comemorações
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Os Deuses Devem Estar Loucos
João Mattos e Silva * (Mai-2007)
A pouco mais de três anos das comemorações do centenário da República, o regime afadiga-se nos seus preparativos. O Portal do Governo, na Internet, inseriu agora um extenso relatório da Comissão que prepara os eventos, onde se enumeram não só considerações sobre a República, sobretudo a I, que continua a ser para os republicanos o paradigma dos valores do regime, como as propostas das celebrações em várias áreas e que são, diria eu, quase um programa de governo, tal o afã de querer fazer do republicanismo um projecto de futuro, a ponto de se afirmar que Portugal não terá futuro sem a república… E preparando-se para essa data e antecedendo o regicídio, que ocorrerá em 2008, conseguiu que o Parlamento aprovasse, por unanimidade, uma proposta para que os restos mortais de Aquilino Ribeiro (o que só revela a ignorância da maioria dos nossos parlamentares, que mal sabem que foi um famoso escritor oposicionista ao Estado Novo, mas desconhecem a sua participação no crime execrável do assassinato do Rei D. Carlos e do Príncipe Real D. Luís Filipe) sejam transladados para o chamado Panteão Nacional e que é, sobretudo, o da República. Para além de outras propostas legislativas, como que visa reconhecer as novas formas de relações familiares, que foram interpretadas como a aprovação dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo e a adopção de crianças por esses novos casais, o que não se entende o que é que tem que ver com o regime republicano, quando inclusive já foi legislado no mesmo sentido por parlamentos de monarquias europeias.
Curioso também é verificar que "por acaso" faz parte da Comissão o Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano, Dr. António Reis e que "por acaso" um dos colóquios propostos é exactamente sobre "O Grande Oriente Lusitano e a República: de 1910 a 2010", reconhecendo-se oficialmente a influência da Maçonaria na condução do regime republicano. Só é pena que o período analisado seja só o dos cem anos da República e não tenha havido a coragem de recuar para a sua preparação, abrangendo, nomeadamente, o que antecedeu o Regicídio. Como é curioso verificar, em todos os textos e propostas, a insistência – como principal aspecto do ideário republicano – na laicidade do novo regime, como forma encapotada de ódio vesgo à Igreja Católica, mesmo se há o cuidado de falar de "separação do Estado e das Igrejas", como se em 1910 qualquer outra Igreja tivesse a mais pequena relevância e estivesse, de alguma forma, ligada ao regime monárquico. Não é por acaso, neste aspecto, que o presidente da comissão é o Dr. Vital Moreira, que não perde uma ocasião, em artigos de opinião e em blogues, para atacar a Igreja e, de um modo geral, as religiões e que uma das organizações que colabora com ela é a conhecida "República e Laicidade" que defende uma maior separação entre o Estado e a Igreja Católica em Portugal e na Europa…
A análise que, quer o corpo do Relatório, quer a contribuição individual do seu presidente, fazem da República, claro que da I República, porque é essa que na verdade se comemora e são os seus princípios que se quer conservar -"Voltar às origens da República, reconstituir uma genuína "mitologia" republicana e valorizar do projecto de modernidade republicana deve constituir um objectivo primordial das comemorações" – tem coisas de estarrecer quem conheça esse período triste da nossa história contemporânea, onde a necessidade de louvor ao novo regime tolda todo e qualquer espírito crítico. Dizer, como o faz o ilustre constitucionalista conimbricense, que "Reivindicando-se da trilogia revolucionária francesa da "Liberdade-Igualdade-Fraternidade" – que o constitucionalismo liberal monárquico tinha reduzido ao primeiro termo, numa versão puramente individualista, esquecendo a igualdade e a fraternidade –, o republicanismo histórico manteve desde o início uma clara pulsão democrática e social. Por isso, o republicanismo só se alcança na base das suas relações com o liberalismo, com a democracia e com o socialismo", é manifestar uma visão distorcida da história. Desde logo porque a Monarquia Constitucional não esqueceu a igualdade – todos os portugueses eram iguais perante a lei (mesmo os membros da aristocracia, que é o engulho igualitário dos republicanos) e o acesso aos altos cargos do Estado e das Forças Armadas eram abertos a toda a gente, independentemente da sua origem social, como está sobejamente provado (só não o seria em função do nível de instrução, que tinha como pressuposto a situação económica do seu estrato social, o que continuou a acontecer na República, como se vê na origem burguesa da maioria esmagadora dos seus dirigentes) – nem a fraternidade. Já quanto à "pulsão democrática", só se for a que refere o insuspeito republicano e historiador Prof. Medina, que em recente carta publicada num órgão de comunicação social a propósito das comemorações do centenário da república diz: "não creio que valha a pena preparar, oficialmente, ou mesmo em meios académicos, a celebração dum mau defunto que foi esse regime de década e meia de vigência atarantada, e que, bem feitas as contas, teve nada menos do que 47 governos que a desgovernaram por trancos e barrancos (...) de atribuladíssima e caótica duração, com muitas bernardas castrenses de permeio, sedições várias, tumultos constantes e quase sempre mais ou menos sangrentos", e com os "atropelos à legalidade e ditaduras disfarçadas ou às escancaras, sem falar da Ditadura das Urnas, com o 'partido democrático' do dr. Afonso Costa (aquele homem de Direito que foi uma vez ao Porto, em 1902, com uma soqueira, para agredir à traição o Sampaio Bruno".
Estas comemorações centenárias prometem, como se vê. Pelas análises "históricas" dos cegos defensores das virtudes do regime imposto aos portugueses há cem anos e pelas propostas para o celebrar. Já que os homens e mulheres, que estão à frente da Comissão e do Estado republicano que a inventou, são gente aparentemente sã de espírito, devem ser os deuses (pagãos) que os inspiram, que devem estar loucos.
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RE: comemorações
"Para além de outras propostas legislativas, como que visa reconhecer as novas formas de relações familiares, que foram interpretadas como a aprovação dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo e a adopção de crianças por esses novos casais, o que não se entende o que é que tem que ver com o regime republicano, quando inclusive já foi legislado no mesmo sentido por parlamentos de monarquias europeias." (sic)
De facto, há que saudar a lucidez do autor do texto, porque efectivamente estas "novas formas de relações familiares" nada têm que ver com República e Republicanismo.
É bom que se esclareça e se faça aqui algum finca-pé, para que se não confundam as coisas.
Por outro lado, a separação Estado-Igreja(s) é uma realidade da maioria das repúblicas, mas de algumas monarquias também.
Hoje em dia, poucos em Portugal defenderão o contrário, nem tinha qq. cabimento alterar este estado de coisas.
Também é preciso esclarecer que a esmagadora maioria dos republicanos portugueses não se identifica minimamente com a Primeira República e com os seus protagonistas, com a Maçonaria e outras sociedades mais ou menos secretas e influentes, com doutrinas anti-clericalistas, etc...
O problema reside naqueles que efectivamente detêm o verdadeiro poder em Portugal, aqueles que continuam a pairar sobre os partidos políticos e a controlar os seus dirigentes, os sindicatos, as grandes empresas, a comunicação social, muitas das vezes velhos que já deram o que tinham a dar, mas se recusam terminantemente a abandonar o "poder"...
Cumprimentos,
João Pombo
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