Lei Mental
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Lei Mental
Exmos.Senhores
A Lei Mental foi revogada,aliás por mais do que uma vez,com o advento da Monarquia Constitucional.Será que faz sentido considerar como estando ainda em vigôr a dita lei,apesar de apenas para efeitos de transmissão de direitos nobiliárquicos?
Será que são aplicadas actualmente as ordens régias do C.N que versam sobre esta matéria?
Gostaria que esta e outras questões com ela relacionadas,fossem aqui discutidas pelos nossos confrades.
Cumprimentos a todos,
Pedro Ahrens Teixeira
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RE: Lei Mental
Caro Pedro Ahrens Teixeira
Eis uma questão de grande interesse já levemente aqui aflorada (bem como a 24.11 último, muito de passagem, na hora da despedida) mas não debatida "a sério" pelos nossos sábios confrades, especialistas de Direito.
De resto até poderão dar uma ajuda "a quem de direito" no CN, pois pelo que ouvi, alguns debates e sensatas opiniões deste Fórum já se fizeram ouvir (e ler) por lá com grande atenção.
Cmptos.
M.Magalhães
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RE: Lei Mental
Caro Pedro Ahrens Teixeira,
Pôs à consideração deste “Fórum” um tema deveras interessante, sobre o qual me apraz ser informado e, também, nele participar.
Antes de entrar no cerne da questão propriamente jurídica, convirá, talvez, dar uma vista de olhos pela dita lei e seus antecedentes.
Ora a este propósito diz o titulo XVII, do Segundo Livro das Ordenações Manuelinas:
«Da maneira que se há de teer na socessam das Terras, e Bens da Coroa do Reyno
El Rey Dom Eduarte Meu Avô por dar certa fórma e maneira como os bens e Terras da Coroa do Reyno antre seus Vassalos, e Naturaes se ouvessem de regular, e soceder,
Mandou escrever e poer em sua Chancelaria hua Ley, que se diz Mental, por seer primeiro feita segundo a vontade e tençam d’El Rey Dom Joam o Primeiro seu Padre, Meu BisAvô, que em seu tempo se praticou, ainda que não fosse escripta,
e pera dar certa limitaçam, e verdadeira interpretaçam das Doações das Terras, e cousas da Coroa de Nossos Reynos,
Mandou nella assentar alguas adições, declarações, e determinações, per que alguas duvidas, e debate que acerca do entendimento verdadeiro das ditas Doações, podiam recrecer, fossem de todo determinadas,
a qual Ley por nom estar encorporada, e assentada em Nossas Ordenações, e seer pera o que dito he mui proveitosa, e necessaria, Nóa a Mandamos encorporar em este segundo Livro dellas, a qual Mandamos que daqui em diante por Ley e Determinaçam se guarde e cumpra, como nella he contheudo, a qual he a seguinte.
I Primeiramente Determinamos, e Poemos por Ley em todos Nossos Reynos, e Senhorios, e Mandamos que todas as Terras, Bens, e Herdamentos da Coroa de Nossos Reynos, que per Nós ou per os Reys foram, ou forem dadas e doadas a quaesquer pessoas, de qualquer estado que sejam, pera elles, e todos seus descendentes, ou seus herdeiros, e socessores, fiquem sempre inteiramente ( per morte do possuidor dos taes Bens e Terras) ao seu filho legitimo baram maior que delle ficar.
2 Outro si Determinamos, que as ditas Terras da Coroa do Reyno nom sejam antre os herdeiros partidas, nem em algua maneira emalheadas, mas andem sempre inteiramente em o filho maior baram legitimo daquelle que se finar, e as ditas Terras tever;
e esto nom será por seer obriguado servir com certas lanças, como por Feudo, porque Queremos que nom sejam avidas por Terras Feudaes, nem ajam natura de Feudo, mas será obriguado a Nos servir, quando lho Nós Mandarmos.
3 E Quando por morte do possuidor das Terras das Terras da Coroa do Reyno, ou de alguus Bens e Dereitos da Coroa nom ficar tal filho baram, nem neto baram legitimo filho de filho baram lidimo, a que devam ficar, e ficar algua filha, Queremos que esta tal filha as nom possa herdar;
salvo por especial doaçam ou merce que lhe Queiramos dellas fazer, e segundo os contractos e doações, que Nós, e os Reys Nossos Antecessores Fezemos, ou Fezermos a aquelles, a que assi Demos as ditas Terras.
4 Outro si Determinamos, e Poemos por Ley, que os Padroados das Igrejas que sam da Coroa de Nossos Reynos, e foram dados a alguus Fidalguos, e a outras pessoas per seus merecimentos, pera elles, e pera todos seus herdeiros e socessores, nom possam seer partidos nem emalheados,
e venham soomente ao filho maior baram lidimo, e assi de hi em diante per linha dereita descendente, assi como dito he nas heranças, e Terras, e cousas da Coroa do Reyno.
5 E esta mesma Ordenança Queremos, e Mandamos que se tenha em quaesquer Foros, Rendas, e Dereitos Reaes, de que polos Reys que foram ante Nós foi feita merce, ou doaçam, ou per Nós for feita a algua pessoa, de qualquer condiçam que seja, de juro e de herdade pera si, e pera seus herdeiros e socessores, em tal guisa que taes foros, e rendas, e Dereitos Reaes andem sempre todos juntamente no filho baram lidimo, sem serem partidos antre os herdeiros, nem poderem seer emalheados polos Donatarios em outras ninhuas pessoas em suas vidas, como dito he nas Terras, e Padroados da Coroa dos Reynos;
nom embarguante que nas ditas doações seja contheudo que os Donatários possam dar, escambar, e emalhear as cousas que lhe foram dadas, e doadas assi como suas proprias;;
por que Nossa Tençam e vontade he, que sem embarguo de taes clausulas as ditas doações venham sempre ao filho maior baram lidimo, como dito he;
salvo quando per Nossa especial graça for outra cousa em contrairo ordenada com expressa e especial deroguaçam desta Ley.
6 E quanto aas cousas, e bens aforados, ou emprazados, Mandamos que se guarde a fórma dos contractos sobre taes bens, e cousas feitas, em tal guisa que as ditas cousas, e bens aforados, ou emprazados andem nas pessoas nos ditos contractos contheudas, e se regulem em todo como contractos de pessoas privadas;
e por tanto Mandamos, e Estabelecemos, e Poemos por Ley, que todas as contendas e debates que ao diante se recrecerem em semelhantes casos sejam findas, e determinadas pelas ditas declarações, que foram feitas per o dito Rey Meu Senhor e Padre, e per Nós, as quaes Avemos, por Ley, e assi como Ley Mandamos que se guarde, e cumpra daqui em diante.
E declaramos mais, que onde sobreditas declarações diz filho baram, sempre se entenda lidimo, por que esta foi sua, e Nossa tençam, e Nós assi Mandamos que se guarde:
dada em Santarem a oito dias do mês d’ Abril, anno de Nosso Senhor Jesu Christo de mil e quatrocentos e trinta e quartro annos. »
Este o núcleo essencial do teor da dita Lei Mental, a que andam anexas as,
“ Duvidas que foram movidas a El Rey Dom Duarte, tocantes aa dita Ley Mental, e por elle determinadas na maneira seguinte”,
que por demasiado extensas declinamos transcrever aqui.
Dos seis artigos que compõem a lei, ressaltam os seguintes princípios essenciais:
- O princípio da indivisibilidade;
- O princípio da primogenitura;
- O princípio da masculinidade.
Pelo primeiro determina-se o não fraccionamento dos bens - « fiquem sempre INTEIRAMENTE... » - a indivisibilidade das transmissões;
Pelo segundo assegura-se a transmissão «...ao seu filho legítimo VARÃO MAIOR..»;
Pelo terceiro excluem-se da transmissão os descendentes do sexo feminino «... e ficar algua filha, Queremos que esta TAL FILHA AS NOM POSSA HERDAR; », ressalvando-se especial mercê ou doação do rei.
Estendia-se a sua aplicabilidade à transmissão de padroados de igrejas da coroa, o mesmo sucedendo a foros, rendas e direitos reais.
Excepcionava-se da sua aplicabilidade os contratos de aforamento ou emprazamento, respeitando-se o teor daqueles.
O escopo visado com esta lei, era o da defesa do património da coroa, e nela se consumava anteriores restrições à livre transmissão daqueles bens.
Assim, desde 1384, que se constata, na inexistência de legítima descendência, o princípio da reversão para a coroa dos bens doados;
Depois, desde 1389, que se verifica idêntica determinação, no caso de ausência de filhos varões;
Desde 1397, que muitos dos bens doados são sujeitos à lógica do morgadio;
Finalmente, em 1417, afirma-se de forma expressa o princípio da exclusão na sucessão das pessoas do sexo feminino.
A este propósito ver “ Dicionário de História de Portugal, direcção de Joel Serrão, tomo IV, páginas 265 a 266.
Oportunamente voltaremos a esta temática.
Com os meus melhores cumprimentos,
Eduardo Albuquerque
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RE: Lei Mental
Caro Pedro,
Dou-te o parabéns por lançares para o forum este tema, que em minha opinão, e neste momento face ao estado actual das ordens régias do CN assume especial importância. Temos obrigatóriamente de debruçarmo-nos ou pelo menos emitir a nossa opinião perante o problema da aplicação das leis no tempo e das leis interpretativas.
Neste momento ainda não tenho opinião definitiva sobre o assunto em referência, mas prometo que quando tiver um pouco de tempo disponivel te enviarei por escrito a minha opinião.
Um grande abraço
Bartolomeu de Noronha
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RE: Lei Mental
Caros amigos,
A lei mental procede, precisamente às exclusões referidas, ou seja bastardias, sucessão por senhora e sucessão em colaterais ou transversais. Embora para qualquer das hipóteses previsse a possibilidade de especial dispensa.
O CN, nos anos 60 publicou uma ordem régia, baseada no parecer do Prof. Braga da Cruz que entendeu que a Lei Mental estava em vigor para os títulos, tendo-lhe introduzido algumas modificações em matéria de sucessão por senhoras.
Entendeu, contudo, ter caído em desuso, quanto à exclusão dos transversais, ou seja descendentes do primeiro titular, mas não do último.
Lourenço.
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RE: Lei Mental
Caro Lourenço,
Com sabes parte da minha vida profissional consiste na elaboração de pareceres. Tinha muito gosto em ler o parecer que referiste do Prof. Braga da Cruz, pessoa por quem tenho imensa estima (é pena que não continue entre nós). Será possivel que me arranjes uma cópia do citado parecer?
Agradecia muito
Um grande abraço
Bartolomeu de Noronha
P.S.- Envio-te esta mensagem via forum,porque hoje já te telefonei e enviei um e.mail, mas ainda não respondeste.
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RE: Lei Mental
Caros confrades
Agradeço a todos a vossa participação neste tópico.
Tenho o maior respeito e admiração pelo falecido Prof.Guilherme Braga da Cruz,consultor jurídico do C.N nos idos anos 60's e 70's,e não li as leis derrogatórias da Lei Mental de 1834.Não obstante,e esta é uma opinião estritamente pessoal,não posso deixar de com ele discordar.Note-se que até à sua revogação,a Lei Mental tinha uma aplicação prática muito pontual e quase sempre os monarcas portugueses concederam as respectivas dispensas.Por outro lado é uma lei que,mesmo que apenas aplicável para os títulos e outros direitos nobiliárquicos, contraria claramente o espírito e o pensamento de abertura e liberdade que presidiu ao novo regime constitucional e liberal instaurado em 1834.
A vigência actual da Lei Mental não devia a meu ver ser aceite pelo C.N,fosse em que aspectos fosse.No entanto é-o e eu,embora discorde, aceito isso.O parecer do Prof.Braga da Cruz e a subsequente ordem régia provam-no,pelo menos quanto à sucessão por senhoras em títulos nobiliárquicos.
A minha pergunta é esta:quais são nos dias de hoje concretamente as limitações à sucessão por senhoras em títulos nobiliárquicos?
Obrigado
Com os melhores cumprimentos,
Pedro Ahrens Teixeira
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RE: Lei Mental
Meus Caros
Sem prejuizo do sábio e prudente parecer do Doutor Braga da Cruz e, eventualmente doutros pareceres sobre a mesma matéria, sugeriria aos estudiosos desta questão uma leitura atenta das "Advertências" nas primeiras páginas dos ANP.s de 1950, 1964 e de 1985.
Aparentemente (para um leigo como eu) não há grandes diversões na matéria, mas, parece-me subsistirem algumas "nuances" susceptíveis de criar algumas dúvidas, comparados os respectivos textos.
Assim e sem a redução ao absurdo, poderá concluir-se que são muitíssimo poucos os títulos em Portugal. Talvez até nenhum, como terá concluído o nosso (agora ausente)estimado Rodrigo Thessen Ortigão de Oliveira.
Fico-me na expectativa dos vossos muito apreciados (parece q. não só por mim...) e esclarecedores comentários.
Cmptos.
Manuel Maria de Magalhães
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RE: Lei Mental
Caros Participantes,
Voltando à nossa temática, e depois de dada uma vista de olhos pelo teor da Lei Mental, convirá dizer que esta não foi a sua versão final.
Na verdade, passados sessenta anos sobre a promulgação das Ordenações Manuelinas, eram dadas a público as Ordenações Filipinas, que, no livro II, titulo XXXV, voltavam a consagrar aquela lei, apenas com ligeiras alterações.
Assim, diz Coelho Sampaio:
« Os Philipistas copiarão a Ord. Manuelina, accrescentando ao § 1 o versiculo - e não ao neto até o fim do mesmo §, assim como todo o § segundo.»
O § segundo vem dizer:
« E declaramos, para este effeito se dizer morrer alguem em guerra, quando morrer na peleja e conflicto della, e quando, saindo della, ferido, morrer das mesmas feridas, que na peleja e guerra recebeu.
Porém se morrer indo para a dita guerra, ou stando captivo depois della acabada, não sendo das feridas, que nella recebeu, não se dirá ser morto em batalha e guerra, para viver per gloria, para effeito de seu filho excluir a seu tio nos bens e terras da Coroa.»
Com este teor se manteve a Lei Mental, até à sua revogação ocorrida por Decreto de 13 de Agosto de 1832, não obstante os diversos alvarás que lhe foram introduzindo alguns ajustes.
Vejam-se, por exemplo, os Alvarás de:
- 2 de Maio de 1647
- 14 de Novembro de 1742
Ainda sobre a sua génese, convém salientar a natureza instrumental pragmática desta dita lei.
Concebida pelo famoso e sagaz João das Regras ou das Aregas, teve por escopo, muito especifico, fazer reverter à Coroa os bens pela mesma doados, bens estes, muitas vezes “levianamente” doados, fruto de promessas assumidas em épocas de crise.
A este propósito, refere Coelho Sampaio:
« Os nossos Soberanos em todos os tempos tem satisfeito a estes officios por varios modos, e entre elles por doações, e mercês dos bens da Coroa.
Vendo porém o Senhor D. João I, que muitas doações erão inofficiosas pela absoluta e irreversivel alienação, e pela independência em que os Donatarios a este respeito ficarão da Coroa,
e querendo por uma parte remediar estes males; mas por outra conhecendo que as circunstâncias do tempo o não permittia faze-lo abertamente, como podemos conjecturar;
formou na sua mente uma certa norma, segundo a qual regulava intellectual, e intencionalmente os direitos dos Donatarios sobre os bens doados, sobre a forma, e modo das successões.»
Na mesma linha, acrescenta o comentador às Ord. Filipinas:
« Por outras palavras, D. João I para subir ao Throno de Portugal fez extraordinarias promessas, que cumprio, aos que o ajudassem a repelir os competidores; e depois por meio de uma lei arbitraria que elle concebeu ia inutilisando as doações, logo que fallecião os donatarios, servindo-se para esse fim de differentes pretextos, e quando já não podia arrecear-se dos mesmos Donatarios.
Foi essa pretendida lei mental, parto da mais requintada má fé, e aliás tão applaudida dos Juristas, a qual o Rey D. Duarte fez patente, em 8 de Abril de 1484.»
Na mesma linha, diz Manuel de Faria e Sousa:
«Tomo El-Rey otro camino de quitar lo que habia dado, para restituir de substancia la Corona, que fue comprar a algunos parte de lo que tenian,
y hacer una ley, jamas platicada de algun Principe;
esta fue, que en los bienes Reales no pudiesse succeder las hijas de quien los posseya.
Llamola Mental, por que temiendo que habia de parecer duro el publicar-la, la tenia en la mente, y la iha ejecutando, assi como se moria alguno sin varon heredero.
Cosa rara! Que pareciesse licito ejecutar con la voluntad, o con la ambicion, lo que no parecia licito decir-se con la lengua, o con la pluma.
Esto fue consejo de Juan de Reglas, aquel gran Legista, que de la jurisprudencia pude hacer la balança de los premios de la espada.»
Aquí temos, pois, o elemento teleológico apresentado nua e cruamente.
Sobre o acabado de referir, e em aditamento, veja-se do Prof. Paulo Merêa a “Genese da Lei Mental”, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, ano X, 1926-28, páginas 1 a 15.
Oportunamente voltaremos a esta temática.
Com os meus melhores cumprimentos,
Eduardo Albuquerque
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RE: Lei Mental
Caros Participantes,
Chegados aqui, na posse do conhecimento da razão de ser da lei, do seu enquadramento histórico e do facto incontrovertido da sua revogação pelo Decreto de 13 de Agosto de 1832, será altura de tomar a pergunta formulada pelo Senhor Pedro Ahrens Teixeira sobre a Lei Mental, a recordar:
« Será que faz sentido considerar como estando ainda em vigor a dita lei, apesar de apenas para efeitos de transmissão de direitos nobiliárquicos? »
Ora, a este propósito convém recordar que a revogação, como “ expressa ou implícita declaração de vontade normativa que retira o vigor formal à norma anterior” pode assumir várias gradações, a saber:
- revogação total, dita ab-rogação, que abrange a totalidade do comando normativo;
- revogação parcial, dita derrogação, que deixa em vigor parcelas do dito comando;
- revogação por via interpretativa, dita interpretação ab-rogante.
Neste contexto, ressalvada melhor opinião, parece-me, que entre o referido decreto de 13 de Agosto de 1832 e a Constituição Portuguesa de 1911, o que se verificou foi uma derrogação da lei em questão, mantendo-se em vigor para o dito fim de transmissão de direitos nobiliárquicos, os quais, na ausência da dita lei, ficariam sem lei habilitante para efeitos de atribuição.
Mas ao lado da revogação expressa, há a considerar a revogação implícita ou tácita que “ nasce na incompatibilidade entre o teor dos regimes normativos”.
Assim, ressalvado o devido respeito por melhor opinião, não me parece que a dita Lei Mental, pudesse ser considerada em vigor a partir da Constituição de 1911, na exacta medida em que conflituava com as disposições e com os princípios nela definidos, nomeadamente, entre outros, com o artigo 2.º que vem dizer:
« A lei é igual para todos, mas só obriga aquela que for promulgada nos termos desta Constituição »;
e com o artigo 3.º que extinguiu os privilégios de nascimento, foros de nobreza e os títulos nobiliárquicos.
Como já foi dito noutro lado, “ Direito ao uso de um Nome”, o reconhecimento que o Estado republicano conferiu aos títulos nobiliárquicos, circunscreveu-se apenas à sua função de identificação, como extensão de um nome, gozando da tutela própria deste, mas não à sua função de honrar, precisamente devido ao conflito com aqueles princípios republicanos.
E, por maioria de razão, sucede hoje, com a actual constituição.
Na verdade, nela se diz de forma expressa no artigo 3.º:
« 3. A validade das leis.... depende da sua conformidade com a Constituição. »
Conferir, a este propósito, com o artigo 13.º, que consagra o princípio da igualdade, compaginando-o com a dita Lei Mental, desde logo com a subalternização consagrada nesta lei dos indivíduos do sexo feminino face aos do masculino na ordem sucessória...
Depois, tenha-se em atenção o que diz o artigo 36.º , n.º 4, relativamente aos filhos nascidos fora do casamento, os quais por esse motivo, não podem ser objecto de qualquer discriminação...
Se, assim, parece ser, fica-nos um problema “bicudo”, qual seja o de determinar por que lei reger a atribuição desses nomes identificativos nos quais os títulos se inserem.
É que, pelo princípio da exclusividade do nome, um título não pode ser atribuído, a mais de uma pessoa.
Creio que uma solução baseada na prioridade do registo, isto é, terá direito a usá-lo quem primeiro o registar, independentemente de ser do sexo feminino ou masculino, ou ter sido concebido na constância do matrimónio ou não... será uma boa hipótese a considerar, desde que prove o direito ao seu uso...
Claro que a abordagem que fizemos é muito ligeira e perfunctória, traduzida em breves notas, e carentes, por isso de maiores aprofundamentos, que por situacionalmente desfasados declinamos referir aqui.
Também não convolamos para ordens jurídicas imaginárias, ou reais...com pressupostos diferentes...e consequentemente diferentes soluções.
É a presente ordem jurídica que nos rege, e é por ela que devem ser aferidos os direitos e deveres.
E por aqui me fico.
Com os meus melhores cumprimentos,
Eduardo Albuquerque
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RE: Lei Mental
ExmºSenhor Dr.Eduardo de Albuquerque
Salvo melhor opinião,penso que em matéria nobiliárquica é de aplicar apenas e tão só a ordem jurídica portuguesa em vigôr em 4 de Outubro de 1910.
Subscrevo-me com os melhores cumprimentos,
RdM
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RE: Lei Mental
Caros Participantes,
A invocação da ordem jurídica anterior a 4 de Outubro de 1910, como corpo normativo destinado a regular matéria nobiliárquica, não me parece muito adequado pelas razões que passo a aduzir.
Em primeiro lugar, tudo o que for regulado à sua “luz” , note-se, e que seja contrário à lei vigente, fica ferido de nulidade face à presente ordem jurídica.
Assim, pode esta nulidade ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e podem os tribunais declará-la oficiosamente.
Nestes termos, imagine-se que A se arroga o direito de usar o título x, e que para o efeito requer e lhe é reconhecido o uso, na base do direito da ordem jurídica anterior.
Passado algum tempo, B, valendo-se do direito vigente, consegue despacho do ministro da justiça autorizando-o a complementar o nome com o mesmo título x.
Qual das duas situações prevalece?
Como tudo o processado pela lei anterior está ferido de nulidade, a situação que prevalece é a de B.
Depois, a humanidade evolui muito nestes últimos cem anos!
São um acervo de valores atinentes à pessoa humana que emergiram, que foram reconhecidos universalmente, e que é mister integrar...
Pelo que, no plano dos princípios, aquela ordem jurídica há muito que se encontra caduca.
Importa pois compatibilizar uma certa tradição monárquica com estes novos valores, sob pena da relegação desta tradição para o mundo das “ antiguidades” ou das “quimeras”...
Com os meus melhores cumprimentos,
Eduardo Albuquerque
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RE: Lei Mental
A propósito e para esclarecer os interessados transcrevo o conteúdo da ordem do Conselho de Nobreza decretada sob conselho jurídico de Braga da Cruz em 1966:
Boletim Oficial do CN 1972, pp.36-38
«Ordem de 3 de Maio de 1966
(Da aplicação actual das disposições da Lei Mental)
Tendo-se levantado várias dúvidas, no Meu Conselho de Nobreza, a propósito da sucessão feminina nos títulos e da aplicação, no presente, da Lei Mental, Hei por bem estabelecer o seguinte, de harmonia com o parecer formulado pelo Consultor Jurídico do mesmo Conselho:
Artº 1
A sucessão de títulos nobiliárquicos de juro e herdade ou outorgados em mais duma vida (antes de extinto o número de vidas porque foram concedidos) continuará a regular-se, em princípio, pela Lei de 8 de Abril de 1434 (Lei Mental) e pelas leis posteriores que a completaram ou modificaram.
Artº 2
A renovação de títulos vitalícios ou em mais duma vida (depois de extinto o número de vidas por que foram concedidos), nos casos em que o Conselho de Nobreza está autorizado a fazê-la, obedecerá às mesmas regras que no artigo antecedente se mandam observar para a sucessão de títulos.
Artº 3
A sucessão ou renovação de títulos com quebra de varonia assentará em prévia dispensa da Lei Mental, confirmada ou outorgada expressamente pelo Conselho de Nobreza, no qual, para o efeito, delegamos todos os poderes que pessoalmente Nos pertencem.
§ 1º- Quando o título tenha sido criado com dispensa da Lei Mental por uma ou mais vidas, ao Conselho competirá simplesmente verificar e confirmar essa dispensa, podendo fazê-lo a respeito de tantas vidas quantas as previstas no diploma de criação do título.
§ 2º- Em todos os demais casos, ou quando se achar esgotado o número de vidas para que a dispensa foi inicialmente concedida, competirá ao Conselho outorgar ele próprio as dispensas da Lei Mental que lhe forem requeridas, não podendo fazê-lo, porém, mais de duas vezes para cada título.
Artº 4
A dispensa da Lei Mental para efeitos de sucessão ou renovação de títulos com quebra de varonia só será confirmada ou outorgada pelo Conselho de Nobreza depois de devidamente ponderadas as circunstâncias particulares de cada caso, podendo sempre ser denegada ou adiada para ulterior apreciação quando essas circunstâncias o justifiquem.
§1º- O Conselho não poderá, em princípio, confirmar ou outorgar dispensa da Lei Mental enquanto houver representante varão por linha varonil do anterior titular ou possibilidade de o haver.
§2º- Se a dispensa da Lei Mental beneficiar senhora solteira ou viúva, considerar-se-á caduca por virtude do respectivo casamento, podendo, no entanto, ser renovada a requerimento da interessada.
Artº 5
Consideram-se como tendo envolvido válida confirmação ou outorga de dispensa da Lei Mental todas as concessões, feitas até hoje, do direito ao uso dum título com quebra de varonia, quer as de vigência efectiva da Monarquia e publicadas na folha oficial, quer as concedidas pelos Reis Meus antecessores no exílio, quer as concedidas, desde a sua criação, pelo Conselho de Nobreza.
§ único – Para efeitos do disposto no § 2º do artigo 3º, entrarão apenas em conta, entre as dispensas de pretérito, as quebras de varonia ocorridas na confirmação ou renovação de títulos por concessão dos Reis Meus antecessores no exílio, ou por deliberação do Conselho de Nobreza.
São Marcos, 3 de Maio de 1966
D. Duarte, Duque de Bragança»
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RE: Lei Mental
Caro NAGB,
Saberá esclarecer-me sobre a possibilidade do antigo CN poder conceder e não apenas verificar CBA, com base em x gerações de nobreza civil?
Este tópico suscitou-me esta dúvida.
Caso tenha deste facto conhecimento saberá dizer-me qual o dispositivo que o regula?
Os melhores cumprimentos,
PBL.
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RE: Lei Mental
Sinceramente não lhe sei dizer. Mas sempre julguei que isso estivesse a cargo do IPH e não do Conselho de Nobreza.
De qualquer maneira não é necessário ser-se nobre para ter brasão.
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RE: Lei Mental
A questão que se prende com a minha pergunta diz respeito à possibilidade de alguém que é oriundo de uma família com maiores que tiveram nobreza civil durante várias gerações, puderem almejar armas ainda que se esteja num regime republicano.
Penso que o IPH não reconhece nem verifica e muito menos concede armas.
É, no entanto, uma questão a ser esclarecida pelo INP.
Os melhores cumprimentos,
PBL.
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RE: Lei Mental
Ainda sobre este tema está no meu site www.monarchia.org/Leis a digitalização da lei de 1846 que aboliu a lei mental.
Futuramente irei também colocar online o parecer do marquês do Funchal e as anotações do código de direito público de Pascoal de Melo relevante à Lei Mental.
Creio que se compararem o conteúdo da lei com os restantes textos podem todos formular uma opinião mais fundamentada.
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RE: Lei Mental
A lei Mental, no que concerne aos títulos nobiliárquicos, praticamente nunca foi aplicada.Uma vez revogada já não mais têm cabimento principalmente nos dias de hoje.
A proibição da discriminação de sexos é um dado adquirido na nossa actual civilização, pelo que (hoje) recuperar regras medievais embora a título particular ( que tinham subjacentemente um objectivo politico /económico ) seja um absurdo.
Na Monarquia Constitucional essa lei enquanto em vigor praticamente nunca foi aplicada, porque razão há-de ser resuscitada na actualidade????
Hoje tanto a mulher como o homem representam perfeitamente e biologicamente uma estirpe, pelo que não vejo qualquer razão, mesmo histórica, para que hoje ainda se confira importância à quebra de varonia, descriminando a mulher, ainda por cima, ao arrepio dos usos e costumes da Monarquia Constitucional.
Quantos mais obstáculos à continuidade dos bens nobiliàrquicos houver mais pobre fica a memória histórica de Portugal.
Os portugueses tem de ser mais práticos caso contrário a nação extingue-se.
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RE: Lei Mental
A recuperação da Lei Mental na república é uma aberração que só afasta as pessoas da Monarquia, considerando-a com regras caducas e injustas em relação a determinadas matérias. Facto que é falso em muitos casos mas que no presente até parece verdadeiro.
Uma coisa é simplificar as regras de continuidade do direito ao uso de um título nobiliàrquico em pessoa legítima, outra coisa é o combate à usurpação.
Considero que SAR deverá encorajar os candidatos legítimos a requerer e manter vivo um título nobiliárquico, como parte de um património histórico, não só das famílias mas tambem da nação.
Nesta conformidade, todo e qualquer obstáculo burocrático sem sentido histórico e ainda por cima ilegal face à lei em vigor só prejudica a instituição dos titulos nobiliárquicos.
Tenho dito!
Ps: uso de títulos legitimos em Portugal é cada vez mais raro e se se aplicar a anacrónica lei mental o uso ainda se torma mais raro.
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RE: Lei Mental
Estou fundamentalmente de acordo consigo mas gostaria de salientar duas coisas importantes.
Primeiro a lei mental vai muito além da exclusão feminina na sucessão nobiliárquica. Exclui também irmãos e primos do último titular. A lei fazia sentido nos tempos medievais e da renascença onde o título era sinónimo de detenção de terras da coroa (chamando-se por isso donatários) e o principal objectivo era globalmente limitar o poder da nobreza e fazê-la depender sempre do rei para dispensa da lei mental.
Ora com o início do liberalismo, e mesmo antes até, as honras titulares passam a ser concedidas como recompensa por serviços prestados à coroa e não têm propriamente existência física. Com a lei de 1832 os senhorios passam à história e passam a ser meramente honoríficos. Com isto a lei mental é expressamente abolida. Ela deixa de fazer sentido e é perfeitamente anacrónica.
Segundo de acordo com o marquês do Funchal e mais tarde o Prof. Braga da Cruz a Lei foi abolida somente no que diz respeito ao arrendamento de terras da coroa mantendo-se em força na parte honorífica do título. Isto porque, segundo eles, seria irregular os legisladores abolirem uma lei que regulamenta os títulos sem haver uma substituição para a mesma. De facto ambas as leis de 1832 e 1846 não falam em títulos nobiliárquicos mas é um facto que quando a Lei Mental foi criada o significado de "bens da Coroa" era bem claro e incluia definitivamente os títulos nobiliárquicos. De facto "donatários da Coroa" inclui também os titulares.
Direct link:
RE: Lei Mental
Caro Confrade
Não ponho em causa os parceres dos dois ilustres juristas.As teses muitas vezes explicam e fudamentam , simplesmente, que existe determinada realidade.
Se essa realidade existe tem de ser, pelo bom senso, rejeitada, por isso compete a SAR, NO SEU BOM SENSO QUE O CARACTERIZA, "abolir" definitivamente esta norma perfeitamente anacrónica cujo objectivo, à época, tinha a ver com aspectos de poder real, económicos e fundiários.
O títulos são meramente honoríficos e como tal a Lei Mental não têm razão para existir.
No Reino Unido e fazendo um paralelo forçado, até à bem pouco tempo e noutro contexto, dado existir o sistema do Pariato, a concessão de títulos era quase realizada sob proposta do Governo (a questão dos títulos tinha subjacentemente uma razão politica, seguindo o Soberano a tradição de não se intrometer na politica, o que implicava que na prática desde a 2ªguerra mundial, nunca exerceu a competência soberana e discricionária de criar títulos po sua livre vontade. Hoje com a reforma do parlamento o Soberano reganha quanto aos títulos heriditários todo o poder e tutela já que os mesmos não dão direito a um lugar na Camara dos Lordes. Isto para dizer que se a Lei mental tinha uma razão politica/ económica agora não tem , exactamente como a abolição do direito do posuidor de um título nobiliarquico hereditário britânico, que restaura ao Soberano todo o seu poder de criar títulos hereditários uma vez que se retirou natureza politica aos mesmos.
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RE: Lei Mental
No Reino Unido e fazendo um paralelo forçado, até à bem pouco tempo, existia o sistema do Pariato que englobava toda a natureza das mercês nobiliárquicas. A concessão de títulos, dada a sua natureza politica, era totalmente realizada sob proposta do Governo (o Soberano Britãnico dada a tradição de não se intrometer na politica, desde a 2ª guerra mundial, nunca exerceu a competência soberana e discricionária de criar títulos por sua livre vontade). Hoje com a reforma da Camara dos Lordes, o Soberano reganha quanto aos títulos hereditários todo o poder de tutela. Isto para dizer que se a Lei mental tinha uma razão politica/ económica agora não tem , exactamente como a abolição do direito do possuidor de um título nobiliarquico hereditário ter assento na Camara dos Lordes, ter restaurado ao Soberano Britãnico toda a sua autonomia quantos a esta categoria de títulos.
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