Marquês de Louriçal

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Marquês de Louriçal

#74981 | fg | 14 Oct 2004 12:07

Estou interessado em saber qual a relação do palácio Palhavã com a opulenta família dos marqueses de Louriçal (parece que vem dos Serzedas). Por outro lado, o 4º marquês, D. Luis Eusébio Maria de Menezes Silveira, casado com uma filha dos 5º marqueses de Marialva, morreu sem descendência sendo a sua importante herança disputadíssima pelas suas cunhadas (irmãs de sua mulher) D. Henriqueta ( 4ª duquesa de Lafões) e D. Margarida (1ª marquesa de Loulé), sendo este um dos processos jurídicos mais polémicos e interessantes do séc. XVIII, implicando parte da alta nobreza portuguesa, chegando mesmo a contar com a intervenção da Casa Real. Por outro lado, e aí está um dos mistério da questão, parece que a representação do título de marquês de Louriçal passou para casa dos condes de Lumiares (Cunha e Menezes); o facto do 4º marquês de Louriçal ser filho de D. Maria Glória da Cunha e Menezes parece ter influido na decisão e o palácio Palhavã passa então para os condes de Lumiares. Há também outro mistério que não deixa de ser bastante interessante e que diz respeito ao destino dado à famosa baixela ( em prata/ouro e com as armas dos príncipes de Rohan) que levou no dote a princesa Constança de Rohan-Soubise ao casar-se com o 2º conde da Ribeira Grande e cuja filha, D. Ana, casou com D. Luis de Menezes, 1º Marquês de Louriçal. Parece que se tratava de um conjunto de utensílios de um valor incalculável (próprio de uma família como os Rohan), sendo uma das exigências dos Louriçal para que se concretizasse o casamento e a união entre estas duas grandes famílias da alta nobreza portuguesa. Infelizmente não encontrei a crónica onde se relata estas questões, mas foi-me comentado que a baixela foi desmembrada através de sucessivas heranças, sendo parte dela comprada pelo 1º conde de Farrobo aos seus genros, D. Carlos e D. Luis da Cunha e Menezes (Lumiares). Dado que o Joaquim Pedro Quintela-Farrobo (que foi uma das maiores fortunas da Europa e cujas festas ficaram na história - recorde-se a expressão ainda hoje usada "Farrobodó") acabou quase na miséria, presume-se que a famosa baixela Rohan estará na posse de algum milionário americano ou então exposta em algum museu estrangeiro.

Cumprimentos

F. Guimarães

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RE: Marquês de Louriçal

#75043 | fg | 15 Oct 2004 09:44 | In reply to: #74981

Relativamente à disputa da herança do 4º Marquês de Louriçal, remeto para o excelente ensaio de Nuno Gonçalo de Freitas Monteiro "O CREPÚSCULO DOS GRANDES". Quanto à herança da baixela Rohan, existe um pequeno ensaio de Armando da Costa e Sá, publicado em 1931, considerado hoje em dia verdadeira uma relíquia e que tem como título "O marquês de Marialva e as suas filhas". Este ensaio faz também referência à disputa pela baixela e apresenta e levanta uma série de questões tais como o facto da princesa Constança Emília de Rohan-Soubise, 4ª condessa da Ribeira Grande, ter 8 filhos casados, e ser a sua filha D. Ana - e só ela- a levar este verdadeiro tesouro no seu dote. E isto tendo em conta que uma das suas irmãs casou também com um grande, o 6º conde de Atalaia. Por outro lado uma irmã de D.Constança Emília, a princesa Pelágia de Rohan, casou também em Portugal e com o conde de Calheta, sendo mãe do 1º marquês de Castelo Melhor, levando esta princesa no seu dote jóias de um grande valor material e artístico e que mais tarde (inícios do séc. XIX) foram vendidas, quase na sua totalidade, por esta família em Londres.
Quanto à aquisição do conde de Farrobo de parte (já muito reduzida) da baixela Rohan, há que ratificar que esta compra foi feita ao pai dos seus genros- o conde de Lumiares- e não a estes e que a sua venda posterior ajudou ao Conde de Farrobo-Barão de Quintela a saír dos seus habituais apuros. No entanto parece que nem tudo dos Roahns foi vendido, pois uma das suas filhas, D. Madalena Quintela, herdou um retrato a óleo (que evidentemente não faz parte da baixela) da princesa Constança Emília de Rohan-Soubise.
Parece que as irmãs Rohan, e segundo o ensaio de A. da Costa e Sá, se adaptáram muito mal à sociedade Lisboeta e à corte, considerando tudo e todos de provincianos e odiando tudo o que era "parvenu". Parece que não eram própriamente simpáticas estas senhoras...

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RE: Marquês de Louriçal

#75045 | fg | 15 Oct 2004 11:12 | In reply to: #74981

as armas da baixela Rohan são de ROHAN-CHABOT (família da mãe da princesa Constança)

F. Guimarães

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RE: Marquês de Louriçal

#75063 | Monigo | 15 Oct 2004 16:25 | In reply to: #75045

Olá

os Rohan-Chabot de hoje também não são ricos, longe disto. Eles têm ainda castelos mas pouco mais

Alberto Penna Rodrigues
ps: afinal, eram as princesas Rohan-Chabot ou Rohan-Soubise?

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RE: Marquês de Louriçal

#75228 | fg | 18 Oct 2004 09:20 | In reply to: #75063

Bom dia Alberto

As princesas em questão eram de facto Rohan-Soubise, mas a mãe delas era Rohan-Chabot (filha dos duques de Rohan); os Rohan -Soubise e os Rohan-Chabot são parentes.

Quanto às dificuldades económicos actuais dos Roahn-Chabot, não faço a mais pequena ideia, não os conheço, nem sequer sei nada deles; pelo menos ainda têm castelo, os pobres Rohan...

As princesas de que falo e que foram mais tarde, por casamento, condessa da Ribeira e condessa da Calheta viveram no séc. XVII.

Cumprimentos

Francisco Guimarães

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RE: Marquês de Louriçal

#75255 | Monigo | 18 Oct 2004 17:47 | In reply to: #75228

Olá Francisco

eu mandei a sua pergunta(s) ao forum francófono Royauté. Quem sabe eles não sabem de algo?
O conde Louis-Mériadec Alain Yves Marie (b.château de Bonnefontaine 27 Dec 1937); m.Paris 27 Jun 1968 Isabelle Marie Laurence Mathilde Pss de Bauffremont-Courtenay é o presente chefe do movimento dos legitimistas (Bourbon) na França.

Cumprimentos

Alberto Penna Rodrigues

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RE: Marquês de Louriçal

#75259 | cyrne | 18 Oct 2004 19:02 | In reply to: #74981

Caro Guimarães,

O que sei sobre Palhavâ é que pertenceu aos meus trisavós José Cyrne de Sousa Madureira Canavarro e Carlota José de Mendoça e que que pelo menos un dos seus filhos, o meu bisavo José Maria Mendoça de Souza Cyrne, viveu lá e lembro-me de ele me contar que ia de charrete mas que quando chegava ao colégio militar tinha vergonha de tanta opulencia e então mandava o cocheiro deixa-lo apear-se para chegar a pé e passar desprecebido.

Cumprimentos,

Vasco Cyrne

PS Posso tentar saber da baixela

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RE: Marquês de Louriçal

#75403 | fg | 20 Oct 2004 09:28 | In reply to: #75255

Olá Alberto

Agradeço-lhe o seu interesse em obter dados sobre os Rohan; no entanto, estou particularmente interessado sobre a vida dessas senhoras depois da sua entrada em Portugal. Que é feito dessa famosa baixela? haverá ainda alguns vestígios visíveis dela?

Um abraço e seguimos em contacto

F. Guimarães

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RE: Marquês de Louriçal

#75404 | fg | 20 Oct 2004 10:01 | In reply to: #75259

Bom dia Vasco Cyrne

O Palácio Palhavã acabou (antes de ser comprado pelo estado espanhol para aí instalar a embaixada) na família da sua trisavó que era filha do conde da Azambuja. De facto, foi um palácio digno para dar acolhida a um neto de reis...

Não obstante, antes de ter sido comprado pelos Azambujas, este palácio teve vários proprietários ( D. João V, Sarzedas, Louriçais, Lumiares)...

Segundo o que eu li em tempos no pequeno ensaio do Armando Costa e Sá (que infelizmente tive que devolver e cujo proprietário parece que não o encontra...) uma parte ínfima da baixela Rohan saiu ainda reluzir nas festas de D. Francisco da Cunha e Menezes (neto materno dos marqueses de Louriçal) , antes de ser governador da Índia.

Acho graça à história da charrete; é mais uma a juntar a outras, mais ou menos da mesma época, como por exemplo a do coche do conde de Farrobo a quem a família real proibiu de sair à rua, dado que ofuscava a sua carruagem; e a história da liteira e a obstinação da marquesa de Terena em nela ser transportada e isto em pleno séc. XIX... (ver "roteiro da Ribeira Lima" do conde de Aurora).

Cumprimentos,

F. Guimarães

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RE: Marquês de Louriçal

#75519 | fg | 22 Oct 2004 10:20 | In reply to: #75259

Bom dia Vasco


Mais dados sobre a herança Rohan; o retrato da princesa Constança e Rohan-Soubise (enquanto solteira) e a corpo inteiro foi vendido há vários anos pelos descendentes de D. Madalena Quintela e de D. Luis da Cunha e Menezes. Tentei saber do paradeiro desse óleo, mas até ao momento o único dado que recebi é da forte possibilidade de que se encontre no Brazil.

A baixela Rohan foi transportada pelo 3º marquês de Louriçal a Roma, onde foi embaixador, segundo o que me foi comentado há anos por D. Segismundo da Câmara de Saldanha (Manuna Rio Maior), um dos seus muitos descendentes e que tinha particular interesse por este assunto; e que na sua família (da sua avó, D. Carlota) se dizia muito esta divisa que esteve presente durante várias gerações: " ROI NE SUIS / PRINCE JE DAIGNE / ROHAN JE SUIS" (esta divisa ou lema faz parte das armas dos duques de Rohan e que, como já foi comentado, estava gravado na baixela).

Um abraço

F. Guimarães

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RE: Marquês de Louriçal

#75563 | doria_gen | 22 Oct 2004 18:53 | In reply to: #75519

Pequena correção: Roy ne puys, Prince ne daigne, Rohan suys (mantendo a grafia arcaizante).

Rohan-Soubise e Rohan-Guéméné são os ramos varonis; Rohan-Chabot tem a varonia de Chabot, uma família igualmente antiga (como p.e. os Tasso de Dordogna e Valnigra têm a varonia destes, e não de Tasso/Tassis - aliás ainda há a varonia Tassis no Brasil, nalguns ramos Taques).

No início do século XX, os Príncipes de Léon, herdeiros dos Duques de Rohan (Chabot), davam em Paris bailes de máscaras famosos, que muito inspiraram a Proust - foi aliás neles que Proust modelou o casal jovem Oriane e Basin de Guermantes, enquanto Príncipes des Laumes, herdeiros dos Duques de Guermantes...

fa

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RE: Marquês de Louriçal

#75565 | doria_gen | 22 Oct 2004 18:55 | In reply to: #75519

Mais uma nota: o título de Príncipe, no caso dos Príncipes de Léon, é inferior ao de Duque, talvez da ordem do de Marquês.

fa

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RE: Marquês de Louriçal

#75603 | cyrne | 23 Oct 2004 10:15 | In reply to: #75565

Boas Histórias nos contam, caros Senhores.

Obrigado

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RE: Marquês de Louriçal

#75604 | cyrne | 23 Oct 2004 10:22 | In reply to: #75255

Caro Alberto Pena Rodrigues,

Já tem algumas noticias do forum Royauté?


Cumprimentos,

Vasco Cyrne

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RE: Marquês de Louriçal

#75605 | cyrne | 23 Oct 2004 10:28 | In reply to: #75519

Caro F. Guimarães,

Pedia-lhe, se não se importar, que me esclarece-se a ligação Carlota José (minha trisavó) e os Rohan.

Um abraço,

Vasco

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RE: Marquês de Louriçal

#75607 | doria_gen | 23 Oct 2004 11:16 | In reply to: #75603

...melhores, tê-las-á Proust :))

Citando de memória (estou com preguiça de conferir em Rietstap), as armas dos Rohan são, de gueules aux trois mâcles d'or.

fa

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RE: Marquês de Louriçal

#75737 | fg | 25 Oct 2004 08:55 | In reply to: #75605

Caro Vasco

Desculpe, mas parece que não fui claro na minha exposição; primeiro, ao dirigir-lhe a mensagem anterior, fi-lo porque me pareceu interessado por este tema, tendo em conta principalmente que Palhavã pertenceu à sua família, embora os proprietários aqui tratados serem os Louriçal (que herdaram o palácio dos Sarzedas, primeiros proprietários, salvo erro.) Por outro lado, ao referir-me à avó Carlota tinha em mente a avó do D. Segismundo Saldanha (D. Carlota da Cunha e Menezes (Lumiares) que casou com D. Segismundo Gonçalves Zarco da Câmara (Ribeira Grande)) e não a sua trisavó D. Carlota José de Mendonça (Azambuja).

Um abraço

F. Guimarães

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RE: Marquês de Louriçal

#224179 | Luis_Froes | 18 Mar 2009 13:56 | In reply to: #75737

Caro F. Guimarães,

Engraçado tópico este, que só descobri agora.

Aproveito para lhe perguntar se ligado ao processo judicial derivado da morte do 4º Marquês de Louriçal está o facto de o 3º Conde de Azambuja ter vindo a ser o proprietário de Palhavã, isto porque era sobrinho neto de D. Joaquina de Lorena e Menezes, Marquesa de Louriçal. Esta senhora era, aliás, herdeira desse precioso monumento histórico que é Seteais (que era Marialva), mais tarde pertença dos Azambujas, onde o meu bisavô Jaime de Olazábal (Azambuja pela mãe) estudou, tendo por base uma secretária que terá servido na assinatura de um importante tratado histórico cujo nome me escapa agora, e onde nasceu, pelo menos, uma das minhas tias-bisavós Olazábal.

Quanto ao Palácio de Palhavã, o que sempe ouvi dizer foi que D. Antónia Adelaide Ferreira, sogra de Augusto Pedro de Mendóça, lho terá oferecido como presente de casamento. Não sei se será a versão que corre pelos interessados nestas curiosidades, mas é o que sempre ouvi dizer a minha Avó.

Com os melhores cumprimentos,
Luís Froes

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RE: Marquês de Louriçal

#224186 | luso | 18 Mar 2009 14:40 | In reply to: #75063

The name Rohan derived from a small town in Morbihan, Brittany. The family appears to have sprung from the viscounts of Porhoet, and claims connection with the ancient sovereigns of Brittany. From the 12th century it held an important place in the history of Brittany, and strengthened its position by alliances with the greatest houses in France.

It was divided into several branches, the eldest of which, that of the viscounts of Rohan, became extinct in 1527. Of the younger branches the most famous is that of Guemenee, from which sprang the branches of Montbazon, Soubise and Gie. The seigneurs of Frontenay, an offshoot of this last branch, inherited by marriage the property of the eldest branch of the house. Hercule de Rohan, duc de Montbazon (1568-1654) served Henry III and Henry IV against the Catholic League, and was made by Henry IV governor of Paris and the Isle of France, and master of the hounds. His grandson, Louis de Rohan-Guemenee, the chevalier de Rohan, who was notorious for his dissolute life, conspired with the Dutch against Louis XIV and was beheaded in Paris in 1674.

In the 18th century the Soubise branch furnished several prelates, cardinals and bishops of Strassburg, among others the famous cardinal de Rohan, the hero of the Affair of the Diamond Necklace. The seigneurs of Gie, a branch founded by Pierre de Rohan (1453-1513), a cadet of the branch of Guemenee and marshal of France, were conspicuous on the Protestant side during the wars of religion. Rene de Rohan, seigneur of Pontivy and Frontenay, commanded the Calvinist army in 1570, and the cardinal de Rohan defended Lusignan with great valour when it was besieged by the Catholics (1574-75). His son Henry, the first duke of Rohan, also distinguished himself in the Protestant army. His only child, Marguerite de Rohan, married in 1645 Henri Chabot, a cadet of a great family of Poitou. This marriage was opposed by her mother, Marguerite de Bethune, who put forward a rival heir called Tancred, whom she claimed to be her son by the duke of Rohan. This Tancred perished in the Fronde in 1649.

The property and titles of Henry de Rohan thus passed to the Chabot family, which under the name of Rohan-Chabot produced some distinguished soldiers, and a Cardinal and archbishop of Besançon. The male line of the Rohans is now represented by an offshoot of the Rohan-Guemenee branch.

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RE: Marquês de Louriçal

#224187 | luso | 18 Mar 2009 14:43 | In reply to: #224186

Os denominados Meninos de Palhavã eram os filhos bastardos (de sexo masculino) de D. João V (1706-50), reconhecidos pelo soberano em documento que firmou em 1742, mas que só foi publicado em 1752, após a sua morte.

A expressão deriva do facto de terem habitado no palácio do marquês de Louriçal, na zona de Palhavã, na altura arredores de Lisboa mas que hoje se situa em plena cidade (o edifício - denominado Palácio da Azambuja - é hoje a Embaixada de Espanha em Lisboa, ou "Palácio dos Meninos de Palhavã"). Receberam educação em Santa Cruz de Coimbra sob o preceptorado de Frei Gaspar da Encarnação para se fazerem religiosos. Por escrúpulos de consciência do rei, há um «Decreto porque S. Majestade houve por bem declarar três filhos ilegítimos», dado em Caldas da Rainha em 6 de agosto de 1742. Considera que eram filhos de «mulheres limpas de todo sangue infecto», pelo que pedia ao príncipe herdeiro para favorecer os irmãos. Este assim o fez por decreto de 21 de abril de 1752, registrado ao livro 1º das Patentes, folio 223.

Eram eles:

D. António (1704-1800), filho de uma francesa de nome desconhecido. Doutorou-se em Teologia e veio a ser cavaleiro da Ordem de Cristo.
D. Gaspar (1716-1789), filho de uma religiosa, D. Madalena Máxima de Miranda (Madalena Máxima da Silva Miranda Henriques). Veio a ser arcebispo primaz de Braga.
D. José (1720-1801), filho da religiosa madre Paula de Odivelas (Paula Teresa da Silva). Exerceu o cargo de Inquisidor-mor.
Em consequência de um conflito que tiveram com o marquês de Pombal, D. António e D. José foram desterrados para o Buçaco em 1760 de onde só puderam regressar depois da morte de D. José I, em 1777.

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RE: Marquês de Louriçal

#224191 | luso | 18 Mar 2009 15:03 | In reply to: #224186

As exéquias de D. Gaspar de Bragança
na Sé de Braga
(um desenho inédito de Carlos Amarante)
Revista da Faculdade de Letras
CIÊNCIAS E TÉCNICAS DO PATRIMÓNIO
Porto, 2004
I Série vol. III, pp. 255-270
ISABEL MAYER GODINHO MENDONÇA*
Abstract – A recently discovered drawing by Carlos Amarante reveals the
cenotaph built in the main chapel of Braga’s cathedral for the memorial
ceremonies of the archbishop D. Gaspar de Bragança, who died in
1789.
O Tejo te viu nascer
Braga te vê governar
A memória te há-de ver
Em o seu Templo, Gaspar 1
Assim se referia um poeta anónimo ao príncipe D. Gaspar de Bragança, arcebispo
de Braga, que nesta cidade viria a falecer a 18 de Janeiro de 1789, depois de
ter dirigido os destinos da arquidiocese durante quase 31 anos. Embora mais efémero
do que imaginava o poeta, D. Gaspar viria a ter, de facto, o seu “templo da
memória”: o mausoléu erigido na capela-mor da sé bracarense, que constituiu o foco
das atenções de todos os que assistiram às cerimónias das exéquias realizadas em sua
memória, na tarde do dia 16 e na manhã de 17 de Março do mesmo ano.
O desenho do mausoléu, da autoria de Carlos Luís Ferreira Amarante, foi enviado
para Lisboa a 29 de Março pelo desembargador Henrique José de Mendanha
* Doutorada em História da Arte pela Universidade do Porto. Professora do ensino superior. Bolseira
da FCT..
1 Biblioteca da Ajuda, Collecção de poesias dedicadas a maior parte ao Infante D. Gaspar Arcebispo de
Braga, nº 19, fl. 71v. Citado por Eduardo Manuel Alves Duarte, Carlos Amarante e o Final do Classicismo,
dissertação de mestrado em História da Arte, UNL-FCSH, 1996, vol. I, p. 29.
A s e x é q u i a s d e D . G a s p a r …
256
Benevides Cirne, acompanhando uma carta por ele dirigida a José de Seabra da
Silva 2. Nela o secretário de Estado dos Negócios do Reino era informado sobre a
forma como o cabido desta Cathedral acaba(va) de dedicar a bem merecida memoria
de Sua Alteza o senhor D. Gaspar, demonstrando, através da construção do monumento
efémero, o dezempenho de hum verdadeiro reconhecimento 3 para com a figura
daquele príncipe e prelado ilustrado, mecenas das artes e da cultura, que tanto marcara
a imagem da cidade. Ninguém melhor que o arquitecto autodidacta Carlos
Amarante, protegido do arcebispo e autor de tantas obras por ele patrocinadas, para
dar forma a este “templo da memória” até agora desconhecido, que aqui revelamos.
D. Gaspar de Bragança, príncipe de Portugal e primaz das Espanhas
Filho natural de D. João V e da religiosa Madalena Máxima de Miranda
Henriques, D. Gaspar de Bragança foi baptizado na freguesia de S. Nicolau, em
Lisboa, a 13 de Outubro de 1716 4. A sua educação e a dos seus dois meios-irmãos,
D. António e D. José, tal como ele bastardos régios, foi confiada a frei Gaspar da
Encarnação, no século conhecido como Gaspar de Moscoso, franciscano do convento
do Varatojo, reitor da Universidade de Coimbra, reformador da congregação
de Santa Cruz em Coimbra e confessor de D. João V5.
D. Gaspar estudou Teologia no convento de Santa Cruz, continuando depois a
sua formação em Lisboa, no convento de S. Vicente de Fora. Viveu com os seus
2 Henrique José de Mendanha Benevides Cirne, desembargador e deputado da Mesa da Consciência e
Ordens, chegou a Braga a 10 de Fevereiro de 1789. Fora nomeado pela rainha para fazer o inventário dos bens
de D. Gaspar, no seguimento de um requerimento do Duque de Lafões, que queria ser ressarcido da dívida
de 24 302$257 réis que a mitra de Braga tinha para com ele, do espólio do arcebispo D. José de Bragança –
Arquivo Distrital de Braga (A.D.B.), Gavetas da Sé Vacante, Mç. 14, nº 132, carta do Cabido da Sé de 28 de
Setembro de 1789. A dívida foi paga em quatro prestações, entre 30 de Setembro de 1789 e 29 de Abril de
1790 – A.D.B., Gavetas da Sé Vacante, Mç. 13, nº 131, certidão passada em Cabido pelo escrivão do inventário
dos bens de D. Gaspar, Gabriel Fernandes Rego, a 10 de Outubro de 1790. Na carta enviada ao secretário
de Estado, o desembargador refere as dificuldades encontradas na elaboração do seu trabalho, que se
prendiam com o inventário menos exacto executado em 1758, quando D. Gaspar chegou a Braga: E emquanto
ao inventario, seguro a vossa Excelencia, que nelle emprego manhãs e tardes; e que estaria mais adiantado se o do
ingresso de Sua Alteza fosse menos confuzo, ou mais claro; pois parece incrível que de tantas canecas de prata descritas
com seus pezos e lavores, se viece com grande trabalho a conhecer que erão outras tantas mostardeiras que em
pezo, em numero e em lavor assim o manifestarão. Na carta, o desembargador faz ainda uma alusão aos problemas
levantados por “díscolos”, rapidamente sanados pelo Cabido – Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre
do Tombo (I.A.N./T.T.), Ministério do Reino, Maço 1000, Cx. 1123. Veja-se o Documento 1.
3 Ibidem.
4 Sobre a figura de D. Gaspar de Bragança, veja-se Manuel José dos Santos Farinha, Subsídios para a
história da “Lisboa Antiga” – O Palácio de Palhavã, Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1923; António
Ferrão, O Marquês de Pombal e os “Meninos de Palhavã”, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1923; José
Augusto Ferreira, Fastos episcopais da Igreja Primacial de Braga, vol. III, Porto, 1932, pp. 329-383, e o resumo
biográfico, amplamente documentado, de Eduardo Manuel Alves Duarte, ob. cit., vol. I, pp. 29-56.
5 Frei Gaspar da Encarnação (1685-1752) foi sepultado na capela de Nossa Senhora da Encarnação,
no convento de S. Vicente de Fora, junto ao coração de D. João V. Na mesma capela foram depositados
mais tarde os restos mortais de D. António e de D. José.
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I S A B E L M A Y E R G O D I N H O M E N D O N Ç A
dois irmãos no Palácio da Palhavã, nas imediações de Lisboa, arrendado pela casa
real ao marquês de Louriçal, sendo por isso os três príncipes conhecidos como os
“Meninos da Palhavã” 6.
Embora D. João V tenha reconhecido a paternidade dos três bastardos em
1742, o reconhecimento oficial só teve lugar em 1752, já no reinado de D. José.
Este, contudo, só viria a receber os seus irmãos em inícios de 1755, depois de uma
cerimónia em S. Vicente de Fora.
A 23 de Agosto de 1756 um decreto real nomeava D. Gaspar arcebispo de
Braga, sucedendo a seu tio, D. José de Bragança, falecido a 3 de Junho. A bula papal
chegaria quase dois anos depois, a 13 de Março de 1758, confirmando a nomeação
régia. A 25 de Julho era sagrado arcebispo na capela da Palhavã, tomando posse do
arcebispado através do seu procurador e parente, D. Aleixo de Miranda Henriques,
bispo de Miranda. A sua entrada em Braga ocorreu mais de um ano depois, a 28
de Outubro de 1759, e foi rodeada do aparato devido ao novo arcebispo primaz que
era também príncipe de sangue real 7.
Durante os 31 anos em que permaneceu à frente da arquidiocese, D. Gaspar,
fazendo jus à sua linhagem real, rodeou-se do maior aparato e magnificência, que
continuadamente manifestou nas cerimónias dos pontificais, que em nada ficaram
a dever aos da Patriarcal, nas exéquias e festividades com que exaltou a imagem da
corte e nas numerosas visitas pastorais que realizou 8.
Príncipe ilustrado, a sua vasta biblioteca, infelizmente desaparecida mas conhecida
através de registos documentais, abarcava um amplo leque de áreas de interesse,
da teologia e oratória sacra, à jurisprudência, literatura, história, ciências e artes 9. A
protecção que dedicou à Sociedade Económica dos Amigos do Bem Público, em
Ponte de Lima, de que foi presidente, revela-o como um espírito iluminado, interessado
no desenvolvimento da agricultura, do comércio e da indústria no norte do
país 10.
Mecenas das artes, fundou novas igrejas, que fez construir de raiz (Nossa Senhora
da Lapa e Santa Teresa), ampliando e reconstruindo outras (a igreja do Bom Jesus e
6 D. António, filho de uma francesa recolhida no mosteiro de Odivelas, era doutor em Teologia e claveiro
da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo; D. José, filho de soror Paula da Silva, do convento
de Odivelas, também doutor em Teologia, foi inquisidor-mor do reino. Cf. Manuel José dos Santos Farinha,
ob. cit., pp. 45-62.
7 A entrada de D. Gaspar foi descrita no relato anónimo intitulado Notícia da magnifica entrada que o
Serenissimo Senhor D. Gaspar, Arcebispo Primaz das Hespanhas deo na cidade de Braga no dia vinte e oito de
Outubro do prezente ano e se referem tambem as grandes festas, que alli se fizeram com este motivo, Lisboa, Of.
de Francisco Borges de Sousa, 1759, e ainda por Bernardino José de Senna Freitas, Memórias de Braga, vol.
III, Braga, Imprensa Católica, 1890, pp. 343-363.
8 Cf. José Augusto Ferreira, ob. cit., pp. 383, 384.
9 Cf. Pedro Vilas Boas Tavares, “A biblioteca e a bibliofilia de um prelado ilustrado: D. Gaspar de
Bragança, arcebispo de Braga (1758-1789)”, in Actas do IX Centenário da Dedicação da Sé de Braga, vol. II/2,
Braga, 1990, pp. 273-302, e Eduardo Duarte, ob. cit., pp. 57-61.
10 Gazeta de Lisboa, 20 de Julho de 1779, nº 29; 14 de Março de 1780, nº 11; suplemento de 17 de
Janeiro de 1783, II, e 2º suplemento de 18 de Janeiro de 1783, II, referido por Eduardo Duarte, ob. cit.,
p. 47.
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a igreja e hospital de S. Marcos). Tal como os seus antecessores mais próximos na
sede do arcebispado (D. Rodrigo de Moura Teles e D. José de Bragança), também
D. Gaspar quis deixar o seu nome ligado à renovação da Sé Catedral. As alterações
aí introduzidas estão intimamente ligadas à sua intenção de reformular o Breviário
bracarense (que não chegou a vingar) e à substituição do Cantochão antigo pelo
moderno, de acordo com os modelos de Mafra e da Patriarcal 11.
As cerimónias fúnebres de D. Gaspar de Bragança 12
A 9 de Janeiro de 1789 D. Gaspar adoeceu gravemente com hum defluxo cataral,
de que já se queixava há alguns dias 13. Na noite de 13 de Janeiro, não sentindo
melhoras, apesar dos tratamentos que lhe foram aplicados 14, pediu a Extrema-
-Unção e fez testamento, falecendo no domingo, 18 de Janeiro, das 8 para as 9 horas
da manhã. Durante a doença, o Cabido, as congregações religiosas da cidade e os
bracarenses em geral rezaram pela saúde do arcebispo, em manifestações de grande
piedade, fazendo os maiores excessos que nunca se fizerão por Perlado algum 15.
Vinte e quatro horas depois, o cadáver foi embalsamado e as vísceras enterradas
na capela do Paço. Foi então vestido de Hua vestimenta roixa mitra branca na cabesa
Palio ao pescoso luvas roixas nas mãos e nellas hum Santo Christo Crucificado, anel no
dedo e Coturnos ou sapatos lama (lhama) roixa nos pés, e conduzido para a segunda
sala adiante da dos arcebispos 16. Nesta sala foi armado um trono de altura de 4 palmos
coberto de beludo preto bem guarnecido de galois em sima no qual deitarão um colxão
de cabello por cima do qual lançarão hum cobertor de beludo roixo com galoins; e
franja de ouro em sima do qual poserão o corpo de Sua Alteza asim vestido com huma
rica almofada de seda de cor branca por baixo da cabessa. Aos pés do cadáver foi depositado
o chapéu arquiepiscopal 17.
11 José Augusto Ferreira, ob. cit., pp. 370-373; e Maria Luísa Reis Lima, A talha neoclássica bracarense,
dissertação de doutoramento em História da Arte, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2000, vol.
I, pp. 206-230.
12 As cerimónias que envolveram a morte e as exéquias de D. Gaspar foram relatadas por um autor
anónimo – A.D.B., Ms. 341, Livro curioso, que contem as principais novidades sucedidas no dizcurso de 35
annos prencipiando pello de 1755 athe o de 1790, escrito por um crioso natural da Nobre, e sempre fiel Cidade
de Braga. Segundo indicação manuscrita na contracapa do livro, o seu autor, que se identifica na própria
obra como juiz da Irmandade de S. Vicente no ano de 1790, terá sido Miguel Luís de Araújo, tendeiro com
negócio de capela em Braga, que em 1775 era mesário da Misericórdia. Bernardino de Senna Freitas (ob.
cit., vol. III, pp. 285-292) tem sido a fonte principal das cerimónias que rodearam a morte de D. Gaspar,
mas as notícias fornecidas por este autor “crioso”, que certamente testemunhou todas elas, são muito mais
pormenorizadas e seguramente mais fiéis.
13 A.D.B., Ms. 341, fl. 607.
14 Além dos médicos de Braga, o arcebispo foi assistido por médicos de Guimarães e pelo abade Bento,
mandado vir de Tibães, que exercera Medicina na cidade do Porto – Idem, ibidem. Os médicos de Braga
receberiam de gratificação 12 moedas e os de fora 20 – Idem, fl. 622.
15 Ibidem, fl. 609.
16 Ibidem, fl. 612. Segundo Senna Freitas o bispo foi depositado na Sala da Rosa, ob. cit., p. 288.
17 A.D.B., Ms, 341, fls. 612, 613.
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Em redor da essa foram colocados quatro acentos de hua e outra parte em os quais
se asentarão quatro conegos que asestião por turnos ao cadáver. Por trás desta essa foi
armado um altar com um crucifixo e seis velas, encimado por dossel de lhama roxa.
Na sala imediata foram armados outros seis altares com a mesma configuração e
decoração 18. A Sala dos Arcebispos foi transformada em sacristia: nella estava hua meza
comprida em sima da qual estavão seis vestimentas com o mais preparo para os Clerigos se
paramentarem para dizer as missas. Tem a ilharga della o lavatório, e duas toalhas.
O paço foi então armado com tecidos negros debruados com galões, que cobriram
as paredes e os tectos da entrada e escada principal, da sala onde se colocou a
essa e da sala contígua, onde foram montados os seis altares. Na Sala dos Arcebispos
foram apenas revestidas as paredes athe os frizos e não o teto.
Durante quatro dias celebraram-se missas nos altares montados no Paço, bem
como nos da Sé e demais igrejas, recebendo os oficiantes 240 réis de esmola por
cada uma 19. Durante esse período os restos mortais de D. Gaspar ficaram expostos
aos bracarenses que desfilaram pelas salas armadas do Paço, prestando as suas últimas
homenagens ao prelado – o Cabido, os membros da Relação e da Câmara, as
várias congregações religiosas e o povo da cidade, vilas e povoações vizinhas 20.
Na quinta-feira, dia 22, pela manhã, foi celebrada missa de defuntos pelo Deão,
D. Luís Xavier Pereira da Costa Vilhena, e pelo Cabido, ao som da capela musical
de D. Gaspar 21. Ao fim da tarde, depois das Trindades, o cadáver do arcebispo foi
deposto num caixão forrado de veludo preto por fora e por dentro de seda de ouro
branca, tudo agaloado de galões largos, e o mesmo colocado numa das suas carruagens,
coberta de veludo negro debruado de galões e franja de ouro.
O cortejo desfilou então por entre duas alas de ordenanças da cidade e seu
termo, ao longo da Rua Nova, passando pelos Açougues Velhos e daí até à porta da
Sé. As irmandades e confrarias da cidade, com tochas acesas, e o povo de Braga
acompanharam o préstito.
Precediam o coche com os restos mortais do arcebispo o Meirinho geral com o
seu ajudante, vestidos de pesado luto com baras nas mãos, o Ouvidor e o Juiz de Fora,
com os seus meirinhos, vestindo da mesma forma; os membros da Câmara e o escrivão,
com baras pretas nas mãos levando todos os chapéus na cabessa dezabados de trás, e
fumos muito compridos. Estes funcionários montavam caballos todos cobertos de baeta
preta athe os pés, levando os magistrados criados à estribeira, segurando archotes.
Seguia-se o estribeiro de D. Gaspar, vestido de capa e volta com hum criado a
bulea com seu archote; os 12 coreiros da Sé, a cavalo, envergando sobrepelizes e com
tochas na mão 22; os dois porteiros da cana, vestindo capa e volta, empunhando
18 Ibidem, fls. 613, 614. Senna Freitas chama a esta divisão Sala do Relógio, ob. cit., p. 289.
19 A.D.B., Ms. 341, fl. 614.
20 Idem, fl. 615.
21 A.D.B., Gavetas da Sé Vacante, Músicos do Partido da Sé, nº 132, fl. 7. Documento transcrito por
Manuel Lopes Simões, A capela musical da Sé de Braga no Arcebispado de D. Gaspar de Bragança (1758-1789),
dissertação de mestrado em Ciências Musicais, Coimbra, Faculdade de Letras, 1992, Apêndice 8, p. 121.
22 Entoando salmos, segundo Senna Freitas, ob. cit., p. 291.
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canas e maças, montando cavalos cobertos de baeta negra e acompanhados de estribeiros
com archotes; o capelão 23 com a cruz arvorada vestido comprido cabelo coberto
e dois moços estribeiros com archotes; o coche do Deão, paramentado com capa de
asperges, e acompanhado por dois cónegos; o coche com os restos mortais do arcebispo,
com dous estribeiros dous moços de farda com archotes trazendo o das ilhargas ao
pé do caixão dous reposteiros; seguia-se um outro coche de respeito e a este o Carinho
(sic, por carrinho) de Gaspar da Costa 24 com elle dentro acompanhando esta função 25.
Na igreja tinham sido montadas duas essas, cobertas de veludo negro debruado
de galões dourados, a primeira no nártex da Sé, a segunda no seu interior, entre os
dois púlpitos, colocada sobre uma plataforma de degraus. As maiores dignidades do
Cabido conduziram o caixão, que passou por entre duas alas com os restantes membros
do Cabido, a confraria do Senhor da Sé e várias irmandades. Nos dois coretos
estavam os músicos da capela de D. Gaspar, que acompanharam os ofícios da sepultura
26. O estribeiro subiu então os degraus onde estava colocada a essa e fechou o
caixão com uma chave de prata. Os membros do Cabido voltaram a pegar no caixão
e depositaram-no na sepultura da capela-mor em que se tinha sepultado o Senhor
D. Jozé a qual estava toda forrada de madeira no meio da qual estava hum caixão de
chumbo dentro do qual se meteu o em que hia o corpo de Sua Alteza e fichado tudo se
conculuhiu este grande acto 27.
As despesas com a decoração do Paço, com a armação do féretro e das essas e
com o cortejo fúnebre, no montante de 1037$129 réis, foram apresentadas a 12 de
Fevereiro ao Cabido pelos offeciais mercadores e tendeiros que para elle concurrerão
com suas fazendas e serviços 28. Os veludos, galões e franjões dourados, usados nas
coberturas do caixão e do coche fúnebre, foram alugados, enquanto todos os tecidos
de menor qualidade, utilizados na armação das salas do Paço, nas essas e nas
coberturas dos cavalos, foram comprados pelo Cabido. Um montante elevado foi
também despendido com a cera consumida durante os quatro dias que duraram as
cerimónias (293$000 réis) e com materiais finos diversos (276$835 réis). Vários
armadores e carpinteiros foram pagos pelo trabalho de decoração das salas e pela
montagem dos altares e das essas 29. A direcção das obras esteve a cargo dos dois
23 O cónego Francisco Xavier Machado, segundo informa Senna Freitas, ibidem.
24 Era afilhado de D. Gaspar e foi referido no seu testamento com o perdão de uma dívida. A.D.B.,
Ms. 341, fl. 630.
25 Ibidem, fls. 616-619.
26 Com o “Memento a libera me”, acompanhado pela capela musical de D. Gaspar – A.D.B., Gavetas
da Sé Vacante, Músicos do Partido da Sé, nº 132, fl. 7. Documento transcrito por Manuel Lopes Simões,
ob. cit. p. 121.
27 A.D.B., Ms. 341, fls. 619, 620.
28 A.D.B., Gavetas do Cabido, Sé Vacante, Maço 13, nº 132. Estes documentos foram revelados e analisados
por Manuel Joaquim Moreira da Rocha, “Cerimónias fúnebres de D. Gaspar de Bragança: doença,
funeral, exéquias”, in Actas do congresso de História no IV Centenário do Seminário de Évora, Évora,
Universidade de Évora, 1994, pp. 109-126.
29 A.D.B., Ibidem. Veja-se o resumo das despesas, in Manuel Joaquim Moreira da Rocha, ob. cit.,
pp. 122, 123.
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armadores do Paço e da Sé, respectivamente Luís de Sousa e Paulo Fernandes
Gentil 30.
A 3 de Fevereiro, Francisco Pereira, sineiro e coveiro da catedral, fora já pago
pelas despesas com a abertura das duas campas, uma na capela do Paço para o depósito
das vísceras, e a outra na capela-mor da sé para a sepultura do cadáver 31.
As exéquias e o mausoléu em memória de
D. Gaspar de Bragança
A notícia da morte do arcebispo foi enviada a Lisboa no próprio dia em que D.
Gaspar faleceu. A 30 de Janeiro regressou o mensageiro com uma carta da rainha,
incentivando o Cabido a realizar exéquias adequadas à sua grandeza 32. A 5 de
Fevereiro iniciaram-se os trabalhos de armação do interior da Sé e de construção do
mausoléu em memória do falecido arcebispo 33, que só terminariam a 16 de Março,
o dia marcado para a celebração das exéquias 34.
As cerimónias começaram nessa tarde, tendo os ofícios das Vésperas sido presididos
pelo Deão. A eles assistiram o Cabido, muitos clérigos de sobrepelizes, todas
as comunidades religiosas e muito povo da cidade e das povoações vizinhas, que
enchia completamente o templo. Os mestres que trabalharam na preparação da Sé
para as exéquias – armadores e carpinteiros – assistiram igualmente às cerimónias 35.
O Cabido contratou soldados em Viana para limitarem o acesso apenas a gente
limpa, e asiada. No dia seguinte foi cantada missa pelo Deão, com a mesma assistência
da véspera. Nos coretos, à entrada do transepto, os cantores da Capela, ao
som de vários instrumentos, sob a batuta do mestre António Gallassi, acompanharam
as cerimónias religiosas. A cerimónia encerrou com a oração fúnebre do
dr. António José da Silva Camizão 36. Durante os dois dias celebraram-se 299 missas
nos vários altares da Sé e do seu claustro 37.
30 A.D.B., Ibidem, Doc. 6.
31 A.D.B., Gavetas do Cabido, Sé Vacante, nº 132, nº 2.
32 A.D.B., Ms. 341, fl. 624. A carta informava ainda sobre a vinda de Henrique de Mendanha
Benevides Cirne, “Dezembargador apouzentado na Meza e Consciência assistente em Lisboa”, que iria proceder
ao inventário por morte do arcebispo.
33 Também para as exéquias o manuscrito do autor anónimo que temos vindo a seguir se mostrou de
grande valor, pelas informações detalhadas que fornece sobre as cerimónias, descrevendo inclusivamente o
mausoléu construído. ADB, Ms. 341, fl. 634. Veja-se o Documento 2.
34 Idem, fl. 637.
35 A.D.B., Gavetas do Cabido, Sé Vacante, nº 131, Doc. 49.
36 António José da Silva Camizão, Oração Fúnebre do Senhor D. Gaspar Arcebispo e Senhor de Braga,
Coimbra, 1790. Bracarense e oppositor canonista na Universidade de Coimbra, o dr. Camizão seria novamente
o orador solene nas cerimónias, realizadas na mesma Sé em 1795, com que foi festejado o nascimento
de D. António, príncipe da Beira (Gazeta de Lisboa, 16 de Maio de 1795).
37 Por cada missa o oficiante recebeu 240 réis. A.D.B., Gavetas do Cabido, Sé Vacante, nº 131, Doc.
1. As notas de despesa referentes às exéquias foram igualmente reveladas e analisadas por Manuel Joaquim
Moreira da Rocha, ob. cit.
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O interior da Sé foi totalmente transfigurado com panos pretos cobrindo ilhargas
naves, e tetos de toda ella tudo ricamente agaluado; e cheio de tarjes com seus dísticos
aludidos ao asunto da função 38. Taparam-se então os damascos de cor cramezim
com seus quadros no meio, que revestiam os alçados da capela-mor desde as remodelações
nela realizadas pelo mestre fabriqueiro de D. Gaspar, o cónego Manuel de
Oliveira Vale, entre 1779 e 1781, e certamente também se retirou a sanefa de veludo
lavrado da mesma cor, bem como o ducel de seda cramezim de ramos de ouro que
cobria o altar-mor 39.
O monumento em memória de D. Gaspar foi montado na capela-mor, sobre
a sepultura do arcebispo, de acordo com a legenda do desenho do mausoléu enviado
pelo desembargador Henrique de Mendanha Cirne a José de Seabra da Silva 40,
e não no cruzeiro como era usual.
O mausoléu erguia-se sobre uma plataforma de três degraus. Em forma de templete
de planta octogonal, apoiava-se em oito colunas compósitas de fustes estriados
e pedestais elevados. A cúpula de remate era composta por dois prismas octogonais
sobrepostos, o inferior de faces convexas, o superior de faces côncavas
rasgadas por óculos envolvidos de conchas e grinaldas. Encimava a cúpula um vaso
no topo de um pedestal oitavado. Entablamentos curvos uniam as quatro colunas
dispostas à direita e à esquerda de dois arcos semicirculares que permitiam a visualização
da urna simbólica, localizada sob a cúpula, e apoiada numa essa suportada
por quatro meios corpos pintados de branco 41. Este conjunto erguia-se, por sua vez,
sobre uma plataforma de dois degraus. A urna, com pés em forma de bola e garra,
estava revestida de sedas perciosas de ouro tendo em sima a Mitra crus e bacullo guarnecido
de muitas luzes 42. Na face anterior da essa fora gravada uma inscrição alusiva
à cerimónia, por cima do retrato do arcebispo, pintado numa tela oval envolvida
por fitas e laços.
Sobre o arco anterior do mausoléu figuravam as armas do prelado, amparadas
por dois meninos – o escudo português encimado pela coroa de príncipe, pela cruz
e pelo chapéu de arcebispo. Quatro figuras de vulto, alegóricas, erguiam-se no entablamento,
em pedestais que se sobrepunham às quatro colunas frontais: a Fé, duplamente
representada por duas figuras femininas, uma segurando uma cruz e a outra
ostentando um cálice, a Esperança empunhando uma âncora, a Caridade simbolizada
pela figura que ampara duas crianças – as virtudes teologais que tinham guiado
D. Gaspar ao longo da sua vida. Num plano inferior, sobre duas mísulas adossadas
38 A.D.B., Ms. 134, fl. 637. A essa decoração também se refere o desembargador Henrique José de
Mendanha Benevides Cirne, na carta dirigida a José de Seabra da Silva que acompanhou o desenho para o
mausoléu, informando que não enviava o ornato de muitos emblemas, e do mais que funebre e ricamente cobria
o grande templo desta Sé Primaz – I.A.N./T.T., Ministério do Reino, Maço 1000, Cx. 1123.
39 A.D.B., Ms. 341, fl. 404.
40 Perspectiva do Monumento que se executou nas Exéquias do Sereníssimo Senhor D. Gaspar na Capella
Mor da Sua Cathedral Primaz das Hespanhas, etc., I.A.N./T.T., Ministério do Reino, Maço 1000, Cx. 1123.
41 A.D.B., Ms. 341, fl. 637.
42 Ibidem.
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aos pedestais das colunas laterais, estavam representadas outras duas virtudes, estas
associadas ao bom governante, lembrando que o arcebispo, além de príncipe da
Igreja, fora também senhor de Braga: a Justiça, com a espada e a balança, e a
Fortaleza, cingindo uma coluna.
As despesas realizadas com as exéquias estão igualmente bem documentadas: 51
róis com recibos de materiais ou de pagamentos a artistas e artífices envolvidos nas
obras, antecedidos de uma relação resumida datada de 25 de Setembro de 1790, no
montante de 3014$200 réis. O Deão e o cónego Manuel de Oliveira Vale 43 assinaram
o documento na sua qualidade de “Intendentes das Exéquias” 44.
Na relação incluem-se ainda pagamentos não justificados nos róis – com a pintura
do retrato 6.400 reis (a tela oval representando o falecido, colocada na essa do
mausoléu); com o orador 48.000 reis (o dr. Camizão, que proferiu a oração fúnebre);
com o Arquiteto Carlos Luís Ferreira da Crus Amarante 120.000 reis (pelo desenho
do mausoléu e possivelmente também pela concepção da decoração da Sé); com a
partida dos soldados 75.320 réis (que vieram de Viana para vigiar a cerimónia); com
hum proprio que se mandou a Lisboa 12.800 reis (certamente o postilhão que levou
a notícia da morte do arcebispo à Corte); com hum proprio a Viana outro ao Porto
2.830 reis (provavelmente para tratar de assuntos relacionados com a vinda dos soldados
de Viana e com a contratação dos armadores ou a compra de materiais na
cidade do Porto) 45.
Vale a pena determo-nos sobre as informações relativas aos profissionais envolvidos
e aos materiais por eles utilizados na armação da Sé e na construção do mausoléu
46. As despesas mais avultadas dizem respeito à compra ou aluguer de tecidos e
passamanarias a diferentes fanqueiros e capelistas de Braga e do Porto e estão contidas
em 30 dos 51 róis 47, com a menção de um vasto leque de tecidos de lã, linho,
algodão e seda de diferentes qualidades – baetas, melânias, saetas, serafinas, duquesas,
princesas, estamenhas, sarjas, sarjões, ruões, brins, veludos, veludilhos, duraques,
droguetes, pelúcias, belbutes, volantes (tecidos leves e transparentes) e lhamas roxas.
Também as passamanarias merecem menções concretas – galões largos e estreitos,
brancos, amarelos e dourados, galões de pastilha, franjas e franjões de ouro e ainda
as rendas, algumas entretecidas de prata, as fitas e “trenas” (fitas de seda, ouro ou
prata).
Além do revestimento das ilhargas, colunas e tectos da Sé, que deve ter consumido
grande parte dos tecidos e galões, encontramos referências concretas a tecidos
43 Fora nomeado por D. Gaspar cónego fabriqueiro das obras da Sé, iniciadas em 1779. Cf. A.D.B.,
Ms. 341, fl. 374.
44 A 7 de Abril de 1789 são já referidos nessa qualidade, assinando um recibo por conta das despesas
com as exéquias, incluídas no meio das despesas com o funeral. ADB, Gavetas do Cabido, Sé Vacante, Mç.
13, nº 132, Doc. 18.
45 A.D.B., Gavetas do Cabido, Sé Vacante, Mç. 13, nº 131.
46 Ibidem, Estas notas de despesa foram igualmente reveladas e analisadas por Manuel Joaquim Moreira
da Rocha, que refere todos os nomes dos artesãos e tendeiros, ob. cit., pp. 123-126.
47 Ibidem, Docs. 3 a 23, 26, 28, 30, 34, 35, 39 a 42.
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para cortinas e sanefas – 384 côvados de belbute em cortinas e 33 sanefas de belbute
bordado 48. Alguns tecidos e passamanarias foram utilizados especificamente no
mausoléu, embora nem o desenho de Carlos Amarante nem a descrição que temos
vindo a seguir o revelem. São referidos baetas, saetas, serafinas, duquesas e estamenhas,
sarjas e ruões, veludos, galões brancos e amarelos e galões de pastilhas, com a
indicação de se destinarem à essa de D. Gaspar 49. Outras baetas foram utilizadas
para cobrir o pavimento – para a esia da sse da Casa de João Luís Couto para servir
no chão 50. Galões e franjões de ouro foram aplicados na urna e tumulo 51, além de
65 côvados de volantes 52.
Nestas decorações trabalharam oito armadores sob a direcção de Luís de Sousa
e Paulo Fernandes Gentil, os armadores do Paço e da Sé, que já encontrámos dirigindo
as montagens de panejamentos nos funerais de D. Gaspar 53.
Na construção do mausoléu foram utilizados materiais fornecidos por carpinteiros,
que também foram remunerados pelo seu trabalho: tabuado e forro de pinho,
paus de castanho, traves, aros e arcos, pagos a António Pinheiro 54; duas bases de
colunas, quatro folhas de capitel, uma voluta e ainda quatro garras (certamente para
a urna) foram pagas ao carpinteiro Manuel José Correia, que também forneceu o
caixilho para o retrato 55. Para este retrato foi ainda comprada uma vara de algodão
a José da Fonseca e uma laçada de fita a Jerónimo José da Costa, capelistas de
Braga 56.
Para a feitura das seis figuras alegóricas contribuíram algumas das tendas que
venderam tecidos e ainda capelistas e vendedores de quinquilharia: a palha para
encher os corpos foi comprada no Porto pelo armador da Sé Francisco Fernandes
Gentil; as figuras foram armadas e vestidas em Braga por Francisco Xavier Furão,
com brim branco fino comprado a Manuel José de Matos, também estabelecido em
Braga. As mãos das imagens foram adquiridas aos pares: dois pares a Manuel Leite
Pita, quatro pares a Francisco Xavier Furão, que também vendeu duas cabeças; as
restantes quatro cabeças foram fornecidas por Manuel Joaquim Ferreira da Luz 57.
Finalmente, as seis cabeleiras foram mandadas fazer ao mestre cabeleira Cláudio
Manuel da Costa 58. As quatro estípites e respectivos atlantes para sustentarem o
48 Ibidem, Doc. 41.
49 Ibidem, Docs. 4, 11, 14, 39.
50 Ibidem, Doc. 7.
51 Ibidem, Docs. 20 e 39.
52 Ibidem, Doc. 47. Muito utilizado na decoração das igrejas, o volante era um tecido muito ralo, estreito
e comprido, feito de fios de lãa, entresachados com canutilho de cor de prata e ouro (…) de varias cores e pregados
com alfinetes por muitos modos, e com diversas figuras, que os Armadores lhe dão com singular destreza – Pe.
Rafael Bluteau, Vocabulário Portuguez e Latino (…), Lisboa, Officina de Pascoal da Sylva, 1721, vol. VIII,
pp. 565, 566.
53 Ibidem, Doc. 48.
54 Ibidem, Docs. 2, 24.
55 Ibidem, Doc. 32.
56 Ibidem, Docs. 11 e 27.
57 Ibidem, Docs. 24, 25, 26, 15, 28.
58 Ibidem, Doc. 38.
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Mausoleo nas Exéquias de Sua Alteza foram feitos por dois escultores da cidade:
Francisco José Paredes e João Luís Correia Machado 59.
Uma verba importante foi paga a oito pintores de Braga, aparentemente sob a
direcção de João José da Silva, que assina o recibo por todos, e ainda a um pintor
de Lisboa, António José, que aufere quase o dobro do mestre local 60, provavelmente
o mesmo pintor que viera de Lisboa em 1781 marmorear os novos retábulos da
Sé 61. Em colaboração com os pintores trabalhavam os cinco empastadores contratados,
cujos recibos foram assinados pelo chefe dos pintores, João José da Silva 62.
A maior parte dos materiais constantes do Rol das miudezas que forão para as
Exéquias do Serenissimo Senhor D. Gaspar, pago a Joaquim José da Costa, foi utilizada
por estes artistas na pintura dos emblemas que decoravam as paredes da Sé e
na montagem e decoração do mausoléu: gomas, colas, óleos, vernizes, diluentes,
gesso cré, grosso e mate, alvaiade grosso e fino, oca clara e escura, flor de oca (ocra),
roxo rei, flor de anil, jalde claro e jalde queimado, vermelhão, zarcão, sombra, cinzas,
almeciga (almácega), fezes de ouro, resinas, lacra (laca), charão fino e grosso, bollo
(bolo arménio), papel dourado, livros de ouro fino, de prata, ouro falso bom, ordinario
bom, do mais ordinário e ainda várias qualidades de papel e lápis 63.
A par destes materiais aparecem ainda pagamentos de ferramentas e acessórios
relacionados com os vários ofícios: pincéis de dourar, brochas romanas, lixa e uma
variedade enorme de alfinetes, pregos, pregos de estuque, tachas, arestas, balmazes,
corda, cordel, guita, arame, ganchos, roldanas, tijelas, bacias e alguidares 64.
Na iluminação da Sé foram utilizadas tochas, brandões (velas de grandes dimensões)
e lampadários. Para os coretos dos músicos foram fornecidas bugias e bixeiras
(tubos metálicos para pavios) 65.
O último rol das despesas com as exéquias diz respeito ao pagamento efectuado
aos vários cantores e músicos e a António Gallassi, que compôs a música tocada nas
exéquias. A muzica nova foi copiada por João Rebelo, flautista, que por esse trabalho
recebeu 2100 réis. Alguns dos músicos vieram do Porto, como refere o autor do
manuscrito anónimo que nos conduziu na descrição das cerimónias 66.
As exéquias do arcebispo de Braga, D. Gaspar de Bragança, príncipe real e primaz
das Espanhas, revestiram-se da grandeza exigida pela corte e justificada pelo seu
nascimento e pelas funções que desempenhara em vida. No interior da Sé, vestida de
59 Ibidem, Doc. 45.
60 Ibidem, Doc. 46.
61 Veja-se Maria Luísa Reis Lima, “Carlos Amarante e a corrente estética no final do século XVIII. A
obra de talha”, in Revista de Ciências Históricas, Porto, Universidade Portucalense, 1998, vol. XIII, p. 248.
Em 1782 António José dourou os retábulos de Santa Cruz e, no ano seguinte, o retábulo da capela-mor de
Nossa Senhora a Branca.
62 A.D.B., Gavetas do Cabido, Sé Vacante, Mç. 13, nº 131, Doc. 46.
63 Ibidem, Doc. 31.
64 Ibdem, Docs. 31, 28 e 24.
65 Ibidem, Docs. 27, 49 e 50.
66 A.D.B., Ms. 341, fl. 638. Cf. Manuel Joaquim Moreira da Rocha, ob. cit., pp. 119, 120, que enumera
os nomes e os montantes recebidos pelos cantores, pelos instrumentistas e pelo compositor.
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negro e ouro e iluminada pela luz de múltiplas velas, erguia-se o mausoléu desenhado
pelo seu protegido, o arquitecto Carlos Amarante, sobre o túmulo onde três meses
antes o seu corpo tinha sido depositado em campa rasa. Ao som da capela musical de
D. Gaspar, a cidade prestou assim a sua homenagem ao último “senhor de Braga” 67.
O mausoléu de D. Gaspar de Bragança e a obra de Carlos
Amarante
O autor do mausoléu de D. Gaspar, Carlos Luís Ferreira Amarante (1748-
-1815), era filho de um músico da capela arquiepiscopal e ele próprio desempenhou
funções na casa de D. Gaspar, que o nomeou porteiro da sua câmara em 1783.
Artista autodidacta, na sua formação foi fundamental o contacto com a rica biblioteca
do arcebispo, onde figuravam várias obras dedicadas à arquitectura e às artes
plásticas 68. O “Cours d’Architecture” de Blondel, de que existiam os três volumes
ilustrados na biblioteca do Paço, terá sido expressamente comprado pelo arcebispo
para o seu protegido 69.
Carlos Amarante iniciou a sua actividade artística com riscos para retábulos e
projectos para arquitectura civil, onde ainda é clara a adesão à linguagem tardo-barroca
e rococó então dominante em Braga, muito influenciada pela obra de André
Soares. Ao arcebispo D. Gaspar, Carlos Amarante ficou a dever a encomenda das
suas obras mais emblemáticas em Braga: os novos projectos para dois importantes
conjuntos arquitectónicos, o da igreja do Bom Jesus com o seu escadório (1781) e
o da igreja e hospital de S. Marcos (1787). Nestas obras Amarante oscila já entre a
utilização de soluções inovadoras de um classicismo depurado, bebidas na tratadística,
e a permanência de elementos da tradição tardo-barroca e rococó local 70.
No mausoléu em honra de D. Gaspar encontramos também esse compromisso:
as colunas compósitas, de fustes estriados sobre pedestais elevados, seguindo modelos
clássicos, a par de uma cúpula barroca de formas côncavas e convexas sobrepostas.
Carlos Amarante seguiu, na concepção geral do mausoléu, uma tipologia corrente
muito utilizada em mausoléus, em forma de templete, com origem em
Itália 71, adaptando-a, contudo, a formas e modelos bem próximos no tempo e no
67 A 19 de Julho de 1790 foi extinta a jurisdição secular dos arcebispos de Braga. Veja-se J. Augusto
Ferreira, ob. cit., pp. 379, 380.
68 Eduardo Duarte, ob. cit., pp. 57-64.
69 Alberto Feio, Uma figura nacional – Carlos Amarante, Braga, 1950, p. 16; sobre este assunto veja-se
Eduardo Duarte, ob. cit., p. 63.
70 José Joaquim Ferreira-Alves, “Carlos Amarante”, Dicionário do Barroco, Lisboa, Presença, 1989, pp.
29, 30.
71 Na origem desta tipologia está o cenotáfio de Domenico Fontana construído para o papa Sixto V,
erguido na igreja de Santa Maria Maggiore em Roma, em 1591, e repetido com poucas alterações, embora
com a introdução de elementos barrocos, em 1765, no mausoléu de Francisco I, na catedral de Lucca. Veja-
-se Werner Oeschlin, Anja Buschow, Architecture de Fête – L’architecte metteur en scène, Liège-Bruxelas, Pierre
Mardaga, 1984, figs. 106, 108, pp. 90 e 91.
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espaço. Na cúpula repete, com poucas alterações, o remate da fachada da igreja de
Nossa Senhora do Pópulo, que riscara em inícios de 80 para a congregação dos gracianos
de Braga. Na origem deste modelo de cúpula bolbosa, tantas vezes repetido
em Portugal ao longo do século XVIII, e constituindo por vezes o único traço barroco
de muitas fachadas de igrejas construídas numa tradição de persistente arquitectura
chã, terá estado a torre sineira da Patriarcal, desenhada pelo romano
Canevari.
A mesma cúpula octogonal foi repetida no interior desta igreja, no retábulo do
altar-mor, contratado em 1785 entre o Colégio e o mestre entalhador João Bernardes
da Silva, que então se comprometia a realizá-lo de acordo com o risco fornecido 72.
As semelhanças entre este retábulo e o desenho para o mausoléu de D. Gaspar são
evidentes [Figs. 5, 6]. A cúpula descarrega também num entablamento curvo que por
sua vez se apoia em colunas compósitas, com o terço inferior sulcado; a face anterior
é rasgada por arco semicircular permitindo visualizar com largueza a tribuna. Tal
como no mausoléu, também aqui figuras alegóricas se erguem em pedestais sobre o
entablamento, no eixo das colunas; imagens de santos relacionados com a ordem dos
agostinianos apoiam-se em mísulas de volutas adossadas aos pedestais das colunas, tal
como no mausoléu se apoiavam as alegorias às virtudes do bom governante. A cúpula
é igualmente vazada por óculos nas faces convexas e rematada por urna apoiada em
pedestal oitavado. No embasamento do retábulo encontramos óculos enquadrados
por grinaldas, idênticos aos que rasgam a cúpula do mausoléu.
As evidentes semelhanças entre este retábulo e o mausoléu de D. Gaspar confirmam,
julgamos que de forma inequívoca, que Carlos Amarante foi o autor, não
só da fachada do templo, mas também do retábulo do altar-mor 73.
Apêndice documental
Documento 1
Carta de Henrique José de Mendanha Benevides Cirne dirigida a José de Seabra da Silva,
Secretário de Estado dos Negócios do Reino, escrita em Braga a 29 de Março de 1789, enviando o
desenho do mausoléu construído por Carlos Amarante para as exéquias de D. Gaspar de Bragança na
Sé de Braga (I.A.N./T.T. Ministério do Reino, Maço 1000, Cx. 1123):
[Fl. 1] Illustrissimo e Excelentíssimo Senhor
Devo por na Respeitável prezença de Vossa Excelencia o mayor, e o mais devido obzequio, que o cabido
desta Cathedral acaba de dedicar, a bem merecida memoria de Sua Alteza o senhor D. Gaspar; e consis-
72 Maria Luísa Reis Lima, ob. cit., pp. 252, 253, 276-279.
73 Hipótese já aventada por Maria Luísa Reis Lima, em A talha neoclássica bracarense, p. 435.
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tindo este nas magnificas exéquias que celebrou na tarde de dezasseis, e manhã do dia dezasette do prezente
mez; me parece não devo também deixar de dizer a Vossa Excelência que forão o dezempenho de hum verdadeiro
reconhecimento, e o do conceito que se forma da industria dos habitantes desta Cidade; como a
estampa da sua perspectiva, que remeto dá bem a conhecer, ainda sem o ornato de muitos emblemas, e do
mais que funebre e ricamente cobria o grande templo desta Sé Primaz.
Igualmente devo reprezentar a Vossa Excelencia que o mesmo cabido, prosegue em governar com louvavel
moderação e justiça; e com a tranquilidade necessária; e posto que tenha havido algumas daquellas
couzas que costumão produzir espíritos faccionarios; contudo tenho a satisfação de cá todo o modo, e com
algumas influencias oportunamente ministradas se terem rasgado pellos mesmos Discolos as appellacoins
interpostas; e destes com medo ou com vergonha se terem mais bem comportado.
E emquanto ao inventario, seguro a vossa Excelencia, que nelle emprego manhãs e tardes; e que estaria
mais [Fl. 1v] adiantado se o do ingresso de Sua Alteza fosse menos confuzo, ou mais claro; pois parece
incrível que de tantas canecas de prata descritas com seus pezos e lavores, se viece com grande trabalho a
conhecer que erão outras tantas mostardeiras que em pezo, em numero e em lavor assim o manifestarão.
Nada mais quero do que servir a Vossa Excelencia e obrar em tudo de forma que Sua Magestade se
digne de aprovar com o seu Real Agrado Braga 29 de Março de 1789
Illustre e Excelentissimo Senhor Joze de Seabra da Silva Ministro Secretario de Estado dos Negócios do
Reino.
Documento 2
Descrição das exéquias realizadas pelo Cabido da Sé de Braga em memória do arcebispo D.
Gaspar de Bragança (A.D.B., Ms. 341, Livro curioso, que contem as principais novidades sucedidas no
dizcurso de 35 annos prencipiando pello de 1755 athe o de 1790. Escrito por hum Crioso natural da Nobre,
e sempre fiel Cidade de Braga.):
[Fl. 634] 10. Em 5 de Febereiro deste anno [1789] se prencipiou armar a Sé para a função, das exzequias
do Senhor D. Gaspar em a qual trabalharão seis armadores efectivamente por os muitos carpenteiros
que para ella trabalharão. (…)
[Fl. 637] 13. Em 16 de Março de 1789 se conculuhiu a armação das Exzequias do Senhor D. Gaspar
o qual s’exzuctou com todo o primor; e aseo como nunca se viu pois estava a Sé toda coberta de preto Ilhargas
naves, e tetos de toda ella tudo ricamente agaluado; e cheio de Tarjes com seus dísticos aludidos ao asunto da
função, na capella mor se armou hum rico, e Magestoso tumullo de baixo do qual estava a urna sustentada
em quatro colunas que rematavão quatro meios corpos pintados de branco que fazião hua agradável vista em
sima dos quais se via a figura do Caixão ricamente vestido de sedas perciosas de ouro tendo em sima a Mitra
crus e bacullo guarnecido de muitas luzes levando toda esta ramação [sic] 46 dias nos quais se trabalhava
[Fl. 638] com muita lixeireza não só os seis armadores desta cidade mas também mais dous que vierão de
fora para se conculuir neste tempo, e neste mesmo dia de tarde forão as vesporas do officio a que presedio o
Dião asistindo todo o Cabido, e muitos clérigos de soberpelis todas as comunidades e hum immenço numero
de povo não so desta cidade mas também das cidades, e vilas mais notáveis desta Província de sorte que sendo
a Sé como he muito grande não se via nada de bago, e tudo gente limpa, e asiada pois de capote nada emtrou
porque estavão soldados de guarda as portas que os empedia, que para esse effeito mandou o Cabido vir de
Vianna a muzica hera excelente e para o fazer mais numeroza vierão do Porto alguns intrumentais [sic]: [Fl.
639] no dia seguinte 17 de Marco se conculuhiu o officio cantando a Missa delle o mesmo Dião com asistencia
de mesmo Cabido, clérigos, relegioins, Nobreza, e todo o mais povo como nas vesporas pregou o Doutor
António Jozé de Azevedo Camizão desta cidade graduado na Univercidade de Coimbra o qual fez hua excelente
oração fúnebre tal que todo o auditório ficou satisfeito, acabado o qual continuou a misa e no fim della
os últimos responsos, e com elles fim a este grande acto o qual se fes com todo o luzimento e aseio dando-se
muita sera aos circonstantes despendendo-sse nesta função milhor de 8 mil cruzados.
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O projecto de Carlos Amarante para o mausoléu de D. Gaspar de Bragança.
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270
Retábulo da capela-mor
da igreja do Pópulo.
Pormenor do remate do retábulo
da igreja do Pópulo.
Fachada da igreja
e convento do Pópulo,
em Braga.
Torre sineira da igreja do Pópulo.

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RE: Marquês de Louriçal

#224192 | luso | 18 Mar 2009 15:11 | In reply to: #224187

fortuna foi ora pródiga ora esquiva para com D. Luís de Meneses, 3.º Conde da Ericeira pelo casamento com sua sobrinha D. Joana de Meneses única herdeira da casa e condado da Ericeira 1. Nascido em Lisboa a 22 de Julho de 1632, a Restauração de 1640 colocou-o aos sete anos de idade ao serviço do Príncipe D. Teodósio, com quem se creou 2 . Ele próprio nos deixou consignado: “tive a fortuna de me criar no Paço com o soberano, e esclarecido Príncipe D. Teodósio, assistindo-lhe continuamente de idade de sete até quinze anos, e igualmente aprendendo com ele a primeira gramatica, e a lição das historias” 3.

Como filho segundo que era, pensou em buscar fortuna além-mar e acompanhar João da Silva Tello de Meneses, 1.º Conde de Aveira, que em 1650 ia pela segunda vez à Índia como vice-rei 4. Mas, D. João da Costa, mestre-de-campo-general e governador das armas do Alentejo, criado Conde de Soure por D. João IV por carta de 15 de Outubro de 1652 5, sabia avaliar a têmpera dos homens e chamando-o para junto de si abriu-lhe uma carreira militar brilhante. ,,”Ocupou todos os postos a que foy subindo por antiguidade, e merecimento” — escreveu Barbosa Machado — "distinguindo-se nas mais celebres batalhas em que se disputavão a liberdade da patria, e o credito da nação como forão a de S. Miguel no anno de 1658, a das linhas de Elvas em 1659, a do Ameixial em 1663, e a de Montes Claros em 1665, e nas conquistas de Évora [1663] e de Valença de Alcantara [1664], e outras” 6. No ano de 1673 passou a governador-das-armas da província de Trás-os-Montes 7. A vida das armas não o impedia de se interessar pela política e pela administração. Com efeito, em carta de 16 de Novembro de 1669 a Duarte Ribeiro de Macedo já ele escrevia: ,,falando com toda a verdade se alguma ocupação me inquieta hé só a que V. M. me inculca porque no estado prezente da nossa terra, de nenhum exercicio se pode tirar opinião senão das embaxadas, e como este deve ser o único objecto dos homens honrados fora de muita boa vontade livrar a V. M. desse trabalho 8. Veremos o que resulta da vinda do Marques de Liche, se for necessario e me acharem capas não ei-de fugir com o corpo” 9.

Assim ele não ,,fugiu com o corpo” , e como ponto de inflexão da sua carreira, chamemos-lhe deste modo, aparece-nos a sua nomeação para deputado da Junta dos Tres Estados e para Vedor da Fazenda em 1675. Seria a partir de então que D. Luís de Meneses iria promover entre nós a aplicação das suas teorias mercantilistas, prosseguindo uma política anti-sumptuária e de desenvolvimento industrial ao mesmo tempo que tomava serias medidas financeiras 10.

Travava novo tipo de batalha, sempre com o mesmo ardor, resultante essa atitude de um estado de espírito que bem se avalia na sua carta de 24 de Outubro de 1678 ao amigo Ribeiro de Macedo: ,,Aqui me tem V. M. outros tres annos Veador da Fazenda, queira Deos que seja o sucesso como eu tenho o desejo, e que não faltem os instrumentos para não dar em terra com tanta maquina. O de que fiz maior estimação he da vontade e demonstrações de Sua Alteza que passam de todo o encarecimento. As manufacturas vou fazendo subir quanto me he possivel, e voarão se estas alfandegas não estiverão de permeio; porque não há na nossa terra quem se resolva a exprimentar danos presentes por interesses futuros; e affirmo-lhe a V. M. que por attalhar estes inconvenientes, tenho cortado por conveniencias proprias, e sem merecimento porque não passe a outrem esta minha fineza” 11.

Mas o nome de D. Luís de Meneses avulta ainda como historiador, como o autor da História de Portugal Restaurado, cujo primeiro volume foi publicado em 1679. Ainda hoje o seu trabalho é o mais importante da historiografia portuguesa sobre a Restauração de 1640 e o período que se lhe seguiu até ao ano de 1668 12. E esta corajosa tarefa de historiar os eventos políticos, militares e diplomáticos do seu próprio tempo talvez lhe tenha ocasionado, no ambiente palaciano e político em que vivia, traumatismos psicológicos tais que o levariam, quiçá, ao suicídio antes de ter completado os cinquenta e oito anos de idade, na manhã de 26 de Maio de 1690.

De facto, são inúmeros os inconvenientes e quase invencíveis os perigos ,,a que se arroja quem tomou a temerária resolução de imprimir em sua vida a historia do seu tempo”, ele mesmo o reconheceu na explicação que propôs ao leitor: »Encarecer os beneméritos será inveja dos indignos; louvar os viciosos, opróbio dos beneméritos; contar todos os sucessos é empenho invencível, calar alguns pode ser queixa dos interessados”. Por isso D. Luís não hesitou em escrever: ,,quando quem escreve se anima na empresa do livro que escreveu ao pomposo título de autor, então começa a ser réu, e réu julgado em tão excessiva tirania, que tendo língua para falar de tantas pessoas, como são as que compreende qualquer volume, a não pode ter para deixar de ser condenado sem ser ouvido” 13.

E, no entanto, a feitura da História de Portugal Restaurado proporcionou ao seu autor anos de trabalho e, ao menos no seu início, horas de euforia intelectual. Podemos hoje afirma-lo graças às cartas que escreveu para Paris a Duarte Ribeiro de Macedo. Em duas, pelo menos, que chegaram até nós, colhemos dados vibrantes e directos que superam quanto os críticos e ensaistas têm escrito sobre essa obra e o seu autor.

Com efeito, em carta datada de 6 de Novembro de 1669 dizia: “fiz huma comedia que se representou em Palacio, em minha caza, e no Tablado, que se me não enganarão foi muito a satisfação de toda a Corte 14. Agora trabalho com grande calor na Historia de Portugal, e desvanesem-me tantos mestres que não tenho maior gosto que as horas deste exercicio; para colher boa fraze tomei Aristipo 15 de memoria, se a souber emitar eu me dou por contente. O panegirico historico me pareceu ocupação muito util, e muito bem sucedida” 16.

Nova carta, de 19 de Abril de 1670, asseverava: ,,V. M. abre-me campo a outro que governa com grande imperio o meu affecto, permetindo-me que lhe dê conta da historia de Portugal que estou escrevendo, ocupação que no tempo prezente me leva muito voluntariamente todo o cuidado. Dei-lhe principio em o ano de 40 e espero em Deos que chegue até á concluzão da paz; inclue todas as materias politicas, e militares. Não ignoro que o empenho hé grande e o cabedal pouco, mas a lastima do esquecimento em que se hião pondo tantas ações gloriozas me fes serrar os olhos aos perigos da sensura, porque quando não consiga o aserto que anciozamente procuro, darei lus a melhor pena que, com melhor ciencia, huse do meu trabalho. Antes que comessaçe a escrever paçei muito livros para eleger qual devia imitar; por concluzam me afeiçoei a Henrique Caterinno’ 17 cujos preceitos sigo quanto me hé possivel, porque acho nele não só eloquencia mas o dote de deixar sem embaraço na memoria todos os intrincados cazos que escreveo, aos quais forão tão semelhantes os do nosso Reino, que ainda hé maior sircunstançia para o tomar por mestre, mas suposto que sigo a sua doutrina não prendo o genio; despois de fazer muito por me não apartar dos preceitos historicos. Primeiramente, seguindo a explicação de Marco Tulio 18, Historia est digesta, sed ab aetatis nostrae memoria remota, acho que o assumpto que tomo há o que geralmente todos os autores confirmão por dinno de meresser o nome de historia, porque refere gloriozas acções de homens, e os que chamarão Historia ha Doutrina da Alma como Aristoteles 19, lhe puzerão nome improprio. E ainda que alguns achão defeito para o nome de historia escrever-se o que se vá com os proprios olhos, Dom Carlos Colema 20 e outros muitos são de contraria opinião, e na historia de Portugal concorrem ambos os partidos, sem haver nenhuma diferença. Na de Henrique Caterinno, as metaforas de que muito uza este autor dezejo summamente imitar, porque acressentão muito a elegancia, as sentenças, que há o nosso ponto. Tenho feito particular estudo do modo de uzar dellas, acho exemplos por huma, e outra parte muito dinnos de seguir, e não encontro exemplo constante, como dis Mascardi 21, que posa dar lei infalivel de sentenças, porque Tucidedes 22 foi abundante delas, Erodoto 23, pobre, uzo-as muito Salustio 24, Tito Lívio pouco 25, foi delas liberal Tácito 26, Cezar escasso 27 , e acresenta Mascardi que o bom juizo deve uzar das sentenças quando lhe cairem, mas tam bem serzidas que pareçao como os botones de diamantes no vestido de pano, donde hune a arte o que rouba a natureza. Chama-lhe Quintilianos 28 olhos da eloquencia, velut oculos quosdam aeloquentiae credo, e com rezão, o porque no corpo da historia anda ser as sentenças como os olhos no corpo humano, que não se estendem do rosto aos braços nem a outras partes do corpo. Guarde-nos Deos de uzar de sentenças como Pedro Mateu 29, e outros criticones que engrazando-as sem conta desigualão os estremos, por quem dis Mascardi non quia desidiratur, sed quia paratum est. Ultimamente Mascardi não quer a historia malencolica, nem a eloquencia cadaver. A minha historia dará rezão de si; meteremos as sentenças tanto de encaxe, que V. M. quando vier posa tirar as que lhe paresser. O de que fujo com grande cuidado hé de ideas poeticas, em que o exercicio me fas tropeçar; procuro levantar conseitos da mesma tesidura, seguindo a doutrina do P.e Vieira 30 que me dise desprezara sempre os que lha não ordião. Os cadernos vou dando a rever aos mais sientes que me tem asás desvanecido, mas Plínio 31 mais quiria as emendas de Tacito que os seus louvores”.32

D. Luís de Meneses não gostava das fiorituras francesas e por isso dizia a Duarte Ribeiro de Macedo: “V. M. viva mil annos pelo livro que hé proprio para o intento, ainda que eu não me acomodo as folharias 33 dos autores franceses, poucos tenho topado com aserto, e desposição; a historia de França de Mizeraj não he mal escrita, porem he pueril trabalho o quarteto a cada hum dos retratos dos Reis” 34.

No entretanto, Ribeiro de Macedo mandou-lhe um livro do P.e Pedro Lemoyne e logo, por carta de 13 de Novembro de 1670, D. Luís lhe escrevia entusiasmado: ,,Não me podia V. M. fazer maior favor que o de remeter este livro do P.e Lemoene 35, eu estou tão pago do seu estillo, e tão devoto do seu engenho que se V. M. não achar que he demazia escrever-lhe pedindo-lhe licença para traduzir este seu papel, como V. M. me aconselha, para que saindo a lus antes de empremir a minha historia mostre aos nossos naturaes que me não desvio destes preçeitos. Não lhe pareça a V. M. prezumpção porque ou eu ei-de conseguir o que este livro ensina, ou ei-de entregar ao fogo todo o trabalho que tão voluntariamente exercito. Aqui tivemos questão sobre o exordio, ajusteio à satisfação dos mestres. Vou entrando no ano de 45 e pondo em limpo, depois de apertados exames, tudo o que esta escrito, e afirmo-lhe a V. M. que he tal o devertimento que tenho com este trabalho que as horas que me tirão delle acho roubadas e pendidas” 36

O Conde da Ericeira tinha razão. A sua História de Portugal Restaurado mereceu a seguinte referência contemporânea, no Journal des Sçavans e no seu numero de 13 de Janeiro de 1681: ,,Tout est grand dans cette histoire, le sujet, la manière de l’écrire et l’auteur même” 37 Ainda hoje em dia continua a ser um depoimento histórico importantíssimo e da maior relevância para o estudo da conjuntura político-militar portuguesa dos anos de 1640 a 1668.

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