parte dos nossos confrades frequentam a base de dados do Geneall? Porque esperam descobrir antepassados taberneiros e ferradores? É este o enorme defeito do nosso systema: creou uma nação com manias ― um povo de Dom Quixotes.”
Concordo plenamente com a maneira que os confrades Anachronico e Cercal definiram as diferenças entre os protestantes (normas rígidas) e católicos (liberais), pode ser que eu esteja sendo um pouco entocentrista, porem, acho o nosso sistema melhor, não o vejo como uma desvantagem. Na verdade, nas ultimas décadas parece que as tendências culturais tem se invertido, os protestantes estão mais parecidos conosco, são cada vez mais liberais em tudo, já a Igreja Católica tem variado muito, esta parecendo rígida em comparação com os protestantes.
Quando falei do auto-criticismo adicionei ‘extremo’ ao final, fiz por um motivo, eu sempre acreditei no auto-criticismo, este traz melhoras a tudo ser for aplicado da maneira correta. O comentário não foi direcionado ao confrade ou qualquer outro membro deste fórum, cada um conhece a si próprio, eu não tenho o direito de fazer uma acusação destas, desculpe se essa foi a impressão que deixei. Estava falando da cultura que prevalece na imaginação popular e entre os historiadores. Quando passamos a culpar o nosso passado pelos problemas do presente a meu ver estamos cometendo uma injustiça. Os Estados Unidos e ‘ um exemplo admirável. Os estadunidenses têm mais veneração por sua historia que qualquer outra nação, todos sabem que o pais foi escravocrata, teve um passado racista lamentável, teve a guerra civil mais sangrenta da historia, ainda assim, a grande maioria, seja de origem asiática, negra ou branca, tem orgulho de ser americano e das conquistas de seus antecessores. Eles sabem muito bem que a historia e’ um processo continuo, não pára. O general George Washington e’ visto como herói por todos, mesmo sendo escravocrata e imperfeito em pequenas coisas, os atos de Washington marcaram o inicio de um processo continuo de melhoras, deu oportunidade a um Lincoln ou Roosevelt de fazer novas reformas e melhorar ainda mais o sistema. Já entre nós, muitos agem como se não tivessem culpa, não tivessem obrigação de melhorar, outros ainda usam o ato covarde de “lavar as mãos” quando estão diante de problemas.
Em relação aos nórdicos, eu gostaria de lembrar que a região vive uma condição única, estes países nadam em recursos naturais, as condições econômicas atuais favorecem muito estes países. Os mesmos correm sérios riscos se a situação se inverter muito rapidamente. Na verdade, se voltarmos ao ano de 1990, nos mesmos países mencionados houve uma crise muito parecida com a que o sul da Europa esta vivendo agora. Os nórdicos tentaram e tentam manter um sistema semi-capitalista onde os recursos são distribuídos com igualdade entre todos, o resultado foi a crise de 1990, fizeram algumas reformas e as coisas melhoraram, agora que estão riquíssimos em recursos estão novamente distribuindo benefícios, o que não deveriam fazer. O custo de vida na Noruega e’ 90% mais alto do que nos Estados Unidos e Canadá, há pouco tempo a inflação ficou tão fora de controle que houve uma crise conhecida como “Crise da Manteiga”.
Ciclos econômicos estão sempre ocorrendo, uma analise histórica baseada em condições econômicas do presente certamente nos levará a erros grosseiros, se fizéssemos esta analise latinos X nórdicos em 1990 os países latinos certamente pareceriam exemplares em relação aos nórdicos. Também gostaria de lembrar que o confrade esqueceu a Irlanda e Islândia, dois países do Norte que estão em crises severas.
Eu discordo desta observação: “E porque crê o confrade Campesino que é a Allemanha que de momento está a sustentar todo o Sul da Europa ― Portugal, Espanha, Italia, e o notorio caso da Grecia ― economicamente, e não o contrario? O nosso patriotismo não nos deve impedir de ver as cousas como ellas são.” Meu caro, a Alemanha não esta sustentando o Sul, a Alemanha tanto e’ parte do problema como da solução, a maneira como eles estão tratando esta crise e’ a meu ver vergonhosa, tanto foi que Espanha, Itália e França se juntaram contra a Alemanha, não concordam com a maneira que esta nação esta enfrentando o problema. Eles foram os maiores beneficiados do Euro, agora que alguns países estão encontrando dificuldade eles vieram com esta historia que não querem se sacrificar pois foram responsáveis em suas contas. A Alemanha já quebrou mais de uma vez por irresponsabilidade. Os bancos alemães têm tanta culpa no cartório quanto todos os outros bancos da Europa, a Alemanha aprovou a entrada da Grécia na União monetária, o que não deveria ter ocorrido. E tem mais, a meu ver a Alemanha e’ o ultimo pais da Europa que tem direito de reclamar, eles foram beneficiados pelo plano Marshall, receberam total apoio da Inglaterra, Estados Unidos e Canadá depois de toda a destruição causada durante a segunda guerra mundial, agora por uma pequena ajuda aos outros países estão criando este espetáculo lamentável. Não é a toa que o Canadá e Estados Unidos reclamaram da atitude da Alemanha.
Não acho apropriado eu entrar em mais detalhes a respeito de minhas opiniões econômicas, afinal, o fórum foi feito para discutir genealogia e assuntos ligados ao tema.
O confrade conhece alguma coisa a respeito da nobreza Russa? Eu li uma vez que os russos não possuíam divisões em sua nobreza ate’ o começo do século XVIII, e também que os cargos militares nobilitavam (oficiais com o cargo de capitão ou superior). O confrade acha que estas informações estão corretas?
Esta sendo um grande prazer conversar com o confrade e os membros deste fórum. Eu estou aprendendo muito, agradeço sinceramente a todos.
Meus melhores cumprimentos,
Campesino
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RE: ainda os "Ahnen"; e Catholicismo no Norte
Meu caro Confrade Cercal,
Muito interessante o programa que teve a simpatia de referir. Um tipo de programa em que os ingleses são mestres.
Eu penso que existe sempre uma grande diferença entre a teoria e a prática, e é difícil generalizar e teorizar.
Peço-lhe que aceite os meus agradecimentos
Vianna
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RE: Esclarecimentos - patriotismo, religião, e auto-critica
Serão simplesmente ignorados?
Leia-se : Terão sido simplesmente ignorados? ou houve excepções? Refiro-me a Portugal,em tempos idos,obviamente.
Talvez a minha pergunta possa estar aqui deslocada e considerada de nenhum interesse ou ociosa;mas,como houve bastardos filhos de grandes fidalgos e de plebeias daí a minha curiosidade,sobre o estatuto nobiliárquico desses bastardos, na convicção de ser elucidado por algum de vós.
Os melhores cumprimentos.
Rafael Carvalho
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RE: Esclarecimentos - patriotismo, religião, e auto-critica
Caro confrade Rafael Carvalho,
Reitero os termos do artigo 93.º do "Tratado Jurídico das Pessoas Honradas" (anon., Lisboa, 1851), aliás anteriormente elogiado pelo nosso confrade Nuno Maria Côrte-Real:
«Fidalgos de linhagem são as pessoas que teem fidalguia adquirida pelo facto de serem descendentes ligitimos ou ligitimados de ascendente paterno, ou materno que a tinha.»
Daqui resulta que um filho bastardo de um fidalgo adquire fidalguia a partir do momento em que os seu progenitores o legitimem. Concomitantemente, o Direito Heráldico português também prevê toda uma série de brisuras e diferenças para distinguir as armas herdadas por bastardia.
Com os melhores cumprimentos,
Francisco Cercal.
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RE: o systema "iberico"
Caro confrade Nuno Côrte-Real,
Caros confrades do forum,
Muito lhe agradeço pella sua resposta, tanto mais porque vejo ser necessario esclarecer certos detalhes que não terão sido bem entendidos por todos, por minha culpa.
Mas antes de tudo as minhas desculpas se parecer que o citei indevidamente quanto ao "talvez "anarchico"" systema nobiliarchico iberico. Apenas queria suggerir uma alternativa ao "dynamico" do confrade Campesino, e por isso mesmo escrevi o talvez antes do anarchico. Mas isto é de facto um detalhe que facilmente passa despercebido ou pode ser mal interpretado. Terei mais cuidado no futuro, e queira aceitar as minhas desculpas.
E pello que tambem escreve mais adiante e ainda posso ver tambem pellas recentes mensagens de varios outros confrades, o que eu chamo de systema ou direito nobiliarchico iberico foi mal entendido e levado demasiado à lettra. Assim, convem esclarecer:
Os confrades Vianna, Cercal e Nuno Côrte-Real estão obviamente cheios de razão quanto ao direito iberico differir consideralvelmente entre si. Assim por exemplo este ultimo confrade tem obviamente toda a razão: a divisão entre a tradição iberica occidental asturo-leonesa-castelhana que mais tarde influenciou a nossa e a oriental catalã-aragonesa e mais tarde valenciana é um facto historico ― em practicamente qualquer campo, desde a administração e as leis da era medieval à heraldica e linhagistica. E este confrade escreve ainda que:
"Além disto, não me parece que as nobrezas peninsulares fossem sensivelmente mais "anárquicas" do que a maioria das restantes."
N'isto tem obviamente tambem razão. Assim como os confrades Vianna e Cercal, que escrevem o mesmo com outras palavras. Mas..... é exactamente isso o que quero dizer [!]: como o confrade Cercal tambem menciona, ainda assim os varios direitos ibericos possuem characteristicas em commum não partilhadas pello germanico e escandinavo.
Os direitos nobiliarchicos da Europa occidental assemelham-se de certa forma às divisões das familias linguisticas. N'este caso temos três grandes familias ― a latina, a germanica, e a eslava ― e ainda alguns raros casos ou totalmente isolados, como o basco, ou quasi ― como os hungaros e finlandeses, da mesma familia mas tão distantes um do outro que não se entendem. E dentro das familias latina &c temos então subdivisões que pouco significam: português e castelhano são linguas latinas, sem practicamente qualquer relação com as germanicas.
Mais ou menos o mesmo quis dizer com os direitos nobiliarchicos do periodo que descrevo, isto é, a partir do ultimo quartel do seculo XVII. Vejo apenas três grandes e qualitativamente differentes systemas: o germanico, o escandinavo, e esse terceiro que chamei "iberico" por ser o nosso, em todas as suas variantes, mesmo fora da Peninsula. Porque fundamentalmente as differenças entre estas variantes não são significantes. O que importa é se se aceita successão por via feminina ou não. Se é com três, ou duas, ou quatro quebras de varonia não interessa. Da mesma forma, o que importa é se qualquer burguês pode ascender a qualquer grau de nobreza ou não. Se os cargos reservados a nobres requerem "8 Ahnen", ou quatro costados, ou "16 Ahnen" não interessa. E tambem da mesma forma, o que importa é se ser-se nobre confere alguma especie de privilegios ou não. Se os privilegios são monopolios de certos cargos, ou isenção fiscal, ou direitos juridicos não interessa. Foi isto que quis dizer: existem criterios qualitativos mais importantes que outros, existem differenças mais fundamentaes que outras. Existem assim fundamentalmente três grandes systemas: o germanico, o escandinavo, e o que chamei iberico por ser o nosso. Espero que me tenham entendido melhor agora.
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O confrade Nuno Côrte-Real escreve ainda que:
"Há muito que se sente a falta de um estudo comparativo entre a nobreza portuguesa e as congéneres estrangeiras."
Isto é sem duvida verdade. Ora nós podemos fazer uma analyse comparativa a qualquer thema na horizontal ou na vertical. Podemos comparar por exemplo na horizontal os direitos nobiliarchicos de Portugal, Espanha, França, o Imperio, &c. E podemos comparar na vertical o direito nobiliarchico português ao codigo penal português, ao systema de ensino português, &c. Este ultimo caso interessará principalmente a estudiosos da sociedade portuguesa. E o primeiro caso interessará principalmente a historiadores da theoria do poder de qualquer pais ― e talvez leitores de genealogias.
Mas podemos tambem ser ambiciosos e fazer as duas cousas ao mesmo tempo: analysar e comparar os direitos nobiliarchicos europeus e a relação entre estes e as outras instituições das sociedades, e investigar a evolução historica. E só então poderemos começar a appreciar plenamente o significado e o valor de qualquer direito nobiliarchico: as suas repercussões na sociedade e no tempo.
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Para dar três exemplos concretos dos nossos dias, nos paises escandinavos desde a decada de 1930 pode-se verificar uma fortissima tradição politica, economica e social egalitaria social-democrata. Qual será a relação entre este phenomeno e o direito nobiliarchico que vimos na Parte IV?
E a Allemanha e a Austria desde a segunda Guerra Mundial têm vivido uma igualmente forte mas muito mais conservadora realidade politica, economica e social nos moldes da democracia Christã. Qual será a relação entre este phenomeno e o direito nobiliarchico visto na Parte III?
E na actualidade os paises latinos do Sul não possuem um systema politico, economico ou social consensual ― não existe um modello iberico ou italico do mesmo modo que se pode falar de um modello germanico, escandinavo ou britannico, tão marcadamente differentes entre si. O Sul anda por assim dizer à deriva, sem um projecto claro e bem definido. Qual será a relação entre este phenomeno e os nossos varios direitos nobiliarchicos?
Apenas colloco as questões como suggestões para reflexão dos confrades.
Aceitem todos os meus melhores cumprimentos,
Anachronico
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RE: Egrejas e egalitarismo no Norte
Caro confrade Campesino,
Muito obrigado pella resposta. É sempre tão bonito ver que se pode conversar amigavelmente sobre as cousas, mesmo não quando não temos bem a mesma opinião sobre ellas.
O confrade escreve uma cousa interessante e que eu appreciaria se quiser aprofundar:
"Na verdade, nas ultimas décadas parece que as tendências culturais tem se invertido, os protestantes estão mais parecidos conosco, são cada vez mais liberais em tudo, já a Igreja Católica tem variado muito, esta parecendo rígida em comparação com os protestantes"
Como sou europeu, quando falo de Protestantes refiro-me principalmente aos Lutheranos, aos Calvinistas &c no Centro e Norte da Europa. Mas tambem é verdade que no seculo XIX o numero de Methodistas e Baptistas nos Estados Unidos cresceu enormemente, e que appareceram ainda outros grupos, como os Adventistas, a egreja Pentecostal &c. E sei que alguns de todos estes estão agora em crescimento no Brasil. É a esses que se refere, ou aos nossos no nosso lado do Atlantico?
Sei que as diversas egrejas Lutheranas no Norte sensivelmente no ultimo meio seculo adoptaram certas practicas bastante liberaes. Mas é muito importante lembrar que desde a Reformação estas egrejas foram do Estado. E algumas ainda o são. Isto é, existem Ministerios da Egreja em alguns paises, e Ministros da Egreja que são burocratas nomeados pello primeiro ministro e com poder de decisão sobre todas as materias religiosas. Apenas para dar um exemplo, o presente Ministro da Egreja do governo social-democrata na Dinamarca, Manu Sareem, [que tambem occupa a pasta da Igualdade Entre os Sexos] é um atheu nascido no Punjab na India. É homem sympathico e de certo modo bem intencionado, mas da fé Christã não entende nada.
Nas egrejas do Estado no Norte a nomeação dos proprios bispos necessita approvação ministerial. E todos os padres são empregados publicos pagos pello Estado. Podemos assim ver como algumas egrejas Lutheranas do Norte não são independentes: são controlladas por politicos. Os bispos não podem falar sobre qualquer thema. E por isso as Egrejas tornaram-se totalmente apoliticas: evitam qualquer polemica e apenas discutem nas suas Missas o sexo dos Anjos. O que para alguem que goste de Theologia como eu até chega a ser interessante: os padres no Norte não são educados em seminarios como os nossos padres Catholicos; são theologos com sete ou oito annos de estudos universitarios e totalmente versados na Alta Critica. Assim, os sermões dos padres Lutheranos attingem frequentemente niveis theologicos verdadeiramente impressionantes: discutem Dogmatica como suspeito que poucos padres Catholicos entre nós sejam capazes de fazer. Conheci certa vez alguns theologos na Escandinavia, e ainda hoje correspondo varias vezes por mês com um d'elles [por signal uma senhora Catholica], e de certo modo apprecio os themas que discutem nos seus sermões. Mas para a maioria dos crentes creio que será bastante aborrecido a longo prazo, e mesmo absurdo. Aqui vemos novamente a differença entre o frio e abstracto Protestantismo e o muito quente e concreto Catholicismo. Os sermões Catholicos são frequentemente muito mais importantes do poncto de vista humano: fala-se de Deus e da Fé, mas tambem do Homem e do seu character. Fala-se do amor e do perdão. Fala-se, afinal, de nobreza, não a das genealogias, mas a do coração.
Quanto às Egrejas que são controladas por politicos, estes no ultimo meio seculo ou mais forçaram as Egrejas a adoptar practicas a que a maioria dos proprios bispos e padres se opunha. Quando foram obrigadas pellos politicos a aceitar mulheres como padres, por exemplo, a grande maioria dos bispos era contra. Ainda hoje muitos padres o são, os chamados "fundamentalistas". Assim como alguns crentes ― typicamente em districtos ruraes ― não aceitam por exemplo ser casados por um padre do sexo feminino. E agora mesmo ― n'este mesmo mês de Junho de 2012 ― os politicos obrigaram a Egreja Lutherana da Dinamarca a futuramente casar homosexuaes em cerimonia religiosa. Apenas não forçam cada padre; isso será uma questão de consciencia de cada padre em cada caso. E assim mais uma vez uma das Egrejas do Norte se encontra profundamente divida.
Por causa d'este controle politico das Egrejas, estas tornaram-se tão insipidas que perderam quasi todo o significado que antes tinham. Os bispos não se pronunciam; com um certo exaggero podem ser accusados de ser meros administradores. E tudo se admitte entre o clero: de padres fundamentalistas da velha eschola ao caso celeberrimo do verão de 2003 de Thorkild Grosbøll, um padre que declarou officialmente não accreditar em Deus. N'esse Maio deu uma entrevista a um dos mais respeitados periodicos escandinavos em que declarou não accreditar em Deus. Mais tarde confirmou a affirmação. Cito:
"Deus pertence ao passado. Na realidade Elle é tão antiquado que não entendo como pessoas modernas podem accreditar na Sua existencia. Estou verdadeiramente cansado de toda a conversa vazia sobre milagres e a vida eterna."
A bispa de Elsinore, conservadora, suspendeu o padre em Junho. Em Julho o Ministro da Egreja decidiu que o caso deveria ser julgado em corte ecclesiastica, e collocou o padre sob observação da bispa. Os inqueritos iniciaes terminaram em Fevereiro de 2005; mas antes do processo continuar o Ministro da Egreja em Maio annulou a sua decisão anterior e collocou o padre sob observação de outro bispo marcadamente mais liberal, o bispo de Roskilde. E n'esse mesmo mês este confirmou o padre que não accreditava em Deus, que continuou nas suas funções de sacerdote até se reformar em 2008.
Este exemplo é paradigmatico da situação da Egreja na Escandinavia durante todo o seculo XX. E hoje estas são lugares onde as pessoas baptizam os filhos, casam e são enterradas. E practicamente ninguem vai à Missa durante o resto do anno: as estatisticas de missas que não chegam a ser celebradas por falta de comparencia de crentes estão a attingir niveis assustadores. Por causa de tudo isto, viu-se na ultima duzia de annos um movimento na Escandinavia a favor da separação dos respectivos Estados e Egrejas. E no anno de 2000 a Egreja sueca foi mesmo separada do Estado. E este mesmo anno de 2012 vimos tambem mudanças na Noruega: até 21 de Maio este anno, o paragrapho 2 da constituição da Noruega affirmava que "A Egreja Evangelica Lutherana é a Religião official do Estado". Isto acaba agora de ser mudado para "Os nossos valores são a nossa herança Christã e Humanista [...] Democracia e Direitos Humanos". A separação entre a Egreja e o Estado foi quasi absoluta: o Estado continua a pagar salarios e a manter os edificios, mas toda a organização politica foi eliminada ― a Egreja agora governa-se a si propria, e pode dizer o que quiser. Mas as Egrejas Lutheranas da Dinamarca e da Finlandia são ainda egrejas do Estado controladas pello mesmo. Resta ver se na Finlandia o Estado tambem forçará a Egreja a celebrar casamentos entre homosexuaes. Como nota final posso acrescentar que todas as Egrejas nordicas celebram já casamentos entre divorciados, apesar de no ritual de casamento Lutherano ainda se usar o "até à morte". Mal comparado faz lembrar Shakespeare: "Cowards die many times before their deaths".
Esta é a situação dos Protestantes na Escandinavia. Posso acrescentar que na Allemanha existe uma união de mais de vinte Egrejas Protestantes de varias denominações, creada depois da primeira Grande Guerra e da queda do Imperio Allemão. Aqui a composição é tão confusa que sinceramente desisti de me lembrar de todas; é uma mescla com forte componente Lutherana e Reformada. Mas todas as Egrejas foram separadas do Estado depois de 1918, e sendo independentes tomam posições muito mais marcantes que as congeneres nordicas. Na Bavaria e na Austria como se sabe a grande maioria é Catholica. Nos Paises Baixos existe tambem uma maioria Catholica; as varias Egrejas Lutheranas e Reformadas uniram-se em 2004 para formar uma Egreja Protestante hollandesa unida, que engloba aspectos das varias doctrinas e lithurgias e é como as allemãs independente e mais "militante" que as nordicas. A Polonia como se sabe é Catholica ferrenha. Na Hungria a população está dividida entre Catholicos e Protestantes Reformados, mas sinceramente sei pouco sobre estes; ambas as minhas namoradas hungaras em tempos idos eram de familias Catholicas, e assim apesar de saber bem que existe uma grande minoria Protestante vejo sempre a Hungria como um pais Catholico e nunca investiguei o caso.
Por fim posso ainda dizer que em certos aspectos tambem os paises Catholicos vão mudando as suas leis em sentido liberal. Aqui não é a Egreja de Roma a mudar, mas a propria população suppostamente Catholica que o vai fazendo. Não sei se o confrade Campesino sabe, mas em Portugal deram-se dous casos de referendos quanto à despenalização do aborto: em 1998 e 2007. No primeiro o resultado foi de 50,9% contra; mas em 2007 já 59% dos que votaram deram o seu "Sim", o que não deixa de ser notavel n'um pais que se julga Catholico. E outros referendos nas mais Catholicas Irlanda e Malta deram resultados semelhantes. Na Irlanda em 1986 uma proposta de permittir o divorcio foi rejeitada nas urnas pellos irlandeses; mas em 1995 novo referendo deu um resultado de 50,3% a favor contra 49,7% contra. E na sympathica ilha de Malta um referendo o anno passado [2011] quanto a permittir o divorcio após quatro annos de separação obteve um resultado a favor de 53%. Com toda a certeza os malteses não teriam votado a favor do livre aborto, mas ainda assim as cousas vão mudando.
Continuando o themas dos referendos, e como afinal são os themas de nobreza que aqui mais nos interessam, posso mencionar um ultimo referendo: o da Dinamarca de 2009 sobre uma alteração constitucional quanto à linha de successão ao throno a favor do principio de primogenitura absoluta. Aqui 77% dos votos foram a favor; e se não considerarmos os interessantes 9% de votos em branco [apparentemente votos de esquerda n'um protesto contra a monarchia] a percentagem de votos a favor foi de 85%. Como se sabe a Suecia foi a primeira monarchia a adoptar este principio em 1980, seguida dos Paises Baixos em 1983 e da Noruega em 1990. Por aqui se pode ver como no Norte das fortes tradições agnaticas germanicas [ainda não mencionei o caso, mas os Paises Baixos seguem de perto o direito nobiliarchico germanico], as populações e governos nas ultimas decadas cada vez mais se afastaram dos principios d'esse mesmo direito. Voltarei a isto na Parte VI.
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Quanto à economia quero fazer um commentario, porque como veremos mais tarde é altamente relevante quanto às "acepções de nobreza" que discutimos.
Como o confrade Campesino deve saber, a União Europeia tem um orçamento annual composto pellas contribuições de cada estado membro. E a União usa esse orçamento para, entre outras cousas, tentar melhorar a situação em regiões mais pobres que a media dos estados membros. Portugal foi assim desde 1986 um dos paises que mais beneficiou d'esses fundos de desenvolvimento em relação ao que contribuiu.
Mais de metade d'esse orçamento é usado para subsidiar a agricultura europeia. Mas essa agricultura tem duas faces: no Sul vemos ainda muitos agricultores semi-analphabetos com machinaria obsoleta em terras pouco ferteis, e uma immensidão de mini e microfundios. E mesmo a quasi totalidade das nossas grandes herdades é characterizada por agricultura extensiva com baixos indices de productividade.
No Norte a agricultura é um monstro de producção intensiva: grandes herdades frequentemente nas mãos da aristocracia, como analysarei em detalhe na Parte VI, a cultivar terras bastante mais ferteis que a media iberica ou italiana, e com equipamento do mais moderno que existe. Sem poder obviamente competir em termos de tamanho com as grandes fazendas do agribusiness brasileiro que o confrade Campesino certamente conhece bem, podem competir ao nivel technologico com o melhor do mundo. Fiquei por exemplo sinceramente impressionado à epocha do tractado de Maastricht [1992] quando n'uma das grandes herdades nobres que veremos na Parte VI vi pella primeira vez tractores com computadores de bordo que analysavam as characteristicas do solo metro por metro para poder sempre applicar a quantidade de fertilizantes &c mais adequada às characteristicas d'esse especifico metro quadrado. Ora mesmo que comprassemos semelhante equipamento para as nossas herdades no Alentejo poucos o saberiam usar na altura, ficariam a olhar para aquillo e a dizer: "Ó patrão, mas eu não sei usar isso...". E as decadas entretanto passaram, mas as condições infelizmente não tanto assim.
A União Europeia subsidia assim por um lado bastante agricultura totalmente obsoleta no Sul, e agricultura no Norte com condições de producção de tal ordem que chega a ser indecente: nas Caraibas por exemplo é muito mais barato hoje comprar açucar produzido na Escandinavia pella Danisco, a gigante mundial no campo de açucar, enzymas e certos outros ingredientes para a industria alimenticia, que comprar açucar de cana local. A Danisco [o confrade Campesino e todos nós todas as semanas comeremos comida com ingredientes da Danisco; estão em tudo; faz lembrar a crypto-chemocracia de Stanislaw Lem] está assim a massacrar a industria açucareira das Caraibas graças em parte à politica de subsidios da União Europeia, um exemplo infelizmentee typico.
E veja quem mais contribui annualmente para o orçamento da União Europeia, e alguns dos beneficiados:
Milhões de euros
Allemanha 22.220 12.240 +9.980
Reino Unido 13.740 8.300 +5.440
França 17.300 13.500 +3.800
Italia 14.360 10.920 +3.440
Paises Bxos 5.555 2.190 +3.365
Suecia 2.830 1.570 +1.260
Dinamarca 2.130 1.500 +630
Austria 2.300 1.830 +470
Grecia 1.880 6.835 -4.955
Espanha 8.960 12.880 -3.920
Polonia 2.100 5.300 -3.200
Portugal 1.445 3.635 -2.190
Belgica 4.035 5.625 -1.590
Não deixa de ser interessante este exemplo; e a unica razão porque a contribuição liquida da Allemanha não é maior é porque a velha Allemanha oriental é de facto pobre e por isso recebe tambem bastante. Ainda assim se pode ver, por exemplo, como a Allemanha e os Paises Baixos, com 100 milhões de habitantes, cada anno contribuem o dobro, em termos liquidos, da França e da Italia com 125 milhões
E este é apenas um exemplo entre muitos do que eu quero dizer. Não vou cansar o confrade com mais numeros, mas apenas deixar a suggestão.
O confrade tem toda a razão quanto a certas cousas que escreve sobre o thema. Tem por exemplo razão quando diz que foram em parte os bancos allemães que originaram parte da crise ao emprestar dinheiro a economias tão pouco solidas. Mas quer que lhe diga a verdade? Apenas um pai tem o dever de supervisionar e se necessario administrar os gastos do seu filho de onze annos. Um homem adulto não pode nunca culpar outro por lhe ter emprestado dinheiro. Apenas se pode criticar a si proprio por o ter esbanjado. Os dirigentes do Sul foram tratados como adultos; infelizmente mostraram não estar à altura. Mas criticar agora quem lhes emprestou dinheiro em vez de se criticar a si proprios por não o terem sabido administrar é pura e simplesmente infantil; chega a ser vergonhoso.
Quanto ao divertido caso da Noruega: tem toda a razão, e todos se riem alias no resto do Norte dos ridiculos preços noruegueses ― todos sabem que mesmo uma pizza ou uma cerveja em Oslo custa quasi o dobro do que custa em Copenhague ou Estocolmo, cidades já de si nada baratas. E o mais curioso é que a Noruega antes do petroleo era um pais relativamente pobre: tinha as pescas e as madeiras, e quando muito alguma energia hydroelectrica, e nada mais. O petroleo mudou tudo. Se reparar nas vinte empresas mais capitalizadas da bolsa de valores de Oslo, quasi três quartos estão directamente relacionadas com a industria petrolifera ou o mar: para alem das gigantes Statoil e Norsk Hydro temos por exemplo empresas com os suggestivos nomes de Golden Ocean Group, Marine Harvest, Petroleum Geo-Services, Seadrill, Subsea 7, &c, &c...
O confrade Campesino menciona a recente "Crise da Manteiga", que me fez ― a mim e a todos os que gostam de troçar amigavelmente os noruegueses sempre que para isso temos um pretexto, e mesmo sem elle ― rir bastante na altura. Mas a verdade é que o fundo de investimentos do estado norueguês que recebe parte das receitas do petroleo ― por isso chamado Fundo do Petroleo ― tem uma fortuna de mais de 500 mil milhões de euros, isto n'um pais de 5 milhões de habitantes. Accredite que os noruegueses não têm grandes problemas economicos no contexto em que vivemos. E para alem dessa "Crise da Manteiga" houve n'outros paises nordicos uma "Cura das Batatas" em meados de oitenta e um "Conflicto do Fermento" na decada de noventa. Os nomes que a imprensa inventa são sempre divertidos; mas os problemas não são tão grandes como a imprensa por vezes parece suggerir. O "Conflicto do Fermento" em 1998, tal como a crise que refere, foi o typico effeito de hysteria em massa, o Effeito Lemming que tantas vezes vemos nos mercados accionistas. Mas as economias escandinavas são, no contexto actual e das ultimas decadas, solidas como rocha. Porque será? Ora vamos ver.
Antes do petroleo a Noruega não tinha mais recursos naturaes que Portugal. Da mesma forma, a Dinamarca não tem mais recursos naturaes que Portugal para alem de petroleo no Mar do Norte desde os annos setenta. Alias, esta é precisamente uma das razões porque gosto de comparar Portugal aos paises nordicos, e especialmente a Dinamarca. Porque enquanto a Suecia por causa do ferro sempre teve uma certa grande industria ― já em 1641 compramos nós duzentos canhões e dous mil mosquetes suecos para fazer frente aos castelhanos nas guerras que se adivinhavam ―, repare nas hoje grandes empresas dinamarquesas. Apenas no campo da pharmaceutica fundaram-se no primeiro quartel do seculo XX:
LEO Pharma [1908], lider mundial quanto a dermatoses
Lundbeck [1915], lider mundial quanto a certa neuropharmaceutica
Novo Nordisk [1923], lider mundial no campo da diabetes
Novozymes [1923], lider mundial quanto a enzymas bio-industriaes;
ALK-Abello [1923] lider mundial no campo de allergias
Como o confrade pode ver, nenhuma d'estas empresas requeria recursos naturaes. Todas requeriam recursos humanos: scientistas nos seus laboratorios. E a grande maior parte das empresas escandinavas são assim, quer se fale de conductores electricos, catalystas, &c.
E aqui vemos novamente a relevancia do direito nobiliarchico escandinavo da Parte IV. O egalitarismo escandinavo fez com que muito cedo se apostasse na educação do povo. Já na decada de 1720 mandou o rei Frederik IV da Dinamarca fundar 240 escholas em todo o pequeno reino para filhos do povo. Estas 240 escholas ― equivalentes, mutatis mutandis, a perto de quinhentas escholas em Portugal ― foram construidas nos annos 1721-1727. Imagine-se como as cousas talvez tivessem sido differentes se D. João V na mesma epocha tivesse ordenado a fundação de meio milhar de escholas em cada villa e aldea de Portugal... Não quero enveredar pellos caminhos da historia contra-factual, apenas quero fazer ver aos confrades o excepcional na fundação de escholas por todo um reino já na decada de 1720. Curiosamente, vinte e cinco d'estas velhas escholas ainda hoje servem a funcção original. Outras são hoje bibliothecas ou archivos &c; outras ainda são residencias privadas.
E menos de cem annos mais tarde, em 1814, foi creada a eschola publica na Dinamarca, obrigatoria e gratuita para todos. E como se pode imaginar a Suecia não tardou mais uma vez a imitar os seus "hermanos". E por isso puderam os escandinavos ainda no seculo XIX ou inicio do seculo XX fundar todas as empresas como as pharmaceuticas que mencionei. E por isso existe hoje na Escandinavia uma população com um nivel de educação e logo flexibilidade laboral altissimos. E é por isso que qualquer crise na Escandinavia nas ultimas decadas acabou por ser menos grave que no estrangeiro ― porque, simplificando, o sector privado logo se adapta, porque a flexibilidade do mercado de trabalho é enorme.
A prosperidade escandinava de hoje acaba assim por ser parcialmente um resultado da tradição egalitaria escandinava iniciada em 1660, que vimos no direito nobiliarchico nordico na Parte IV. A causalidade exacta poderá ser discutida: até que poncto causa, e até que poncto effeito? Mas a relação entre o direito nobiliarchico, as outras instituições da sociedade ― no caso o systema de ensino ― e as repercussões no tempo é clara. E é isto que principalmente acho interessante. Qualquer direito nobiliarchico observado de perto não nos dirá muito. Observado de mais longe poderá dizer tudo.
Enfim, já escrevi demasiado sobre os escandinavos. Na Parte V explicarei certos detalhes sobre a situação na Allemanha e na Austria depois da primeira Grande Guerra e outras cousas, pois parece-me que há importantes detalhes que nem sempre são bem entendidos fora dos respectivos paises. E tambem porque os casos são exemplares quanto às acepções de nobreza no "quadro cosmopolita e europeista em que vivemos", que é afinal o thema.
Mais uma vez obrigado pellos seus commentarios e respostas,
Anachronico
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RE: Esclarecimentos - patriotismo, religião, e auto-critica
Caro Confrade Francisco Cercal
Agradeço-lhe muito a sua informação.Realmente em Genealogia o que conta é o direito. E compreende-se assim seja.
Conheci o caso de um senhor que legitimou o filho da amante da mulher, e sabia disso,para evitar escândalo, como se fosse de facto o pai biológico.Assim, a descendência do legitimado que, ainda mais, tinha as feições do pai biológico usava apelidos que não lhe pertencia,mas que os filhos passaram a usar de pleno direito.
Grato vos fico.Com os melhores cumprimentos,
Rafael Carvalho
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RE: o systema "iberico"
Meu caro Confrade Anachronico,
É com o maior interesse que leio as suas mensagens, e peço-lhe que acredite que aprendo muito com cada uma delas.
Concordo quando refere o rigor, nem sempre seguido, da nobreza escandinava e alemã. Não vejo por que razão os 16 costados nobres fossem exigidos a partir do século XVIII. Nos bailes da Corte Austríaca, no século XIX, eram apenas exigidos oito, e não eram seguidas na prática. Temos como exemplo a mulher de Francisco Fernando que, apesar de ter sido tratada até ao fim como aia, com o leque e as luvas, símbolo das damas das rainhas, sobre o seu caixão, não tinha costados suficientes para desempenhar qualquer cargo na corte.
O rigor era só aplicado à nobreza?
Concordo menos quando surge um país novo, a Prússia, que primou pelo desrespeito dos direitos da realeza e nobreza, como a anexação de Schleswig-Hosltein, por exemplo, com total desprezo pela Dinamarca e nobreza dessa província dinamarquesa, ter confirmado direitos nobiliárquicos alemães que viriam a ser aceites.
E mais tarde, os duques de Wurtemberg, feitos reis por Napoleão? E os duques das Duas Pontes, afilhados dos Reis Luis XVI e Maria Antonieta, Reis da Baviera, também por vontade de Napoleão? E os Leuchtenberg? E os Saxe-Coburgo-Kohary? Estas duas últimas famílias teriam oito costados nobres?
O rigor era só aplicado à nobreza?
É interessante o Livro de Nobreza Sueco, no qual as famílias nobres são referidas por números. Não concordo, seria impensável em Portugal, Espanha, França e Inglaterra, a adopção de Bernardotte, general de Napoleão, cuja mulher, Desirée Clary, era filha de um fabricante de sabão no sul de França. Acho o pormenor de ter tatuado no peito "Mort Au Roy" apenas um fait-divers embaraçoso, esquecendo o sangue, que na Europa, sálica ou não, era o garante da nobreza.
Mas falamos dum plebeu revolucionário que mais tarde foi feito rei. O filho dele seria pelo sangue filho de um revolucionário e neto do dono de uma fábrica de sabão.
O rigor era só aplicado à nobreza?
Concordo ainda menos com a lei sucessória francesa, a mais sálica de todas, pois, os primos maternos não são considerados parentes, mas apenas descendentes de alianças da Casa, como constam "à peine" das genealogias familiares. Mais tarde foi tomada a decisão com que concordo que uma família que não tenha sucessor possa adoptar o nome, registado no Ministério de Justiça, para que um determinado património herdado por senhoras pudesse ser identificado. Temos o caso de Haroué, um lindíssimo castelo dos príncipes de Beaveau-Craon, herdado pela primogénita de duas filhas, usando o nome da Casa.
(O Pai do presidente Giscard d'Estaing, fê-lo, tendo sido aceite membro da Sociedade de Cincinnatti, nobres franceses, como Lafayette, que combateram na América, para depois ser desmascarado e demitido).
E a expressão "le coq anobli la poule" é de uma falta de cortesia insultuosa.
Acredito que em França não se aplica apenas à nobreza.
Não gostaria de ser maçador, mas terminaria, abusando da paciência do meu caro Confrade, referindo o Príncipe Filipe, duque de Edimburgo. Nascido príncipe da Grécia, dinastia dinamarquesa, filho de uma princesa de Battenberg, da família de Hesse, que, depois do casamento de um príncipe da Casa de Hesse com uma baronesa, dama da corte, filha de um barão, filho de um alfaiate judeu, casamento morganático, deu início a uma nova família, os Battenberg, que passou a Inglaterra, casando com duas filhas da Rainha Vitória, deu uma rainha a Espanha, e que durante a guerra decidiu mudar o nome para Mountbatten.
Não é príncipe grego, pois adopta o nome da Mãe, que entretanto é inglesado. Não é interessante?
Mais uma vez peço desculpa por me ter alongado e que aceite os meus melhores cumprimentos
Vianna
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RE: Esclarecimentos - patriotismo, religião, e auto-critica
Meu Caro confrade Francisco Cercal,
Obrigado pela transcrição deste artigo do "Tratado das Pessoas Honradas". O autor limita-se a reproduzir um artigo das Ordenações Filipinas. Desculpe não indicar o numero do artigo, mas estou neste momento no campo e só tenho à mão ancinhos, tesouras de poda e outras alfaias agrícolas. Mas se tiver realmente interesse nisso, quando regressar a Cascais e aos meus livros terei muito gosto em indicar o artigo correspondente daquele código.
Embora eu não deseje ressuscitar velhas polémicas sobre a questão das varonias (em Portugal tendencialmente azedas e comprovadamente inúteis), gostaria ainda assim de lhe fazer notar que a sucessão na fidalguia materna não exclui a necessidade da nobreza paterna. Porque à luz do direito pátrio em vigor na Monarquia (e em todos os países sob influencia do direito romano), a condição da mulher acompanhava basicamente a do marido. Em caso de casamento de mulher fidalga com vilão ou plebeu, a nobreza daquela simplesmente derrogava, não havendo lugar a qualquer transmissão. A não ser por acto de especial graça.
Os meus cumprimentos,
Nuno Côrte-Real
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RE: o systema "iberico"
Meu caro confrade Anachronico,
Muito obrigado pela sua resposta, e não há nada de que deva desculpar-se. Para mim é um privilégio poder ler os seus interessantes, sempre inteligentes e muito bem escritos textos.
A parte que mais me interessou foi aquela em que debateu a influencia hipotética do factor religioso (Protestantismo v.s. Catolicismo) nas formas de organização das nobrezas europeias (Norte v.s. Sul).
Achei curioso ter citado "A Ética do Protestantismo", de Max Weber. Também é um dos meus livros preferidos (embora não tanto como "La Democratie en Amerique", de Tocqueville, o meu livro de mesinha de cabeceira desde há muitos anos). No entanto (talvez por certa desatenção), não consigo encontrar em Weber uma relação de causa e efeito entre o Protestantismo e a organização das nobrezas germânicas. O impacto do ascetismo e da doutrina da Predestinação sobre a burguesia protestante (nomeadamente sobre o seu comportamento económico) está lá muito bem demonstrado. Mas eu diria que o mesmo impacto não existiu sobre o ethos aristocrático. Pelo contrário, a relação entre a nobreza e as correntes mais radicais do Protestantismo, designadamente o Calvinismo e seus derivados, foram tendencialmente problemáticas. Á doutrina da Predestinação, propugnadora de um Povo Eleito (os predestinados por Deus à Salvação) não podia ser simpática a existencia de uma classe de Privilegiados pelo sangue, de "eleitos" laicos escolhidos pelo Estado. Talvez por esta razão, nos Estados Unidos da América, tão Puritanos e Calvinistas na sua origem, nunca medrou uma aristocracia hereditária.
Quanto à questão da sucessão nobre matrilinear poder ser um derivado do Catolicismo e designadamente da tradição Mariana, tenho também as minhas dúvidas. Por um lado, não vejo que a sucessão matrilinear da nobreza seja regra geral na Europa Católica. Em Espanha, a Hidalguia (a nobreza de sangue básica) transmite-se exclusivamente por varonia, ao contrário dos títulos. Em quase toda a Itália, a nobreza transmite-se por via agnática. E o Cristianissimo e muito Católico Reino de França foi quem inventou a Lei Sálica, que sempre seguiu com inflexibilidade. Em contrapartida, a Calvinista Escócia tem um regime de sucessão nobre matrilinear ainda mais flexivel do que o português. Posto isto, o que fica do culto Mariano para explicar a aceitação da sucessão nobre por via matrilinear?
Se quisermos explicar a ampla aceitação da sucessão feminina no regime da nobreza portuguesa por um critério de tipo religioso, arriscaria outra hipótese: a infiltração das tradições culturais judaicas nos modos e costumes portugueses, após a conversão forçada e a emergência social dos cristãos-novos. Ou não é verdade que Judeu é todo aquele que é filho de judia, sendo para este efeito totalmente indiferente a identidade do progenitor?
Os meus cumprimentos,
Nuno Côrte-Real
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RE: Esclarecimentos - patriotismo, religião, e auto-critica
Caro confrade Nuno Côrte-Real,
Folheando casualmente Boletim Oficial do Conselho da Nobreza (Títulos 1948-1998, Lisboa 2000) encontro pelo menos um título na posse de famílias cuja varonia é estrangeira, plebeia, e profissional de "ofício mecânico", cuja dignidade foi transferida para os actuais titulares por via matrilineal, dado o matrimónio do fundador com uma aristocrata portuguesa.
Estaremos perante um precedente jurídico, ou apenas um caso isolado insuficiente para produzir jurisprudência?
Subscrevo-me com a mais elevada consideração,
Francisco Cercal
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RE: Esclarecimentos - patriotismo, religião, e auto-critica
Caro Confrade Francisco Cercal,
Desculpe, mas apenas me interessa debater assuntos com relevancia histórica ou cultural.
Os meus cumprimentos,
Nuno Côrte-Real
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RE: Esclarecimentos - patriotismo, religião, e auto-critica
Ordenações Filipinas (1603), Livro 5, §. 4
Dos que tomam insignias de armas e dom ou apelidos que lhes não pertencem [pars pro toto]
"E todos aquelles, que não stando assentados em nossos livros por Fidalgos, ou não forem feitos Fidalgos por nossa special mercê, ou dos Reys nossos antecessores, ou não sendo filhos, nem netos de Fidalgos da parte de seus pais, ou mãis, se chamarem Fidalgos, assi em contractos, ou Alvarás, ou quaisquer outras scripturas, ou apresentarem em cada huma das taes scripturas, ou Alvarás, em que lhes chamem Fidalgos, ou dellas usarem, haverão das mesmas penas custas em tresdobro, e mais pagarão cem cruzados, ametade para quem os accusar, e a outra para a nossa Camera."
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RE: Esclarecimentos - patriotismo, religião, e auto-critica
Capítulo III — Da Nobreza natural, ou hereditária
VIII. Os filhos naturais, ou bastardos, tambem gozão da Nobreza de seus pais, ainda mesmo que as suas mãis sejão escravas, com tanto que o filho seja livre ao tempo que morrer o pai; o filho natural da mulher nobre, como não seja prostituta, está nas mesmas circunstancias, e goza da nobreza materna.
(Luiz da Silva Pereira Oliveira, "Privilégios da Nobreza e Fidalguia de Portugal", p. 22)
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RE: Esclarecimentos - patriotismo, religião, e auto-critica
"A number os states permitted matrimonial ennoblement either through the matrilineal transmission of noble status, as in Austria, Bohemia and various municipalities of the Holy Roman Empire, or through the matrilineal descent of land".
(Michael Bush, "The European Nobility, vol. II — Rich Noble, Poor Noble", p. 79. Manchester University Press, 1988)
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RE: Esclarecimentos - patriotismo, religião, e auto-critica
Tem importância também para o tema em geral a seguinte seção. De
Shakespeare, William, The Life of Henry the Fift, 1600, http://www.gutenberg.org/cache/epub/2253/pg2253.html
"(...)
King. Sure we thanke you.
My learned Lord, we pray you to proceed,
And iustly and religiously vnfold,
Why the Law Salike, that they haue in France,
Or should or should not barre vs in our Clayme:
And God forbid, my deare and faithfull Lord,
That you should fashion, wrest, or bow your reading,
Or nicely charge your vnderstanding Soule,
With opening Titles miscreate, whose right
Sutes not in natiue colours with the truth:
For God doth know, how many now in health,
Shall drop their blood, in approbation
Of what your reuerence shall incite vs to.
Therefore take heed how you impawne our Person,
How you awake our sleeping Sword of Warre;
We charge you in the Name of God take heed:
For neuer two such Kingdomes did contend,
Without much fall of blood, whose guiltlesse drops
Are euery one, a Woe, a sore Complaint,
'Gainst him, whose wrongs giues edge vnto the Swords,
That makes such waste in briefe mortalitie.
Vnder this Coniuration, speake my Lord:
For we will heare, note, and beleeue in heart,
That what you speake, is in your Conscience washt,
As pure as sinne with Baptisme
B.Can. Then heare me gracious Soueraign, & you Peers,
That owe your selues, your liues, and seruices,
To this Imperiall Throne. There is no barre
To make against your Highnesse Clayme to France,
But this which they produce from Pharamond,
In terram Salicam Mulieres ne succedant,
No Woman shall succeed in Salike Land:
Which Salike Land, the French vniustly gloze
To be the Realme of France, and Pharamond
The founder of this Law, and Female Barre.
Yet their owne Authors faithfully affirme,
That the Land Salike is in Germanie,
Betweene the Flouds of Sala and of Elue:
Where Charles the Great hauing subdu'd the Saxons,
There left behind and settled certaine French:
Who holding in disdaine the German Women,
For some dishonest manners of their life,
Establisht then this Law; to wit, No Female
Should be Inheritrix in Salike Land:
Which Salike (as I said) 'twixt Elue and Sala,
Is at this day in Germanie, call'd Meisen.
Then doth it well appeare, the Salike Law
Was not deuised for the Realme of France:
Nor did the French possesse the Salike Land,
Vntill foure hundred one and twentie yeeres
After defunction of King Pharamond,
Idly suppos'd the founder of this Law,
Who died within the yeere of our Redemption,
Foure hundred twentie six: and Charles the Great
Subdu'd the Saxons, and did seat the French
Beyond the Riuer Sala, in the yeere
Eight hundred fiue. Besides, their Writers say,
King Pepin, which deposed Childerike,
Did as Heire Generall, being descended
Of Blithild, which was Daughter to King Clothair,
Make Clayme and Title to the Crowne of France.
Hugh Capet also, who vsurpt the Crowne
Of Charles the Duke of Loraine, sole Heire male
Of the true Line and Stock of Charles the Great:
To find his Title with some shewes of truth,
Though in pure truth it was corrupt and naught,
Conuey'd himselfe as th' Heire to th' Lady Lingare,
Daughter to Charlemaine, who was the Sonne
To Lewes the Emperour, and Lewes the Sonne
Of Charles the Great: also King Lewes the Tenth,
Who was sole Heire to the Vsurper Capet,
Could not keepe quiet in his conscience,
Wearing the Crowne of France, 'till satisfied,
That faire Queene Isabel, his Grandmother,
Was Lineall of the Lady Ermengare,
Daughter to Charles the foresaid Duke of Loraine:
By the which Marriage, the Lyne of Charles the Great
Was re-vnited to the Crowne of France.
So, that as cleare as is the Summers Sunne,
King Pepins Title, and Hugh Capets Clayme,
King Lewes his satisfaction, all appeare
To hold in Right and Title of the Female:
So doe the Kings of France vnto this day.
Howbeit, they would hold vp this Salique Law,
To barre your Highnesse clayming from the Female,
And rather chuse to hide them in a Net,
Then amply to imbarre their crooked Titles,
Vsurpt from you and your Progenitors
King. May I with right and conscience make this claim?
Bish.Cant. The sinne vpon my head, dread Soueraigne:
For in the Booke of Numbers is it writ,
When the man dyes, let the Inheritance
Descend vnto the Daughter. Gracious Lord,
Stand for your owne, vnwind your bloody Flagge,
Looke back into your mightie Ancestors:
Goe my dread Lord, to your great Grandsires Tombe,
From whom you clayme; inuoke his Warlike Spirit,
And your Great Vnckles, Edward the Black Prince,
Who on the French ground play'd a Tragedie,
Making defeat on the full Power of France:
Whiles his most mightie Father on a Hill
Stood smiling, to behold his Lyons Whelpe
Forrage in blood of French Nobilitie.
O Noble English, that could entertaine
With halfe their Forces, the full pride of France,
And let another halfe stand laughing by,
All out of worke, and cold for action
Bish. Awake remembrance of these valiant dead,
And with your puissant Arme renew their Feats;
You are their Heire, you sit vpon their Throne:
The Blood and Courage that renowned them,
Runs in your Veines: and my thrice-puissant Liege
Is in the very May-Morne of his Youth,
Ripe for Exploits and mightie Enterprises
Exe. Your Brother Kings and Monarchs of the Earth
Doe all expect, that you should rowse your selfe,
As did the former Lyons of your Blood
West. They know your Grace hath cause, and means, and might;
So hath your Highnesse: neuer King of England
Had Nobles richer, and more loyall Subiects,
Whose hearts haue left their bodyes here in England,
And lye pauillion'd in the fields of France
Bish.Can. O let their bodyes follow my deare Liege
With Bloods, and Sword and Fire, to win your Right:
In ayde whereof, we of the Spiritualtie
Will rayse your Highnesse such a mightie Summe,
As neuer did the Clergie at one time
Bring in to any of your Ancestors
King. We must not onely arme t' inuade the French,
But lay downe our proportions, to defend
Against the Scot, who will make roade vpon vs,
With all aduantages
(...)"
Herculano L. E. Neto
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RE: Weber e o Marianismo
Caro confrade Nuno Côrte-Real,
Relendo agora varias mensagens procurando uma do confrade Cercal para lhe responder, vejo que me enganei quando antes citei o seu talvez "anarchico": foi afinal o confrade Cercal que empregou o termo e não o Nuno Côrte-Real, cuja mensagem apparece immediatamente depois. Entendo agora melhor porque o confrade me chamou à attenção quanto ao facto, a que ainda assim respondi a primeira vez convicto de que fora o confrade quem empregara o termo. Enfim, foi um d'aquelles lamentaveis lapsos que por vezes vemos: terei lido a sua mensagem immediatamente a seguir à da do confrade Francisco Cercal e lembrei-me mal.
Quanto à sua ultima mensagem, parece que possivelmente fez duas leituras ligeiramente erradas do que escrevi quanto a Weber e o factor religioso. Assim explico:
I
Escreve ter achado curioso eu ter mencionado a "Ethica do Protestantismo e o Espirito Capitalista" de Max Weber, e logo depois commenta que não consegue encontrar em Weber uma relação de causa e effeito entre o Protestantismo e a organização das nobrezas germanicas. E eu entendo-o bem: Weber não menciona nenhuma relação. Não sei se julga que eu mencionei Weber com intenção de indicar essa relação; isso seria de facto absurdo, mas não foi o que fiz. Escrevi [e agora com mais rigor e citações, para evitar novo caso "anarchico" [!]:
"Mas existe uma grande differença entre os casamentos dos nobres portugueses com mulheres de origens burguesas na primeira metade do seculo XIX e os equivalentes escandinavos: as casas tituladas portuguesas estavam n'essa altura fortemente endividadas. A velha nobreza escandinava não. Nunca examinei as causas d'isto [o relativo não-endividamento escandinavo]; não sei se terá sido devido à famosa "Ethica Protestante e o Espirito Capitalista" de Max Weber [...]"
Isto é, referia-me apenas à relação entre o Protestantismo e a accumulação de capital que Weber descreve, e que explicaria a riqueza relativa da nobreza escandinava da primeira metade do seculo XIX vis-à-vis a sua congenere portuguesa.
Conheço casos raros de endividamento entre esta nobreza escandinava Lutherana, e conheço alguns interessantes commentarios da mesma nobreza sua contemporanea quanto ao phenomeno. Estes parecem claramente indicar condemnação geral, mas ainda não investiguei o phenomeno a fundo, e muito possivelmente nunca o chegarei a fazer. Seneca, outro pensador que apprecio immenso, escreve que a vida é longa se a soubermos empregar. Mas ainda assim não temos tempo para tudo. Por isso suggeri Weber.
_________________________________
II
No segundo caso, o confrade escreve:
"Quanto à questão da sucessão nobre matrilinear poder ser um derivado do Catolicismo e designadamente da tradição Mariana, tenho também as minhas dúvidas."
― Entendo perfeitamente que as tenha. Ora o confrade Cercal fez essa suggestão ― que alias é apenas isso mesmo: não me parece que este nosso confrade affirme o principio ― e eu respondi ao confrade Cercal:
i) "existe uma clarissima correlação entre religião e estructuras sociaes"
ii) "Com isto quero apenas suggerir que existe uma correlação directa entre o perdão Catholico ― o errare humanum est, que tanto define a religião de Roma ― e a falta de rigor generalizada do mundo latino Catholico."
iii) "E existe uma igual correlação directa entre a inclemencia e a severidade Protestantes e os rigosos systemas administrativos e normativos do Norte da Europa."
― Isto é, falo da relação entre "religião" e "estructuras sociaes", "falta de rigor generalizada" e "systemas administrativos e normativos". Dou razão ao confrade Cercal, mas falando em termos geraes. Não falo nem de Marianismo nem de successão por via feminina. O Marianismo será muito possivelmente uma das causas mas apenas uma causa entre varias do perdão Catholico, o errare humanum est a que eu já dou bastante importancia; e a aceitação de quebras de varonia é apenas um dos possiveis aspectos d'esse perdão. Foi o que quis dizer com:
iv) [...] No Sul Catholico quasi tudo se perdoa. E assim, tambem se perdoam por exemplo quebras de varonia. O nosso direito nobiliarchico apenas reflecte a nossa sociedade."
Na mesma mensagem o confrade Cercal cita muito bem Kenneth Clark e a falta do "principio feminino da existencia" no Protestantismo. E apenas podemos concordar com Clark, e por isso o fiz. E para alem do Marianismo mencionei ainda a falta das sanctas Catholicas, e na realidade de qualquer figura feminina, no Protestantismo. E como escrevi:
v) "Toda a cultura Protestante acaba assim por ser viril, dura, implacavel. Não existem mulheres no Protestantismo. Falta uma certa dose de ternura materna, de carinho ― tudo aquillo a que eu chamo o perdão Catholico."
― Repare novamente que eu nunca affirmei que a falta do Marianismo e de outras figuras femininas no Protestantismo são a razão porque successão por via feminina é mais vista no Sul que no Norte. Em nenhum dos casos i)-v). A "ternura materna" influencia o perdão Catholico, mas não podemos equiparar os conceitos.
E logo após ter dado toda a razão à observação de Clark escrevi ao confrade Cercal:
vi) "Tendo dicto isto, é notavel ― à primeira vista mesmo paradoxal ― como na Austria e na Bavaria Catholicas, assim como em varios estados menores tambem Catholicos do Sul da Allemanha, se practicaram sempre as mesmas tradições linhagisticas que no Norte mais tarde Protestante. Mas essas tradições já estavam precisamente firmemente estabelecidas no seculo XVI: o Protestantismo foi muito posterior ao direito nobiliarchico do Sacro Imperio. [...] E isto reflecte como escrevi mais a natureza electiva do Sacro Imperio e a complexa politica de allianças matrimoniaes dos numerosos Estados do Imperio que a religião."
Esta citação vi) parece-me bastante clara.
Como nota final, posso esclarecer que o perdão catholico parece-me mais importante no que toca a falta de rigor quanto à applicação rigorosa das regras, isto é, a tolerancia ou aceitação de excepções, quer em termos de quantidade como de qualidade das mesmas.
Os meus melhores cumprimentos, e perdoe-me as citações pedanticas, mas assim se evitam casos "anarchicos" ;-)
Anachronico
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RE: Weber e o Marianismo
Caro Anachronico,
Obrigado pela sua resposta. É natural que as mensagens longas e complexas gerem um ou outro equivoco, um ou outro erro de percepção. Não vejo nisso inconveniente de maior, está na ordem natural das coisas.
Quanto às minhas duas interpretações menos certeiras:
- Relativamente a Weber não se tratou exactamente de uma réplica à sua posição. Foi mais um comentário "a latere". O Confrade estabeleceu uma relação indirecta entre o protestantismo e a situação das nobrezas nórdicas, na medida em que o desenvolvimento do capitalismo na Europa do Norte (uma consequencia imediata da ética protestante, na optica weberiana) pudesse ter favorecido a riqueza e afluência daquelas. Aproveitei então para fazer um comentario generalista sobre as relações entre o protestantismo mais radical e a nobreza, que me parecem ter sido problemáticas. Julgo que não terá havido propriamente equivoco.
-No tocante ao culto Mariano, já me pareceu que os confrades lhe davam facto um lugar central na justificação da maior aceitação das quebras de varonia na Europa Católica. Por causa deste periodo:
"Quanto à transmissão matrilinear de nobreza em países católicos: arriscaria dizer que o culto mariano, inexistente nos paises protestantes, torna os latinos muito mais veneradores daquilo que Kenneth Clark chamava " o principio feminino da existência"..." etc.
Se equívoco houve, teve a ver com a importância decisiva que atribui a este periodo na vossa argumentação.
Independentemente de eventuais deslizes de interpretação face a textos tão extensos, continua a parecer-me que o "culto da Mãe" das culturas latinas e do Catolicismo não explica uma suposta aceitação generalizada da sucessão nobre por via feminina. Como já referi noutra mensagem, a transmissão de nobreza nos paises católicos e latinos é essencialmente agnática (o caso da Lei Sálica em França é paradigmático). E, pelo contrário, na Calvinista Escócia, as armas, os senhorios e os titulos transmitem-se tranquilamente por herdeira.
Quanto ao perdão católico, tenho também duvidas relativamente ao valor explicativo que lhe foi dado. Porque o perdão pressupõe o pecado - que nem sequer existe quando a sucessão nobre matrilinear é uma prática legitima, regulada pelo costume ou pela lei, como se pretende que tenha sido na generalidade dos países católicos do Sul.
Vejo o impacto do perdão (de facto tão caracteristicamente Católico) sobretudo no domínio da sucessão dos filhos ilegítimos. Coisa impensável, como sabe, nos paises da Reforma, a começar pela Inglaterra, onde o bastardo nem sequer as armas paternas pode herdar.
Os meus cumprimentos
Nuno Côrte-Real
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RE: Weber e o Marianismo
Caro Nuno Côrte-Real,
Sua colocação sobre o termo perdão é muito boa; eu também não entendo o porquê de Anachronico com ele referir-se à legitimidade de transmissão em via feminina.
Parece-me sua frase abaixo pode levar a engano, pelo que coloco o texto seguinte.
"Vejo o impacto do perdão (de facto tão caracteristicamente Católico) sobretudo no domínio da sucessão dos filhos ilegítimos. Coisa impensável, como sabe, nos paises da Reforma, a começar pela Inglaterra, onde o bastardo nem sequer as armas paternas pode herdar."
Cf. Fox-Davies, Arthur Charles, A Complete Guide to Heraldry, T. C. & E. C. Jack, London 1909, Marks of Bastardy, http://archive.org/details/completeguidetoh00foxdrich
pp. 515-518
"If any one of illegitimate birth desires to obtain a right to arms he
has two courses open to him. He can either (not disclosing the fact
of his illegitimacy, and not attempting to prove that he is a descendant
of any kind from any one else) apply for and obtain a new grant of
arms on his own basis, and worry through the College the grant of a
coat as closely following in design that of the old family as he can
get, which means that he would be treated and penalised with such
alterations (not " marks of distinction ") as would be imposed upon a
stranger in blood endeavouring to obtain arms founded upon a coat
to which he had no right. The cost of such a proceeding in England
is £76, I OS., the usual fees upon an ordinary grant.
The alternative course is simple. He must avow himself a bastard,
and must prove his paternity or maternity, as the case may be (for in
the eye of the law — common and heraldic — he bears the same relation,
which is nil, and the same right to the name and arms, which is nil, of
both his father and his mother).
(...)
It will be noticed that I have said he will be required to prove his
paternity. This is rigorously insisted upon, inasmuch as it is not fair
to penalise the reputation of a dead man by inflicting upon him a record
of bastard descendants whilst his own life might have been stainless.
An illegitimate birth is generally recorded under the name of the
mother only, and even when it is given, the truth of any statement as
to paternity is always open to grave suspicion. There is nothing,
therefore, to prevent a person asserting that he is the son of a duke,
whereas his real father may have been in a very plebeian walk in life ;
and to put the arms of the duke's family at the mercy of any fatherless
person who chose to fancy a differenced version of them would be
manifestly unjust, so that without proof in a legal action of the actual
paternity, or some recognition under a will or settlement, it is im-
possible to adopt the alternative in question. But if such recognition
or proof is forthcoming, the procedure is to petition the Sovereign for
a Royal Licence to use (or continue to use) the name desired and to
bear the arms of the family. Such a petition is always granted, on
proper proof of the facts, if made in due form through the proper
channels. The Royal Licence to that effect is then issued. But the
document contains two conditions, the first being that the arms shall be
exemplified according to the laws of arms " with due and proper marks
of distinction," and that the Royal Licence shall be recorded in the
College of Arms, otherwise " to be void and of none effect." The
invariable insertion of this clause puts into the hands of the College one
of the strongest weapons the officers of arms possess.
"
Cumprimentos,
Herculano L. E. Neto
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PARTE V - O nome - Allemanha & Austria, 1919-
PARTE V ― O nome ― Allemanha & Austria, 1919-
Caros confrades,
Volto à sequencia da narrativa. Chegamos a uma parte fundamental d'este topico, que afinal é sobre "acepções de nobreza" no "quadro europeista e cosmopolita em que vivemos", para novamente citar o confrade Cercal. Saliento "em que vivemos".
Depois de nas Partes III & IV descrever a Austria e a Escandinavia nos seculos XVII-XIX, vou agora descrever a practica anthroponymica na Allemanha nos nossos dias ― que me parece francamente brilhante e muito illustrativa quanto à questão das acepções de nobreza ― e a ainda mais significativa ― como veremos no fim ― practica austriaca depois de 1919.
___________________________
AUSTRIA, 1919-
Na Austria succedeu algo extraordinario em 1919. Depois da derrota na Grande Guerra, da queda da monarchia e da fragmentação do velho imperio, a nova republica não só revogou todos os privilegios da nobreza, mas prohibiu tambem o uso de titulos e armas, e até o uso dos indicadores de nobreza nos apellidos ― as preposições "von"/"zu" & "und". Parecia um desejo de vingança ― como que para castigar a classe militar nobre que perdera o imperio. Ainda hoje esta legislação está em vigor; as prohibições de 1919 foram mesmo incluidas na constituição de 1920 [Artigo 149, paragrapho 1], que tambem prohibe qualquer membro das velhas casas nobres reinantes do Imperio de se candidatar à presidencia da republica austriaca [Artigo 60, paragrapho 3].
Referencias:
Artigo 149, paragrapho 1 da constituição austriaca:
"Gesetz vom 3. April 1919, StGBl. Nr. 209, betreffend die Landesverweisung und die Übernahme des Vermögens des Hauses Habsburg-Lothringen;"
― "[Lei de 1919] sobre o banimento e transmissão de bens da Casa de Habsburgo-Lorena [ao Estado];"
"Gesetz vom 3. April 1919, StGBl. Nr. 211, über die Aufhebung des Adels, der weltlichen Ritter- und Damenorden und gewisser Titel und Würden;"
― "[Lei de 1919] sobre a abolição da Nobreza, das Ordens, de Titulos e Dignidades;"
Artigo 60, paragrapho 3:
"Ausgeschlossen von der Wählbarkeit sind Mitglieder regierender Häuser oder solcher Familien, die ehemals regiert haben."
―"Excluidos da eligibilidade [para a presidencia da republica] são os membros de Casas reinantes ou de Familias que no passado tenham reinado."
Esta legislação ainda está em vigor. No processo de admissão à União Europeia a Austria insistiu em clausulas de excepção quanto ao ultimo artigo citado, que vai obviamente contra o direito europeu e seria condemnado se levado a tribunal.
Assim, e apenas para dar um exemplo de uma linhagem já mencionada [Parte IV], o conde austriaco Galeas von Thun und Hohenstein, grão-mestre da Ordem Soberana de Malta 1905-1931, passou a ser chamado apenas cidadão Thun Hohenstein na Austria em 1919. E qualquer descendente d'esta ou de qualquer outra casa titulada não tem hoje direito a "von" e "und" no nome, nem a usar os titulos e armas historicas da linhagem, e nem a se candidatar à presidencia da republica austriaca.
Voltaremos a isto. Antes de 1919 a practica austriaca era a allemã que segue.
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ALLEMANHA, 1919-
Na Allemanha depois da Grande Guerra de 1914-1918 não se deu o caso austriaco. Na legislação allemã d'esse mesmo anno de 1919 que igualmente revogou todos os velhos privilegios da nobreza, os titulos detidos perpetuaram-se nos nomes dos nobres que os detinham de forma hereditaria, como sempre tinham feito. Assim, todos os velhos titulos fazem hoje simplesmente parte do nome dos descendentes por linha varonil. O nome hypothetico de "Franz Ferdinand Freiherr von Frankenstein" ["von" pronuncia-se "fón"] significa simplesmente "Francisco Fernando barão de Frankenstein" e denota que este descende por varonia dos barões de Frankenstein; "Freiherr" significa litteralmente "senhor livre".
Todos os filhos e filhas recebem o titulo do pai no nome, tal como sempre se fez. Para as mulheres usa-se uma palavra de origem francesa para filhas de titulares e a palavra germanica para mulheres de titulares. Assim, a filha de um barão é "Baronesse" e a mulher de um barão é "Freifrau/Freiin", enquanto a filha de um conde é "Komtesse" e a mulher de um conde é "Gräfin". Esta distincção é tambem usada na Dinamarca, mas não na Suecia nem nos Paises Baixos.
Uma mulher ao casar-se acrescentará o titulo do marido, se este tiver algum; mas uma mulher ao ter filhos não transmittirá o titulo que herdou do pai.
Para dar um caso concreto dos nossos dias de um ramo de uma das linhagens mencionadas pello confrade Herculano Neto, os Sayn-Wittgenstein:
Alexandra Rosemarie Ingrid Benedikte Prinzessin zu Sayn-Wittgenstein-Berleburg Gräfin von Pfeil und Klein-Ellguth é filha do principe de Sayn-Wittgenstein-Berleburg e logo "Prinzessin", e ainda condessa ― "Gräfin" ― por casamento.
No entanto, o seu primogenito nascido em 1999, Friedrich Richard Oscar Jefferson Graf von Pfeil und Klein-Ellguth, é apenas conde ― "Graf" ― tal como seu pai; a referencia à famalia dos principes, por ser por via feminina, desapareceu.
E a dicta princesa teve ainda uma filha nascida em 2003, Ingrid Alexandra Irma Astrid Benedikte Komtesse von Pfeil und Klein-Ellguth. Ora se esta condessa vier a casar com por exemplo um "Schmidt" plebeu, toda e qualquer referencia nobre no nome dos seus filhos desaparecerá.
Imaginemos que isto succede. Entre nós estes bisnetos de principes, com apenas duas quebras de varonia, considerar-se-iam sem duvida a si proprios como nobres. No Norte estes filhos de um plebeu serão plebeus. A regra germanica é e sempre foi tão extraordinariamente simples quanto isto.
Devo acrescentar que o facto de qualquer filho de um nobre titular allemão herdar o titulo do pai não significa que é de facto por exemplo conde. Apenas o chefe da linhagem o é; nos casos de seus irmãos, sobrinhos e netos &c o titulo é de cortesia e apenas indica descendencia por legitima varonia ― isto é, que se está na linha de successão ao titulo. É esta a genialidade do systema germanico, tão frequentemente mal entendida e por vezes ridicularizada no estrangeiro. Qualquer "Graf von X und Y" está na linha de successão ao titulo, isto é, a chefia da Casa, independentemente de estar em segundo ou em vigesimo lugar. Qualquer "Graf von X und Y" descende por legitima varonia do progenitor da linhagem. E quem não tiver esse nome não descende por linha varonil do mesmo. Os titulos do pai são transmittidos automaticamente a todos aquelles que têm o direito de os usar. E assim ninguem que não tenha o titulo no nome poderá alguma vez querer usar os titulos ou as armas da linhagem. Tudo claro como o dia. Não sei o que os confrades pensarão; pessoalmente acho esta simplicidade absolutamente admiravel.
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APPELLIDOS & SENHORIOS
Se considerarmos as consequencias da regra patrilinear germanica mencionada e da tradição senhorial do Sacro Imperio, poderemos então perceber como a grande maioria dos numerosos duplos, triplos ou quadruplos appellidos germanico-austriacos não refere a duas ou mais linhagens paternas e maternas, mas quasi sempre a
1) o appelido original de uma linhagem e o senhorio do ramo em questão
2) simplesmente dous ou mais senhorios, acummulados pella mesma familia ou ramo ao longo dos tempos
Um typico exemplo do primeiro caso: os principes von Kolowrat-Liebsteinsky ― mencionados na Parte III ― eram simplesmente o ramo da linhagem dos Kolowrat da Bohemia senhores do castello de Liebstein desde o seculo XV. Do mesmo modo o unico dos cinco ramos dos Kolowrat que sobreviveu até os nossos dias, o dos Kolowrat-Krakovsky, é o ramo dos Kolowrat senhores do castello de Krakovec tambem desde o seculo XV.
Um typico exemplo do segundo caso, o mais frequente: os principes von Oettingen-Oettingen. O então condado desta linhagem, centrado à volta da villa de Oettingen na Suabia, foi em 1557 dividido entre o ramo Protestante de Oettingen-Oettingen [7/12 do condado, onde estava a villa] e o ramo Catholico de Oettingen-Wallerstein [5/12, onde estão os palacios e castellos de Wallerstein, Harburg e Baldern, todos ainda na posse da familia]. O ramo Catholico viria, graças ao principio germanico da successão agnatica, a herdar o ramo dos seus primos Protestantes quando esse se extinguiu na linha varonil em 1731,voltando assim a assumir o nome Oettingen-Oettingen. Poucos annos mais tarde nova divisão deu origem ao ramo Oettingen-Spielberg.
A esmagadora maioria dos duplos ou triplos appelidos allemães e austriacos são appellidos senhoriaes como estes, com uma clara referencia geographica. A maioria dos titulares allemães e austriacos pertence a linhagens tão antigas que não possuem um appellido: possuiram senhorios, normalmente desde a era medieval. Contrariamente ao que talvez se possa imaginar, os nobres germanico-austriacos não são "Meneses-Noronha", "Vasconcellos-Castro-Sottomayor", ou "Vasconcellos-Meneses-Albuquerque", para mencionar alguns dos nossos appellidos da nobreza medieval de origem toponymica que rapidamente deixaram de indicar senhorio. Entre a nobreza titulada allemã e austriaca os "appellidos" quasi sempre indicam o senhorio.
Fiz um exercicio engraçado: traduzindo para português, o nome dos condes "de Penamacor-Sabugal" ou "de Penamacor e Sabugal" indica claramente que estes seriam originalmente senhores de Penamacor, muito provavelmente na era medieval, e teriam herdado ou adquirido ainda o senhorio de Sabugal. E se o chefe da linhagem casasse com a filha herdeira dos vizinhos condes "de Monsanto" extinctos na linha varonil, passaria a ser conde "de Penamacor-Sabugal-Monsanto" ou "de Penamacor e Sabugal-Monsanto".
Se por alguma partilha ou, no caso do seculo XVI, devido a differentes observancias religiosas, o nosso hypothetico condado beirão fosse dividido, teriamos assim por exemplo um ramo chefe "de Penamacor-Penamacor" talvez Catholico, um ramo "de Penamacor-Sabugal" Lutherano e um ramo "de Penamacor-Monsanto" Calvinista. Mais tarde posteriores compras, escambos, extincções e heranças poderiam resultar por exemplo n'um ramo chefe "de Penamacor-Penamacor e Monsanto-Belmonte" Catholico, e no tal ramo "de Penamacor-Sabugal" dos primos Lutheranos. E graças às regras de succesão agnatica, se algum d'esses ramos se extinguisse na linha varonil, voltariamos então a ter a linhagem dos condes "de Penamacor e Monsanto-Belmonte-Sabugal" ― sem duvida uma importante familia na Beira Interior. Como expliquei em certa mensagem, ao contrario dos nossos condados portugueses, que eram apenas construcções abstractas que englobavam direitos e terras &c espalhadas um pouco por todo o pais, os senhorios do Sacro Imperio eram muito concretos: eram castellos e villas, e senhores frequentemente soberanos. A grande maior parte dos appellidos germanicos da nobreza titulada é assim: apenas reflecte esta fortissima tradição senhorial germanico-austrica.
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EXCEPÇÕES
Como acabamos de ver, filhas herdeiras de linhagens extinctas na linha varonial transmittiam o senhorio ao marido, que assim o acrescentava ao seu nome. Isto não pode ser considerado transmissão de titulos ou appellidos por via feminina. Era uma transmissão de senhorio apenas. Se uma herderia de uma familia condal se casasse com um barão, transmittiria assim o senhorio dos condes ao marido. Mas o barão continuaria sendo um barão.
Existem obviamente, mesmo no bastante rigoroso systema germanico, excepções à regra da transmissão patrilinear de appellidos-senhorios. Na Parte III mencionei o caso dos Dietrichstein-Mensdorff em 1868; o caso mais conhecido é obviamente o da propria Casa de Habsburgo-Lorena [Habsburg-Lothringen], como a dynastia reinante do Imperio se passou a chamar depois da morte do ultimo varão Habsburgo [ver Parte III]. E justamente n'essa altura do septimo avô austriaco do confrade Cercal temos outro d'esses raros casos, que merece ser mencionado por ser paradigmatico: o caso dos Khevenhüller-Hochosterwitz. Os Khevenhüller eram uma linhagem da Carinthia do seculo XIV; este ramo era ― e ainda é ― senhor do extraordinario castello de Hochosterwitz, na Carinthia.
Em 1728 o conde von Khevenhüller-Hochosterwitz casou com a filha herdeira do ultimo varão dos condes Metsch, chanceller do Sacro Imperio [†1740]. Mais tarde, e no seguimento do que ficou escripto na Parte IV sobre embaixadores, este conde foi embaixador do Imperio em Munique, nos Paises Baixos, em Copenhague, Dresden e Varsovia nas decadas de 1730-1740. Em 1744 o conde foi feito cavalleiro do Tosão de Ouro, e no anno seguinte foi nomeado "Oberstkämmerer" ou camareiro-mor da corte imperial, o segundo cargo na hierarchia da corte [ver Parte III]. E em 1751, nove annos depois da morte do sogro chanceller, foi auctorizado pella imperatriz Maria Theresa a unir o appellido da mulher ao seu, dando origem à casa de Khevenhüller-Metsch. Este é um raro caso de principal nobreza austriaca cujos appellidos não denotam qualquer senhorio ― quando curiosamente Hochosterwitz é um dos mais magnificos castellos austriacos ― e um raro caso de um appellido transmittido por via feminina. De referir ainda que em 1764 o conde foi elevado a principe do Imperio, e em 1770 foi nomeado "Obersthofmeister" ou mordomo-mor da corte imperial, o mais alto cargo da corte.
Pello caso do futuro principe e mordomo-mor da corte imperial Khevenhüller-Metsch se poderá talvez ter uma noção da excepcionalidade do phenomeno de transmissão não patrilinear de appellidos na Austria do seculo XVIII: não era qualquer um que recebia essa auctorização. Existem tambem casos em que nobres menores o fizeram, como o dos Echter ainda hoje senhores do castello de Mespelbrunn, em que uma filha do ultimo varão da linhagem em 1648 recebeu auctorização do imperador para perpetuar o nome ao casar com um Ingelheim; mas todos estes casos são tão relativamente raros que não merecem consideração.
[A titulo de curiosidade, o castello de Hochosterwitz, dos principes Khevenhüller-Metsch:
http://static.panoramio.com/photos/original/74780202.jpg]
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A BURGUESIA NOBILITADA
Como vimos a grande maioria dos appellidos da alta nobreza germanica apenas denota os seus senhorios. Como ultimo exemplo d'estes appellidos de origem senhorial posso mencionar os barões Bibra, senhores do castello de Bibra na Thuringia desde o inicio do seculo XII: este é o dominio senhorial mais antigo da Thuringia e dos mais antigos da Allemanha; os barões Bibra possuem ainda os castellos de Irmelshausen [desde 1376] e Brennhausen [desde 1681], ambos na Bavaria.
A burguesia nobilitada começou por lei de 1630 a usar obrigatoriamente a preposição "von" antes do appellido familiar, obviamente sem referencia a um titulo ou senhorio inexistente. Um exemplo famoso é Johann Wolfgang von Goethe, o auctor do Fausto, nobilitado em 1782. Ora Goethe não é um senhorio: este seria indicado com o respectivo titulo, por exemplo Johann Wolfgang Graf von Goethe. Assim, Johann Wolfgang von Goethe é claramente um burguês nobilitado. E assim se sabe immediatamente no mundo germanico se se trata de um nobre da velha nobreza medieval, sem apellido mas com titulo e senhorios, ou da burguesia nobilitada, com apellido, mas sem titulo e senhorios.
Para traduzir isto tudo para português e utilizar o exemplo anterior, há uma grande differença entre ser-se "Henrique conde de Penamacor-Sabugal-Monsanto" e apenas "Antonio de Cardoso", "Fernando de Amaral" ou "Francisco de Tavares": o primeiro é claramente de velha nobreza senhorial, os outros são burgueses nobilitados. Qualquer nome allemão indica isto com toda a clareza.
Todo este systema anthroponymico tem a enorme vantagem de qualquer pessoa desde a infancia saber o grau de nobreza, appellidos, titulos e armas a que terá direito. Salvo os casos das muito grandes familias nobres, com meia duzia ou mais de ramos com senhorios e titulos e complexas linhas de successão, a grande maior parte da nobreza terá um ou dous ramos apenas, como vimos no caso dos Oettingen-Oettingen e dos Oettingen-Wallerstein, e linhas de successão muito mais simples. Isto não pode ser repetido vezes sufficientes: o systema nobiliarchico allemão, tão rigoroso, com tão poucas excepções, é verdadeiramente exemplar na sua simplicidade. Aqui como quasi sempre, "less is more".
Todo este systema anthroponymico tem ainda outra enorme vantagem: de nada vale pesquisar genealogias à procura de parentescos para se poder affirmar nobre. Qualquer discussão é superflua: basta pedir a um qualquer allemão com manias de grandeza o seu "Personalausweis" ou BI para ver o seu grau de nobreza. Isto seria obviamente uma falta de tacto, mas acho que os confrades entendem o que quero dizer.
[Um commentario: resta saber se a legislação no futuro, em nome da igualdade dos sexos &c, permittirá a transmissão de titulos no nome por via feminina].
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E NOVAMENTE OS NOBRES AUSTRIACOS...
A Austria aboliu os titulos e indicativos de nobreza nos nomes em 1919. Mas mesmo no caso austriaco não temos problemas em identificar a velha alta nobreza da burguesia nobilitada. No citado exemplo allemão do principe de Sayn-Wittgenstein-Berleburg, este seria na Austria o cidadão Sayn Wittgenstein Berleburg ― assim como por exemplo os condes austriacos von Abensberg [na Bavaria] und Traun [na Alta Austria] hoje são os cidadãos Abensberg Traun.
Novamente usando o exemplo do nosso hypothetico condado beirão, "Henrique conde de Penamacor-Sabugal-Monsanto" seria hoje apenas "Henrique Penamacor Sabugal Monsanto", enquanto "Antonio de Cardoso", "Fernando de Amaral" e "Francisco de Tavares" perderiam a preposição e seriam apenas "Antonio Cardoso" &c. A differença é gritante.
As referencias a territorios são sufficiente indicativo de velha nobreza senhorial. E que importa então o titulo e as armas? Que importa affirmar que se trata de uma linhagem baronial ou condal? Os entendidos conhecerão o estatuto exacto de um cidadão Abensberg Traun. E os interessados poderão averiguar ― basta consultar o Gotha. Mas ninguem terá duvidas de que um cidadão Abensberg Traun, assim como o caso Thun Hohenstein que mencionei inicialmente, pertence à velha nobreza senhorial.
A lei austriaca de 1919 teve um resultado paradoxal: a intenção era attingir a alta nobreza, mas os unicos que foram affectados pella lei foram os nobres da "briefadel", os nobilitados de baixa nobreza equivalentes a fidalgos da Casa Real que apenas eram "von": hoje não se podem distinguir do resto da população. Restam os grandes velhos nomes, que são tambem os donos de grandes e velhos dominios: castellos, palacios e herdades, o que hoje resta dos condados &c do Imperio. Como veremos na Parte VI é isto o importante quanto à acepção de nobreza no Norte nos nossos dias: os titulos e armas em si pouco ou nada importam. Quem mandará pintar as suas armas nas portas do automovel, como antes se fazia no caso dos coches? Especialmente nada importam em republicas, sem cerimonias de corte, sem mordomos-mores e camareiros: são meras vaidades. E os Abensberg Traun & Cia. não se importam grandemente com questões de reconhecimento de titulos e armas. O nome diz tudo. A Austria dos nossos dias é assim verdadeiramente exemplar quanto à questão da acepção de nobreza como esta é entendida em todo o Norte da Europa: ou se é indubitavelmente nobre, ou não se é nobre ― isto é, é-se um plebeu, sem qualquer demerito. E é importante frisar que isto não é apenas a attitude dos nobres: é a opinião dos proprios plebeus.
No caso allemão não existe qualquer problema: o nome diz tudo, indicando mesmo o grau de nobreza. No ainda melhor caso austriaco, onde nem titulos nem armas são reconhecidos, tambem não existe problema: os nobres não se importam grandemente, pois os titulos e armas em si já nada significam. A attitude da nobreza austriaca depois de 1919 foi de um estoicismo e de uma dignidade admiravel. Nunca se dignaram sequer instituir um Conselho ou Instituto de Nobreza de character privado obviamente totalmente superfluo. Que importa o titulo quando se tem o nome? Que importam as armas quando se tem o Almanach Gotha? É este o exemplo dos nobres austriacos que perderam um imperio.
Os meus melhores cumprimentos a todos,
Anachronico
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RE: PARTE V - O nome - Allemanha & Austria, 1919-
Collegium Res Nobilis Austriae
http://www.coresno.com
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Collegium Res Nobilis Austriae
Caros confrades,
O confrade Cercal refere o "Collegium Res Nobilis Austriae" sem mais commentarios. Apenas para esclarecer e evitar mal entendidos:
O "Collegium Res Nobilis Austriae" é apenas um "grupo de trabalho" que investiga e tenta disponibilizar litteratura &c sobre a nobreza austriaca na internet, e onde tambem se discutem themas relacionados com a nobreza. Um pouco como o que aqui fazemos. Qualquer pessoa se pode registar como membro do grupo.
A primeira página:
"Welcome! The workgroup "Collegium Res Nobilis Austriae" concerns itself with hereditary-land and imperial Austrian acts and coat-of-arms bestowals as well as nobility-specific literature, beginning from the middle of the 19th century. The main focus of the work group is the indexing of existing literature and the expanding of the coat-of-arms collection. - On this site most of the text is only in german language available."
Página "Über uns" ― "sobre nós":
"Das "Collegium Res Nobilis Austriae" ist keine Adelsvereinigung [...]. Der Arbeitskreis führt auch keine wie immer geartete "Legitimationsprüfungen" oder "Nichtbeanstandungsverfahren" durch."
―"O "Collegium Res Nobilis Austriae" não é uma associação de nobreza [...]. O grupo de trabalho tambem não conduz quaesquer "Provas de legitimação" ou "Processos de reconhecimento".
Deixo como o confrade Cercal a referencia:
http://www.coresno.com/
Cumprimentos,
Anachronico
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RE: PARTE V - O nome - Allemanha & Austria, 1919-
Caro Anachronico,
Muito obrigado, mais uma vez, pela sua brilhante exposição.
Se mo permitir, gostaria de lhe colocar algumas questões relativamente a este assunto, não directamente relacionadas com os casos austríaco e alemão, e sim aos casos português e europeu.
A minha questão prende-se sobretudo com a questão de sobrevivência. Como sabemos, desde o princípio do séc XIX, que foram arrancadas, abruptamente, à nobreza portuguesa, todos os privilégios que possuía. Primeiro com o liberalismo, a extinção dos morgadios, etc. etc. E em seguida com o assassinato de El-Rei D. Carlos, e seu primogénito, e subsequente instauração da República. Não serão as transmissões de nobreza por quebras de varonia, etc. uma mera tentativa da nobreza portuguesa se reinventar, e sobreviver? Seríamos senão forçados a dizer que, salvo gloriosas excepções, a nobreza portuguesa estaria extinta.
A outra questão prende-se com o facto de, na prática, ou pelo menos, no meu entender, mas acredito poder estar errado, se observar que as chefias de várias Casa Reais europeias pertenceram, em várias situações, a senhoras. No caso britânico, foi até no reinado de duas destas senhoras que o respectivo país terá florescido sem precedentes.
Por outro lado, olhando para a rigidez do sistema austríaco-germânico, ficamos com a impressão que muitas casas eventualmente se extinguem. Assim gostaria de lhe perguntar, se na Áustria, e na Alemanha, existem muitas Casas que simplesmente.... deixaram de existir?
Com os meus melhores cumprimentos,
Pedro
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RE: Egrejas e egalitarismo no Norte
Prezado Anachronico,
Ainda acredito que não podemos comparar com exatidão os nobres portugueses aos germânicos, são dois mundos completamente diferentes, com regras e tradições diferentes. A verdade e’ que a Alemanha e outras regiões germânicas sempre foram independentes ou semi-independentes, o que gerou esta necessidade de estruturar a nobreza na forma descrita pelo confrade Anachronico. Posse de terras e territórios era o que realmente importava para a nobreza germânica, o que lembra um pouco a elite portuguesa estabelecida no Brasil e nos Açores, ou os “aristocratas” da Virginia nos Estados Unidos. Por outro lado, a alta nobreza de Portugal sempre esteve ligada a corte, era uma nobreza cortesã como a francesa. A Alemanha, assim como o Norte da Itália, era composta de diversos pequenos estados, que em teoria deveriam jurar fidelidade ao Imperador, às vezes faziam, outras vezes ignoravam. O “Imperador” foi uma figura fraca, quase simbólica. Os reis de Portugal por outro lado possuíam muito poder centralizado na coroa. Basta comparar os mapas de Portugal durante o ultimo milênio com os da Alemanha.
A nobreza austríaca só passou a ter esta forma mais rígida nos séculos mais recentes, quando houve a necessidade de diferenciar os austríacos dos prussianos, russos e poloneses. Estes últimos, com uma nobreza menos estruturada e mais liberal, passaram a se unir as famílias da nobreza austríaca. A coisa se tornou tão doentia na Áustria que gênios como Ludwig van Beethoven chegaram a sofrer seriamente com a intolerância austríaca. O caso de Beethoven foi estudado por diversos historiadores, este viveu 25 anos em Viena como nobre. A sociedade de Viena acreditava ou fingia que acreditava que Beethoven era nobre. Quando Beethoven pediu a guarda do sobrinho e entrou com o processo na corte da nobreza cometeu um erro, durante o processo Beethoven foi descoberto o que causou sérios problemas a sua carreira artística. Link para um dos artigos acadêmicos que discutem o caso:
http://www.jstor.org/stable/741620
Anachronico , quando comentei a diferença entre os católicos e protestantes estava falando precisamente do que o confrade argumentou em sua resposta a minha ultima mensagem. Estamos de acordo neste ponto, porem também não ignoro uma possível influencia judaica, o que foi mencionado pelo confrade Nuno Côrte-Real. Portugal tem uma historia tão complexa que qualquer tentativa de interpretar as tradições portuguesas tem que levar em consideração as diferentes tradições que existiram em Portugal.
Meus cumprimentos a todos,
Campesino
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RE: PARTE V - O nome - Allemanha & Austria, 1919-
Mas já acabou, caro confrade?
Forte abraço,
D.
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RE: PARTE V - O nome - Allemanha & Austria, 1919-
Estimado confrade Anachronico,
Aguardo com enorme expectativa o VI capítulo das suas brilhantes intervenções. E lamento não estar à altura da sua erudição para secundá-lo nos argumentos que tece.
Em todo o caso, tomo a liberdade de lhe endereçar as seguintes perguntas:
—De acordo com as suas palavras, há em Portugal "demasiados" armigerados. Tal julgamento de valor traduz a sua preferência subjectiva (passe o pleonasmo) pelo direito nobiliário e heráldico germânico em detrimento do lusitano, ou fundamenta-se em algum critério mais objectivo?
—Ao contrário da ordem jurídica portuguesa do Antigo Regime, o direito heráldico germânico e o escandinavo sempre permitiram ao "Terceiro Estado" assumir as armas que quisesse. O Colégio de Armas inglês aceita o registo de armas de qualquer súbdito de sua majestade que o requeira, sem que daí resulte a assunção de nobreza. Perante este contexto jurídico não haverá também demasiados armigerados nesses países, na sua opinião?
—Se as armas só deveriam poder ser transmitidas por varonia, então as dezenas de armas estrangeiras em uso no território nacional, transmitidas subsequentemente por via uterina e sufragadas por tanto por CBA como consuetudinariamente deveriam ser consideradas de nulo valor perante o direito heráldico?
—Se os critérios nobiliárquicos que prefere fossem aplicados ao nosso país, quantas famílias seriam expurgadas no Anuário da Nobreza? Quantos títulos teriam sido renovados? Haveria de todo cabimento para fidalgos pobres ou de classe média, ou o estamento admitiria apenas magnates?
Confesso que à luz da sua apologia dos critérios nobiliárquicos germânicos e escandinavos, surpreende-me sobremaneira que a CILANE continue a admitir a ANHP nas suas fileiras…
Cordialmente,
Francisco Cercal
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Nobreza titulada/armoriada portuguesa
Caros Confrades,
Muito bom dia!!
Dou os meus parabéns a todos aqueles que têm contribuído para este tópico. Na realidade, estamos perante um caso exemplar: quando queremos...conseguimos debater com civismo!!!
Bom...gostaria de levantar 2(duas) questões, se me for permitido:
I- Porque é que alguns "doutos confrades" se revoltam tanto contra a nobreza titulada/armoriada portuguesa??
Parto do princípio que, na enormíssima maioria dos casos, os títulos foram concedidos por "quem de direito"(o Rei...ou alguma outra personalidade ou entidade com poder para conceder e/ou reconhecer títulos nobiliárquicos).
II- No caso de recurso á "Genealogia Génética" será que ela iria confirmar a lídima primogenitura e varonia de todos aqueles que a pretendem ostentar??
Faz-me impressão uma determinada "visão paleolítica" da nobiliarquia. Como se não bastassem os registos falsificados que por aí pululam..., ainda se pretendem omitir(não raras vezes...) parentescos originados pela existẽncia de "primeiros matrimónios".
Com os meus melhores cumprimentos,
Artur Camisão Soares
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RE: Nobreza titulada/armoriada portuguesa
Caro Anachronico
«"Voltando ao assunto, acho triste que seus colegas germânicos tenham dado risada do sistema português, uma atitude que mostra certa falta de cavalheirismo e nobreza de caráter [...]"
Accredite que não é isso que se passa. Nem eu perderia o meu tempo com tal gente. Falamos afinal de historiadores com um profundo respeito pello thema. É assim mais aquelle riso incredulo de quando ouvimos uma estoria demasiado grotesca para ser verdade, mas demasiado incrivel para ser falsa. Não sei se me entende. Mas a verdade é que os varios escalões de nobreza não titulada n'um pais tão pequeno como Portugal são sinceramente comicos quando se conhece as realidades europeias. Entender-se-ia n'um grande imperio como o Imperio Allemão de Bismarck ou o Imperio Austro-Hungaro. Mas nem mesmo esses imperios ― ou o contemporaneo Reino Unido da era Victoriana ― tinham tantos escalões de nobreza não titulada como Portugal. E isto, tem que admittir, é paradoxal.»
Mas Portugal teve um Império!! Sinceramente...não compreendo como se alude a uma PEQUENEZ!!
Por outro lado...quantos desses NOBRES NÓRDICOS terão sangue real??
Com os meus melhores cumprimentos.
Artur Camisão Soares
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RE: Respostas a cinco confrades
Caros confrades Campesino, Cercal, Pedro e Vianna ― e agora Artur Soares
e demais confrades do forum,
Aqui segue uma muito longa resposta a todos, que me parece mais facil que escrever cinco mensagens para responder individualmente a cada confrade e questão.
E antes de tudo bem vindo ao confrade Artur Soares ― e muito obrigado pellas suas sympathicas palavras. Estamos de facto perante algo raro: perto já de uma centena de mensagens, e sempre com educação e respeito, apesar de algumas divergentes opiniões. Assim, agradeço em nome de todos: estamos todos de parabens.
Aos quatro confrades primeiro mencionados: agradeço como sempre os vossos commentarios, perguntas e uma ou outra sympathica palavra sobre o que aqui escrevo. E lamento como sempre não ter o tempo sufficiente para responder a cada um dos confrades com o rigor que todas as perguntas ou questões que collocam merecem. No entanto, aqui vai uma tentativa. E como sempre tento responder o mais rapidamente possivel a novos participantes, aqui estão primeiro as minhas respostas ao confrade Artur Soares, seguidas de respostas aos restantes:
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RESPOSTAS A ARTUR SOARES
ARTUR SOARES ― Porque é que alguns "doutos confrades" se revoltam tanto contra a nobreza titulada/armoriada portuguesa?? Parto do princípio que, na enormíssima maioria dos casos, os títulos foram concedidos por "quem de direito" (o Rei...ou alguma outra personalidade ou entidade com poder para conceder e/ou reconhecer títulos nobiliárquicos).
RESPOSTA ― Veja esta anterior resposta minha ao confrade Campesino:
[Campesino:] "[...] já os Fidalgos da Casa Real claramente eram nobres reconhecidos pelo MONARCA (fons honorum) e passavam esta condição a seus descendentes."
[Anachronico:] "Tem razão, mas não tem razão. Explico: do poncto de vista legalista o que escreve é verdade. Mas na practica não. Imagine que algum monarcha muito liberal decide conferir fidalguia a toda a população do seu reino. Ainda considerará todos esses fidalgos reconhecidos pello monarcha como nobres?"
A questão é assim mais se as nossas practicas principalmente nos ultimos cem annos da monarchia terão sido demasiado liberaes ou não. E admittindo que sim, passamos a ter que reflectir sobre o nosso direito ethico hoje ― e não o juridico, que nada interessa a quem se diz nobre ― de solicitar reconhecimento de armas e titulos e estatutos de nobreza que em muitos casos já não podemos honrar e dignificar. Tudo o que eu escrevo aqui é assim fundamentalmente mais um apello à dignidade dos homens ― à verdadeira nobreza ― que outra cousa. O estatuto de nobreza hoje já não confere practicamente privilegios alguns em qualquer pais europeu. Poderá talvez suscitar respeito. Mas respeito não é conferido: é merecido. Assim, quero apenas fazer ver que a questão não é se teremos direito por lei nobiliarchica ao uso de armas e titulos ou não: a lei nada interessa. O que interessa é se teremos direito do poncto de vista ethico. Admitto que isto em Portugal talvez soe estranho. Mas é justamente o que vejo no Norte: essa auto-critica, esse longo olhar no espelho, esse questionar se se merece usar um titulo ou brasão de armas, se se pode dignificar os antepassados, ou se assumir as suas armas apenas os ridicularizaria e denegriria a sua memoria, e se será melhor assumir o estatuto de plebeu que hoje se tem na practica. Tudo e sempre uma questão de dignidade e de ethica, não e nunca de paragraphos juridicos. De nada vale fazer alarde de ascendencia nobre se a realidade actual já não corresponde a essa nobreza: é pathetico. E a realidade actual de practicamente toda a nobreza portuguesa não é nada nobre. Isto será exemplificado muito brevemente e com toda a clareza na Parte VI, a que por falta de tempo apenas agora estou a acabar. Mas... que fazer se considerações de ordem ethica não forem sufficientes, por a vaidade dos homens ser tão grande? Veja as minhas proximas respostas ao confrade Cercal, pois são tambem de certa forma respostas à sua pergunta.
ARTUR SOARES:
[Anachronico:] "Mas a verdade é que os varios escalões de nobreza não titulada n'um pais tão pequeno como Portugal são sinceramente comicos quando se conhece as realidades europeias. Entender-se-ia n'um grande imperio como o Imperio Allemão de Bismarck ou o Imperio Austro-Hungaro. Mas nem mesmo esses imperios ― ou o contemporaneo Reino Unido da era Victoriana ― tinham tantos escalões de nobreza não titulada como Portugal. E isto, tem que admittir, é paradoxal."
[Artur Soares:] "Mas Portugal teve um Império!! Sinceramente...não compreendo como se alude a uma PEQUENEZ!!
Por outro lado...quantos desses NOBRES NÓRDICOS terão sangue real??"
RESPOSTA: Mesmo contando com o nosso imperio ultramarino a situação não se compara. O nosso imperio no Oriente era importante até meados de Seiscentos. Em 1663 tinhamos perdido practicamente tudo para os holandeses. Goa, Damão, Diu, Timor e Macau não fazem um imperio. O nosso imperio no Occidente foi importante a partir da expulsão dos holandeses do Brasil em 1654 e até ao primeiro quartel de Oitocentos. Depois de 1822 e da perda do Brasil não existia. As ilhas atlanticas não fazem um imperio. O nosso imperio africano só foi importante já depois de 1910. Antes do Ultimato practicamente não existia. Um punhado de portos ao longo da costa de um continente não faz um imperio. Em meados do seculo XIX, quando se conferiam titulos e foros em quantidades absolutamente estonteantes em Portugal, não tinhamos um imperio. A que imperio se refere o confrade?
Mas mesmo que todos os imperios do Oriente, do Brasil e de Africa tivessem co-existido durante toda a monarchia a situação não seria comparavel. Porque não falamos de extensão geographica. Falamos de extensão demographica. Os três imperios que menciono, o austro-hungaro, o allemão, e o britannico, tinham populações muitissimo mais numerosas que Portugal. Tinham economias muito mais desenvolvidas, principalmente os dous ultimos. E mesmo assim não tinham metade dos escalões de nobreza não titulada que Portugal tinha. E isto é paradoxal, no minimo.
Quanto ao sangue real, volto a lembrar as palavras do confrade João Gaspar quando mencionou Aristoteles. E volto a escrever o que respondi a esse nosso confrade: "É que, como veremos no final de tudo isto, a minha visão da aristocracia tem justamente que ver com uma das visões classicas gregas".
Desenvolverei este ultimo thema na parte VII.
Mais uma vez, bem-vindo!
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RESPOSTAS A FRANCISCO CERCAL
1 ― CERCAL — De acordo com as suas palavras, há em Portugal "demasiados" armigerados. Tal julgamento de valor traduz a sua preferência subjectiva (passe o pleonasmo) pelo direito nobiliário e heráldico germânico em detrimento do lusitano, ou fundamenta-se em algum critério mais objectivo?
RESPOSTA ― Em Portugal um brasão de armas será por todos equiparado com nobreza. Assim, o que quis dizer é que há em Portugal demasiados nobres, ou pessoas que se consideram nobres. Nada tenho contra que qualquer pessoa assuma armas proprias. Nada tenho contra armas burguesas; por mim toda a população poderia usar armas. Já muito tenho contra a practica excessiva de nobilitações que vimos principalmente nos ultimos cem annos da monarchia. Com o Pombalismo por exemplo qualquer homem de negocio de grosso tracto passou a poder pedir uma carta de brasão de armas; a legislação de 1770 definiu mesmo a occupação de negociante como uma profissão nobre. Toda a legislação dos annos 1760 facilitou cada vez mais o accesso dos negociantes a um supposto estatuto de nobreza. E o seculo XIX foi o chaos. Quantos dos fidalgos de então que "passavam esta condição a seus descendentes" mereciam ser chamados nobres? Quantos dos seus descendentes hoje o merecem?
Tudo isto teve um profundo impacto na sociedade: tantos eram nobres, cavalleiros das Ordens Militares e fidalgos da Casa Real que onde n'outros paises era excepcional e prestigiante ser-se nobre, entre nós isso era o normal ― e era mesmo estigmatizante não o ser. E este estado de mente é ainda nitido entre nós. No Norte poucos se preoccupam com questões de nobreza, por tão relativamente poucos serem nobres. Mas entre nós a grande preoccupação de muitos é poder provar que se tem antepassados nobres ―pois todos os outros os parecem ter. Assim, em Portugal nem chega a ser uma questão de querer ser mais que os outros ― é uma questão de não querer ser menos que elles. E por isso vemos esta obsessão absolutamente doentia entre nós por genealogias e nobrezas. Como já escrevi n'outro topico cuja primeira mensagem recommendo vivamente a todos:
― http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=303376#lista ―
em nenhum outro pais do mundo se publicam tantas obras sobre genealogia per capita como em Portugal. Nenhum. Os escandinavos, por exemplo, já no inicio do seculo XIX, como vimos na Parte IV, chegaram à conclusão de que nobreza muito pouco vale no mundo moderno ― o que é importante é ser-se um bom burocrata, a tal "engrenagem na grande machina do Estado". Porque julgam os confrades que o proprio [e absolutamente fantastico, diga-se] Geneall é português, e não francês, inglês ou allemão? A nossa obsessão por genealogias e querer encontrar ou provar ascendentes nobres chega a ser doentia. É esta uma das duas verdadeiras "clivagems entre Norte e Sul": o estado de mente em que vivemos. Como já escrevi, o espirito de Dom Quixote paira sobre toda a nobreza portuguesa. E como tambem já escrevi, isto não tem nada de novo. Pensem bem, caros confrades: porque será que essa fantastica obra de Cervantes foi escripta por um espanhol ― já em 1605 ―, e não um allemão ou inglês? Poderia essa obra magna da litteratura universal sequer ter sido escripta por um dos povos do Norte?
2 ― CERCAL — Ao contrário da ordem jurídica portuguesa do Antigo Regime, o direito heráldico germânico e o escandinavo sempre permitiram ao "Terceiro Estado" assumir as armas que quisesse. O Colégio de Armas inglês aceita o registo de armas de qualquer súbdito de sua majestade que o requeira, sem que daí resulte a assunção de nobreza. Perante este contexto jurídico não haverá também demasiados armigerados nesses países, na sua opinião?
RESPOSTA ―Na minha opinião não, porque como disse nada tenho contra assumpção generalizada de armas; apenas me preoccupa a assumpção generalizada de nobreza, que é outra cousa. A practica inglesa que refere é assim exemplar. Ver resposta anterior.
3 ― CERCAL — Se as armas só deveriam poder ser transmitidas por varonia, então as dezenas de armas estrangeiras em uso no território nacional, transmitidas subsequentemente por via uterina e sufragadas por tanto por CBA como consuetudinariamente deveriam ser consideradas de nulo valor perante o direito heráldico?
RESPOSTA ― Aqui devemos analysar cada caso, que foi o que tentei fazer com o caso das armas austriacas do septimo avô do confrade. Em certos casos certas armas poderiam ser transmittidas por via uterina. Todo o direito nobiliarchico iberico prevê por exemplo a possibilidade de transmissão de armas por via feminina. Veja-se, por exemplo, as typicas clausulas de instituição de morgados e mayorazgos desde o seculo XIV, em que typicamente, quando a questão é contemplada, se estipula que na falta de successores varões o filho mais velho da filha mais velha [e assim successivamente] ― ou mesmo o marido da mesma ― poderá herdar, se estes assumirem o appellido e as armas do fundador. Um caso famoso é o de D. Pedro de Meneses, I conde de Villa Real, que foi succedido no titulo da forma mais natural como todos sabem por um Noronha.
No Sacro Imperio, no caso especifico das armas do septimo avô do confrade Cercal no seculo XVIII, essa transmissão por via feminina carecia de auctorização imperial. E assim vemos que n'esse caso especifico essa auctorização já não pode ser dada. É assim apenas uma questão de analysar cada caso; se o septimo avô do confrade Cercal tivesse sido castelhano a situação poderia ser totalmente differente.
É importante lembrar que brasões de armas não são meros adornos: são symbolos. Symbolos de uma linhagem, de uma historia, de toda uma tradição. A questão é o que as armas symbolizam. O seu espirito, por assim dizer. Como já disse, a questão não é se temos direito a ellas, mas se as merecemos. O que interessa não são os paragraphos especificos dos respectivos tractados juridicos, mas todo o espirito de uma tradição, n'este caso todo o ethos nobiliarchico da Austria. Usar brasões de armas não deve ser uma questão de direito e de paragraphos; deve ser sempre uma questão de ethos nobiliarchico. Nem sempre devemos fazer aquilo a que temos direito. Para homens como eu esses riscos austriacos representariam toda a tradição de um Imperio. Para outros essas armas serão apenas um bonito desenho. Para outros ainda apenas um brinquedo de ouro. E apenas tenho pena de ver tantos d'estes ultimos entre nós.
4 ― CERCAL — Se os critérios nobiliárquicos que prefere fossem aplicados ao nosso país, quantas famílias seriam expurgadas no Anuário da Nobreza? Quantos títulos teriam sido renovados? Haveria de todo cabimento para fidalgos pobres ou de classe média, ou o estamento admitiria apenas magnates?
RESPOSTA ― Como veremos, os criterios nobiliarchicos que prefiro não serão bem os que o estimado Francisco Cercal julga. Mas entendo que pello que até agora escrevi se possa pensar outra cousa. Mas quanto à pergunta que faz: penso que poucas familias deveriam ser expurgadas do Annuario, ainda que muitas d'ellas sejam exactamente essa nobreza do seculo XVIII de pouca monta. Algumas das entradas de muito poucas paginas merecem ser revistas, mas de resto o problema não é grande. O Annuario tem uma grande vantagem: explica razoavelmente as origens das familias. O Annuario é por assim dizer honesto. Assim, qualquer um pode ver quem descende de quem e tirar as suas proprias conclusões.
Já quanto aos titulos, penso que practicamente todos os anteriores a 1790 merecem ser renovados, e que poucos do seculo XIX o merecem; a maior parte d'estes ultimos são simplesmente vergonhosos. Tenho o mais profundo respeito pellos titulos dos seculos XV-XVIII: em nenhum pais da Europa existiu n'esse periodo um rigor quanto a titulos nobiliarchicos minimamente comparavel com o português. Portugal foi verdadeiramente exemplar quanto a titulos até ao fim de Setecentos; é a nossa pagina de ouro no grande livro da nobreza europeia. A partir dos ultimos annos de Setecentos deu-se o caso completamente opposto. A grande maioria das centenas de titulos do seculo XIX são pura e simplesmente vergonhosos. Não reflectem nobreza de qualquer especie. Não merecem ser renovados. Monarchas tambem podem errar; e toda a nossa politica de nobilitações n'essa epocha foi um erro que deve ser rectificado.
Um calculo interessante à parte, apenas para exemplificar as nossas practicas historicas: será possivel imaginar por exemplo meio milhão de pessoas em Portugal a viver "nobremente" nos nossos dias? Pensem bem, caros confrades: 5% da população a viver "à lei da nobreza" ― estou a ser sympathico, o nivel historico é mais elevado ― equivale a grosso modo meio milhão de pessoas hoje. Alguem accreditará que no Portugal actual haverão 500.000 pessoas a viver "nobremente", e que podem ser chamadas nobres por occupar cargos nas camaras municipaes, nos tribunaes, &c?
Mas o confrade Cercal refere-se a fidalgos. Estes eram de facto em menor numero que simples nobres. Mas repare-se na pergunta: "Haveria de todo cabimento para fidalgos pobres ou de classe média, [...]?" Que lhe parece, estimado confrade? Pense novamente no exemplo de Aristoteles. Responderei em mais pormenor na Parte VII. Até lá, repare bem na sua pergunta, e pense bem sobre esta minha: o que é afinal ser nobre?
5 ― CERCAL ― Confesso que à luz da sua apologia dos critérios nobiliárquicos germânicos e escandinavos, surpreende-me sobremaneira que a CILANE continue a admitir a ANHP nas suas fileiras…
RESPOSTA ― Como ficou explicado, o problema da nobreza historica de Portugal não tem tanto que ver com as quebras de varonia aceites, ou outros criterios nossos: tem que ver com a magnitude historica das attribuições de foros de fidalgo &c, que faz com que um numero absurdo de pessoas hoje se considerem ou queiram ser consideradas nobres. E tem ainda e mais profundamente que ver com a evolução historica da sociedade portuguesa nos ultimos dous seculos vis-à-vis congeneres europeias, que a deixou de rastos economicamente.
Nada tenho contra armas burguesas, contra quebras de varonia, ou contra bastardias; e sou bastante mais liberal quanto ao seculo XXI do que talvez se pense. Mas pasmo-me por ver tantas pessoas querer discutir pormenores de direito nobiliarchico totalmente irrelevantes enquanto ninguem discute o essencial, a unica questão que nos deve interessar: o que é nobreza? Refiro-me à questão philosophica e aos aspectos ethicos, não aos direitos de successão: o que é verdadeira nobreza? Será apenas descender de um fidalgo? Será apenas uma questão de uma quebra de varonia a mais ou a menos? Ou terá que ver com algo totalmente differente?
Eu não quero discutir pormenores de direito nobiliarchico porque este não é importante. O thema do topico é afinal a "clivagem entre Norte e Sul" nas "acepções de nobreza" no "quadro cosmopolita e europeista em que vivemos". Ora no quadro em que vivemos a acepção de nobreza no Norte é o que muito brevemente veremos na Parte VI: uma realidade totalmente differente da vista no Sul. E no quadro em que vivemos o direito nobiliarchico já não é importante. Se quisermos considerar leis e direito, o importante são as leis que em qualquer pais regulam por exemplo distribuição de terras, taxas de impostos e direitos a heranças. São estas que podem alterar profundamente a situação dos nobres. Apenas nobres sem posses e fidalgotes pauperrimos não se preoccupam com estas questões e passam o tempo a ler tractados juridicos nobiliarchicos. Os confrades julgam que a maioria dos nobres do Norte se preoccupa minimamente com o direito nobiliarchico? O que julgam os caros confrades que é mais importante para um nobre no Norte: a proposta de alteração do direito nobiliarchico da associação de nobreza do seu pais, ou a proposta de lei no parlamento que, se approvada, o forçará a vender parte das suas herdades em nome de uma reforma agraria mais egalitaria, ou a ter que gastar milhões em por exemplo correcções de leitos de agua nas mesmas, em nome da proteccção da flora e fauna e do meio ambiente? Chega a ser incrivel como vivemos desphasados da realidade em Portugal...
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RESPOSTAS AO CONFRADE CAMPESINO
CAMPESINO ― Ainda acredito que não podemos comparar com exatidão os nobres portugueses aos germânicos, são dois mundos completamente diferentes, com regras e tradições diferentes... &c
RESPOSTA ― Estamos perfeitamente de accordo quanto ao direito nobiliarchico. A nobreza portuguesa era ainda na Idade Media fortemente senhorial; mas os nossos senhorios no Norte do pais não se comparam obviamente aos condados soberanos &c do Imperio, que pella sua propria natureza obrigavam a outras practicas linhagisticas. E depois dos Descobrimentos tudo mudou entre nós, e tivemos a nobreza de corte que tambem refere. São de facto mundos differentes. É por isso que sempre volto a referir, para alem da natureza electiva do Sacro Imperio, aquillo que chamo a "fortissima tradição senhorial" do mesmo. Mas já podemos comparar mentalidades nos nossos dias; somos afinal todos Homens, e vivemos todos no seculo XXI. Podemos, por exemplo, comparar um filho segundo de um filho segundo de um filho segundo no Norte a um no Sul, e as differentes imagens que terão de si proprios. E é isto que tento suggerir. São estas as acepções que importam: como se vêm os nobres do seculo XXI a si proprios, e como são vistos pella sociedade em geral?
CAMPESINO ― A coisa se tornou tão doentia na Áustria que gênios como Ludwig van Beethoven chegaram a sofrer seriamente com a intolerância austríaca... &c
RESPOSTA ― Tambem tem razão, se bem que aqui acho que devemos dar algum tempo de desconto aos austriacos, afinal o producto d'estas tradições de que falamos. Assim, não me parece que se possa bem chamar a situação "doentia" ao tempo de Beethoven no inicio do seculo XIX. Já cem annos mais tarde acho de facto a situação muito problematica. As ordenações de 1898 que mencionei na Parte III, em que doravante se exigia de todos os camareiros da corte "16 Ahnen", não foram nada felizes, para usar uma expressão sympathica; podem mesmo ser consideradas uma catastrophe e symptoma de algo já totalmente doentio. Algures ao longo do seculo XIX ― especialmente em 1848 e 1867 ― os austriacos deveriam ter parado para reflectir seriamente sobre o seu futuro. Em vez d'isso continuaram com as suas tradições linhagisticas seculares, que já nada tinham que ver com o mundo em que se vivia no final do seculo XIX. A situação de Sophia Chotek, a mulher morganatica que refere o confrade Vianna ― ver infra ― é paradigmatica de tudo o que estava errado e doentio na corte austriaca no inicio do seculo XX.
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RESPOSTAS AO CONFRADE PEDRO
PEDRO ― Como sabemos, desde o princípio do séc XIX, que foram arrancadas, abruptamente, à nobreza portuguesa, todos os privilégios que possuía. Primeiro com o liberalismo, a extinção dos morgadios, etc. etc. E em seguida com o assassinato de El-Rei D. Carlos, e seu primogénito, e subsequente instauração da República. Não serão as transmissões de nobreza por quebras de varonia, etc. uma mera tentativa da nobreza portuguesa se reinventar, e sobreviver? Seríamos senão forçados a dizer que, salvo gloriosas excepções, a nobreza portuguesa estaria extinta.
RESPOSTA ― Não me parece bem que assim seja, e isto simplesmente porque já na era tardo-medieval todos os phenomenos que aqui discutimos ― quebras de varonia, bastardias, defeitos mechanicos &c ― eram tolerados em maior ou menor grau, mas sempre mais entre nós que no Norte, especialmente as quebras de varonia. Mas a perda de privilegios que menciona a partir do seculo XIX é mais importante do que suspeito que a maioria dos confrades julgará, e escreverei muito brevemente sobre o phenomeno, que tenho a certeza surprehenderá a maioria dos confrades.
Quanto à extincção da nobreza: sem novas nobilitações a tendencia natural é de facto para esta vir lentamente a extinguir-se. Bastam afinal apenas duas ou três gerações successivas menos felizes para enfraquecer seriamente uma linhagem, quer em termos de poderio relativo quer em termos de successão. O numero extraordinariamente estavel de cerca de cinquenta Casas tituladas portuguesas no seculo e meio a seguir à Restauração por exemplo apenas foi mantido graças à creação de um novo titulo de quatro em quatro annos na media. Repare-se que em 1640 existiam 56 Casas tituladas em Portugal, e em 1790 existiam 54. E no entanto durante esse seculo e meio foram creados 46 titulos. Mesmo excluindo cerca de uma vintena de casos durante as guerras da Acclamação, restam 25 Casas extinctas e creadas nos annos 1670-1790. Sem novas nobilitações e com criterios de successão demasiado rigorosos qualquer nobreza de facto se extinguirá.
PEDRO ― Por outro lado, olhando para a rigidez do sistema austríaco-germânico, ficamos com a impressão que muitas casas eventualmente se extinguem. Assim gostaria de lhe perguntar, se na Áustria, e na Alemanha, existem muitas Casas que simplesmente.... deixaram de existir?
RESPOSTA ― Exactamente. Litteralmente milhares de Casas deixaram assim de existir. Por isso dei o paradigmatico exemplo dos principes de Eggenberg na Estyria na Parte III: a filha do ultimo varão casou com o conde de Herbenstein. Mas este nunca deixou de ser apenas conde de Herbenstein. Não lhe foi transmittido o titulo dos principes, nem o seu nome, nem as suas armas: herdou as terras apenas. Ainda dous seculos mais tarde os seus descendentes eram apenas condes de Herbenstein. A Casa de Eggenberg deixou assim de existir com a morte do ultimo varão em 1717. A acepção germanica é tão simples quanto isto: sem homens não há Casa. Apenas em casos onde as armas da linhagem se confundem totalmente com as armas do senhorio poderia o herdeiro por vezes usar essas armas, typicamente de grandes ducados e outros grandes Estados do Imperio ― um pouco como Philippe II de Espanha tambem passou a incluir as armas de Portugal depois de 1580.
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RESPOSTAS AO CONFRADE VIANNA
"Last, but not least": Caro confrade Vianna,
1 ― O confrade pergunta-me por três vezes: "O rigor era só aplicado à nobreza?" E dá varios interessantes exemplos, o primeiro dos quaes Sophia Chotek, mulher morganatica do archiduque Franz Ferdinand da Austria em 1900 e com elle assassinada em Sarajevo no fatidico anno de 1914, que já commentarei. E a resposta a cada uma d'essas três vezes, e muito mais fundamentalmente à sua pergunta em geral, é um inequivoco e incontornavel: "sim". O rigor era só applicado à nobreza. Que importavam afinal as leis a um rei? Reis faziam leis, mas não precisavam de as seguir.
Sempre existiram reis fortes e reis fraccos. Estes poderiam ser considerados fortes e fraccos pellas mais variadas razões. Algumas d'estas razões poderiam desapparecer de um dia para o outro. E outras poderiam apparecer. Assim, um rei forte poderia em certos casos passar a ser fracco, e vice versa. Um rei fracco corria sempre o risco de ser deposto se os poderosos do seu reino assim decidissem; veja-se, entre nós, o caso de D. Affonso VI. Assim, a sua margem de manobra era limitada. Já um rei forte teria uma margem de manobra quasi ilimitada, dependendo apenas da solidez da sua posição. Assim, um monarcha forte poderia fazer practicamente o que quisesse e quebrar todas as regras ― e ainda assim exigir que todos os outros as seguissem.
Franz Ferdinand, o archiduque herdeiro ao throno imperial, obteve por fim auctorização de seu tio o imperador para casar com a sua Sophia, nas condições que se conhecem. Mas se o archiduque tivesse herdado a coroa imperial e apenas depois tivesse querido casar com a sua Sophia e não com uma princesa como as leis da Casa Imperial exigiam, quem se poderia oppor? O czar da Russia? O imperador da Allemanha? Julgar-se á que estes teriam interferido? A nobreza do Imperio? Julgar-se-á que esta se revoltaria? O rigor era só applicado à nobreza. Um rei forte fazia o que queria.
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2 ― O confrade menciona entre outros o marechal de França Jean-Baptiste Bernadotte, cuja dynastia como sabemos ainda reina na Suecia. O exemplo está directamente relacionado com os acontecimentos de 1809 na Suecia mencionados na Parte IV: a abolição do absolutismo.
O rei Gustav IV Adolf, a rainha e o principe herdeiro foram banidos da Suecia em 1809. O já idoso tio do rei, o ultimo varão da dynastia excepto os exilados, subiu ao throno. Um principe dinamarquês, Karl August, foi adoptado pello novo rei como principe herdeiro; este fez a sua entrada em Estocolmo a 22 de Janeiro de 1810, mas morreu subitamente a 28 de Maio. Durante o seu funeral em Junho Hans Axel von Fersen, mencionado na Parte IV como um exemplo de nobreza escandinava de origens allemãs e agora mordomo-mor, foi assassinado. Vivia-se uma situação tensa. Temia-se que o rei deposto ou o filho, absolutistas, voltassem ao poder. Era assim imperativo encontrar um principe herdeiro o mais rapidamente possivel. Ora a Suecia tinha estado em guerra com a França de Napoleão desde 1805. As pazes foram feitas no inicio d'esse mesmo anno de 1810. E depois da morte do principe dinamarquês logo se lembraram de escolher um dos marechaes de Napoleão para principe herdeiro, para evitar que o partido gustaviano ganhasse poder na falta de um principe herdeiro.
O exemplo é sem duvida insolito, mas não sei bem o que o confrade quer dizer com isto. Com mais tempo para negociações provavelmente algum outro principe teria sido encontrado depois da morte do dinamarquês. Mas por vezes a necessidade e a urgencia forçam-nos a aceitar outras soluções.
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3 ― O confrade Vianna pergunta ainda:
"[...] também por vontade de Napoleão? E os Leuchtenberg? E os Saxe-Coburgo-Kohary? Estas duas últimas famílias teriam oito costados nobres?"
Quero responder, pois estou intrigado: Eugène de Beauharnais, o primeiro duque de Leuchtenberg, filho da famosa Josephine de Napoleão e feito duque de Leuchtenberg em 1817, tinha alguns costados nobres por parte do pai. Mas apenas o seu bisneto homonymo, o quinto duque, tinha oito bisavós nobres, graças ao casamento do primeiro duque com Augusta da Bavaria. Aqui entendo perfeitamente o raciocinio do confrade Vianna.
Mas depois estaria certamente a pensar em alguma outra familia e por lapso escreveu os Saxe-Coburg-Koháry. Para qualquer confrade que não esteja lembrado, os Koháry de Csábrág ["tchábrág"] eram uma das principaes familias hungaras. A filha herdeira do principe de Koháry de Csábrág casou com um principe dos Saxe-Coburg-Gotha. Um dos filhos d'este casal foi o nosso D. Fernando II, que tal como os irmãos não tinha nem oito nem dezasseis costados nobres, nem sequer 32 ou 64, mas como qualquer nobre d'este calibre 128 costados nobres. A alta nobreza do Imperio simplesmente não casava com plebeus. E os Leuchtenberg e os Saxe-Coburg-Koháry simplesmente não se comparam em termos linhagisticos. Em que familia estaria o confrade Vianna a pensar quando por lapso escreveu esta?
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4 ― O exemplo que cita da conquista dos ducados de Schleswig e Holstein pella Prussia em 1864 posso esclarecer, porque o confrade provavelmente por não conhecer bem a historia não faz uma interpretação inteiramente correcta. Como deve saber estes ducados allemães estavam em união pessoal com o reino da Dinamarca desde o Renascimento, e com interrupções desde a Idade Media. Na historiographia allemã e dinamarquesa existe a chamada "Questão dos Ducados": Holstein, que faz fronteira com Hamburgo, era um Estado do Sacro Imperio Romano-Germanico e mais tarde da Confederação Germanica antes de Bismarck; Schleswig mais a norte não. Holstein era de população totalmente allemã, enquanto em Schleswig a população era tão dinamarquesa quanto allemã. E o rei da Dinamarca como duque de Holstein tinha lugar e direito de voto na Dieta Imperial desde o seculo XVI.
Em meados do seculo XIX, inspirados pellos acontecimentos de 1848 na Europa, estalou uma revolta nos ducados. A Prussia então apoiou os allemães dos ducados, mas o seu exercito foi derrotado pello exercito dinamarquês na guerra de 1848-1850. Uma duzia de annos mais tarde, com uma Prussia mais forte e uma Dinamarca entretanto enfraquecida, a Prussia conquistou os ducados na curta guerra de 1864, com o apoio da grande maioria da população allemã dos ducados [uma guerra que serviria de exercicio antes da Guerra Allemã de 1866 contra a Austria]. Assim, o que o confrade refere como "com total desprezo pela Dinamarca e nobreza dessa província dinamarquesa, ter confirmado direitos nobiliárquicos alemães que viriam a ser aceites" não é inteiramente correcto. Schleswig e Holstein não eram uma provincia dinamarquesa, eram dous ducados maioritariamente ― Holstein totalmente ― allemães em união pessoal com a Dinamarca. Mais de três quartos da população dos ducados era allemã. Menciono alias a nobreza allemã de Holstein na Parte IV no capitulo "Immigrantes allemães na Escandinavia". E as practicas da Prussia após 1864 têm que ver com decadas de conflictos relacionados com o governo dos reis da Dinamarca n'estes ducados maioritariamente allemães. A titulo de curiosidade, a presente fronteira entre a Allemanha e a Dinamarca data de 1920, quando depois da Grande Guerra o antigo ducado de Schleswig foi dividido: a metade norte, de população predominantemente dinamarquesa, voltou à Dinamarca, após uma longa disputa sobre a demarcação da fronteira; Flensburg, a capital de Schleswig, permaneceu allemã, a pouca distancia da nova fronteira. Ainda hoje existem grupos populacionaes dinamarqueses no lado allemão e vice versa, com escholas proprias, periodicos, estações de radio, &c.
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5 ― Voltando agora ao caso austriaco de Sophia, não entendo primeiro o que o confrade Vianna quer dizer com:
VIANNA ― Não vejo por que razão os 16 costados nobres fossem exigidos a partir do século XVIII. Nos bailes da Corte Austríaca, no século XIX, eram apenas exigidos oito, e não eram seguidas na prática. Temos como exemplo a mulher de Francisco Fernando [Sophia Chotek] que, apesar de ter sido tratada até ao fim como aia, com o leque e as luvas, símbolo das damas das rainhas, sobre o seu caixão, não tinha costados suficientes para desempenhar qualquer cargo na corte.
RESPOSTA ― Obviamente nos bailes da corte as exigencias eram inferiores: o que se pretendia era encher as salas do palacio. Exactamente alias o que suggeri com os exemplos na Parte IV ao escrever:
"[...] apenas os "nobres" das Classes por exemplo I-VI seriam convidados para determinado baile no palacio real, apenas os "nobres" das Classes I-IV seriam convidados para determinado baptismo, &c [...]".
As classes do meu exemplo foram bem escolhidas: bailes no palacio eram muito frequentes e pouco importantes comparados com baptismos na familia real; e como se pode imaginar existiam muitos mais nobres na Classe VI que na Classe IV. Na corte austriaca vemos o mesmo: não era qualquer um que recebia a dignidade de camareiro, e muito menos de um alto cargo na corte. Aqui exigia-se "16 Ahnen" e para os cargos titulares. Já para um baile se podia convidar com menos selectividade: o que se pretendia era uma casa animada.
Quanto ao que escreve sobre a Sophia Chotek tão querida do archiduque Franz Ferdinand: ― "não tinha costados suficientes para desempenhar qualquer cargo na corte " ― está mal informado. Assim como os Koháry eram uma das grandes familias hungaras, Sophia pertencia a uma das melhores familias da Bohemia, os Chotek von Chotkow und Wognin condes do Imperio. O pai, Bohuslaw [1829-1896], foi embaixador na corte imperial da Russia e casou com uma condessa dos Kinsky. O avô paterno, Karl [1783-1868] fora governador do Tyrol e da Bohemia, chanceller do Imperio Austriaco e cavalleiro do Tosão de Ouro; casou com uma condessa dos Berchtold. O bisavô paterno, Johann Rudolph [1748-1824], fora tambem governador da Bohemia; casou com uma condessa dos Clary und Aldringen. O trisavô paterno Johann Karl [1704-1787] fora chanceller do Sacro Imperio; casou com uma condessa dos Kottulinsky. E o tetravô paterno, Wenzel Anton [1674-1754], foi tambem governador da Bohemia. Temos assim três governadores da Bohemia e dous chancelleres do Imperio nos ultimos duzentos annos na linha paterna apenas. Creio não ser necessario continuar com os ainda mais illustres Kinsky, a familia da mãe; mas se por accaso alguma vez estiver em Praga ou Vienna recommendo-lhe ver os bellissimos palacios da familia n'essas cidades.
Sophia Chotek é um caso celebre, que foi muito commentado na altura na Austria. A familia da mulher do archiduque Franz Ferdinand tinha todos os costados para attingir qualquer cargo na corte. Apenas era de familia condal e não real. Sophia, com todas as humilhações que soffreu enquanto vivia e mesmo depois da morte, é assim um excellente ainda que triste exemplo da rigidez ― estou a ser muito sympathico ― a que a Casa Imperial chegara no inicio do seculo XX.
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Tanto o caso das humilhações soffridas por Sophia como o caso de Franz Ferdinand e as suas propostas federalistas para o Imperio merecem na realidade ser aprofundados; mas esta mensagem já vai longa. Assim, peço mais uma vez perdão pella extensão d'esta mensagem, e agradeço a quem me leu até aqui. Tentei responder às varias questões e commentarios dos confrades, e chamar a attenção para os factores importantes quanto à definição de nobreza nos nossos dias, aquelles que decidirão o seu futuro no seculo XXI: os aspectos philosophicos e ethicos, e não os direitos nobiliarchicos. Agradeço a vossa attenção.
Os meus melhores cumprimentos aos cinco confrades a quem tentei responder,
e a todos os demais confrades do forum,
Anachronico
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RE: Respostas a cinco confrades
Caro Confrade Anachrónico.
Muito lhe agradeço a sua resposta. Acredite que não estou enganado em nenhum dos exemplos. A mulher de Francisco Fernando, era dama da corte de pequena nobreza (Basta ver como foi enterrada, apesar de casada com Francisco Fernando). O Imperador não reconheceu como herdeira a neta, filha do Príncipe herdeiro e da Princesa da Bélgica, com um príncipe de Wendish Graetz.
Os Khoagry só foram aceites, depois da insistência da Grâ Bretanha junto de D. Pedro. Os Saxe Coburgo e os Kohary são uma brincadeira comparadados com os Bragança. Nem menciono os Leuchtenberg...
Se os Reis da Suécia adoptaram um revolucionário que participou na morte do Rei de França tiveram de aceitar até hoje a crítica de todas as Casas Reais. Que posição poderá ser mais ridícula do que nobreza de um país com um rei adoptado e revolucionário e uma rainha herdeira da fábrica dos sabões de Marselha? O Imperador D. Pedro I do Brasil foi cunhado de Napoleão, pelo casamento com uma Habsburgo, mas o segundo casamento com a lindíssima princesa de Leutchenburg só foi aceite devido ao Império Brasileiro, ao perípodo de grande instabilidade e ao exílio da mesma em Lisboa.
O meu Caro Anochrónico ignora os Gluckburgo-Oldenburgo, esquecendo o marido da Rainha Isabel II.
Nada disso importa quando os reis, príncipes, grão-ques e qrqui-duques são aceites por nós. Ness ponto peço-lhe desculpa pela minha simplicidade e dureza, os reis são escolihidos e consentidos por nós, sozinhos, ao contrário do que escreve, penso que está enganado, nada são. É por essa razão que evito falar de temas estranhos a Portugal, pois sou sempre e apenas fiel A S.A.R. O Senhor D. Duarte, Duque de Bragança e Sua Família.
Meu caro Anachrónico, peço-lhe que aceite os meus cumprimentos,
Vianna
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RE: Respostas a cinco confrades
Em tempo
Pretendia escrever gão-duques e arquiduques.
Vianna
Direct link:
RE: Respostas a cinco confrades
Estimado confrade Anachronico,
Creia-me que não caem em saco roto as suas indagações a respeito da essência da nobreza e das suas relações com a terratenência. Por questões profissionais e ideológicas, sou um grande admirador de Henry George e muitos ensinamentos extraí da leitura da correspondência deste último com o duque de Argyll. Também não guardo grandes ilusões quanto ao quixotismo: Cervantes foi genial ao denunciar o discurso legitimador daqueles que equivaliam nobreza hereditária aos ideais de cavalaria: o nepotismo destruiu esse sistema de valores.
Mas continuo intrigado por saber o que é para si um nobre hoje em dia. É um grande rentista hereditário como as duquesas de Alba e Medinacelli, os duques de Westminster ou de Thurn und Taxis (melhor dizendo, por varonia "della Torre e Tasso")? Ou é um "self-made man" sem genealogia, um Zuckerberg, Gates, Jobs, Berardo, Bava ou Horta Osório? Ou um cientista milionário, como Craig Venter? Ou um político recém-enriquecido, como Obama ou Berlusconi? Onde se encontram as provas de nobreza, hoje? No ISI Web of Knowledge? Na lista Forbes? No Gotha ou no Burke's? Na Ordem do Tosão de Ouro? No Bullingdon Club? No St Andrew's Golf?
Enfim. Camões e Cervantes pertenciam à baixíssima nobreza e não tiveram sequer terra onde ser sepultados. Nem por isso deixamos de os estimar.
Cordialmente,
Francisco Cercal
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RE: o Bosão de Higgs e a Nobreza
Caro confrade Cercal,
Gostei muito do seu texto e julgo ter percebido o sentido essencial das questões que coloca - o que é a nobreza e o que poderá (ou deverá) ainda ser? Permita-me que faça alguns comentários.
Sobre a essencia da nobreza (entendida aqui apenas como entidade tangível e não como categoria moral), sustentaria três ideias principais: 1ª - Não há nobreza sem direito; 2ª - A nobreza é uma condição social, não necessáriamente um sistema de poder; 3ª - A nobreza é um produto historico, não sobrevive às suas circunstâncias.
1- Não há nobreza sem direito
A essência da nobreza é o privilégio hereditário. O privilégio hereditário está para a nobreza de sangue como o bosão de Higgs está para as restantes particulas elementares: é a chave e o princípio da sua existência. Sucede ainda que todo o privilégio (do latim "Privilegium" - "Privos" + "Legis") é um direito, um direito particular sancionado pelo costume ou pela Lei. Ou seja a nobreza é, nuclearmente, uma situação jurídica.
2- A nobreza é uma condição social
Todo o privilégio é uma vantagem. É um direito que beneficia o seu titular relativamente aos restantes membros da comunidade. Assim, a nobreza consiste num sistema de transmissão hereditaria de vantagens sociais. Ou seja, a nobreza é também uma condição social.
Nobreza não é o mesmo que Aristocracia. Enquanto que a primeira é um estatuto social garantido pelo direito, a Aristocracia é, simplificadamente, um sistema político em que o poder pertençe aos nobres. Não existe Aristocracia sem Nobreza, mas a inversa já não é verdadeira. A Comunidade Polaco-Lituana do século XVII ou a até a Inglaterra do século XVIII eram, de facto, aristocracias coroadas. Pelo contrário, na França de Luis XV ou no Portugal Pombalino havia nobrezas mas não verdadeira aristocracia.
3- A nobreza é um produto histórico
A nobreza surgiu como resposta às necessidades e condições específicas de um longo periodo da história europeia. É indissociável de ordenamentos politicos pré-individualistas, corporativos e assentes na diferenciação legal dos estatutos. O Estado Liberal, baseado no principio da igualdade dos direitos individuais, era essencialmente incompativel com o privilégio hereditário, ferindo de morte a legitimidade e a própria operacionalidade da nobreza como corpo social. Onde não foi abruptamente extinta pela Lei, foi definhando sem glória nem propósito, como sucedeu entre nós durante a Monarquia Constitucional, que milhentos titulares vitalícios mas aboliu o morgadio.
Posto isto, creio firmemente que a nobreza, em tanto que corpo social, está definitivamente extinta (em Portugal e em toda a parte). Não tem presente e menos futuro terá ainda. E não há adaptações que lhe valham, não é modernizável, não há "aggiornamentos" possíveis. Em suma, a nobreza, como todo o produto histórico, não ultrapassará as suas proprias circunstancias.
Os meus cumprimentos,
Nuno Côrte-Real
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RE: o Bosão de Higgs e a Nobreza
Esplêndido texto, como vários deste tópico.
Sem em nada contrariar as concepções como foram previamente delimitadas - p.ex. excluindo a categoria moral que eu preferiria chamar categoria ética - apenas faço o reparo de que, para entendimento geral e não apenas dos mais preparados, deveria também ter sido fixada uma delimitação temporal.
Arriscaria a dizer que o texto é totalmente válido para a Idade Moderna, parcialmente válido para a Idade Média e quase totalmente inválido para a Antiguidade, excluindo desta e apenas parcialmente o Império Romano em que o Direito foi precoce.
Sem essa delimitação temporal, a asserção de que a aristocracia seria o governo dos nobres, poderia confundir os que aprenderam que a aristocracia era o governo dos melhores; e ainda mais os que associam a nobreza à sua origem militar em que a quase única realidade era o poder e o direito ainda nem sequer era.
Ainda hoje há "puristas" que consideram o serviço - quase diria a servidão - militar em relação biunívoca com a nobreza e, para esses, o Antigo Regime, talvez com algum balizamento inicial em Alcácer-Quibir, quando a nobreza se afastou da componente militar e passou a ser aferida pelos cargos administrativos, foi afinal a causa de que o Liberalismo apenas extraíu as consequências.
Mas houve de facto uma forte relação entre a condição militar e a nobreza, que subsistiu até muito tarde.
Noutras zonas geográficas, em que a realidade social foi sempre muito diferente da portuguesa, isso será ainda mais nítido. Na Suábia, que conheço melhor, a clivagem não é apenas nas acepções da nobreza mas na própria sociedade e, por exemplo, há historiadores que defendem que não é possível aí aplicar a tradicional divisão entre Clero, Nobreza e Povo, devido há fortíssima presença de uma burguesia perfeitamente organizada, economicamente poderosa e que, sobretudo nos territórios reformados, logo ocupou toda a média administração e logo a alta. Não seriam mordomos-móres mas eram ministros do governo e, pelos conhecimentos profissionais, eram quase sempre nomeados tesoureiros e controlavam de facto as finanças da corte. Ou seja, um mordomo-mor do Württemberg, poderia ter 8 ou 16 costados nobres mas tinha muito menos poder funcional do que o seu contraparte do Sul.
Ora o que eu verifiquei nas famílias dessa burguesia protestante foi que, assim que enobrecidas por serviços administrativos ou por vezes económicos, logo alguns membros tendiam a prestar serviço militar, a grande maioria até ao posto de capitão em que passavam à reserva e regressavam às actividades administrativas ou comerciais, mas alguns seguindo a carreira. Recentemente estudei uma família excepcional - do ponto de vista genealógico - que se origina num que morreu burguês em 1635, e até 1885, 250 anos depois e sempre por varonia, coleccionei desde funileiros no Ohio até príncipes em Viena de Áustria. Mas foi também notório que nos ramos não enobrecidos, alguns que conservaram posição social e até com algum destaque cultural com significativo número de médicos e de editores-livreiros não aparece nenhum militar, enquanto no ramo enobrecido não só existem em número apreciável como há significativo número de casamentos em famílias tradicionalmente militares.
Concordo inteiramente em que a nobreza hoje já não existe mas mas não sei se situaria a sua extinção na abolição dos morgadios e das comendas se na muito anterior degradação da sua categoria ética.
A. Luciano
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RE: o Bosão de Higgs e a Nobreza
Caro Confrade A. Luciano,
Obrigado pelos seus comentários, que li com o maior interesse, gosto e proveito.
Não posso deixar de concordar com alguns dos seus reparos. Reconheço ter simplificado em demasia certos aspectos, o que aliás assumi logo no texto. Mas tratou-se de uma opção metodológica: na internet, prefiro fazer intervenções focadas e sintécticas, ainda que à custa da complexidade natural dos assuntos.
Reconheço, por exemplo, a pertinencia da sua observação quanto ao conceito aristotélico de Aristocracia. No conceito do filósofo Grego, os "melhores" não equivaliam necessariamente aos nobres . Mas tal equiparação cedo se operou na ordem prática. Os "optimates" romanos eram já a classe Patricia e de então para cá geralmente encontramos a mesma equivalência nos regimes aristocráticos europeus (sim, porque isto das "equivalências" também tem os seus pergaminhos!!).
Quando afirma que a nobreza (militar) já existia quando a única realidade era o poder e "o direito nem sequer era", não sei se o acompanho tão facilmente. O sistema feudal era um sistema de direitos, embora baseado no costume. E o costume, como sabe, é fonte do direito. Ainda hoje.
Gostei imenso da sua referência ao sistema nobiliárquico da Suábia e pareceu-me interessantissimo o caso concreto a que alude.
Aproveito para comentar um aspecto focado noutras intervenções deste tópico e que me parece importante: a suposta superabundância das categorias e divisões da nobreza portugesa.
É certo que alguns prosadores barrocos e outros mais modernos têm sido prolixos nas suas sistemáticas particulares. Cada um escreve o que lhe aprouver. Mas as Ordenações Filipinas estabelecem apenas as seguintes categorias da nobreza hereditária, por esta ordem: 1) Os possuidores de Brasões de Armas; 2) Os Fidalgos dos Livros do Rei; 3) Os possuidores do título de Dom; 4) e os Fidalgos de Solar Conhecido, definidos como sendo aqueles que "têm terras com jurisdição". (cf. Ordenações Filipinas, Livro 5, Título 92). C'est tout!
Acrescentem-se os Titulos de Juro e Herdade e os Pares do Renio Hereditários (uma criação do Liberalismo) e são estes os escalões da nobreza de sangue em Portugal. Não me parece excessivo.
Os meus cumprimentos,
Nuno Côrte-Real
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RE: o Bosão de Higgs e a Nobreza
Caros confrades,
Permitam-me esta sugestão telegráfica, já que hoje não disponho de tempo para escrever mais. Neste artigo:
http://www.pickelhauben.net/articles/CadetArticle.htm
É explorada com algum detalhe o processo de admissão de nobres nas escolas militares prussianas finisseculares. Merece a pena uma leitura.
Com os melhores cumprimentos,
Francisco Cercal
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RE: Respostas a cinco confrades
Estimado confrade Anachronico,
Enquanto aguardo, com grande expectativa, a VII parte da sua notável exposição, não posso deixar de confrontar esta sua afirmação:
«Apenas nobres sem posses e fidalgotes pauperrimos não se preoccupam com estas questões e passam o tempo a ler tractados juridicos nobiliarchicos. Os confrades julgam que a maioria dos nobres do Norte se preoccupa minimamente com o direito nobiliarchico? O que julgam os caros confrades que é mais importante para um nobre no Norte: a proposta de alteração do direito nobiliarchico da associação de nobreza do seu pais, ou a proposta de lei no parlamento que, se approvada, o forçará a vender parte das suas herdades em nome de uma reforma agraria mais egalitaria, ou a ter que gastar milhões em por exemplo correcções de leitos de agua nas mesmas, em nome da proteccção da flora e fauna e do meio ambiente?»
Com o escrúpulo absoluto aplicado pelas associações de nobreza germânica à leitura do antigo direito nobiliárquico daquelas paragens:
http://www.adelsrecht.de/
Quanto aos fidalgos paupérrimos, na verdade sempre representaram a maioria do estamento. Creio recordar ML Bush, no seu livro "Rich Noble, Poor Noble": na maioria dos casos, apenas o direito ao uso de brasão e privilégios cognatos diferenciava a maioria dos nobres dos seus vizinhos burgueses.
Também não posso deixar de ter em mente os rigorosíssimos critérios genealógicos do Gotha, os quais convertem o estamento nobiliário numa casta tão endogâmica quanto a dos brâmanes indianos.
Queira aceitar os melhores cumprimentos, do
Francisco Cercal
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RE: Respostas a cinco confrades
Caro confrade Anachronico,
Para quando a prometida VIIª parte da sua brilhante intervenção? Oxalá disponha de tempo para ela — aguardamos com enorme expectativa.
Cordialmente,
Francisco Cercal
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RE: PARTE V - O nome - Allemanha & Austria, 1919-
Caro confrade,
Creio que falo por todos ao dizer que aguarda-se, com certa espectativa, a 6a parte de seu fenomenal 'trabalho.' Espero que não o tenha deixado. rs
Melhores cumprimentos,
D.
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RE: A todos os confrades
Caros confrades Hirão e Cercal,
e demais confrades do forum,
Muito obrigado pelas vossas palavras, e peço perdão por me ter ausentado sem ter dado alguma explicação.
Há cerca de um mês faleceram, no mesmo dia, duas pessoas muito especiais para mim. Como poderão entender, de um dia para o outro perdi o ânimo para aqui escrever. O que eu aqui escrevo não é mesmo nada importante.
Mas a vida continua, e voltarei à continuação do tópico. Apenas peço que esperem um pouco mais.
Quero também aproveitar para pedir perdão pelo tom de algumas das minhas mensagens. Comecei com uma simples exposição, mas vi-me mais tarde como que a fazer o papel de Advogado do Diabo. E a escolha de método não foi feliz. Não quero antagonizar ninguém. Apenas quero ajudar a iniciar um debate amigável entre todos nós. Nada mais.
Obrigado pelas vossas palavras encorajadoras. Sinceramente não as esperava. Porque realmente o que eu escrevo não é mesmo importante. O que é importante, como todos nós obviamente sabemos, é ter saúde e amor, e família, e amigos.
É o que eu desejo a todos os confrades.
Anachronico
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RE: A todos os confrades
Estimado confrade Anachronico,
Queira aceitar os meus mais sentidos pêsames pelo passamento de entes tão queridos.
O tema que aqui discutimos não é importante; mas o seu raciocínio e a sua interpretação da história importam. Porque todas as boas interpretações da História acrescentam sentido às nossas vidas. A sua escrita enriquece-nos a todos.
Cordialmente,
Francisco Cercal
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RE: A todos os confrades
Caro confrade Anachronico,
Creio que o que escreve é muito importante e que muito tenho aprendido e reflectido através da leitura das suas mensagens e a dos restantes intervenientes neste especifico tópico.
Peço-lhe que aceite o meu sentido pesar e agradeço e subscrevo as suas sempre sábias palavras, desejando também saude, amor ,sucesso, familia e amigos a si e a todos nós.
Com os melhores cumprimentos,
João Paulo Gaspar
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RE: Acepções de nobreza - a clivagem entre Norte e Sul
Caros confrades,
Enquanto aguardamos o regresso do nosso confrade Anachronico a este debate, mal não faremos em compulsar o primeiro capítulo do muito interessante livro "Aristocracy and the Modern World" de Ellis Wasson (2006), disponível aqui:
http://www.palgrave.com/PDFs/1403940738.pdf
Com os melhores cumprimentos,
Francisco Cercal
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RE: Acepções de nobreza - a clivagem entre Norte e Sul
Caro confrade Francisco Cercal,
Vi superficialmente o texto de Wasson. O autor parece supervalorizar erroneamente a terratenência ou posse de terras, a meu ver. Eu concordo com F. W. Nietzsche.
Cf. Nietzsche, Friedrich Wilhelm; Bini, Edson (tradução), Além do Bem e do Mal, Edipro, Bauru-SP 2008, Nona parte, O que é nobre?, "(...) A casta nobre foi, no início, sempre a casta bárbara: sua dominância não residia primariamente em sua força física, mas na psíquica -- eram seres humanos 'mais íntegros' (o que, em todos os níveis, significa também outro tanto que "bestas mais íntegras")."
Cumprimentos,
Herculano L. E. Neto
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RE: Acepções de nobreza - a clivagem entre Norte e Sul
Caro confrade,
Nietzsche não é modelo de coisa alguma hoje em dia. E, data venia, citá-lo é estar fora do "bom limiar." Um louco com duas dezenas de personalidades e com, pelo menos!, 5 modelos filosóficos distintos e antagônicos (há quem diga que sejam mais, outros menos) e um ego do tamanho do orbe -- ele se gabava de uma falsa origem nobre e de que o pai fora preceptor de algumas princesas; vide "A Força da Tradição", de Arno Mayer --, deveria ter os livros a servir de papel higiênico a papagaios taitianos neurastênicos. No mais, uma análise histórica mais séria dessa afirmação, a desmonta d'alto a baixo.
Cumprimentos, D.
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