Uma figura curiosa e o peso do ouro do Brasil...
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Uma figura curiosa e o peso do ouro do Brasil...
O capitão-mor Francisco Moreira Carneiro, cavaleiro-fidalgo da Casa de Sua Majestade (por decreto régio de 23/2/1750), cavaleiro professo na Ordem de Cristo (mercê de 22/6/1741), familiar do Santo Ofício (carta de Outubro de 1743), fidalgo de cota de armas, com carta de brasão de armas de 16/4/1750, senhor da quinta do Assento, na comenda de Santa Cristina de Serzedelo, da Ordem de Cristo, etc., nascido a 17/4/1690 em S. Pedro de Ferreira, concelho de Aguiar de Sousa, e falecido a 16/11/1778 em Barrosas, sem sacramentos por ter uma morte apressada, com testamento, sendo sepultado na capela da casa de Sá.
Era filho de Diogo Dias Moreira, senhor da quinta de Fundevila, em S. Pedro de Ferreira, e de sua 2ª mulher Maria Carneiro (Henriques); neto paterno de Diogo Dias, senhor da mesma quinta, e de sua 1ª mulher Isabel Moreira, da quinta de Miragaia, em Louredo; neto materno de Jerónimo Henriques, senhor da quinta do Pedregal, na freguesia e honra de Lourosa, e de sua mulher Maria Carneiro, do casal de Ranhõ, em Santa Eulália da Ordem .
Francisco Moreira Carneiro foi capitão-mor da vila de Nossa Senhora da Conceição de Mato Dentro, distrito do Serro Frio, província de Minas Gerais, Brasil.
No processo de habilitação para a Ordem de Cristo, constata-se que teve dificuldades em recebê-lo por ter sido carpinteiro de engenhos em Minas Gerais e ter entrado a minerar com os escravos, embora fosse já capitão de ordenança.
Entre as testemunhas a seu favor aparece um tio, Luís António Cação de Sousa (filho de António Rodrigues Cação, natural de Maiorca), de quem constam igualmente as habilitações para o hábito de Cristo.
Francisco Moreira Carneiro apresentou uma petição ao rei a fim de obter a mercê, embora todos considerassem difícil a aprovação do monarca.
Além do testemunho daquele tio, tinha uma certidão de recomendação vinda de Minas Gerais, asseverando que o requerente ajudara o governador contra um levantamento do povo daquela província brasileira.
Pormenor curioso é o de dizer-se que o requerente tinha já má reputação entre os vizinhos por não obter a mercê, já que demorou cerca de cinco anos a consegui-la (1735-1740).
Constam igualmente várias cartas de testemunhas, nomeadamente do governador de Minas Gerais, aprovando os diversos bons serviços prestados pelo requerente e a sua boa reputação .
Em Outubro de 1743 obteve carta de familiar do Santo Ofício. Quando a requereu era solteiro e capitão-mor da vila de Nossa Senhora da Conceição de Mato Dentro. Fora moço para o Brasil.
Uma testemunha, Miguel Francisco de Carvalho, afirmou desconhecer se o capitão tinha filhos, somente lhe constara por várias pessoas que ele tinha um filho mulato.
Outra testemunha declarou que ele tinha em sua casa um mulato de pouca idade (em 1742, data do depoimento), que uns diziam ser seu filho e outros não.
O comissário do Santo Ofício, Simão de Sousa, informou que o requerente ao tempo em que se ausentara para o Brasil era oficial de carpinteiro e seus pais e avós lavradores cristãos velhos, honrados e de boas fazendas.
Em Nossa Senhora de Mato Dentro diziam ser homem com capacidade bastante para qualquer negócio de importância, sempre se tendo tratado com toda a limpeza conforme o estado da terra e que, atendendo à escravatura e mais bens de que era titular, poderia possuir perto de duzentos mil cruzados.
A 24/12/1746 foram aprovadas pelo Santo Ofício as diligências que requerera com vista a casar com D. Eduarda Catarina.
O casamento foi precedido de convenção antenupcial de dote lavrada em 10/3/1746, nas notas do tabelião Paulo Mendes Brandão, da vila de Guimarães, que para o efeito se deslocou à quinta de Sá “nas cazas de Thereza Maria Borges do Couto Dona veuva que ficou de Joaquim da Costa e Sylva”.
Pela mãe da noiva foi dito “que ella para haver de selebrar este contrato como tutora e adeministradora de seus filhos requerera ao juiz dos orfãos da vila de guimaraens perante quem tinha feito inventario pelo fallecimento do dito seu marido para que lhe desse liçença para fazer o prezente cazamento e contracto para o que fez petiçam”.
Eis o teor da petição:
“Diz Thereza Maria Borges do Couto e Sá Donna Veuva que ficou de Joaquim da Costa e Silva moradora na sua quinta de Sá freguezia de Santa Eulalia de Barrozas termo desta vila de Guimaraens, que ella suplicante tem ajustado de cazar sua filha orfã D. Eduarda Catherina com o Capitam mor Francisco Moreira Carneiro Cavaleiro profeço da Ordem de Cristo, natural do mosteiro de Ferreira comarqua do Porto o qoal dá de entrada para a quinta e mais bens vinte e sete mil cruzados, no coal cazamento tem a orfã muita utilidade por ser o espozado de bom sangue. Pede me merce seja servido admectir a suplicante a justificar a utilidade do cazamento e justificado que seja dada Licença para celebrar e receberá merçe”.
Conseguida a autorização requerida dota a filha com os seguintes bens de raiz: a quinta de Sá, constituída por três prazos de vidas, foreiros ao Convento de Santa Marinha da Costa; o prazo das bouças da Silva Verde, de que era directo senhorio D. Lourenço de Almada; a fazenda do Requeixo, de natureza de prazo foreiro a Santa Marinha da Costa; o prazo de S. Domingos de Guimarães e o de S. Gonçalo de Amarante; a propriedade chamada das Queirosas, em Santo Estêvão de Barrosas, dízima a Deus; a fazenda do Monte, de prazos de vidas foreiros à comenda de Santa Cristina de Serzedelo e S. Martinho de Sande; a fazenda do Pinheiro, com seu privilégio das Tábuas Vermelhas de Nossa Senhora da Oliveira, também de natureza enfitêutica, cujo senhorio do domínio directo era o cabido da vila de Guimarães; os moinhos do Esquerdo, de seis rodas, de natureza de prazo foreiro a S. Domingos de Guimarães.
Entre os mais bens dotados constavam uma morada de casas de sobrado na rua Nova do Muro, duas no Toural e todas as que tinha na rua de Santa Luzia da dita vila “exssetto aquellas em que está feito patrimonio a seu sobrinho o Padre Dionizio Pereira da Silva cujos bemiz e propriedades atraz declarados outrossim lhe dota como dito tem com todas as suas pertenças e na mesma forma em que ella dotadora as está pesuindo e pesuhirão seus pais e avós e delles está de posse de tempos emmemoreais sem contradiçam de pessoa alguma em cujos bemiz asim havia por dotados e nomiados em a dita sua filha para ella haver de cazar com elle futuro noivo”.
De igual modo dotou a filha com três camas aparelhadas de roupas e todos os bens móveis de matéria sólida existentes nas casas da quinta de Sá “cujos bemiz se nam emtemde pessas de ouro e prata nem bemiz semoventes”.
A dotadora reservou em vida os seguintes bens, que os noivos lhe dariam anualmente pelo S. Miguel: cinco carros de pão, a saber, quatro de milho grosso e um de milho miúdo e centeio, tudo limpo e seco; cinco pipas de vinho e três almudes de azeite; toda a castanha, fruta e landre da fazenda do Pinheiro, livre da parte do caseiro; semear-lhe-iam anualmente quatro alqueires de linhaça dada por ela, entregando-lhe o linho espadado e limpo “cuja reserva lhe darão e pagarão na vila de Guimarães adonde ella dotadora nella morar exssepto as fruitas da fazenda do Pinheiro e por sua morte della dotadora rezerva para suas filhas ou coalquer dellas as mesmas cazas da Rua de Santa Luzia, hum carro de pão e huma pipa de vinho emcoanto não thomarem estado”.
D. Teresa Maria Borges do Couto e Sá dotava-lhes todos estes bens com a condição dos futuros esposados liquidarem os vinte e cinco mil cruzados de dívidas a que ela e os bens dotados se encontravam obrigados a vários credores.
O capitão-mor Francisco Moreira Carneiro dotava-se com vinte e cinco mil cruzados em dinheiro de contado, de entrada para os bens dotados e com os créditos que lhe eram devidos, tais como: de Jorge Pinto de Azevedo, morador na cidade de Lisboa, por créditos vencidos ao juro de 6 e 4%, quinze mil cruzados; de Manuel Moreira Maia, nas minas de ouro no Serro Frio, vinte e um mil e quinhentos cruzados; o litigioso de um conto seiscentos e dezanove mil réis, fora de juros, pendente na ouvidoria de Vila-Requa de Ouro Preto, em dívida por José da Silva Zuzarte; de Manuel Moreira Maia, por uma escritura, a metade das lavras, roças e engenho que lhe vendera, além da dívida que o mesmo também tinha com ele de cinquenta e um mil cruzados, vinte e seis mil novecentos e quarenta réis; de Manuel Moreira (filho de Domingos Moreira Duarte), nas minas de Ouro Preto, catorze mil cruzados; de Francisco Fernandes Abelha, seis mil cruzados; de Roberto de Herédia, duzentos e quarenta mil réis; de João da Mota dos Santos, por uma execução que lhe instaurara, um conto novecentos e cinquenta mil réis, dívida essa que se achava com pouca esperança de se cobrar.
Tinha ainda a metade das lavras, roças e engenho de cana, de sociedade com Manuel Moreira Maia, como constava de uma escritura em seu poder, a qual metade, vendida a pagamentos por dez anos, valeria setenta e cinco mil cruzados; e igualmente a terça parte duma lavra em Minas Gerais, nas minas do Caraça, com quinze negros, que valeria, ao menos fiada por seis anos, a pagamentos, dezoito mil cruzados.
O capitão-mor dotava-se ainda com um hábito de Cristo, com cruz de diamantes e granadas, uma medalha de ouro com diamantes, um faqueiro com doze facas, talheres e garfos de prata, um anel com pedra de diamantes, um copo de cristal, peças que lhe haviam custado um conto e trezentos mil réis.
No caso de dissolução do casamento, cada um ficaria com o dote próprio e a metade dos adquiridos, pagas as dívidas. Os bens da dotada manter-se-iam hipotecados enquanto não fosse restituído ao dotado outorgante a sua parte. No caso de ele falecer primeiro a esposa ou os herdeiros tinham o prazo de dois anos para a restituição aos herdeiros dele e, decorrido esse tempo, pagariam os juros de 5% sobre os bens em dívida.
Disse ainda Francisco Moreira Carneiro que “suposto tenha filhos deste matrimonio e morram ou coalquer delles sem que lhe fiquem dsendentes legitimos e depois destes outros desendentes por linha reta que bem a ser athe o treseiro grao da mesma linha não teram parte na terça delle dotado mas pertemserá a quem delle dispuzer e senão dispuzer a quem de direito pertemser segundo as regaras de morgado familiar e que nam teria vigor este contrato emcoanto os direitos senhorios dos prazos dotados que exzistam e moram na villa de Guimaraenz e seus arabaldes nam derem authoridade a esta escreptura como tambem que havendo filhos deste matrimonio sempre sussederão nos bemis delles dotados e declarou elle dito futuro noivo que desiluto o matrimonio por morte delle ou fiquem ou não fiquem filhos ficará ella futura noiva milhorada em seis mil cruzados de arras que se abaterão na restetuição de dote e que protestava elle dito futuro noivo que pello tratado desta escreptura e cazamento não rezulta obrigação de esponçaiz” .
Este casamento tem uma tradição curiosa, porventura cultivada ao gosto da época romântica subsequente. Sem enbargo, a leitura do contrato nupcial atrás efectuada deixa-nos bem patente a falta de crédito que tais tradições nos devem merecer.
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