A mais antiga carta de brasão de armas de Sás
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A mais antiga carta de brasão de armas de Sás
Após um interregno de cerca de dois séculos, é com o alvorecer dos anos de quinhentos que começam a surgir-nos dados documentais acerca de Sá, em Santa Eulália de Barrosas, no "termo de Guimarães", através do tombo do mosteiro hieronimita de Santa Marinha da Costa (este cenóbio era dos cónegos regulares de Santo Agostinho, dando-se a substituição pelos monges de S. Jerónimo a partir do ano de1528).
Assim, no ano de 1530, verifica-se o emprazamento pelo seu directo senhorio, de três casais denominados de Sá: Sá de cima, Sá do meio e Sá do cabo. E parece legítimo presumir que a medieval “vila Sala” tenha ficado incluída no espaço geográfico ocupado por estes três casais.
As renovações dos citados prazos foram feitas a Jorge Anes de Sá e mulher Inês Álvares, do casal de Sá do cabo; a Cristóvão Pires e mulher Maria Rodrigues, do casal de Sá do meio; e a João Álvares e mulher Guiomar Gonçalves, do casal de Sá de cima (com a obrigação de ampararem a mãe dele, Brites Rodrigues).
Mas interessa-nos particularmente dedicar a nossa atenção àquele Jorge Anes de Sá, senhor em 1530 (por herança de seus pais) do casal de Sá do cabo.
Dele desconhecemos a ascendência, embora seja certo ter obtido carta de brasão de armas em 20/12/1526, de que se conserva o seu registo por transcrição feita na Chancelaria de D. João III, de resto, a mais antiga carta de brasão de armas dos Sás conhecida (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D. João III, Lº XVII, fls. 121; vide também Artur Vaz-Osório da Nóbrega, “Pedras de Armas do concelho de Lousada”, pág. 281 e o Visconde de Sanches de Baena, “Arquivo Heráldico-Genealógico”, pág. 351, nº 1385).
Sendo, logo de início, qualificado como “fidalguo de cota darmas” (o que, neste caso, deverá ter o mesmo sentido de fidalgo de linhagem ou fidalgo de geração, atento o facto de não se conhecer qualquer outra carta de brasão que lhe tenha sido atribuida anteriormente), não revela aquela carta de armas, lamentavelmente, elementos factuais importantes do agraciado, como a naturalidade e a ascendência.
Mas não deixa de ser importante o facto de lhe ter sido passada carta de brasão de Sás, em pleno, com uma merleta preta por diferença. O que, em Heráldica, significa ser ele descendente por varonia desta linhagem (o que, de resto, é salientado naquele documento) e por linha legítima.
Saliente-se, para os mais desconfiados em tudo o que diga respeito a cartas de brasão, que nesta época elas eram dignas de todo o crédito. E para arredar quaisquer dúvidas que ainda possam persistir, farei notar que apenas quatro anos volvidos, precisamente em 12/5/1529, foi passada outra carta de brasão de Sás a um João de Sá, tesoureiro da especiaria da Casa da Índia, na qual o rei de armas não só entendeu acrescentar-lhe meia brica vermelha, como a quarta parte de um filete preto!
Curiosamente, existe outro documento régio referindo-se a um Jorge Anes de Sá e que desconfiamos tratar-se do mesmo.
Em 25/3/1525 o rei D. João III concedeu a Jorge Anes de Sá, morador na ilha da Madeira, licença para o uso de armas ofensivas e defensivas, por este temer que os parentes de Garcia da Câmara (filho bastardo de João Gonçalves da Câmara, 2º capitão donatário do Funchal e neto de João Gonçalves Zarco) e Gil Barradas (cavaleiro-fidalgo da Casa d’el-rei e fidalgo de cota de armas, filho de Lourenço Luís de Bem, fidalgo, morador em Monforte, e de sua mulher Filipa Barradas Matoso) atentassem contra a sua vida, por considerá-lo causa da morte daquele neto do Zarco.
Embora morador na ilha da Madeira, afirma não ter na ilha “parentes com que pudese andar seguro”. E porque tinha muita fazenda que prover e visitar “asy sua como das filhas dallvaro estevez que deos aja mio feitor e mynistrador” e andava de dia e de noite “quando faziam seus asuqueres”, não podia prover sua fazenda por ser fora das povoações e temer ser atacado por aqueles fidalgos que eram “seus imigos capitaes” e “pessoas primcipaes na Ilha e muito validos em todo o Reyno”, pelo que pedia a el-rei fosse autorizado a usar armas para sua defesa.
Não se nos afigura situação singular para a época que Jorge Anes de Sá tivesse sofrido fortes represálias, em termos sociais, pelo crime de que era acusado pelos Câmaras e Barradas e, de resto, provado (conforme também consta neste diploma régio) por um alvará assinado por Diogo Vaz, cidadão e juiz do cível na cidade de Lisboa, e inserto num público instrumento de certidão “com os ditos de certas t.as dado por mandado e autoridade de justiça que parecia ser feito e asynado por gonçalo aº de bragua publico t.am em a minha cydade de lixboa a xb dias do mes de fev.ro do ano presemte de mill bxxb annos”.
Por outro lado, o facto de Jorge Anes de Sá acentuar que tinha de prover a fazenda “das filhas” do falecido Álvaro Esteves, feitor e administrador d’el-rei na ilha da Madeira, parece indiciar um vínculo familiar ou de amizade muito estreito.
Ora uma daquelas filhas não seria exactamente Inês Álvares, a mulher de Jorge Anes de Sá?
São elementos falíveis quando desacompanhados de outros dados, mas de considerar quando coadjuvados por factores de ponderação.
Mas, mesmo aceitando a forte plausibilidade destes dois Jorge Anes de Sá serem uma e única pessoa, mantém-se a enorme incógnita acerca da sua filiação.
Acaso seria ele filho daquele João de Sá, fidalgo da Casa d’el-rei D. João III, a quem este monarca concedeu em Fevereiro de 1527 a capitania da fortaleza de Cananor? E este será o João de Sá, fidalgo da Casa de D. Manuel I e corregedor no Porto, que em 19/5/1496 vende uma quinta no julgado da Maia, na freguesia de Santa Maria de Vilar, a Nuno Álvares, cidadão do Porto, e a sua mulher Maria Domingues? E será identificável com o João de Sá, vedor da fazenda da alfândega do Porto, de largos proveitos, eventualmente o mesmo que serviu como escrivão da nau S. Rafael, pertencente à frota de Vasco da Gama, no caminho para a Índia, vindo a comandá-la no regresso a Lisboa, quando o Gama resolveu ficar para trás a fim de tratar do irmão moribundo?
E qual o parentesco naturalmente existente com o João de Sá, tesoureiro da especiaria da Casa da Índia, acima referido por ter tido carta de brasão de Sás, em 12/5/1529?
O que se nos afigura muito provável, é um destes ser o João de Sá que em 1465 tomou ordens menores em Braga, sendo filho de Diogo Gil e de sua mulher Brites de Sá, da freguesia de Santa Maria da Sé do Porto.
Ora esta Brites de Sá é nomeada como sobrinha de Inês Vaz (Ribeiro), mulher de Gonçalo de Sá, cavaleiro, vereador no Porto e senhor de Aguiar de Sousa; e, por isso, neta de João Rodrigues de Sá, “o das Galés”.
É também certo que ao compulsarmos as Moradias da Casa Real detectámos um Jorge de Sá que em 1529 era moço de câmara d’el-rei. Mas este parece-se-nos ser identificável com o Jorge de Sá (Sotomayor), fidalgo da Casa d’el-rei, matriculado em 12/6/1534 no Colégio de Santa Cruz de Coimbra e que, como nos diz Felgueiras Gaio “quando El Rei D. João 3º fundou a Universidade de Coimbra lhe escreveu huã carta com muitas honrarias e lhe rogou quizesse ter a Cadeira de Vespora de Medicina”.
Curiosamente, era filho de Duarte de Sá, fidalgo da Casa d’el-rei, morador em Coimbra, tendo servido muitos anos na Índia de onde regressou muito velho, casado com Isabel Correia, e neto paterno do casal Filipa de Sá e João Gonçalves de Crescente. E, como tal, pertencente aos chamados Sás do Curval (prazo que lhes foi dado pelo bispo de Coimbra D. João Galvão).
O acima citado Duarte de Sá era primo direito do Dr. Francisco de Sá de Miranda, não devendo deixar de salientar-se que o nome Jorge foi muito comum neste ramo dos Sás de Coimbra.
Um Luís de Sá de Miranda, fidalgo da Casa d’el-rei, sobrinho paterno do Duarte de Sá acima mencionado, teve entre outros filhos (de sua mulher e prima D. Isabel Lobo de Sotomayor, filha do também já citado Jorge de Sá Sotomayor, lente da Universidade de Coimbra) um Bento de Sá de Miranda que serviu muitos anos na Índia com valor, mas tendo-lhe sido imputados muitos crimes esteve em riscos de ser degolado; e um Jorge de Sá que parece não ter deixado geração.
E será igualmente de referir a curiosidade de Mem de Sá, irmão de Filipa de Sá (e, como tal, tio-avô de Francisco de Sá de Miranda) ter tido um filho de nome Paio de Sá, que casou na ilha da Madeira precisamente com uma dama da família dos Câmaras!
Não sendo pois, até à data, possível provar documentalmente a filiação de Jorge Anes de Sá, ficam-nos, ainda assim, muitos elementos importantes a servirem para ponderação, esperando que possam mostrar-se decisivos em investigações futuras.
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