Barrigas de aluguer
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Barrigas de aluguer
Caros confrades:
Peço desculpa por estar a introduzir aqui uma situação que reflecte a complexidade de alguns os comportamentos sexuais adquiridos por parte da sociedade actual, dita moderna, de há uns dez anos para cá.
Com efeito, gostava que houvesse quem me esclarecesse como se há-de considerar perante a lei e a ética, o levantamento genealógico de alguém que foi fruto de óvulo de uma mulher, fecundado exteriormente ao seu ventre/útero, e introduzido no ventre/útero de outra mulher, tendo sido esta última (portadora), a que suportou uma gravidez de nove meses (ou menos que fosse)?
Como proceder para com uma pessoa que à face da lei se apresenta com duas (!?) mães?
Agradeço qualquer contributo válido que possa ter fundamento no INP.
Um abraço.
Sempre,
Pedro França
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RE: Barrigas de aluguer
Caros confrades:
Peço desculpa pelas gralhas em "os", e "prante".
Um abraço.
Sempre,
Pedro França
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RE: Barrigas de aluguer
Caro Pedro França
Você levantou um problemão!!!!! Não gostaria de estar na pele de quem tem que se pronunciar!
De qualquer forma, a sua questão é pertinente, oportuna e, infelizmente, traduz uma realidade, a par de outras ( estou a pensar nos transexuais e em outras situações), com que até ao momento não tinhamos que nos preocupar.
Coisas dos novos tempos......
Bos sorte para os resultados
Um abraço
mcc
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RE: Barrigas de aluguer
Não penso, de maneira nenhuma, que o caso que refere tenha alguma coisa a ver com «comportamentos sexuais adquiridos por parte da sociedade actual, dita moderna». Dos casos conhecidos, os poucos que são relatados na comunicação social, tudo está quase sempre relacionado com o desespero de alguns casais que não conseguem ter filhos de outra forma.
Mas tirando este aspecto o que importa é a legalidade dos factos. Assim, sendo esta uma forma de procriação que, tanto quanto sei, é ilegal, logo feita em segredo, como é possível saber que certa pessoa teve duas mães «biológicas»? Só se houver denúncia, claro! E mesmo assim como é que a lei vai distinguir entre duas mães «biológicas»? Para efeitos de registo, porque nunca poderia ser feito com duas mães, a verdadeira mãe biológica é a uterina, tão simples quanto isto.
Perante a lei a decisão, que será sempre dos tribunais, apesar de tudo, deverá ser em tudo semelhante aos casos de adopção. Biologia à parte, genealogicamente é de igual tratamento. Ou não será?
Cumprimentos
Jorge Afonso
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RE: Barrigas de aluguer
Caro Pedro França
É muito interessante o problema por si levantado.
Por estranho que lhe possa parecer, ele foi resolvido por um velho príncipio do direito que afirma que os pais são aqueles que constam dos assentos.
Claro que a inevitável discrepância entre a biologia e o registo civil pode chocar muito boa gente mas foi a solução que os juristas antigos encontraram para que não fosse perturbada a estabilidade social e os direitos adquiridos nos casos em que fossem levantadas dúvidas sobre a paternidade de alguém.
Melhores Cumprimentos,
Miguel Vaz Pinto
P.S.- Este princípio tem plena aplicação prática no caso da pretensa filiação de Dom Miguel I. Ainda que se viesse a provar que o seu pai não era Dom João VI, não era por essa razão que os eventuais direitos à Corôa dos seus sucessores saíam beliscados. (Abstenho-me de classificar o mau gosto de quem levanta essas dúvidas)
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RE: Barrigas de aluguer
Caro Jorge:
Para mim, o caso não é tão simples quanto isso. O processo em questão contribui para que a genealogia seja uma ciência cada vez menos fiável e eu dou mais importância ao factor genético, biológico, e colocaria sempre em primeiro lugar uma mãe dadora de óvulo do que uma pseudo mãe de percurso.
O Jorge fala só dos casos conhecidos, fora aqueles que se vão produzindo por esse mundo fora, nos países ditos industrializados. Isso porque cada vez se verificam mais os casos de casais inférteis nos países desenvolvidos..., fruto dos condicionalismos da época em que vivemos. E é uma solução bem paga, rentável pelos vistos - um verdadeiro negócio.
E já que falou em adopção, isto é alguma segunda versão corrompida do morgadio de Parto Suposto? O caso de adopção, por muito legítima que possa ser, não deixa de constituir um entorse à genealogia. Veja-se por exemplo o caso sueco: o rei Carlos XIV da Suécia, de origem francesa, um Bernadote, foi adoptado pelo rei Carlos XIII, um Holstein-Gotorp, porque se preferiu esta solução a terem de recorrer à linha próxima de sucessão do deposto Gustavo IV, de perfil absolutista. Contudo, apesar desta alternativa (e para não se ir de chofre para uma República, eventualmente), a dinastia mudou de nome como se sabe, não se escamoteando a verdadeira origem da mesma.
Isto já nos levaria para outras histórias como a que subjaz ao verdadeiro nascimento de D. Afonso Henriques trocado no berço por um filho de Egas Moniz: esta é uma tese que já correu aqui em Coimbra entre os meios eruditos só que um pouco a medo. No entanto, parece haver documentação dos frades crúzios da Época Medieval que corrobora essa questão...
Bom, deixemos intervir outros confrades...
Um abraço,
Sempre,
Pedro França
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RE: Barrigas de aluguer
Caro Pedro França
Como entretanto não houve intervenções, julgo que devo esclarecer algumas confusões originadas pelo meu tempo de antena.
Por deformação profissional tendo a situar-me em terrenos neutros, sendo por vezes bastante frio nos meus raciocínios. Ora, este é um desses casos. Tenho de discordar quanto à genealogia se tornar uma ciência cada vez menos fiável. Não consigo ver como será possível que isso aconteça. Aos biliões de seres que habitam este planeta não virão certamente juntar-se outros tantos, passe o exagero, gerados pela forma tão descritiva como expôs.
Se falamos de ciência, então temos de falar de regras. E essas regras são imutáveis, até ver! Pelo que escreveu julgo que quis referir-se aos problemas causados pelo processo, como lhe chama, na futura identificação de descendentes. Bom, isso é outra questão e não é à genealogia, enquanto ciência, que compete resolver seja o que for. Parece-me muito mau que tivesse de ser a genealogia, repito mais uma vez, enquanto ciência, a julgar a validade formal ou jurídica dos actos praticados pelas pessoas. A genealogia é essencialmente uma ciência auxiliar da História e deve ser baseada em factos assentes em documentos credíveis. Como é óbvio, as meras suposições não passam disso mesmo. Acima de tudo, a genealogia não deve servir para fazer juízos de valor sobre o passado das pessoas. Bem vistas as coisas, até o mais perigoso dos facínoras teve pais ... e avós ... e bisavós ... e etc. E não será por isso que deixará de existir um investigador interessado em descrever a sua árvore genealógica até ao mais ínfimo pormenor.
Para este casos lembro-me sempre do que se passou há uns anos na Austrália. Como deve saber, a Austrália foi há mais de duzentos anos transformada pelos ingleses em colónia, mas penal. Eram para ali degredados aqueles que o sistema judicial inglês considerava como sendo os que não tinham reabilitação possível. Até aqui nada de novo, pois isto é História. Uma associação australiana, por alturas do bi-centenário, em 1988, resolveu investigar a genealogia dos primeiros degredados, propondo-se juntar os descendentes numa grande cerimónia para comemorar terem estado os seus antepassados, de facto, na origem da fundação da Austrália. As surpresas foram muitas, pois verificou-se que a maioria dos mais ilustres cidadãos australianos tiveram como mais remoto antepassado no território um criminoso! Poderia pensar a seguir: e daí? Entre tantos criminosos algum haveria de calhar em boas famílias. O caricato, ou não, vem a seguir. Entre membros da alta sociedade australiana, desejosa de mostrar os seus bem fundados pergaminhos, poderia pensar-se que tentariam esconder esse facto. Mas não, pelo contrário. O que se passou é que entre eles logo se passou a discutir qual desses criminosos tinha sido o mais cruel, o mais violento, o mais qualquer coisa pior do que o outro. É que, vendo as coisas segundo certos prismas, até o criminoso mais bem sucedido conta para a notoriedade familiar. E isto tudo por causa da genealogia. Julgo que deve ter percebido a ideia.
Se falei em adopção não foi com segunda intenção ou porque existam casos concretos à volta do assunto. Apenas o referi porque juridicamente me parece que a situação é semelhante. É certo que existe uma lacuna jurídica que pode ter consequências na área do direito da família, das sucessões e nos direitos de personalidade. Outros países têm já legislação para a maternidade de substituição, designação que tem a situação em causa, mas enquanto a lei portuguesa considerar como mãe a mulher que dá à luz e presumir que o pai seja o marido (ou outra qualquer forma de tratamento) da mãe, pouco mais haverá a fazer senão ter bom senso. O resto é passível de procedimento judicial.
Mais uma vez não concordo quando diz que «o caso de adopção, por muito legítima que possa ser, não deixa de constituir um entorse à genealogia». O caso que a seguir refere não tem nenhuma relação com os vínculos jurídicos que referi, que são legítimos, disso não pode duvidar, se ocorrerem dentro dos ditames da lei e que mesmo assim não garantem direitos de filiação absoluta. Na Suécia o que se passou é bastante distinto, pois essa «adopção» apenas serviu para garantir uma sucessão régia. Se observar atentamente, pode até ser na base de dados do GENEA, verificará quem são, de facto e de acordo com as regras da genealogia, os pais de Carlos XIV da Suécia. E já agora aproveite para verificar também se por acaso Carlos XIII teve algum filho que lhe sucedesse no trono com o nome de Carlos XIV. Pois ... Não gosto mesmo nada de confusões quando se trata de baralhar os dados que a História e os documentos nos fornecem e mais ainda quando se confunde Genealogia com questões meramente políticas e de conveniência. Foi na Suécia, como poderia ter sido em qualquer outro lugar. Existiram outros casos, pouco mais ou menos semelhantes, que de modo algum vieram entortar a genealogia. Basta lembrar certas legitimações que sucessivos reis portugueses fizeram, muitas delas mais para garantir a sucessão de direitos de quem solicitava a legitimação do que para garantir direitos de identidade ao legitimado.
Quanto às outras histórias, sem qualquer medo, não me admiraria que alguém conseguisse obter um documento que provasse uma qualquer troca de berço. Os frades de Santa Cruz já têm a sua dose de documentos falsos que chegue. Seria apenas mais um.
Alonguei-me, mas era necessário um esclarecimento mais demorado.
Cumprimentos
Jorge Afonso
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RE: Barrigas de aluguer
Caro Jorge:
Estive a ler com atenção a sua mensagem e creia-me que não pretendo - como investigador genealogista que me prezo de ser -, sacrificar os princípios que norteiam as minhas pesquisas a preceitos normativos que relevam do Direito que vigora em Portugal. A ciência genealógica deve sê-lo, enquanto tal, supranacional, senão, não seria possível cruzarmos os trabalhos genealógicos realizados por genealogistas de diferentes países.
Não saberia lidar com genealogia sujeita a diferentes linhas de interpretação do Direito. Para mim, a genealogia continua a ser a ciência que se dedica ao estudo dos ascendentes e descendentes e isso está presente no radical do próprio termo; portanto, o que daí sobressai é o factor genético, biológico, e não outro.
Espero que haja mais intervenções aqui quanto ao aspecto da adopção, porquanto interessante seria saber se, à luz do Direito Heráldico, um filho adoptado poderia usar das armas de ascendentes biológicos que não são, de facto, os seus.
Nunca foi nem é minha intenção "baralhar" o que quer que seja e senão, vejamos o caso de D. Beatriz de Portugal, filha de D. Fernando I e D. Joana de Castela, filha de Henrique IV: tanto para um caso como para o outro, essas senhoras são dadas como filhas dos que levam por pais, no entanto, dado o comportamento indecoroso das mães - D. Leonor Teles, e D. Joana de Portugal filha de D. Duarte -, elas foram arredadas da sucessão ao trono. E apesar de os ditos seus pais nunca terem contestado a sua paternidade. As instituições de governo (Cortes e outros Conselhos Maiores ou Tribunais de Corte) é que não deixaram passar o caso.
É claro que sei qual é a ascendência de Carlos XIV da Suécia, oriunda do sul de França (Béarn) e nunca foi minha intenção iludir esse aspecto. Foi um acto político, o seu apelo à sucessão? Não o vou questionar, mas também foi resultado de adopção (ainda que não plena) que obrigou à mudança de nome da dinastia.
Também nunca esteve em causa a questão do comportamento, de haver criminosos ou não nos ascendentes das pessoas...; cada um é que sabe se deve venerá-los ou detestá-los, em nada isso altera o que está produzido genealogicamente. Não faço correspondência entre o acto biológico da reprodução e os actos sociais, comportamentais..., isso relevará do plano das biografias, das histórias das famílias, do sucesso ou insucesso delas na vida activa.
E nunca me passou a usar de tamanho radicalismo face à produção documental das nossas instituições do passado, religiosas no caso vertente; cada caso é um caso e nunca me habitou a ideia de me deixar dominar por tamanho cepticismo... para isso existem especialista em crítica interna e externa dos documentos e de os cotejarem com outros, coevos, de outras instituições credíveis.
Hum! Percebi perfeitamente a sua mensagem e dou-me por satisfeito. Gostaria de ver aqui outras intervenções pertinentes.
Um abraço.
Sempre,
Pedro França
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