Tibiriçá, João Ramalho, Domingos Luiz

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Tibiriçá, João Ramalho, Domingos Luiz

#69117 | Ricardo de Oliveira | 07 jul 2004 21:47

A Genealogia Paulistana apresenta um resumo da formação genealógica inicial de São Paulo no V1, 1 :

"Introdução
Cruzamento da raça européia com a indígena de S. Vicente e S. Paulo

Começamos este nosso trabalho genealógico com uma notícia sobre os portugueses que, chegados a S. Vicente antes e depois de sua fundação, se ligaram às filhas dos principais de diversas tribos espalhadas nas vizinhanças dessa povoação e nas de S. André e S. Paulo de Piratininga, povoações que foram fundadas alguns anos depois da 1.ª
Quando Martim Affonso de Sousa em 1532 pela primeira vez desembarcou na praia de Bertioga, já encontrou em terra vivendo entre os índios dois portugueses, que lhe serviram de intérpretes, e foram João Ramalho e Antonio Rodrigues: o 1.º estava ligado maritalmente com - Mbicy - (1) filha do chefe índio Tevereçá ou Tebiriçá que tinha sua sede em Inhapuanbuçú nas vizinhanças de S. Paulo; o 2.º vivia também maritalmente com a filha do cacique Piquerohy maioral de Ururay, a qual foi batizada com o nome de Antonia Rodrigues. Outros caciques ou principais existiam nas vizinhanças de S. Paulo de Piratininga, com cujas filhas, depois da fundação de Santo André e da vila de S. Paulo (que suplantou e extinguiu a 1.ª) se casaram muitos portugueses, primeiros povoadores da capitania.
De um antigo manuscrito (2) descoberto pelo doutor Ricardo Gumbleton, que o fez publicar na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Rio de Janeiro (V. 51, pág. 93) tiramos os nomes desses portugueses, que, casando com as ditas índias, procriaram essa raça audaz e belicosa de sertanistas e bandeirantes, que, explorando os longínquos sertões, foram plantar os marcos que atestam a vastidão de nossa pátria.
____________________
(1) Machado de Oliveira dá-lhe o nome Bartira.
(2) O doutor Ricardo Gumbleton assevera ter lido no manuscrito a data de 1613; nós o julgamos escrito em data muito posterior, porque ali está já mencionado o casamento de Anna Luiz Grou, f.ª do capitão Simão Alvares do § 2.º do Cap. 1.º com Antonio Pires de Medeiros, quando é certo que ele teve lugar em 1635 em S. Paulo. Entretanto, a autenticidade e importância desse manuscrito não podem ser postas em dúvida, visto estar de conformidade com os inventários e outros documentos desses tempos da povoação de S. Paulo".

Segue a mesma Genealogia Paulistana no mesmo V1, 30-31

Cap. 5.º
"João Ramalho, foi capitão entre os mais portugueses; segundo escreveu Taques, teve o foro de cavaleiro e foi o fundador, pelos anos de 1550, da povoação de Santo André da Borda do Campo; foi guarda-mor e alcaide-mor da dita povoação e dos campos de Piratininga, e em 1562 foi capitão-mor da expedição contra os índios Tupiniquins, que, confederados com outras tribos, tinham pouco antes dado um formidável assalto à nascente povoação de S. Paulo de Piratininga, sendo estes índios repelidos graças ao valor e intrepidez do chefe índio Tibiriçá, que já estava então batizado com o nome de Martim Affonso Tibiriçá, o qual tomou o comando da pequena força da povoação, e, correndo a todos os pontos das fortificações, animava a todos e assim conseguiu repelir os assaltantes com grande perda destes. Já se achava em terra João Ramalho, vivendo maritalmente com uma filha do dito chefe Tibiriçá, quando em S. Vicente desembarcou Martim Affonso com sua gente em 1532, para ali fazer, como donatário dessa capitania, seu primeiro estabelecimento e criar a povoação. São incontestáveis os serviços que desde então prestou João Ramalho , facilitando por sua influencia e prestigio entre os indígenas, como medianeiro e interprete, o estabelecimento do domínio português no litoral e posteriormente em serra acima. Foi João Ramalho, por sua aliança com a f.ª de Tibiriçá, que foi batizada com o nome de Izabel Dias, o tronco da maior parte da nobreza de S. Paulo; com quanto não se possa ler no manuscrito de 1613 o nome de sua mulher e nem o do cacique de quem era f.ª, por estar muito apagada essa parte, todavia, conciliando-se a tradição com o que ainda se pode ler do dito manuscrito, conseguimos estabelecer como certo que o da mulher foi Bartira, segundo escreveu Machado de Oliveira, ou Mbcy, como afirmou Ter lido em algum documento o Dr. Ricardo Gumbleton, e o do cacique era Tevereçá, chefe da aldeia de Inhapuambuçú. De João Ramalho descobrimos por documentos diversos os seguintes f.ºs:
1-1 Catharina Ramalho § 1.º
1-2 Joanna Ramalho § 2.º

1-3 Beatriz Ramalho § 3.º
1-4 F................ § 4.º
1-5 Victorino Ramalho § 5.º"

Na mesma Genealogia Paulistana– V9, 65-68, o autor Silva Leme apresenta uma pequena modificação :

Pág. 30 - Cap. 5.º: "João Ramalho. Quando aí descrevemos a sua descendência, lamentávamos a perda do seu testamento, que poderia nos orientar com segurança no assunto. Guiados então pelos "Apontamentos Históricos" de Azevedo Marques e por uma ou outra referência feita por Pedro Taques na sua "Nobiliarquia Paulistana", aí mencionamos cinco filhos, entre os quais: Catharina Ramalho e Beatriz Ramalho, que não foram f.ªs de João Ramalho; omitimos na lista dos f.ºs muitos outros e, e finalmente, seguindo o testemunho do revd.mo dr. Guilherme Pompeu, demos na pág. 31 do citado V. a Anna Camacho (mulher de Domingos Luiz) uma ascendência errônea em face dos dois novos documentos que nos vieram às mãos depois de publicado o 5° V., e que passamos a expor:
O 1.º documento pertenceu ao arquivo do general Arouche, que o escreveu sob a inspiração do grande genealogista Pedro Taques no século 18.°; principia expondo e criticando as diversas tradições verbais correntes em seu tempo sobre a ligação de Anna Camacho com seu antepassado João Ramalho, entre as quais uma existia que ligava a dita Anna Camacho à Tebiriçá sem passar em João Ramalho, e esta foi a 1.ª opinião formada por Pedro Taques nos primeiros tempos de seus estudos genealógicos, e finalmente estriba-se o dito general na 2.ª opinião do mesmo genealogista que, em uma carta escrita nos últimos anos de sua vida, quando adiantado nos seus estudos genealógicos, reformou a sua 1.° e apresentou a que julgava segura em vista de documentos que teve ocasião de consultar.

A. 1.ª tradição, contida no documento do general Arouche, menciona Anna Camacho como f.ª de Gonçalo Camacho e de Jeronima Dias, por esta neta de Lopo Dias e de Beatriz Ramalho, por esta bisneta de João Ramalho e de Izabel Dias.
A 2.ª apresenta Anna Camacho como f.ª de Bartholomeu Camacho e de Jeronima Dias, por esta neta de Jeronimo Dias e de N... Ramalho, por esta bisneta de João Ramalho.
A 3.ª (que foi a 1.ª opinião de Pedro Taques, mais tarde reformada pelo mesmo) menciona a dita Anna Camacho como f.ª de Gonçalo Camacho e de Jeronima Dias, por esta neta de Lopo Dias e de N..., por esta bisneta de Tebiriçá.
Diante de tanta diversidade de opiniões sem títulos nem documentos, exclamou o general Arouche: que ficava na certeza e confessava ignorar quais eram os seus antepassados mais remotos; e esta incerteza para nós cresce de ponto face da 4.ª tradição, escrita pelo revd.mo dr. Guilherme Pompeu, que diz ser Anna Camacho f.ª de Jeronimo Dias Cortes e de N... Camacho, por esta neta de Bartholomeu Camacho e de N... Ramalho, por esta bisneta de João Ramalho.
Entretanto, o dito general termina aceitando como verdadeira e mais segura a 2.ª opinião de Pedro Taques, baseada em documentos, e nós neste ponto o acompanhamos; vem ser: que Anna Camacho (mulher de Domingos Luiz) foi f.ª de Gonçalo Camacho, natural de Viana (irmão de Paula Camacho que veio ao Brasil casada com João Maciel) e de N... Ferreira, por esta neta do capitão-mor Jorge Ferreira e de Joanna Ramalho, por esta bisneta de João Ramalho e de Izabel Dias. Esta 2 ° opinião de Pedro Taques, além de baseada em documentos como sejam cartas de sesmaria, escrituras de dote e procurações, está de acordo com o testamento de João Ramalho, cuja cópia é a substância do 2.º documento que vamos descrever.
O 2.° documento é uma cópia do testamento de João Ramalho, datado em 1580, na parte que interessa à genealogia, extraída do Cartório de Notas, caderno rubricado por João Soares, tit. 1580, fls. 10, e pertenceu ao arquivo do velho José Bonifácio.
Diz a cópia: ser João Ramalho natural de Bouzella, comarca de Viseu, f.° de João Velho Maldonado e de Catharina Affonso de Balbode e que ao tempo que a esta terra (Brasil) viera, se casara com uma moça que se chamava Catharina Fernandes das Vacas,

a qual lhe parece que ao tempo que se dela partiu para vir para cá, que ficara prenhe e que isto haverá alguns 90 anos (eu leio 70 anos, observa o copista aludindo à interpretação que desse algarismo fez o padre mestre autor das Memórias Impressas) que ele nesta terra está. Da índia Izabel, que ele chamava sua criada, teve os seguintes f.ºs:
1.º André Ramalho
2.° Joanna Ramalho
3.° Margarida Ramalho
4.° Victorio Ramalho
5.º Antonio de Macedo
6.° Marcos Ramalho
7:º Jordão Ramalho
8.° Antonia Quaresma.
Desta relação se vê que Catharina Ramalho, § 1.° da pág. 31 do V. 1.º. e Beatriz, § 3.° da pág. 34 do mesmo V., não foram f.ªs de João Ramalho. Segundo a genealogia escrita pelo padre Mascarenhas, Beatriz Dias, mulher de Lopo Dias, foi f.ª de Tebiriçá.
De acordo com esses dois documentos, passamos a retificar a geração de João Ramalho descrita no V. 1.° pág. 31, como segue:
§ 1.º
1-1 André Ramalho, f.° de João Ramalho, cujo estado não descobrimos.
§ 2°
1-2 Joanna Ramalho, f.° de João Ramalho, foi casada com o capitão-mor da capitania de Santo Amaro (depois capitão-mor e ouvidor da capitania de S. Vicente) Jorge Ferreira, natural de Portugal, pessoa nobre como consta da carta de sesmaria passada a favor dele pelo capitão-mor de Santo Amaro, Antonio Rodrigues de Almeida, datada em Santos em 10 de Maio de 1566. Que o capitão-mor Jorge Ferreira foi genro de João Ramalho consta de uma escritura por onde o capitão Manoel Antunes vendeu em 1617 as terras que possuía na ilha de Santo Amaro a Francisco Nunes Cubas. Teve:
2-1 N... que foi casada com Gonçalo Camacho, natural de Viana, irmão de Paula Camacho que foi casada com João Maciel. Teve:
3-1 Anna Camacho, que foi casada com Domingos Luiz (o Carvoeiro). Com geração no V. 1.° pág. 48, onde deve-se alterar sua ascendência como aqui fica escrita"
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Haveria alguma fonte contemporânea do século XVI para confirmar a tradição e os manuscritos do século XVIII/XIX em relação aos primeiros fundadores de São Paulo ?

Carta de Manoel da Nóbrega a Luiz Gonçalves da Câmara, do sertão de São Vicente, 31/8/1553. Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, VII, 45, 1934.

“Neste Campo está um João Ramalho, o mais antigo homem que está nesta terra. Tem muitos filhos e mui aparentados em todo este sertão. E o mais velho deles levo agora comigo ao sertão por mais autorizar o nosso ministério. João Ramalho é muito conhecido e venerado entre os gentios e tem filhas casadas com os principais homens desta Capitania e todos estes filhos e filhas são de uma Índia, filha dos maiores e mais principais desta terra.
De maneira que nele e nela e em seus filhos esperamos ter grande meio para conversão destes gentios.
Este homem, para mais ajuda, é parente do padre Paiva e cá se conheceram. Quando veio da terra, que haverá 40 anos e mais, deixou a sua mulher lá viva, e nunca mais soube dela, mas que lhe parece que deve ser morta, pois já vão tantos anos. Deseja muito casar–se com a mãe destes seus filhos. Já para lá se escreveu e nunca veio resposta deste seu negócio. Portanto, é necessário que Vª Rª envie logo a Vouzela, terra do P. mestre Simão, e da parte de Nosso Senhor lh’o requeiro : porque se este homem estiver em estado de graça fará Nosso Senhor por ele muito nesta terra. Pois estando ele em pecado mortal, por sua causa a sustentou até agora”.


José de Anchieta. Cartas, informações, fragmentos históricos e sermões.
Ao Geral Diogo Lainez, de São Vicente, a 14/4/1563 – XIV, 187-188

Martim Afonso, Principal de Piratininga

“Morreu também o nosso principal, grande amigo e protetor Martim Afonso, o qual depois de se haver feito inimigo de seus próprios irmãos e parentes, por amor de Deus e da sua Igreja, e depois de lhe haver dado Nosso Senhor vitória de seus inimigos, estando ele com grandes propósitos, e bem determinado a defender a causa dos Cristãos, e a nossa casa de São Paulo, que bem conhecia ter sido edificada em sua terra por amor dele e de seus filhos, quis dar-lhe Deus o galardão de suas obras, dando-lhe uma doença de câmaras de sangue, na qual como não houvesse sinal de melhoria, mandou chamar um Padre que todos os dias o visitava e curava; confessou-se, e no outro dia se tornou a reconciliar com grande sentimento de sua vida passada, e de não haver bem guardado o que lhe havíamos ensinado, e isto com tanto senso e madureza que não parecia homem do Brasil. Fez seu testamento, e deixou recomendado a sua mulher e filhos que seguissem nossas palavras e doutrina; e em dia da Natividade de N. S. Jesus Cristo morreu, para nascer em vida nova de glória, como esperamos (Dezembro 25 de 1562). Foi enterrado em nossa igreja com muita honra, acompanhando-o todos os Cristãos Portugueses com a cera de sua confraria. Ficou toda a Capitania com grande sentimento de sua morte, pela falta que sentem, porque este era o que sustentava todos os outros, conhecendo-se-lhe muitos obrigados pelo trabalho que tomou em defender a terra; mais que todos creio que lhe devemos nós os da Companhia, e por isso determinou dar-lhe em conta não só de benfeitor, mas ainda de fundador e conservador da casa de Piratininga e de nossas vidas; porque havendo ele ajudado a sustentar logo em princípio de sua fundação, quando não havia Portugueses alguns, agora o quis fazer Deus nosso defensor, e pôs em sua mão a vida de dez Irmãos, que no tempo da guerra nos achávamos em Piratininga, e todo o mais povo dos Portugueses; e pôs em suas mãos, digo, porque quase todos os daquela Comarca, que se recolheram conosco, dependiam dele; e se quisesse consentir na maldade dos seus (como eles mal pensavam) pouco houvera de fazer em nos matar e comer. Creio que basta isso para dar a entender a obrigação que temos todos de o encomendar a Nosso Senhor. Praza a sua Divina Bondade de nos abrir porta para se fazer algum proveito na conservação de tanta gentilidade que há nesta terra”.

Aqui temos um fenômeno inédito na formação americana - a transmissão da principalidade político-genealógica dos tupis para a nova sociedade luso-tupi que se criava. São Paulo representou a continuidade tupi em uma nova forma portuguesa, na qual importantes segmentos indígenas entraram como fundadores. Tibiriçá é o genearca mais antigo conhecido nos campos de Piratininga e os seus restos repousam na cripta da Sé de São Paulo, uma das maiores cidades do mundo e a maior da língua portuguesa. Na cripta da Catedral da Sé de São Paulo está o mausoléu em bronze de Tibriçá, como a representação metafórica e real dos fundamentos tupis da grande metrópole brasileira.

A documentação primária remanescente pode ser estabelecida a partir do testamento de Domingos Luiz e Ana Camacho, no antigo Cartório 1° de Órfãos de São Paulo (Província de São Paulo, M.E. de Azevedo Marques, Província de São Paulo : 1980, 232-233, Itatiaia).

A descendência de João Ramalho foi citada na Justificação de Nobreza de Domingos Antunes Maciel, transcrita nos Anais do Museu Histórico Nacional XIV, 1953, 215-251, de acordo com documento original do ano de 1756 da Torre do Tombo, Feitos Findos, doc 21/22 - Maço 9.

Tibiriçá (em uma das suas variantes escritas) foi citado nas Notícias Soteropolitanas e Brasílicas de Luiz dos Santos Vilhena, na virada do século XVIII-XIX. Tomo IV, 30.

A questão das fontes passa pela ausência de registros genealógicos primários do século XVI. Há os manuscritos do século XVIII e XIX, uma justificação de nobreza na Torre do Tombo e as cartas jesuíticas do século XVI que sinalizam afirmativamente sobre as indicações dos manuscritos e da tradição genealógica paulista que conectava Tibiriçá (em variadas grafias e que não importam para os fina genealógicos), João Ramalho e Domingos Luiz. Esses são os elementos da problemática em questão.

Ricardo Costa de Oliveira

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RE: Tibiriçá, João Ramalho, Domingos Luiz

#69343 | doria_gen | 11 jul 2004 13:27 | In reply to: #69117

Agora, Ricardo, prova de que ``Izabel'' de quem João Ramalho teve filhos fosse ameríndia - nem isso existe...

O caso de ``Maria do Arcoverde'' me parece, é análogo. Catarina Caramuru, a Velha Caramurua, ou Catarina a Velha, bom, essa é muito bem documentada em fontes primárias, e lhe conhecemos inclusive a sepultura, na igrejinha da Graça.

fa

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RE: Tibiriçá, João Ramalho, Domingos Luiz

#69347 | Ricardo de Oliveira | 11 jul 2004 14:58 | In reply to: #69343

Caro Doria

Escrevendo de uma Curitiba a zero grau. Tá fresquinho. Acho que vou passar uns dias no Rio de Janeiro ainda em julho.

O importante é analisarmos nos três casos as fontes primárias porventura remanescentes do século XVI, as fontes secundárias e os seus tipos (documentos oficiais, manuscritos, nobiliários regionais) e as genealogias publicadas nos séculos XIX e XX.
Os três principais centros do nascimento do Brasil no início do século XVI, São Paulo, Bahia e Pernambuco apresentam a mesma estrutura do encontro entre os nossos antepassados portugueses com os índios tupis, de modo que a principalidade indígena teria passado para a nova nobreza da terra nas famílias que representaram estruturas de poder político e capacidade de expansão militar territorial no caso dos Tibiriçá-João Ramalho-Domingos Luiz, Caramuru-D'Ávila e Arcoverde-Albuquerque. Onde houve recusa e resistência dos índios a colonização não se estabeleceu no século XVI. Inclusive a própria base de expansão colonial foram as tropas indígenas, como se referem os cronistas e jesuítas castelhanos ao se referirem às grandes bandeiras paulistas compostas por portugueses e tupis, os últimos muitas vezes acusados de serem os mais violentos.
Nunca encontrei em fontes primárias nenhuma referência ao nome da companheira de João Ramalho. As cartas jesuíticas acima mencionadas se referem a ela como filha dos principais indígenas, o que só pode ser uma referência ao fato de ser filha de Tibiriçá-Martim Afonso.
Outro fato inquestionável é a principalidade política dos descendentes de João Ramalho e de Domingos Luiz na Capitania de São Vicente e na área de expansão bandeirante. Aí se aplica bem a metodologia desenvolvida no seu clássico "Os Herdeiros do Poder". Por que é que a população queria aclamar o Amador Bueno como "Rei de São Paulo" nos acontecimentos do pós-1640 ? O lado Bueno é um raro "estrangeiro" documentado como analfabeto e carpinteiro nas pesquisas de Américo de Moura e Carvalho Franco. Taques o colocaria como de nobre família de Sevilha ! O Amador Bueno "Aclamado" casou com Bernarda Luiz, descendente de João Ramalho e de Tibiriçá e era neto pelo lado materno dos Pires e de Piquirobi e outros maiorais tupis do início do século XVI ! A expressão tupi ressurge com o Amador Bueno e efetivamente com o PRP, o Partido Republicano Paulista no final do século XIX ! Basta analisar a Genealogia Paulistana e os próceres republicanos. Não apenas em São Paulo (que em função da gigantesca imigração de 1870 em diante cobriu aquela cidade com pessoas que não tem sangue paulista tupi e sim italiano, nordestino e de outras origens diferenciadas, fato resultante do progresso e da vitalidade econômica da região - a cidade que mais cresceu no mundo entre 1870 e 1970 !), mas em toda a área de conquista e colonização das bandeiras. Aqui em Curitiba temos os descendentes do "aclamado Bueno" no casal central da elite curitibana setecentista, o Capitão João Carvalho de Assunção e a Maria Bueno da Rocha, com importante descendência politica ainda hoje em dia, inclusive o Presidente da Federação das Indústrias do Paraná e seu colega de CDE, o Rodrigo Rocha Loures, o Deputado Federal mais votado nas últimas eleições, o Affonso Camargo Neto, e muita gente boa por aí ... Em São Francisco do Sul e no norte de Santa Catarina os descendetes do último Capitão-Mor Antonio Carvelho Bueno, descendente direto e continuador do prestígio político do "aclamado Bueno" e continuador da velha principalidade tupi de Tibiriçá e passada também para a moderníssima Joinville. E segue em cada antiga vila e região do centro-sul nas elites tradicionais. Trata-se de complexo fenômeno de continuidade social e política no Brasil.

Um abraço

Ricardo

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#69356 | doria_gen | 11 jul 2004 16:35 | In reply to: #69347

Caro Ricardo:

Aqui em casa está quente: 10 graus ;-))

Estive 5a. feira com o Rodrigo Loures, de fato, numa reunião do CDES. Aliás, se ele é descendente do Amador Bueno, então o Newton [da Costa] também o é.

Umas observações:

- Amador Bueno, e o pai, eram ``carpinteiros da ribeira'' : faziam barcos. Daí o nome que alguns adotaram, Bueno de Ribeira, e mesmo Bueno de Rivera (!!).

- Como disse, das três matriarcas, só existe em fontes contemporâneas a Velha Caramurua. Nos autos da inquisição em Pernambuco há referências à mulher de Jerônimo de Albuquerque, a ameríndia - devo ter algo aqui - mas documento dela, direto, nenhum. De Izabel, nada; só as referências do século XVIII.

fa

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#69398 | Ricardo de Oliveira | 12 jul 2004 11:50 | In reply to: #69356

Valeu Doria

O Prof. Newton pega os Lemos Conde e o João Rodrigues França, mas não os Buenos.
Seria interessante irmos reunindo as fontes sobre os três mananciais genealógicos luso-indígenas do início do XVI. Eu vou colocando o que achar interessante aqui de SP.

Um abração
Ricardo

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RE: Tibiriçá, João Ramalho, Domingos Luiz

#69408 | doria_gen | 12 jul 2004 13:01 | In reply to: #69398

Só para esclarecer ao pessoal que ler: Newton Carneiro Affonso da Costa é o mais importante lógico-matemático latino-americano, especialista em lógicas não-clássicas. Newton e eu trabalhamos juntos há vinte anos, e temos publicado em conjunto dezenas de artigos, capítulos de livros - terminamos um, agora, sobre técnicas computacionais em economia, a sair num livro coletivo na Inglaterra - e um livro sendo acabado.

Newton é, também, de gente velha do Paraná, e primo de uma de minhas tias, Antonieta Miró Mendes de Moraes, bisneta do Visconde de Nacar. Uma vez tracei-lhe a ascendência, e me perguntei de onde viria o Pedro de Moraes Monforte, que vc, Ricardo, esclareceu há pouco. (Tia Neta, acima referida, casou com um primo, Luiz Mendes de Moraes Neto, irmão de mamãe.)

Uma nota: o nome Mendes de Moraes foi `restaurado' por meu bisavô Luiz Mendes de Moraes, amigo e correspondente de Silva Leme, a partir daqueles ancestrais do século XIV, XV, Estevão Mendes de Moraes de Antas, etc.

Muito frio ainda aí em Curitiba?

fa

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RE: Tibiriçá, João Ramalho, Domingos Luiz

#69486 | Ricardo de Oliveira | 13 jul 2004 13:12 | In reply to: #69408

Caro Doria

O friozinho continua aqui em Curitiba. A temperatura máxima no início da tarde de ontem mal passou dos dez graus com garoa e vento.
Mande um abraço para o Prof. Newton, um dos maiores talentos do Paraná.

Temos que recorrer à filosofia da ciência para avaliarmos a cientificidade ou não da genealogia. Vou ver se abro um tópico.

Um abraço

Ricardo

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RE: Tibiriçá, João Ramalho, Domingos Luiz

#69495 | doria_gen | 13 jul 2004 15:03 | In reply to: #69486

Sabe que Newton e eu já conversamos sobre isso?

fa

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RE: Tibiriçá, João Ramalho, Domingos Luiz

#87977 | Ricardo de Oliveira | 07 abr 2005 22:07 | In reply to: #69117

América Meridional - Portugal e Castela

Amigos Foristas

Quando comparamos Portugal e Castela observamos que Castela conquistou quase toda a Península Ibérica. A Meseta Castelhana submeteu e centralizou o País Basco, a Catalunha, a Galiza, a Andaluzia, Navarra e os Baleares. Portugal quase sempre resistiu e derrotou os castelhanos, garantindo a sua autonomia e independência. Um dos momentos mais importantes foi a segunda dinastia portuguesa, a Dinastia de Avis. Portugal derrotou os castelhanos na Batalha de Aljubarrota em 1385 e inicia o moderno Estado Nacional Europeu com D. João I. Um território com fronteiras definidas, uma língua nacional, um rei e uma dinastia, uma igreja, uma armada, um exército, um Império iniciado na conquista da África desde 1415, um projeto nacional. A energia colonial portuguesa sempre foi mais consistente do que a castelhana. Na América basta comparar a conquista portuguesa com a conquista castelhano-espanhola. Os portugueses estabeleceram alianças com os índios tupis e criaram o Brasil. Os portugueses nunca foram como os bascos, catalães, astecas ou incas, derrotados pelos castelhanos e que tiveram a sua língua e cultura dominada e na subalternidade. Os castelhanos conquistaram os astecas e incas porque eram grandes impérios desorganizados e com muitos inimigos internos. Os espanhóis eram tão mal guerreiros que nem conseguiram derrotar qualquer pequeno grupo indígena armado que os desafiasse. Vide os índios ao norte de Assunção no Paraguai ou ao sul de Buenos Aires no período colonial. Os espanhóis foram derrotados na Amazônia tal como os incas. Analisemos Santiago do Chile, Buenos Aires e Assuncion que verificaremos os castelhanos isolados e morrendo de medo dos índios locais. Os mapuches derrotaram os castelhanos por décadas no Chile, o que revela a incapacidade e incompetência espanhola em uma guerra minimamente igual e justa.
Os portugueses não estavam escondidos em altiplanos como no México ou no Peru, oprimindo os pobres índios. As colônias de Portugal localizavam-se nos litorais e mares do Atlântico, abertas aos piratas franceses, holandeses e ingleses. Como Portugal sempre foi valente conseguiu sustentar o seu Império, mesmo sendo um pequenino país.
Comparai as distâncias a partir de São Paulo e a rede fluvial para o interior partindo de Buenos Aires, Assuncion e Santa Cruz de la Sierra e observaremos que a atual fronteira do Brasil foi configurada pela raça de gigantes que foram os Bandeirantes. Qual era a distância entre Mato Grosso e São Paulo? Qual a distância entre Assuncion e Santa Cruz de La Sierra e o Mato Grosso-Goiás? Qual a distância entre São Paulo e o Rio Uruguai-Missões Gaúchas, qual a distância entre Buenos Aires e o Rio Uruguai-Missiones Gaúchas? Os castelhanos oprimiam os índios enquanto que os luso-brasileiros conquistaram e colonizaram metade da América do Sul pela sua energia e mestiçagem. Portugal e o Brasil Colonial nunca tiveram grandes recursos humanos, econômicos ou militares. Fomos e somos pobres, mas criamos o grande sincretismo étnico, cultural e econômico que estruturou o Brasil Gigante.

Ricardo Costa de Oliveira

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RE: Tibiriçá, João Ramalho, Domingos Luiz

#88185 | Ricardo de Oliveira | 10 abr 2005 14:27 | In reply to: #87977

1 – A primeira estrutura portuguesa em São Paulo de Piratininga foi o “Colégio dos Jesuítas”, um barracão de taipa. O primeiro contato foi caracterizado pela aliança cultural e pelo convencimento e persuasão dos grupos tupiniquins do planalto. Fundado em 25/1/1554, dia da conversão de São Paulo por Manoel da Nóbrega, José de Anchieta, Manoel de Paiva e mais nove religiosos.

2- A presença portuguesa e a entrada dos jesuítas foi autorizada e consentida pelos maiorais tupis e pelos grandes grupos tupiniquins da área.

3 – Um dos principais chefes tupis era Tibiriçá. Defensor e Protetor máximo dos jesuítas e dos portugueses em São Paulo de Piratininga. Organizou pessoalmente a defesa de São Paulo no ataque de índios inimigos de 9/7/1562. São Paulo só não foi destruída e exterminada pelo seu ativo papel na defesa da vila. Os jesuítas reconhecem a importância decisiva de Tibiriçá e de seus tupis.

4 – Quando Tibiriçá faleceu de causas naturais no Natal de 1562 foi declarado Protetor e Fundador de São Paulo de Piratininga e enterrado sob o Colégio dos Jesuítas. Os despojos e a tumba de Tibiriçá encontram-se hoje no subsolo da Catedral da Sé de São Paulo. Qual é a cidade americana que tem um índio declarado como seu “Fundador e Protetor” e que, tal como Reis e Papas da Europa, repousa nos fundamentos do principal templo religioso da cidade?

5 – De acordo com a Genealogia Paulistana e as tradições genealógicas paulistas – Tibiriçá é o tronco fundante das principais famílias paulistas e com João Ramalho e os seus netos espalham-se pelas principais famílias bandeirantes do século XVII. Formou-se uma nova sociedade brasileira derivada da cultura portuguesa e pesadamente temperada e influenciada pela genética, pela cultura e pelos valores tupis. O conhecimento e o gosto dos tupis pelas suas entradas pelo sertão e o conhecimento geográfico das florestas, caminhos, serras, meio-ambiente, flora, fauna, grupos étnicos e potencial militar foi a base das bandeiras paulistas. Uma bandeira era composta por “brancos”, mamelucos e grandes massas de tupis e índios guerreiros.

Cronologia das Bandeiras Paulistas:
Muitas bandeiras foram vitoriosas, outras derrotadas. Muitas trouxeram milhares de escravos índios, ouro e incorporaram novos territórios. Outras foram destroçadas e aniquiladas pelos gentios indígenas bravios, pelos jesuítas, pelos espanhóis, pelas doenças tropicais e pelas bestas da natureza.

1532 - Armada de Martim Afonso de Souza e criação da vila de São Vicente, no litoral.
1554 – Entrada autorizada dos jesuítas em Piratininga e criação do Colégio em São Paulo.
1562 – Defesa de São Paulo, cercada e atacada por índios inimigos. Os índios do litoral brasileiro de origem tupi eram canibais e antropófagos. Ser capturado era ser devorado pelos seus inimigos.
1560-1565 – Guerras no litoral contra os tamoios e seus aliados franceses calvinistas.
1565 - Cerco e início da batalha e assalto ao Rio de Janeiro contra franceses e índios tamoios.
1567 – Conquista Portuguesa do Rio de Janeiro.
1585 - Bandeiras no vale do Rio Tietê.
1602 - Bandeiras Meridionais e incursões contra os guranis no litoral ao Sul de Cananéia, atual litoral paranaense e catarinense
1615 - Paraupava, Brasil Central.
1628-1632 – Destruição das reduções jesuíticas do Guairá, atual Noroeste do Estado do Paraná. 60.000 guaranis capturados. Destruição das povoações espanholas de Ciudad Real e Ontiveros.
1636 – Assalto ao Tape, atual centro do Rio Grande o Sul.
1639 – Participação de bandeirantes nas Guerras Holandesas, Nordeste do Brasil.
1641 Mbororé. Rio Uruguai. Batalha perdida para guaranis e jesuítas armados com pólvora.
1647 Taré
1632 -1648 Itatins, Sul de Mato Grosso. Destruição de Santiago de Jerez, localidade espanhola.
1648-1651. A Bandeira de Antonio Raposo Tavares percorre 12.000 km, desde São Paulo até quase os Andes e encontra os portugueses no Amazonas, retornando de Belém do Pará.
1671 – Bandeiras contra o gentio Anicuns. Conquista de Goiás.
1676 - Amambaí
1683- 1715. Bandeiras contra os índios bárbaros do semi-árido nordestino, grupos cariris.
1694 - Quilombo dos Palmares, litoral nordestino, Alagoas. Recrutados para exterminar levante de escravos negros em uma fortaleza organizada desde as Guerras Holandesas há mais de cinqüenta anos antes.
1708-1709 Emboabas. Derrota dos paulistas em Minas Gerais.
1718 - Conquista do Mato Grosso.
1722 – Bandeirantes descobrem ouro em Goiás.
1725-1744 – Guerra contra o gentio Paiaguá, no Mato Grosso. Excelentes canoeiros e piratas fluviais.
1740-1741 – Guerra contra o gentio Caiapó, os Porrudos e Tapirapé, Goiás, Brasil Central.
1754-1756 – Guerra Guaranítica
1763 – Conquista do Guaporé
1767-1777 Iguatemi. Hostilizado e tomado pelos paraguaios. Reconquistado posteriormente pelos brasileiros.
1720 –1778 - Guerras contra o gentio Guaicuru, um dos mais bravios na América, grandes cavaleiros e assustadoramente tatuados.
1801 – Conquista dos Sete Povos das Missões Orientais do Rio Uruguai. A última grande conquista territorial no Brasil Meridional. História do Rio Grande do Sul e equivalente da permuta territorial da Colônia do Sacramento.

Vilas Bandeirantes criadas no século XVII:
Paranaguá – 1648
São Francisco do Sul 1660
Curitiba 1693
Laguna, Desterro (Florianópolis).
O Bandeirantes estruturaram os estados Brasileiros de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e Rio Grande do Sul. Os bandeirantes eram mamelucos luso-tupi-brasileiros. Os jesuítas nunca ordenaram um só índio como jesuíta!

Ricardo Costa de Oliveira
10/4/2005

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