Conde da Barca

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Conde da Barca

#191651 | luso | 08 abr 2008 16:40

urico de Ataíde Malafaia

Academia Portuguesa da História

António de Araújo de Azevedo – Conde
da Barca: personalidade exemplar de
coragem e dignidade

Resumo
António de Araújo de Azevedo, titulado em 17.12.1815 como Conde da Barca, foi uma
figura notável na vida portuguesa no final do séc. XVIII e primeiros dezassete anos do
séc. XIX, exercendo actividade diplomática e, posteriormente, a política, muito embora
a sua maior notoriedade se congregue no êxito do exercício das suas funções como Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário junto à Corte da Haia e, transitoriamente, por duas vezes, na mesma qualidade, como negociador da paz entre a França
(Directório) e Portugal, a qual alcançou, no uso dos “plenos poderes” atribuídos, assinando o célebre Tratado de 10 de Agosto de 1797 que não chegou a ser ratificado pelo
Príncipe Regente D. João, por imposição da Inglaterra. O texto historia documental-
mente o sucedido, que teve várias consequências graves e, como incidente de destaque,
a própria prisão do diplomata.

Abstract
António de Araújo de Azevedo, Count of Barca as of 17th December 1815, was a noble
figure in Portuguese society, exercising diplomatic and, subsequently, political power
from the late 18th century to the early 19th century. He earned his greatest renown, however, in his success as Envoy Extraordinaire and Minister Plenipotentiary to the Court
of The Hague and, temporarily, on two occasions, as negotiator for peace talks between
France and Portugal. In the same capacity, exercising the “full powers” assigned to him,
he accomplished his goal by signing the famous Peace Treaty of 10th August 1797. However, by imposition from England, this Treaty never came to be ratified by the Prince
Regent, D. João. This paper comprises a documented account of the event which led to
quite serious consequences, including the striking episode of the imprisonment of the
diplomat himself.

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EURICO DE ATAÍDE MALAFAIA

Celebraram-se em 2004 duas datas centenárias relativas à vida do Conde da
Barca, um homem que, em termos de capacidade político-diplomática, astúcia,
discernimento e perspicácia pôde emparceirar com as grandes figuras da sua época:
Talleyrand e Metternich. Temos porém a opinião, documentalmente sustentada,
de que António de Araújo de Azevedo, servidor de D. Maria I e, posteriormente,
do Regente D. João, se distinguia daqueles outros políticos europeus pelas suas extraordinárias capacidades de trabalho, pela universalidade dos seus conhecimentos,
pelo empenho exemplar que transmitia ao exercício das suas funções regulares e
das que lhe eram cometidas, referenciando-se sobretudo pela lealdade à Coroa,
embora expressa de uma forma nem sempre politicamente concordante com ela,
mas sem habilidades, subterfúgios ou arranjos para colheita de benefícios materiais. E disso não se podem gabar aqueles seus parceiros europeus, especialmente

o primeiro que era personagem de referência quanto ao exercício de práticas
conducentes ao enriquecimento fácil. A título de exemplo refira-se que a história,
inclusivamente a de Portugal, com factos concretos, aponta Charles Maurice de
Talleyrand-Périgord como “o maior corrupto dos corruptos”. A leitura atenta
de documentos referentes à actuação do nosso diplomata, como Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário em Paris, em contraste com a podridão da
época e do meio, e em circunstâncias de extrema gravidade, mostram-nos a sua
exemplar integridade e a circunstância de agir sempre de acordo com as suas
obrigações oficiais, no quadro de uma mentalidade de homem excepcionalmente
culto e, portanto possuidor, na época, de ideias de cunho liberal-reformista.
Em 14 de Maio, em Ponte de Lima, sua terra natal, foram solenemente comemorados os 250 anos do seu nascimento e, logo a seguir, nos primeiros dias de
Junho, era o Arquivo Distrital de Braga – Universidade do Minho que, no Salão
Medieval, também em sessão solene, fazia lembrar os 200 anos decorridos sobre a
data da sua chamada ao governo (6 de Junho de 1804). No Brasil e quase no final
da sua vida, integrando novamente o governo de D. João VI, foi titulado como 1º
Conde da Barca (17 de Dezembro de 1815). Escolheu ele a terra da Barca, pátria
de Diogo Bernardes e de Frei Agostinho da Cruz, homenageando provavelmente

o seu 6º avô Fernão Velho de Araújo que, vindo da Galiza e perseguido sem legitimidade, se refugiou na Barca, onde casou e a família se radicou e expandiu. Não
surpreende que, tal como em Ponte de Lima, haja ocorrido na Ponte da Barca
homenagem muito significativa ao homem que deu origem a que a Vila fosse
elevada a cabeça de condado. Tivemos a honra de proferir diversas conferências
sobre a figura ilustríssima de António de Araújo de Azevedo e, por isso mesmo,
é-o também a de subscrever um texto que pudesse integrar o volume de estudos
que a Faculdade de Letras da Universidade do Porto vai editar em homenagem
ao Professor Doutor José Amadeu Coelho Dias, amigo que muito distinguimos e
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ANTÓNIO DE ARAÚJO DE AZEVEDO - CONDE DA BARCA

a que nos ligam, em muitos aspectos, laços de fraternidade. Teve ele a gentileza de
sugerir-nos que o fizéssemos sobre o mal conhecido Conde da Barca, dando-nos
oportunidade de procurar responder, se possível, à questão que se nos coloca no
tempo próprio, quando o diplomata, Enviado Extraordinário e Ministro Extraordinário à República Francesa – leia-se Directório – foi detido e enviado para a
prisão da Torre do Templo, com as inquietações próprias do trágico funcionamento
da guilhotina desde 25 de Abril de 1792, havendo suportado a situação com um
equilíbrio exemplar, sem colocar mal o seu país, o seu ministro, quem quer que
fosse, sem que durante mais de um mês alguém se ocupasse da situação grave e
perigosa do legítimo representante de Portugal. Dignidade ou loucura?

Vamos procurar fazer o enunciado dos factos essenciais. Depois da desconchavada intervenção de Portugal na denominada guerra do Rossilhão, ao lado
da Inglaterra e da Espanha, contra a França revolucionária, a Convenção, em
1793, havia autorizado o corso contra os navios portugueses. Entretanto, numa
manobra política secreta, a Espanha alia-se à França, o que é consumado pelo
Tratado de Basileia de 22 de Julho de 1795; os termos deste Tratado consagram
uma relativa dependência política de Portugal em relação à Espanha, quanto ao
trato dos nossos assuntos com a França, e conduzem obviamente ao agravamento
da guerra que este país nos fazia no mar, com pesados danos para a economia
nacional. A responsabilidade da mediação espanhola no nosso “conflito” com a
França não era assumida e a Inglaterra, como era seu hábito, tratava dos seus
próprios interesses, seguindo uma política manifestamente nefasta a Portugal.
Diante da perspectiva de uma invasão do nosso país, por parte da Espanha,
é decidido enviar a Paris um diplomata credenciado para tratar directamente
da paz com a França (Outubro de 1796). O escolhido foi António de Araújo de
Azevedo, então nosso representante na Corte da Haia onde havia apresentado
credenciais a 6 de Agosto de 1790. A razão da escolha: “António de Araújo era um
habilíssimo diplomata, experiente, e sempre excelentemente informado, servido
por uma inteligência penetrante e esclarecida”1. Para além desta, “Araújo foi um
dos diplomatas portugueses que mais e melhor informou o seu governo do que
se passava, fazendo mesmo ajustadas previsões do que iria acontecer na França e
na Europa, interpretando com rara perspicácia as informações que colhia através
de uma valiosa rede de contactos que, a todos os níveis, foi estabelecendo”2. O
mesmo embaixador citado em nota de rodapé, nos seus escritos sobre diplomacia,

1 Manuel Lopes de Almeida, História de Portugal, VI, XVI, 272.

2 Luís Teixeira de Sampayo, O Arquivo Histórico do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Coimbra,
Imprensa da Universidade, 1925, 64.

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refere “como exemplo de excepção o carácter modelar das capacidades de António
de Araújo de Azevedo”.

Sem dúvida, a escolha fora certa. Tornara-se desde logo evidente ao diplomata que a paz haveria de ser comprada e, não obstante os conhecimentos
pessoais de Araújo com alguns membros do Directório, estes não se entendiam
quanto à distribuição do bolo. Falava-se então de vários milhões de cruzados de
indemnização! Qual a razão? A dos prejuízos que Portugal causava à França em
consequência da sua aliança com a Inglaterra, conforme proclamavam os membros do Directório. Neste quadro de interesses tão variado, acrescido da própria
política interesseira por parte da Espanha, no momento em que se perspectivava
a conclusão de um acordo, o nosso diplomata é intimado, em Maio de 1797, a
sair de Paris. Regressa a Haia, mas vai habilmente mantendo por meios diversos,
sobretudo através de homens de comércio, os seus contactos com Paris. Talleyrand,
na sua trajectória permanente de altos e baixos, mas sempre com oportunismo,
volta à ribalta política assumindo o Ministério das Relações Exteriores e “ajuda”
a promover um acordo que se consagra no Tratado de 10 de Agosto de 1797 que,
no uso dos seus “plenos poderes” o nosso diplomata assinou. O pior estava para
acontecer. A esse respeito, três notas essenciais:

-O Tratado foi reputado vantajoso para Portugal escrevendo-se nos meios
políticos que o mesmo havia sido abraçado pela Nação com o maior alvoroço3 .
-A Inglaterra não concordou com certas cláusulas do Tratado e impôs a
Portugal, -ameaçando mesmo invadir-nos -, a “não ratificação” que, formalmente,
deveria ter tido lugar até 10 de Outubro desse ano. A imposição foi apoiada pela
presença de uma esquadra britânica que, normalmente, estava no Tejo ou por lá
perto, e pela ocupação efectiva, pelos ingleses, do Forte de S. Julião da Barra.
-Conhecedor da intervenção inglesa e ultrapassado o prazo, o Directório
declarou o Tratado como “insubsistente e nulo”, afirmando ao mesmo tempo
estarem reabertas as hostilidades, isto é, não só a guerra de corso iria continuar,
como aumentava a perspectiva de Portugal ser invadido.
O nosso diplomata, usando da sua influência pessoal e do apreço em que era
tido pelos negociadores, havia conseguido dois adiamentos do prazo, embora com
ajustes dos montantes da indemnização. Porém, diante da constatada manutenção
da subserviência do governo de Portugal à Inglaterra (que em finais de Novembro
acabaria por dar o seu acordo à ratificação), António de Araújo de Azevedo é
preso no dia 28 de Dezembro de 1797 e encarcerado na Torre do Templo sob a
acusação adiante referida. Papéis, móveis, moeda e tudo quanto podia ser suspeito,
foi remetido ao Ministro da Polícia.

3 Citado no ofício de Luís Pinto de Sousa, de 11 de Setembro de 1797, para D. João de Almeida
Mello Castro, cf. ref. História de Portugal, ed. Barcelos, VI, XVI, 273.

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Verifica-se, através de todos estes factos, que Portugal havia caído no ponto
mais baixo possível no que respeitava a consideração por parte dos principais
países da Europa. Afirmando-se neutro, era joguete da Inglaterra, vivia assustado
com o comportamento dúbio da Espanha, e estava certo de que seria invadido
pela França. Deste modo não surpreende que o ministro Luís Pinto de Sousa,
obstinado e subserviente anglófilo, desacreditasse o seu subordinado, em vez de
lhe dar cobertura quando o Directório se atreveu a mandar prender um Enviado
Extraordinário e Ministro Plenipotenciário de Portugal que, em nome do seu
País, negociava a Paz. Qual a justificação apresentada e como geriu o prisioneiro
a situação?

Sabe-se que nos bastidores da negociação, e desde 1796, para que tudo evoluísse favoravelmente, houve que contemplar, com dinheiro ou promessas dele,
certos políticos franceses influentes. Em matéria tão sensível, apesar de todos os
cuidados do negociador, houve intermediações e certos “destinatários” constituíam motivo de inveja ou de desconfiança por parte de outros que pertenciam
ao mesmo Órgão decisor. Descoberta e detida uma rede de “mensageiros”4, um
deles, para se defender, falou acidentalmente de Araújo, diplomata que havia conhecido. Merlin de Douai 5, então membro do grupo minoritário do Directório,
aproveitou a oportunidade para atacar Barras e Talleyrand que supunha vulneráveis, começando por fazer prender o diplomata português. Não tinha a menor
consistência a história que se dizia ter sido contada, mal e atabalhoadamente,
pelo dito intermediário, sendo contudo certo que Araújo, como se compreende,
conhecia gente nesse meio. As verdadeiras razões do acusador eram expor os
referidos colegas do Directório ao exame dos Conselhos, e do próprio Directório,
e também executar um acto de vingança em relação a um diplomata que, com
verbas importantes, negociou a paz e que, por falta de decisão política (sempre
condicionada pela Inglaterra) e de apoio do seu governo, passou a desempenhar

o papel de incumpridor. Os dinheiros de despesas secretas haviam já sido parcialmente entregues e, eventualmente, mal distribuídos pelos colegas, por parte dos
dois directores reflexamente visados!
Invocando o Art.º 145 da Constituição revolucionária, com a data de 28 de
Dezembro de 1797, Araújo é objecto de um mandato de captura dimanado do
Directório, no qual é acusado “d’avoir pendant son séjour en France conspiré contre

4 Chamavam-se Poppe, Querini e Wiscowich, embora os segundos fossem designados na
correspondência por Quirini e Viscovi. O primeiro tinha tido contacto com Araújo conforme este refere
no ponto 4 do seu ofício de 17/6/1798 para Luís Pinto de Sousa, cf. Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro, Secção de Manuscritos (BNRJ - Sec. Ms.) - 10, 2, 5/72.

5 Foi Ministro da Justiça e um dos principais artífices do golpe de estado do 18 fructidor, substituindo
então Barthélemy no Directório, onde se manteve até 18/6/1799.

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la sureté intérieur e notament d’avoir ourdi une trame à la faveur de laquelle on
voulai perdre des membres du gouvernement”6. O pretexto, para além de fácil,
é subtil. O mandato foi assinado por Barras, como Presidente, “que se sentia
perseguido por Araújo (!)” e por Lagarde, nosso conhecido Secretário-Geral. Complementarmente assina-o o Ministro da Polícia Geral, de nome Sotin7, “homem
de mão” de Merlin e de Barras, como era de prever.

No momento da prisão, Araújo encontrava-se em casa com incómodos de
saúde que ali o retinham. Em presença do mandato de captura, invocou essa
situação de pessoa debilitada, a sua inocência e, necessariamente, a sua grande
surpresa. Isso não obstou a que fosse conduzido a casa do Ministro da Polícia e
daí para a prisão da Torre do Templo, a mesma onde havia estado prisioneiro o
rei Luís XVI e família em 1792. Mal instalado com um seu criado, assim esteve
uns dias sem nada entender do que se passava; mais tarde foi transferido para
uma dependência maior onde estava uma dezena de presos políticos … e também
alguém da polícia. Sensatamente, embora instado, o detido procu rou não falar.
Em tal meio nada tinha para dizer. Sabe-se também, pela análise documental, que
Araújo teve que deslocar-se várias vezes, sob prisão, a casa do Ministro da Polícia
que, nos interrogatórios, habilmente, procurava comprometê-lo sem contudo se
referir aos “intermediários”, embora fosse perceptível a intenção do inquiridor
descobrir qualquer relacionamento suspeito, envolvendo dinheiros, com Barras
e Talleyrand. Para além disso pretendia o Ministro, na sua inquirição, obter pistas para conhecer a profundidade das relações com Carnot, inimigo declarado
de Portugal. A segurança do depoimento do detido acabou por desmontar as
perspectivas do interrogador. Porém, logo que lhe foi possível - 11 de Janeiro
- o diplomata escreveu aos Membros do Directório expressando o seu protesto
e incompreensão pelo sucedido. Na sua carta repudia a suspeita e anuncia a
determinação de manter-se na prisão enquanto não houver uma declaração
pública 8 da sua inocência, com publicidade idêntica à que ocorrera aquando da
sua detenção9. Utili zando meios que desconhecemos, consegue escrever a Luís
Pinto de Sousa em 27 de Janeiro de 1798. Trata-se de uma correspondência de

6 BNRJ - Sec. Ms., 10, 2, 5/51. A cópia deste documento arquivado na BNRJ encontra-se cheia de
erros, não se sabendo se quem copiou foi fiel ao original. Corrigimos apenas os nomes próprios dos que
nos pareceram incorrectos, embora aqui se não faça, por redundante, a transcrição do documento que
lemos.

7 Sotin de la Coindière. Por recomendação de Merlin de Douai foi chamado a 26 de Julho de 1797
(8 thermidor – an 5) ao Ministério da Polícia. Era dedicado a Barras, sendo também um dos intervenientes
no golpe de estado do 4 de Setembro (18 fructidor).

8 “Por causa da falta da ratificação, o Directório tinha indisposto o público contra Portugal por meio
de folhetos e jornais”, cf. ref. ofício de Araújo.

9 BNRJ - Sec. Ms., 10, 2, 5/52.

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grande significado, pois nela o diplo mata dá mais importância à ratificação do
Tratado que à sua própria situação, que é de inocência como declara, mas que
nada representa perante o interesse nacional. Todavia, três dias depois, receando
que a carta se perdesse, escreve de novo, desenvolvendo o mesmo tema mas de
uma forma mais sistematizada. Não deixámos de dar destaque à forma como essa
primeira carta termina:

“Tudo comprova infelizmente os meus vaticínios e não posso deixar de observar a demora da ratificação como um dos acontecimentos políticos dos mais
extraordinários que tem produzido o nosso século e de onde podem resultar as
mais funestas consequên cias...”10 .

Como dissemos, três dias depois escreve novamente preocupado com o facto
de desejar que em Lisboa não faltem notícias, traduzindo também com elevada
grandeza de alma e nobreza de sentimentos a sua situação, mas simultaneamente

o desejo de que esta não venha a ser motivo para que Portugal cometa erros na
condução da sua política. É esse pensamento admirável que, apoiado na lógica
dos factos, ele transmite ao Secretário de Estado em correspondência11 de 30 de
Janeiro de 1798, de que salientamos os pontos fundamentais: “Que se alegara na
Resolução do Directório para eu ser preso, o haver conspi rado contra a tranquilidade interior da República e contra alguns Membros do Governo, sem que porém
me manifestassem provas ou indícios de semelhante natureza. Que a tardança da
ratificação, e a renovação de algum projecto hostil contra Portugal, eram as causas
primárias deste rompimento, além de outras que se seguiram e que não podia ainda
referir a V. Exa. Que devia desde já segurar o Príncipe N. Senhor que não tinha
dado o mais leve motivo a uma ofensa de natureza tão agravante para a nossa
Corte, nem mesmo a qualquer manifestação de desagrado contra a minha pessoa.
Que o modo que se procurou para o rompimento fora tão bárbaro e precipitado
que, por essa mesma razão, me parecia que dele talvez resul tasse a verificação
da nossa Paz, se bem que não pudesse dar certeza sobre tão importante objecto
e somente comunicava a esperança que me fornecia o meu raciocínio. Que esta
esperança e a pureza da minha consciência difundiram tal energia e serenidade,
na minha alma, que à excepção de me ser muito sensível o insulto feito à minha
Corte, nenhum dos incómo dos deste acontecimento produzira em mim, até ao
presente, a mínima aflição ou movimento de impaciência. Que de boa vontade
me entregaria a maiores sacrifícios pela honra da minha Corte e tranquilidade da
minha Pátria. Que todas as reclamações que se houvessem de fazer não podiam ser,
fundadas senão na minha futura justificação e esta pertencia-me exclusiva mente.
Que, entretanto, eu suplicava respeitosamente ao Príncipe N. Senhor que, por
10 Arquivo Distrital de Braga / Fundo Conde da Barca (AHB / FBO) - Cx. 1 - Doc. 27.
11 BNRJ - Sec. Ms., 10, 2, 5 / …


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modo algum, em relação ao estado em que me acho consentisse em condições
onerosas, que talvez lhe seriam propostas com a esperança de se alcançarem por
meio desta ameaça. Que tudo quanto padecia me era suave considerando o Real
Serviço, mas que este procedimento se tornaria penoso no meu coração se acaso

S. A. R. se determinasse a resgatá-lo. Acres cento agora que seria sumamente prejudicial o tentar por ora nova negociação por outra via ou acelerar reclamação
alguma a meu respeito.
Peço, por utilidade do Estado, que me deixe entregue à minha sorte, até ver o
que dela resulta. Se por acaso se determinarem a continuar a injustiça e o desprezo
dos princípios mais sagrados do Direito das Gentes, não dando satisfação alguma,
mas fazendo-me sair do território francês, de toda a parte pedirei ao Directório a
manifestação das provas dos meus supostos crimes para responder, e me justificar,
aos olhos do Universo”.

É extraordinária e corajosa a actividade que mostra no período do encarceramento, sobretudo escrevendo. A 10 de Fevereiro apresenta protesto verbal junto
do Juiz de Paz funcionando no Ministério da Polícia que, contudo não assina, por
não reconhecer fidelidade no documento12 sendo as suas declarações concentradas na demonstração do ignóbil atentado à digni dade diplomática e ao respeito
que ela merece em qualquer país civilizado. Dois dias depois contesta a resposta
que lhe foi dada pelo mesmo magistrado, insistindo no desejo de recebê -la por
escrito para, a partir dela, poder contestar a ilegalidade que se comete para com
a sua pessoa. Anuncia mesmo saber (como?) que o Embaixador da Espanha em
Paris fará diligên cias concretas no sentido de tudo se esclarecer, chamando-lhe a
atenção de que, em França, tem o direito de defender-se e, com mais forte razão,

o Directório tem de a isso prestar aten ção, facilitando todos os meios de defesa a
um homem encarregado de negociações políti cas, que não são negócios pessoais,
mas sim dizendo respeito ao Estado que representa13 .
Sem respostas, vai insistindo na sua argumentação dirigindo-se agora e por
escrito ao Ministro da Justiça a quem dá amplas explicações, invocando mesmo
os seus direitos, no mínimo idênticos aos franceses para o que citava o Art.º 59 do
Código dos Delitos e das Penas14. Isto revela a dimensão dos seus conhecimentos
e a capacidade de utilizá-los. Na oportunidade, curiosamente, como dirá ao seu
Secretário de Estado, ele pretende manter a sua situação de prisioneiro e criar
dificuldades ao Directório, numa tentativa de que este reveja a sua posição quanto
à aceitação da ratificação do Tratado15 .

12 BNRJ - Sec. Ms. - 10, 2, 5/74.
13 Ibidem, ibid., 10, 2, 5/75.
14 Ibidem, ibid., 10, 2, 5/77.
15 Ibidem, ibid., 10, 2, 5/78.


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“Disse ao Ministro da Polícia que asseverasse ao Directório, da minha parte,
que não queria sair da prisão sem uma plena justificação; porém, depois manifestei-lhe directamente a mesma determinação e, desde então, não houve nenhuma
resolução. Fiz, em todas as ocasiões proporcionadas, sobre o partido que há-de
tomar a meu respeito. O que posso assegurar a V. Exa. é que Bonaparte tem
clamado altamente contra este estranho pro cedimento”16 .

Conforme pode e, por certo, os meios de comunicação lho permitem, não
deixa de escrever ao Secretário de Estado, dando-lhe notícias e esclarecendo-o
do seu estado de espí rito: “As minhas esperanças a respeito do negócio principal,
e único objecto em que se ocupa a minha mente (necessariamente a aceitação da
ratificação do Tratado) não se me apresentam, como dantes, numa perspectiva
proximamente favorável mas não as perco de todo, ainda que poucas razões (mais)
tenha de pensar assim do que a propensão genial (sic) que na conjuntura presente
se manifesta na minha alma para resistir e para, talvez, vencer com firmeza todo

o género de adversidades”17 .
Simultaneamente congratula-se com a hipótese da mediação de Espanha
-não nego ciação -na tentativa de recuperação do Tratado. Mas, novamente,
insiste na independência do seu destino e na lógica da sua estratégia, escrevendo:
“Espero que seja conforme ao que a justiça, a razão e os direitos mais sagrados
devam ditar e me persuado igualmente que o sistema que adoptei contribuirá para
a tranquilidade de Portugal. Ainda que venha a tratar-se em outra parte do mesmo
assunto, os passos que tenho dado, e que ainda me não convém relatar, são os únicos
que poderiam reconduzir este importante negócio a um êxito feliz. Este é o único
objecto do meu desejo, da minha ambição e do meu dever e, enquanto couber
nas minhas forças, não me afastarei dessa direcção”18 . Entretanto, tudo leva a crer
que o governo (Ministro da Justiça) e o Directório estavam em dificul dades para
sair da situação, embora fossem “ajudados” pelo Secretário de Estado Luís Pinto
de Sousa que, na circunstância, mandou a Talleyrand “um ofício muito tímido e
vergonhoso” 19. Este ofício, segundo a mesma fonte, foi dolorosamente objecto do
seguinte comentário de Araújo para o subscritor: “A primeira reclamação de V.
Exa. (contra a detenção) foi julgada no Directório como um abandono da minha
Corte a meu respeito e assim se julgou em Paris”.

Porém, aparentemente esquecido dos agravos e pensando sempre na recuperação da ratificação do Tratado, resolve escrever novamente ao Ministro da

16 AHB / FBO - Cx. 1 - Doc. 28, ofício de 31/1/1798.
17 BNRJ - Sec. Ms., 10, 2, 5/53, ofício de 17/2/1798.
18 Ibidem, ibid., 10, 2 , 5/54, ofício de 6/3/1798.
19 Artur da Cunha Araújo, Perfil do Conde Barca, cf. nota n.º 3, 45.


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EURICO DE ATAÍDE MALAFAIA

Justiça, procurando indi rectamente “abrir uma porta” que lhe parecia essencial,
no contexto de todo aquele silêncio que o rodeava, pelo que assim procede “...
ma condescendance n’a pas eu plus de borne que mon désir de rétablir la bonne
harmonie entre les deux Puissances; de convaincre le Gouvernement Français de
mon respect pour les membres qui le composent et de ma reconnais sance pour
les marques de confiance et d’estime qui j’ai reçu d’eux avant (que) la calomnie
fut parvenue à surprendre leur réligion”. E termina com uma expressão cheia de
dignidade: «vous voudrez bien ne pas perdre de vue que ce n’est pas ma liberté
que j’invoque, mais la justice qui m’est due et l’estime du Gouvernement Français
que je n’ai pas céssé de mériter»20.

Repete os mesmos sentimentos, transmitidos ao Ministro da Justiça, em carta
dirigida ao Directório, dias depois: “Cependant, cette détermination est instante;
elle importe à mon honneur; elle importe essentiellement à l’interêt de mon Pays.
Je le demande, je l’ attends de votre justice”21 .

É perceptível que, pelo menos nos primeiros tempos, o diplomata ficou
completamente entregue ao seu destino, isto é abandonado: pelo seu governo, pelos
diplomatas seus colegas, não intervindo por receio, e pelo Embaixador de Espanha
em Paris que, instado pelo seu governo, não cumpre as instruções recebidas!

Em 15 de Março, escreve a Luís Pinto de Sousa dando-lhe as notícias possíveis
e prometendo esclarecê-lo daquilo que: “ainda não pôde ser feito”, o que fará uma
vez em liberdade. E traduz a espe rança do seguinte modo: “Acho-me por ora na
mesma situação, mas espero que se resolva brevemente este negócio e trabalho
para que a resolução seja útil e decorosa para a nossa Corte. Sem estas condições
resisto a ser posto em liberdade”22.

Libertado a 28 de Março de 1798, ao fim de três meses e um dia de detenção,
verifica -se que, mesmo na prisão, foi sempre um digno representante de Portugal
que, uma vez liberto, diplomaticamente agradeceu e, mesmo expondo-se a ser
detido antes de sair de Paris para a Holanda, voltou ainda, no enquadramento
da sua rede de apoiantes e colabora dores, a trabalhar na descoberta do caminho
para a Paz. No agradecimento que se transcreve está implícito esse propósito que,
no espírito e acção do diplomata, foram permanentes durante a crise.

Au Directoire Exécutif23
Citoyen Président
J’ai reçu l’Arrêté do Directoire Exécutif. Les dispositions qu’il renferme, m’éton

20 BNRJ - Sec. Ms., 10, 2, 5/79.

21 Ibidem, ibid., 10, 2, 5/80, de 13/3/1789.

22 Ibidem, ibid., 10, 2, 5/56.

23 BNRJ -Sec. Ms., 10, 2, 5/60. A cópia do texto original contém muitos erros que procuramos
corrigir.

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ANTÓNIO DE ARAÚJO DE AZEVEDO - CONDE DA BARCA

nent au delà de toute expression; je m’y conformerai; je chercherai en vain a m’en
expliquer les motifs; je ne le tenterai pas. Permettez moi d’assurer le Directoire
par votre organe 24 que la me sure qu’il a prise à mon égard ne laisse dans mon
coeur aucun souvenir amer, aucun ressen timent.

Dans mon opinion la Paix de mon Pays avec la République Française importe
égale ment aux deux États. C’est comme chargé de concourir à cette Paix que j’ai
éprouvé de longs tourments; il porte avec eux les consolations les plus douces; mon
âme en est remplie et n’est plus accessible qu’à elles.

J’emporte l’espérance, Citoyen Président, que la négociation qui m’est confiée,
n’est pas rompue et que vous ne réfuserez pas d’écouter encore les Propositions d’un
Ministre, qui pénétré du besoin d’épargner à l’humanité de nouveaux malheurs,
de consoler enfin l’Europe du spectacle affreux de la guerre, est toujours honnoré
de la confiance de sa Cour et a des Droits incontestables à votre estime.

Recevez, Citoyen Président, l’assurance de ma haute considération

António de Araújo de Azevedo.

A notificação do Ministro da Justiça concedia ao diplomata a liberdade
oficial, impondo-lhe o prazo de seis horas para sair de Paris e o de dez dias para
sair de França, sem contudo lhe dar nenhuma explicação sobre a sua detenção,
como ele sempre pretendeu. O rigor e o grau de comprometimento foram tantos
que a ordem de libertação não teve publicação oficial.

Sem o apoio do seu governo, quer directo, quer através da mediação espanhola, há que reconhecer que António de Araújo de Azevedo acabou por ser
libertado no dia 29 de Março de 1798, por mérito próprio. Mas, apesar de tudo
aquilo que se passou e do abandono a que foi votado, vai continuar a lutar pela
paz. Recebendo passaportes no dia 31, procurou ainda esgotar utilmente o prazo
de dez dias após a notificação para sair de Paris, o que nos leva a pensar que
tenha atravessado a fronteira a 7 ou 8 de Abril e, portanto, que tenha chegado a
Haia cerca do dia 15. De acordo com o que escrevera de Paris (Saint Denis, que
então era fora de portas), deve ter aproveitado a segunda quinzena de Abril para
descansar, e identificar-se com os assuntos que tinha na Haia e, posteriormente,
seguir para a “Quinta de Borbeek - junto a Harlem - onde habitei o ano passado
esperando as ordens de V. Exa”25 .

Pretende o diplomata uma satisfação do Directório em relação ao ocorrido
e entende que a forma de obtê-la é “concluir a nossa Paz”. “Este é o importante

24 Palavra empregue em sentido extensivo, isto é, “pessoa por cuja mediação se expressa um
sentimento ou desejo”. O seu emprego não é usual ma linguagem francesa corrente.

25 BNRJ - Sec. Ms., 10, 2, 5/57.

289


EURICO DE ATAÍDE MALAFAIA

objecto que me obriga a retirar-me para Holanda porque me persuado que posso
cooperar para esta conclusão, conti nuando a tirar partido das ofensas praticadas
contra a pessoa do Ministro, de S. M. Se assim não fosse, partiria imediatamente
para essa Corte”26 . No mesmo Ofício refere o alto conceito em que o seu comportamento foi tido pelo Corpo Diplomático acreditado em Paris e informa
haver escrito ao Príncipe da Paz agradecendo a “reclamação oficial ultimamente
apresen tada”. A reclamação portuguesa, com a data de 14 de Fevereiro, enviada
ao Embaixador de Espanha em Paris, “havia chegado há poucos dias’’, isto é
“chegou tarde para se fazer uso dela”. Assim se tratavam os assuntos graves em
Portugal! Determinado porém a conti nuar a lutar pela Paz, sugere a Luís Pinto
de Sousa que se substitua a reclamação chegada por um ofício, de que remete
um rascunho que comenta: “concebido em termos proporcionados às presentes
circunstâncias, de que se não pode fazer exacta ideia, quando se não observam
de perto e (assim) o submeto ao claro discernimento de V. Exa., observando que
esta proposição contém as intenções com que, S. M. me quis honrar e (que) dela
pode resultar o desejado efeito. É preciso porém que a mesma Senhora ordene
sem a mínima demora a expedição do dito ofício de V. Exa. para o Ministro das
Relações Exteriores”27 . O rascunho estava redigido da forma seguinte28:

Citoyen Ministre

La Cour de Lisbonne vient d’apprendre avec la plus grande satisfaction la
mise en liberté du Chevalier d’Araujo. Sa Majesté Très Fidèle comptait sur cet
acte de justice et Elle se plait à croire que la réclamation que j’ai eu l’occasion
de vous adresser par son ordre, non moins que la fausseté des dénonciations qui
avaient été faites contre un Ministre qui, par ses lumières et sa loyauté jouit d’une
considération distinguée, a contribué à accélérer l’arrêté du Directoire Exécutif
qui prononce son élargissement.

Elle regrette de ne pas connaître encore les propres expressions de cet arrêté.
Elle se flatte qu’Elle y trouverait de nouveaux motifs d’estime pour son Ministre
et de reconnaissance pour le Gouvernement Français.

Cependant, Citoyen Ministre, Sa Majesté Très Fidèle toujours affectée de la
violation du Droit des Gens comise dans la personne de son Ministre Plénipotenciaire, toujours animé du désir de conclure la paix de Portugal avec la République
Française, et d’affermir ainsi la tranquilité et le bonheur des deux États; voulant
d’ailleurs donner personnellement à son Ministre un nouveau témoignage de sa
bienveillance en dédomagement des peines qu’il a éprouvé, me charge de vous
prier d’assurer le Directoire qu’Elle verrait avec le plus grand plaisir que le Che

26 Primeiro ofício escrito depois da saída da prisão, em Saint-Denis, então fora de Paris, cf. ofício de
1 de Abril de 1798, BNRJ - Sec. Ms., 10, 2, 5 /57.

290


ANTÓNIO DE ARAÚJO DE AZEVEDO - CONDE DA BARCA

valier d’Araujo continuat, avec la République Française la négociation importante
qu’il a commencé et suivie d’une manière si honorable et si malheureuse.

Sa Majesté Très Fidèle pense, Citoyen Ministre, que le Directoire Exécutif, en
remplissant le voeu qu’Elle exprime à ce sujet, lui donnera ainsi qu’à son Ministre
Plénipotenciaire la satisfaction la moins équivoque et la plus conforme aux intérêts
et à la dignité des deux Puissances.

Je vous prie d’observer, Citoyen Ministre, que Sa Majesté Très Fidèle ne s’est
determinée a insister pour que le Chevalier d’Araujo continue la négociation que
dans la persuasion que la conduite politique de ce Ministre envers la République
Française doit rendre sa personne plus agréable au Directoire. Elle n’avait pensé
a nommer un autre Négociateur que pour suppléer le Chevalier d’Araujo dans le
cas où le délabrement de sa santé l’aurait empeché de reprendre ses fonctions.

Da leitura desta e da correspondência de António de Araújo de Azevedo
para Luís Pinto de Sousa infere-se o seguinte:

-que o diplomata faz, e recomenda, toda a reserva quanto à sugestão apresentada;
-que o último parágrafo do projecto da carta foi minutado por Talleyrand!
Portanto, Araújo encontrou-se com ele em Paris e montou este “novo esquema”
em conjunto com o Ministro das Relações Exteriores;
- que o plano fora aprovado “por todos os meus amigos de Paris”;
-que põe dúvidas na isenção do comportamento do Embaixador de Portugal
em Madrid, Diogo de Carvalho e Sampaio, “afecto à Inglaterra”;

-que, segundo Talleyrand e outras pessoas “não havia outro motivo para a
expulsão senão a vaidade e a vergonha”.
No contexto, tomam igual importância outros pormenores, como refere:

-Quiseram atemorizar-me e facilitar-me a fuga, mas dei a entender que
jamais o executaria;

-Talleyrand não deixará de contribuir com a maior energia, mas ao mesmo
tempo com toda a cautela, para a satisfação (pessoal) e para a Paz.
-Deixo excelentes correspondentes em Paris e Talleyrand mandará dizer o
que for preciso, mas requer segredo. Bonaparte foi-me sempre favorável.
Neste momento - Maio de 1798 - Luís Pinto de Sousa estava completamente
virado para tentar fazer a negociação via Madrid. Araújo procura mostrar-lhe que
a mediação espanhola é importante; mas que a negociação deve ser conduzida por
um diplomata e que ele é, de longe, o melhor qualificado para o fazer, posição que

27 Ibidem, ibid., 10, 2, 5/61.
28 Ibidem, ibid., 10, 2, 5/62.


291


EURICO DE ATAÍDE MALAFAIA

nos parece ser de indiscutível lógica. Por outro lado, havia a ponderação de que o
que se pretendia negociar era a ratificação e não um novo Tratado; qualquer das
hipótese envolvia a previsão de um aumento de custos pecuniários, mas a segunda,
garantidamente, arrastava por certo cedências territoriais, nomeadamente no
Amazonas, a verdadeira ambição dos franceses que, habilmente, Araújo conseguira
minimizar na negociação de 179729.

Porém, em primeira aproximação e secundarizando estas circunstâncias,
entendeu Araújo que a desejada carta para o Directório teria chegado a Paris via
Madrid, o que permitiu ao Embaixador Espanhol tomar dela conhecimento e, por
conveniência pessoal ou da sua Corte, não a entregar à entidade destinatária. Este
desconcerto de orientações faz com que o diplomata português se sinta desconsiderado e que, na prática, nada se resolva por estratégia dos franceses e/ou por falta
de capacidade ou por conveniência de quem circunstancial mente representava os
interesses de Portugal. A estratégia da negociação era completamente errada. “Eu
não ocultarei jamais ao meu Soberano o que o dever me ordena que lhe represente
sobre matérias tão graves. Os passos que se deram ultimamente nesta negociação
só servem para retardá-la, efeito lamentável porque se continua a guerra em que se
não ganha coisa alguma, perde-se muito e arrisca-se tudo para obrigar o Príncipe

N. Senhor o sacrifício e estrago enorme da sua Real Fazenda. V. Exa. não pode
duvidar que eu previ estas conse quências, que procurei evitar pelos avisos que lhe
fiz desgraçadamente, se verifica (tudo) quanto lhe prognostiquei”30 . E acrescenta
ainda aos seu comentários: “Os meus amigos em Paris têm-me aconselhado a
desistir de ser o negociador porque as condições não podem deixar de ser onerosas.
Para evitar isto mesmo é que insisto sempre no contrário, porque quanto a mim,
em particular toda a Europa me faz justiça”.
Mantendo-se na Quinta de Borbeek, próximo de Harlem, provavelmemte
através da rede de informadores que havia estruturado, vai estando ao corrente do
que se passa em Paris e mesmo na Europa. Os seus ofícios desta época são ricos
de informação, de cuja validade ele procura salientar ao Secretário de Estado a
respectiva importância quando, antes de apresentar uma ampla informação sobre

o contexto europeu, lhe refere: “Como para a conclusão da nossa Paz, é preciso
muitas vezes analisar os negócios gerais da Europa, participo a V. Exa. que a França
suspendeu por ora o projecto de revolucionar a Itália e que o descontentamento
da Suissa é excessivo, etc., etc.31
29 Vd. meu O Brasil e a Fronteira da Guiana Francesa – Notas Históricas (1500-1900), ed. Academia
Portuguesa da História, Lisboa, 2002, 97 e ss.

30 BNRJ - Sec. Ms., 10, 2, 5/68, ofício de 30/5/1798.

31 Ibidem, ibid., - 10, 2, 5/63, ofício n.º 11, de 16/6/1798.

292


ANTÓNIO DE ARAÚJO DE AZEVEDO - CONDE DA BARCA

Certo é que, não obstante todos estes avisos e informações constantes de 22
extensíssimos ofícios expedidos por Araújo neste período, Portugal cai na ratoeira
armada pelo Directório, que constituía em deixar cair o Tratado de 10 de Agosto e tentar negociar um outro, naturalmente com mais encargos pecuniários e
cedências territoriais no Brasil. O próprio Araújo vai-se apercebendo da falta de
sinceridade da corte de Portugal relativamente à paz, entenda-se uma paz entre
Paris e Lisboa, marginalizando a Inglaterra. Pensamos haver verdade nesta ponderação e que Luís Pinto de Sousa não escrevendo a Araújo depois de 28 de Abril –

– estava-se em finais de Junho – parecia, com o seu silêncio, corroborar aquela
intenção ou, pelo menos, a de desejar pretender que o diplomata português o não
incomodasse. Desejava o Secretário de Estado, na sua política mirabolante de
neutralidade ficar de bem com Deus e com o diabo. Que saibamos este equilíbrio
nunca foi realizável.
Luís Pinto de Sousa procurava a todo o custo libertar-se de Araújo e para isso
todos os pretextos lhe serviam. Por um lado insistia na negociação da paz através
de Madrid, hipó tese muito do agrado dos franceses, por duas razões: sabiam que
a tarefa negocial lhes era mais fácil do que feita através do diplomata Araújo, escrupuloso na defesa dos interesses do seu País, e de um modo especial na discussão
das “compensações” e além disso tinham a consciência de poderem melhorar toda
a situação negocial servindo como mediador o “seu aliado” espanhol. É por este
conjunto de razões que entendemos a “mudança” de opinião de Talleyrand em
relação a Araújo. Saído do Ministério das Relações Exteriores em Julho de 1798,
substituído por Reinhard, e não tendo conseguido lugar no Directório, estava
afastado de lugares de decisão e por isso convinha-lhe a linha espanhola, mais fácil,
mais disponível e que já o conhecia. Mas, quanto a Araújo, nova e desagradável
surpresa viria a ter em finais de Junho com o conhecimento que toma da correspondência entre o seu Ministro e Madrid, o que o motiva a uma forte reacção,
fazendo também conhecer, pela mesma via, os seus pontos de vista.

Esta correspondência, com a divulgação oficial que teve, mostrando a fragilidade de comporta mento do Secretário de Estado, foi por certo o golpe de misericórdia nas relações já deterio radas entre o diplomata e o seu superior. Os recentes
e dolorosos acontecimentos são objecto de comentário de Araújo no seu último
ofício 32 escrito da Holanda, com a data de 11 de Outubro, em resposta à ordem
do Secretário de Estado para partir para Hamburgo, aguardando ali instruções.
Confirma-se a impressão que tínhamos de que já não poderia haver qualquer
entendimento entre estes dois homens possuídos de duas noções completa mente

32 Número 22.

293


EURICO DE ATAÍDE MALAFAIA

diferentes do que era a neutralidade... e a dignidade. Nesse último ofício, de que
trans crevemos parte, o nosso diplomata admitindo ainda poder ser chamado a
intervir nas negocia ções futuras, com nobreza e lealdade informa da necessidade
de afastar-se: “Naquela cidade (Hamburgo) esperarei, conforme V. Exa. me determina, as ordens de S. Majestade, mas ocorrendo-me que o objecto delas pode
talvez ser o tratar novamente, por algum modo, da negociação da paz, vou pedir
a V. Exa. queira representar ao Príncipe N. Senhor que as minhas forças se acham
em tal abatimento pelos trabalhos passados, que me seria impossí vel aplicar todas
as diligências necessárias para o desempenho de uma Comissão tão esca brosa.

S. A. R., tendo conhecido o zelo e lealdade com que o servi nas mais árduas
circunstâncias, se dignará atender aos justos motivos com que nas actuais (circunstâncias) lhe suplico esta graça, como recompensa dos meus serviços”33 .
Deste modo, e de facto, chegava ao fim, como diplomata, a sua missão
para a paz. Não se tendo ela concretizado na hora conveniente ao Directório
e a Napoleão, a Espanha em 1801 invade Portugal na guerra conhecida como
“das laranjas”, e em 1807, a França inicia o ciclo das invasões francesas, sendo
Araújo Ministro do Reino34 e partindo com a Família Real para o Brasil, sempre
fiel ao Regente. Então, como até ao fim da sua vida. Terá havido reciprocidade
de S.A.R.? Julgamos que não.

33 BNRJ - Sec. Ms., 10, 2, 5/95, ofício de 11/10/1798.

34 Para mais ampla informação vd. meu António de Araújo de Azevedo, Conde da Barca, Diplomata
e Estadista, Subsídios Documentais sobre a Época e a Personalidade ed. Arquivo Distrital de Braga/
/Universidade do Minho, Colecção Estudos e Manuscritos, vol. 5, 2004.

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