Um "fidalgo" da Samardã
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Um "fidalgo" da Samardã
Tenho em mãos um estudo sobre um tio tetravô de nome João Evangelista Vila Real (N. 1790, Vilarinho da Samardã, Vila Real; F. 1869, Bonfim, Porto) que foi cavaleiro da Ordem de Cristo e recebeu carta de Brasão de Armas de D. Pedro V. Foi "capitão de milícias da província de Moçambique" em 1834, e em virtude de feitos militares de excepção praticados em Moçambique em 1833/34 numa investida contra rebeliões da população negra tornou-se no meio local uma pessoa prestigiada. Ele que era um degredado com pena perpétua, tornou-se num homem rico e conseguiu reverter a situação o que lhe permitiu o perdão e o regresso à metrópole. Gostaria de saber o que posso fazer para que os seus dados biográficos passem a fazer parte da V. base de dados de titulares. Gostaria igualmente que alguém me pudesse ajudar com sugestões na procura de alguns elementos, nomeadamente:
- algo sobre episódios militares em Moçambique em 1833/34;
- militares que se possam ter distinguido nesses feitos (do Arquivo Histórico Militar "dizem-me" que não têm dados sobre aquele)
- onde encontrar dados sobre a permanência desta figura militar na cidade de Moçambique, nos anos 30 a 50 do séc. XIX já que a população branca era reduzida (documentação da câmara, do governo geral).
- saber algo sobre a consulta do "Juízo dos Degredados" a partir do nome.
Agradecido, António Alves
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RE: Um "fidalgo" da Samardã
Penso não estar a dar-lhe uma novidade dizendo que João Evangelista Vila Real se chamava, na realidade, João do Couto, e que Camilo Castelo Branco escreveu uma novela sobre ele; mas, ao não referir, na sua mensagem, esse encantador texto biográfico, deixa uma pequena margem a que se imagine que talvez o desconheça.
No improvável caso de assim ser, terei muito gosto em ilucidá-lo.
MTT.
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RE: Um "fidalgo" da Samardã
Se o seu tetravô prestou serviço militar em Moçambique, o seu processo - completo ou parcial - estará provavélmente no :
Arquivo Histórico Ultramarino
ahu@iict.pt
Tel. +351 213616330
Fax +351 213621956
Calçada da Boa Hora, 30
1300-095 Lisboa
Portugal
Cumprimentos,
Paula
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RE: Um "fidalgo" da Samardã
Caro(a) MTT
Agradeço o seu contributo, mas de facto, conheço, há muito, "O Degredado". Embora a minha opinião seja suspeita, comungo a ideia de que é um "encantador texto biográfico". A descoberta desta novela, há mais de 25 anos, trouxe-me uma alegria inexcedível porque veio dar alguns foros de credibilidade a alguns informes que me foram dados pelo meu avô materno sobre a vida atribulado de um tio afastado que se tornou famoso e rico. Foi esta constatação de coincidências entre o testemunho familiar e a ficção camiliana que me levou à investigação histórica da personalidade de JEVR. Este estudo intitulado "João Evangelista Vila Real um burguês nobilitado do Porto Oitocentista", publicado na revista MVSEU, levou-me à descoberta inédita do brasão de armas do dito, exposto no Museu Nacional de Soares dos Reis com proveniência desconhecida, à descoberta do palacete de onde foi apeado o brasão há mais de 70 anos, à confirmação histórica de boa parte do que Camilo diz sobre o biografado e à reconstituição da passagem de JEVR pela cidade do porto entre 1853 e 1869. Apesar de já conhecer muito da sua vida, provado por documentação vária há ainda alguns hiatos que quero conhecer e daí o meu apelo. Já agora posso dizer-lhe que muitos dos dados da vida de JEVR foram transmitidos a amilo por Pinho Leal. Na verdade Pinho Leal foi inquilino de JEVR e terá, a pedido deste, coligido dados biográficos sobre JEVR, tendo-os depois passado a Camilo que já conhecia algo sobre JEVR.
Os meus agradecimentso pelo seu informe.
António Alves
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RE: Um "fidalgo" da Samardã
Bom dia,
Não sei se o seu email estara ainda activo. Desde ja peço também desculpa pelo meu "Português". Permito-me contacta-lo pois estou a fazer pesquizas sobre a minha familia e nomeadamente sobre o meu avo marterno que era da Samarda. Gostaria também de saber mais sobre esta aldeia. Sei que Camilo Castelo Branco viveu na Samardã numa casa que foi, outrora, propriedade dos meus pais. Guardo recordações de criança (durante férias) passadas nessa casa e noemadamente de um armario que continha as inicias desse Padre (do qual não relembro o nome). Também me lembro de historias que o meu avo que me contava e ouvi falar nesse "Fidalgo" da Samardã. Seria possivel, se não der encomodo ter mais informações sobre ele ? Ou toda outra informação que possa ter sobre esta aldeia ?
De avanço lhe agradeço imenso.
Deixo o meu email : nrelva @ yahoo.fr
Muito obrigado
Nathalie Relva
(O meu avo : Domingos Gonçalves De Além)
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RE: Um
Bom dia Nathalie
Terei todo em gosto em partilhar consigo e com o fórum o conhecimento que tenho sobre a Samardã, a vida de Camilo na freguesia de Vilarinho da Samardã, o "roteiro camilano" em terras de Vila Real e, sobretudo, sobre a vida e obra do "quase" desconhecido "fidalgo" da Samardã, de seu nome João Evangelista Vila Real. Esta personagem era, até há pouco tempo, conhecida, apenas no seu formato literário, através da novela "O Degredado", que Camilo escreveu em 1876 e onde faz uma bela descrição sobre o fojo do lobo (que, como saberá, é ainda hoje um dos ex-libris da Samardã, a par da casa de Camilo, dos espigueiros e da AURA camiliana). Na citada novela Camilo convoca outros lugares vila-realenses, para além da Samardã, como a própria Vila Real, mas também alguns lugares da freguesia de Adoufe como Gravelos (e a sua feira onde João Evangelista foi ferido) e Borbelinha (terra onde viveu a personagem Rosa de Borbelinha, casada com o cirurgião Manuel Baptista, e eterna apaixonada do almocreve João do Couto/João Evangelista). Como é referido o "fidalgo" da Samardã era uma personagem da ficção sendo desconhecida a sua existência real. Foi, também, através da novela que eu a conheci, muito embora, em segunda mão. De facto, em primeira mão, a história de João Evangelista foi-me contada por meu avô materno que vivia na Borbelinha que foi também berço da minha infância.
Os estudos por mim encetados, na descoberta do verdadeiro João Evangelista, permitiram-me concluir da sua existência real e que o facto era conhecido (embora com imensas lacunas e já com alguma mistura da personagem literária) quer por alguns familiares mais idosos, quer pelas gentes mais idosas da Samardã, alguns deles seus familiares também, com quem conversei no ano de 2003.
Três anos volvidos, após o meu primeiro contacto com este fórum na procura de ajuda para um melhor conhecimento da vida do citado herói camiliano, posso afiançar que João Evangelista Vila Real, o "fidalgo" da Samardã, existiu, de facto. Com efeito a sua biografia constituiu o tema da dissertação por mim defendida na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, no âmbito do mestrado de História Contemporânea, sob douta orientação da Srª Profª Doutora Maria Antonieta Cruz e sob o título de "João Evangelista Vila Real (1790-1869). Uma biografia para além do enredo camiliano".
Este trabalho que foi objecto de notícia do jornal "Notícias de Vila Real", na sua edição de 10 de Janeiro de 2010, pretendeu traçar a história de vida de João Evangelista Vila Real, reconstituindo, tanto quanto possível, o seu percurso desde a Samardã (onde nasce em 1790), a Coruche (onde se dá o crime que o levou ao degredo), a Moçambique (a ilha de Moçambique e Quelimane onde cumpre o degredo para toda a vida), a Lisboa, onde regressa após o perdão da pena, à Samardã que visita em 1854 (era já um homem rico) e à cidade do Porto, onde viveu os últimos 15 anos da sua vida e onde se torna num dos maiores contribuintes do Bairro Oriental do Porto. Foi capitão de milícias da então província de Moçambique, cavaleiro da Ordem Militar de Cristo e titular de Carta de Brasão de Armas e Fidalguia, mercês e honrarias atribuídas por D. Maria II e D. Pedro V. Falecido em 1790, no Porto, jaz sepultado no cemitério da Lapa, na cidade do Porto, curiosamente ao lado do túmulo de Camilo Castelo Branco, o escritor que o imortalizou. O seu palacete, em estado de abandono, situa-se na Rua de Santa Catarina, na cidade do Porto, de onde nos anos 20 do século passado foi apeado o brasão de armas. O trabalho tem como pano de fundo, na sua grande parte, as temáticas do Moçambique colonial, do tráfico de escravos que aí se desenvolve nas décadas de 20 a 50 do séc. XIX e a que o biografado não é alheio , e do degredo ultramarino já que ele é um degredado.
Para além da biografia, propriamente dita, o trabalho dedica um dos capítulos à descontrução da novela "O Degredado" em que se pretendeu fazer a destrinça entre as situações e personagens reais e as situações e personagens ficcionadas. Esse trabalho permitiu-nos chegar a conclusões curiosas, que correspondem à parte ficcional introduzida por Camilo, e onde se pode ver que o escritor "mentiu", entre outras nas seguintes situações comprovadas pela documentação:
- Que João Evangelista nunca foi almocreve, muito menos um almocreve rico, mas sim ccamponês e carvoeiro.
- Que partiu para Coruche, não por desgosto de amor, ou fugindo às dívidas, mas para ganhar algum dinheiro e
regressar à Samardã para casar.
- Que as personagens Rosa de Borbelinha e seu marido Manuel Baptista não existiram e somente foram
introduzidas na novela para criar o ambiente propício a um triangulação amorosa.
- Que o crime da feira de Gravelos não existiu, não existindo também a personagem Joaquim Roxo (dado como
amigo de João Evangelista).
- Que João Evangelista, ao contrário do que diz Camilo, não mudou o seu nome em Moçambique, sendo este o seu
nome de baptismo, a que em Coruche acrescentou como apelida a alcunha Vila Real.
- Que a rixa de que resultou a morte que incriminou João Evangelista se deu em Coruche e não em Santiago de
Cacém como refere Camilo.
O palacete e o brasão de João Evangelista foram objecto de um pequeno estudo da minha autoria, publicado na revista MVSEV (do Círculo Dr. José de Figueiredo) onde é divulgada a descoberta do citado brasão, o qual se encontra na Secção de Lapidária do Museu Nacional de Soares dos Reis sem que se soubesse a quem pertencia e o lugar de onde foi apeado.
Espero, desta forma, ter contribuído, para que hoje se saiba mais sobre o dito "fidalgo" da Samardã, figura tão desconhecida na sua própria terra e que Camilo imortalizou. Espero, igualmente, que num futuro próximo sejam criadas as condições objectivas em ordem à publicação do citado trabalho.
Quero também comunicar-lhe que, por mail, lhe darei algumas informações sobre a Samardã e algumas "dicas" sobre o método a seguir nas suas investigações.
Respeitosos cumprimentos.
A. Alves.
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