Historiador Paulo Lopes dá vida a um desconhecido fidalgo português

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Historiador Paulo Lopes dá vida a um desconhecido fidalgo português

#336597 | Monigo | 11 oct 2013 16:13

Para os amantes da História, mas também para os especialistas, «Um Agente Português na Roma do Renascimento» (ed. Temas e Debates - Círculo de Leitores), do historiador Paulo Lopes, é simplesmente uma obra fundamental. Oportunidade de ouro para conhecer uma época segundo o que viu um fidalgo português em Roma.

O escrito de um desconhecido fidalgo português sobre a Roma do Renascimento foi até hoje de certo modo ignorado, apesar de ter sido alvo de dois importantes artigos. No entanto, Paulo Lopes decidiu tratar o tema «de forma sistemática, integral e aprofundada». O resultado é «Um Agente Português na Roma do Renascimento», uma obra que merece ser vista com muito cuidado, já que apresenta um olhar económico, político, social e cultural de uma cidade que dominava na altura o Mundo, Roma.

Como «encontrou» este fidalgo português e qual o motivo para escrever este livro?
Encontrei por indicação da minha orientadora, a Professora Ana Isabel Buescu, e por generosidade do já falecido Professor Aníbal Pinto de Castro. Os motivos relacionam-se com o próprio conteúdo da fonte, ou seja, o seu grau de novidade e a rara riqueza ao nível da informação que encerrava.

Porquê o teor da descrição do fidalgo, que retrata de forma real e clara a vivência de uma cidade, foi ignorado pelos historiadores e pesquisadores até hoje?
Não se pode dizer que tenha sido ignorado, pois o documento surge várias vezes referenciado e foi alvo de dois importantes artigos. O que se passa é que nunca foi tratado de forma sistemática, integral e aprofundada. Encontrava-se inclusivamente, até à data, por transcrever.

A obra pode ser lida também pelo público em geral ou é mais dirigida aos historiadores e amantes da História?
Julgo que pode ser lida por todos. Naturalmente, será mais acessível para os historiadores e amantes da História na medida em que de alguma forma estão mais familiarizados com os temas, os conceitos e a própria narrativa histórica.

Como explica não conhecermos a identidade do fidalgo até hoje, enquanto o seu testemunho serve de base para o livro?
O autor não se identifica expressamente e julgo que tal lacuna é intencional.

Poderíamos considerar o fidalgo uma espécie de «agente secreto» da corte de Bragança?
Agente secreto no sentido que atribuímos hoje – ou seja, de “espião”, de 007 – não! É demasiado ousado e artificial. Antes um agente que tinha por função obter informações de carácter informal, isto é, que não estivessem subordinadas aos ditames do documento oficial. No entanto, tal actividade ou “missão” era reconhecida, ficando por isso invalidada a premissa de “secreto” com toda a carga conspirativa e de acção física que o termo encerra. O agente observava, viajava, contactava com outros europeus e circulava pelos meandros políticos, religiosos e culturais da Roma Quinhentista. De tudo isto resultavam informações que de alguma forma correspondiam aos interesses de quem patrocinava tal périplo.

Naquele período era essencial enviar agentes a Roma para sustentar o poder local? Roma era o centro do Mundo?
Sem dúvida! Roma e a cúria pontifícia constituíam o centro nevrálgico da Cristandade. Ali decidia-se os destinos políticos e espirituais das nações cristãs católicas. A informação chegava a Roma vinda de todas as direcções, inclusive o longínquo Oriente, e irradiava da grande urbe para os mais distantes destinos.

A boa relação com a Igreja era fundamental para a manutenção do poder? Até que ponto a Igreja Católica, no Vaticano, decidia o futuro de uma nação?
O reconhecimento e a sanção espiritual e política da cúria eram cruciais para qualquer projecto que envolvesse os reinos da Europa cristã católica no início do século XVI. Até à ruptura decisiva da Cristandade protagonizada pela Reforma, o espaço envolvido era nada mais nada menos que toda a Europa, com excepção dos territórios otomano e cristãos ortodoxos.

Acredita que o fidalgo português encontrou de certo modo o que esperava ou, pelo contrário, acabou por descobrir uma cidade totalmente diferente do que imaginava?
O recurso constante à imagem é apanágio do mundo contemporâneo. Assim, por muito bem informado que estivesse sobre Roma e o seu quotidiano, certamente que o fidalgo, ao circular pela Cidade Eterna, ficou tão maravilhado (no sentido do deslumbramento medieval, da mirabilia) quanto surpreendido. O seu testemunho refere esse estado de espírito em diversas situações. E sempre de forma muito emotiva. Por outro lado, se tivermos em conta que se trata de alguém que vem da tranquila vila de Chaves…

E o Paulo Lopes, ficou surpreso com algo? O quê?
Com o colorido, a vivacidade e, noutra vertente, o intimismo da descrição. O tom, o estilo, a intencionalidade crítica e a moral extremamente viva do autor seduzem facilmente quem mergulha neste universo. O seu cosmopolitismo activo é magnético. Por outro lado, os acontecimentos que narra, bem como as figuras que os protagonizam são fascinantes. Afinal, trata-se de um documento pluritemático e, por isso, sem género específico. Ora funciona como relato de viagens, ora como registo epistolográfico, ora ainda como relatório ou relação de memórias… Depende sempre da especificidade do contexto narrado. E este está em permanente mutação.

Até que ponto as descrições do fidalgo foram importantes para a corte portuguesa?
Se tivermos em conta que o destinatário do texto, o 4º duque de Bragança, D. Jaime, é o número dois na hierarquia governativa do reino, é fácil inferir da sua importância.

Ao lermos esta obra teremos uma real noção do que foi o Renascimento?
Para tal há que ler e ver muito mais. No entanto, penso que o testemunho do fidalgo contribui imenso para ajudar a compreender as diversas facetas que compõem o fenómeno tradicionalmente designado por Renascimento. Em particular tratando-se do início do século XVI e da Península itálica.

Como definiria a época do Renascimento, em termos globais?
Um tempo de transição – e por isso de profundo questionamento e de explosiva criatividade – entre dois mundos: um que está a desvanecer-se de forma irreversível, mas que consegue ainda assim manter-se presente em diversos moldes – a Cruzada, por exemplo –; e outro que já começou, apontando inexoravelmente para uma nova forma de conceber a existência humana e a vida em sociedade.

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=660787

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