enterrado em cova de fabrica"-assentos de óbito

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"enterrado em cova de fabrica"-assentos de óbito

#167721 | Vieira-SimõesIII | 18 sept. 2007 22:22

Caros participantes

Em vários assentos de óbito de finais de secXVIII-inicios de XIX em Arruda dos Vinhos encontro a seguinte menção:

"fulano... com todos os sacramentos foi enterrado nesta matriz de NªSra da Salvação em cova de fabrica.."

o que significa ao certo "cova de fabrica"?

Agradeço antecipadamente
Edmundo Simões

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RE: "enterrado em cova de fabrica"-assentos de óbito

#167733 | zgomes | 18 sept. 2007 23:41 | In reply to: #167721

Caro Edmundo Simões,

Por "Fábrica", nesse contexto, entendem-se os rendimentos dedicados à manutenção da paróquia. A "cova da fábrica", sustentada pela própria paróquia, acolhia os restos mortais dos mais pobres que, ou não tinham família ou cujas famílias não podiam contribuir com qualquer esmola para essa "tarefa".

Era também comum enterrar na "cova da fábrica" os forasteiros, de quem não se conhecessem parentes.

Por "Fábrica" entendem-se também as despesas para conservação e reparação de uma igreja.

Cumprimentos
José Gomes

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RE: "enterrado em cova de fabrica"-assentos de óbito

#167766 | Vieira-SimõesIII | 19 sept. 2007 10:46 | In reply to: #167733

Caro José Gomes

Em primeiro lugar agradeço-lhe a resposta.
No entanto, neste caso, o mais estranho é que nesta freguesia e para este periodo,Todos os falecidos que são sepultados nesta igreja vão para "cova de fábrica". Todos sem excepção desde a "Dona Sebastiana Jerónima da Cunha da Quinta Nova" até ao "pobre de quem não se sabe o nome".
Será que não havia ninguem na freguesia com rendimentos suficientes para outra "cova"?ou ainda haverá outra explicação?

Cumprimentos
Edmundo Simões

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RE: "enterrado em cova de fabrica"-assentos de óbito

#167767 | JCC | 19 sept. 2007 11:03 | In reply to: #167766

Caro Edmundo Simões

Infelizmente não tenho uma resposta definitiva para lhe dar. No entanto, se bem que concorde com a definição do termo Fábrica dado na outra resposta pelo nosso confrade, já não estou de acordo com ele no que respeita a quem era enterrado nas "covas da Fábrica".

Também eu encontrei já pessoas que foram sepultadas em "cova da Fábrica" e que teriam estatuto (pelo menos económico) para garantir que não era pobres. É o caso de Lavradores alentejanos e suas famílias.

Sou, por isso, tentado a pensar que a dita Fábrica disporia de diversas sepulturas que serviriam para sepultar quem não quisesse (ou pudesse?) ser sepultado em campa própria. Admito também que, pelo menos nos casos que refiro, por se tratar da época em que começaram os cemitérios fora das igrejas as paróquias possam ter querido continuar a dispor de campas nos cemitérios por forma a assegurar os enterros em moldes semelhantes aos que se praticavam até então. Mas isto são suposições,

Cumprimentos

João Cordovil Cardoso

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Enterramento nas Igrejas e nos adros

#167769 | josemariaferreira | 19 sept. 2007 11:34 | In reply to: #167766

Caro Edmundo Simões

Para ser enterrado dentro duma Igreja tinha que se pagar, ou senão era enterrado no adro que era reservado aos pobres.
Todas as sepulturas"covas" dentro da Igreja dependiam por isso da administração do temporal "do Templo" a que se chama(va) Fábrica da Igreja.
No princípio do séc.XVIII para ser enterrado numa cova da Fábrica pagava-se cerca de 250 réis e para se adquirir a posse de um cova para jazigo ou sepultura perpétua pagava-se 15.000 réis, evidentemente pagos à dita Fábrica da Igreja. Foi esta importância que pagou uma avó do Confrade João Cordovil Cardoso para ter uma sepultura com pedra tumular, na Igreja Matriz da minha terra.
De realçar que, as Misericórdias quando faziam os enterros pagavam essa verba à Fábrica da Igreja para os Irmãos poderem ser sepultados dentro da Igreja.


Cumprimentos

Zé Maria

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RE: Enterramento nas Igrejas e nos adros

#167775 | aguerreiro | 19 sept. 2007 12:51 | In reply to: #167769

Caríssimos
Vou acrescentar outra opinião. É pacífico que as "covas da Fábrica", são de propriedade da Igreja, ainda hoje existem comissões fabriqueiras. O assunto de todos serem enterrados sem excepção nas covas da Fábrica é por que grassava uma epidemia ou como tal assumida, pois nesse caso ia tudo para a vala comum e cal por cima. Só nessas situações é que deixavam de ser enterrados na igreja, exactamente para prevenir as epidemias. em V. N. de Cerveira por volta de 1850 houve uma epidemia de varíola o que fez com que o enterramento no cemitério se iniciasse, por se esgotarem os covais no adro da igreja.
Cumprimentos
aguerreiro

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RE: Enterramento nas Igrejas e nos adros

#167779 | pmcoimbra | 19 sept. 2007 13:37 | In reply to: #167769

Quero apenas acrescentar ao contributo do Álvaro Guerreiro um outro exemplo que aconteceu em Avintes, Vila Nova de Gaia, onde resido, pois em 1855 houve uma epidemia de cólera que, num curto espaço de tempo, matou cerca de 130 pessoas. Todas elas foram enterradas numa série de covas pertencentes à Fábrica da Igreja, primeiro dentro da Igreja, depois no adro, pois o espaço no interior da Igreja começava já a faltar. Os cadáveres foram enterrados sem distinção de classes ou famílias pois a sua deposição rápida era fundamental para conter a epidemia.

Cumprimentos,
Pedro Morais Coimbra

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RE: Enterramento nas Igrejas e nos adros

#168300 | FraQueiroz | 23 sept. 2007 22:05 | In reply to: #167779

Em resumo, há que verificar primeiro qual ano em que surgem os ditos registos (antes de 1833 e após 1833 são coisas muito diferentes, por exemplo) e comparar com outros livros de óbitos de anos anteriores e posteriores da mesma paróquia, para ter a certeza que todos os enterramentos em "covas da fabrica" não foram uma situação excepcional num dado período. Lembro também que alguns padres eram pouco cuidadosos nos registos de óbito e tendiam a repetir sempre o mesmo texto, ainda que os locais de enterramento fossem variando.
FQ

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RE: Enterramento nas Igrejas e nos adros

#168322 | JoãoGaspar | 24 sept. 2007 00:51 | In reply to: #167769

Caro Zé Maria,

Perdoe-me a ignorancia, mas afinal os Sepultados na Cova da Fábrica seriam pobres ou errantes sem familia ou seriam pessoas abastadas?

Cumprimentos

João Paulo Gaspar

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RE: Enterramento nas Igrejas e nos adros

#168354 | josemariaferreira | 24 sept. 2007 12:36 | In reply to: #168322

Caro João Paulo

O que me dá a entender nas pesquisas que tenho efectuado, é que todas as covas eram da Fábrica, quer elas ficassem dentro ou fora da Igreja, a menos que alguém a tivesse já adquirido, então aí passava a ser propriedade da pessoa que a adquirira.
Os enterramentos dentro da Igreja estavam reservados aos cristãos, os mais ricos ficavam junto ao Altar-mor ou na Entrada da Porta Principal ou Portas Travessas, aos mais pobres estavam reservadas as covas na nave.
Apesar do adro também ser considerado chão sagrado os cristãos de uma maneira geral evitavam enterrar nele os seus fieis, por ficarem expostos a profanações, assim este espaço ficava reservado aos escravos, aos mendigos, e outros sem abrigo, que eram sepultados em cova da fábrica por graça de Deus, isto é "de graça" porque também não tinham recursos para pagar.
Os enterramentos dentro da Igreja eram pagos e se o cristão fosse pobre que não tivesse recurso então aí a Irmandade da Misericórdia fazia-lhe o funeral e pagava as respectivas custas, onde se incluía evidentemente o preço da cova pago á Fabrica da Igreja.

Cumprimentos

Zé Maria

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RE: Enterramento nas Igrejas e nos adros

#168379 | JoãoGaspar | 24 sept. 2007 15:06 | In reply to: #168354

Caro José Maria,


Muito obrigado, acho que entendi agora o que seria a Fabrica da Igreja.

Cumprimentos

João Paulo

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RE: Enterramento nas Igrejas e nos adros

#168430 | small | 25 sept. 2007 00:34 | In reply to: #167769

Caro José Maria Ferreira
Tenho um antepassado meu, militar, que foi sepultado na Igreja Matriz de Bragança. O assento de óbito ocorrido em 1837 (em consequência da revolta) poucas informações contém.
Partindo do principio que para ser enterrado dentro duma Igreja tinha que se pagar, onde posso pesquisar mais elementos? Na Igreja Matriz de Bragança?
Creia-me grata. Cumprimentos

Stella

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RE: Enterramento nas Igrejas e nos adros

#168435 | JoãoGaspar | 25 sept. 2007 02:08 | In reply to: #168354

Caro Zé Maria,

Vou mostrar-lhe os exemplos de registos de obitos que tenho de antepassados e os termos em que aparece o seu registo de obito para que entenda as minhas duvidas:

1665 (cerca) – Faleceu Manuel Gomes de Sousa,o Gura,. Jaz nesta Matriz em Cova da Fabrica.

1665- Faleceu João Gomes de Sousa, sepultado na Matriz, fez testamento.

1665 – Faleceu António Gomes de Sousa, (pagina 64) jaz sepultado em cova da fábrica por estar os N (?) que têm nesta Matriz.

1666 – Faleceu Maria de Sousa, mulher que foi de Rodrigo Dias de Novais, Jaz Sepultada nesta Matriz.

1668 – Faleceu Rodrigo Dias de Novais, Sepultado em Cova Própria.

Abril 1666.Faleceu Dona Filipa de Sousa, mulher de Fernando de Sousa da Silva. Dona da Quinta do Montijo. Sepultada nos Cadafais (?)

O que seriam os Cadafais?
Porque existe a diferenciação entre "sepultado em cova da fabrica" e sepultado nesta matriz?

sinceros cumprimentos

João Paulo

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RE: Enterramento nas Igrejas e nos adros

#168482 | josemariaferreira | 25 sept. 2007 12:50 | In reply to: #168435

Caro João Paulo


1-Jaz nesta Matriz em Cova da Fabrica.
2-sepultado na Matriz,
3-jaz sepultado em cova da fábrica
4-Jaz Sepultada nesta Matriz
5-Sepultado em Cova Própria
6-Sepultada nos Cadafais

Todas as terminologias querem dizer a mesma coisa: que o defunto foi enterrado ou sepultado.


1-No primeiro caso especifica que foi enterrado em cova da fábrica dentro da Igreja.

2-No segundo não especifica em que cova foi enterrada, poderá ter sido numa cova da fábrica, cova ou jazigo particular dentro da Igreja.

3-O terceiro não especifica se foi enterrado em cova da fábrica dentro ou fora da Igreja (adro).

4-O quarto não especifica se foi enterrada em cova da fábrica ou particular, dentro da Igreja.

5-O quinto não especifica se a cova particular era fora ou dentro da Igreja, mas subentende-se que seria dentro da Igreja que era geralmente onde os cristãos ricos, porque dispunham do dinheiro, adquiriam a cova que poderiam depois mandar cobrir ou não com uma pedra sepulcral.

6-O sexto trata-se de um defunto, possivelmente freguês daquela paróquia, ou de outra paróquia ali residente ou assistente, que foi a enterrar fora da localidade, neste caso Cadafais que era, e é ainda, uma localidade, freguesia de concelho de Alenquer.

Quanto ao assento:
1665 – Faleceu António Gomes de Sousa, (pagina 64) jaz sepultado em cova da fábrica por estar os N (?) que têm nesta Matriz.

Deixa entender que foi enterrado em cova da fábrica por algum motivo alternativo.
Talvez porque os jazigos ou covas da família que tinham na Igreja estivessem ocupados (cheios)?

Os melhores cumprimentos

Zé Maria

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RE: Enterramento nas Igrejas e nos adros

#168483 | josemariaferreira | 25 sept. 2007 12:59 | In reply to: #168430

Cara Stella

Procurar se no Arquivo Distrital de Bragança se encontram os Livros do Tombo da Igreja Matriz de Bragança.

1-Os Livros da Fábrica da Igreja ou Livros de Receita e Despesa da Fábrica da Igreja, que eram os seus livros de contabilidade.

2- Se em 1837, já estava instalada a Junta da Paróquia nos respectivos livros de receita e despesa.


Cumprimentos

Zé Maria

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RE: Enterramento nas Igrejas e nos adros

#169535 | FraQueiroz | 07 oct. 2007 18:47 | In reply to: #168354

Caro confrade José Maria Ferreira
Muito embora o que diz seja genericamente correcto, nao posso deixar de alertar para o facto de não dever ser tomado como a regra durante tantos séculos em Portugal, sobretudo no que diz respeito aos enterramentos em adros, pois o cenário é bem mais complexo do que possa parecer à primeira vista. Aliás, os locais de enterramento na Idade Média dependiam de costumes algo diferentes, sobre os quais sabemos ainda muito pouco, por não existirem registos paroquiais sistemáticos e por faltar também bibliografia credível e aprofundada sobre o tema. Por outro lado, a partir da segunda metade do século XVIII também existem mudanças de costumes, especialmente em zonas urbanas (já para não falar de casos excepcionais ou de situações excepcionais, que não foram tão poucas quanto isso, como tive oportunidade de estudar).
Referi também atrás que o significado de um mesmo sítio de enterramento antes de 1833 e após 1833 podia ser muito diferente.
Devo também corrigir o seguinte: "Os enterramentos dentro da Igreja estavam reservados aos cristãos" - isto é falacioso, tendo em conta o que referiu de seguida sobre os adros. De facto, o adro também era espaço reservado ao enterramento de cristãos, ou melhor dizendo, de católicos, porque nao era permitido que se enterrassem protestantes em adros. Os adros, mesmo quando neles se fazia comércio, eram um espaço sagrado (o que, aliás, ainda hoje dá origem a questões jurídicas interessantes). Aliás, antes de todos os portugueses serem "forçados" a professar o catolicismo, os escravos de Lisboa seriam por norma sepultados num sítio pouco digno e que terá dado origem ao topónimo "Poço dos Negros".
Os confrades que se interessem por estas questões dos locais de enterramento e inerentes questões religiosas poderão ter interesse nas visitas guiadas que a Câmara do Porto vai organizar nos dias 20 e 21 de Outubro aos cemitérios britânico e do prado do repouso.
Cumprimentos
Francisco Queiroz

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RE: Enterramento nas Igrejas e nos adros

#169663 | josemariaferreira | 08 oct. 2007 23:04 | In reply to: #169535

Caro Francisco Queiroz

Quanto ao primeiro ponto, acho bem que tenha feito o reparo. O caso por mim relatado é localizado numa zona do Sul de Portugal e não teve em conta a generalidade do País ou colónias.
Enquanto na minha terra o enterramento em cemitério se passou a fazer a partir de 1836, no Brasil, já no séc. XVII haviam localidades onde se faziam os enterramentos fora das Igrejas, em contrapartida ainda no ano de 1844, no Minho haviam movimentos que se manifestavam em oposição em cumprir com a determinação do governo de acabar com os enterramentos nas Igreja, movimentos esses que até levaram a Revolução da Maria da Fonte!

Quanto ao segundo ponto não estou de acordo quando diz que eu sou falacioso quando afirmei:

“Os enterramentos dentro da Igreja estavam reservados aos cristãos, os mais ricos ficavam junto ao Altar-mor ou na Entrada da Porta Principal ou Portas Travessas, aos mais pobres estavam reservadas as covas na nave.
Apesar do adro também ser considerado chão sagrado os cristãos de uma maneira geral evitavam enterrar nele os seus fieis, por ficarem expostos a profanações, assim este espaço ficava reservado aos escravos, aos mendigos, e outros sem abrigo, que eram sepultados em cova da fábrica por graça de Deus, isto é "de graça" porque também não tinham recursos para pagar”.


Em principio o enterramento dentro igreja era só para os cristãos, mesmo o enterramento no adro seria considerado um luxo para a altura, pois ainda no final do séc. XV, quando se formaram as Misericórdias, um dos trabalhos dos Irmãos destas instituições eram recolher as ossadas dos ateus, dos infiéis e dos condenadas à morte, cujos cadáveres eram muitas vezes colocados nos campos para serem devorados pelas aves de rapina e animais selvagens.
Ainda em no princípio do séc. XVII, constatei registos de óbitos de escravos, onde o Prior da minha terra ignorava o local onde eles tinham sido enterrados, possivelmente na melhor das hipóteses, teriam sido enterrados nos campos do Senhor ou então os seus cadáveres pura e simplesmente atirados aos necrófilos, cujas ossadas seriam depois recolhidas por mãos misericordiosas.

Melhores cumprimentos

Zé Maria

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RE: Enterramento nas Igrejas e nos adros

#169665 | josemariaferreira | 08 oct. 2007 23:20 | In reply to: #169663

PS. Peço desculpa queria escrever: necrófagos (...)

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RE: Enterramento nas Igrejas e nos adros

#169791 | FraQueiroz | 10 oct. 2007 18:39 | In reply to: #169665

Caro José Maria Ferreira,

Disse na sua mensagem que "enquanto na minha terra o enterramento em cemitério se passou a fazer a partir de 1836, no Brasil, já no séc. XVII havia localidades onde se faziam os enterramentos fora das Igrejas, em contrapartida ainda no ano de 1844, no Minho haviam movimentos que se manifestavam em oposição em cumprir com a determinação do governo de acabar com os enterramentos nas Igreja, movimentos esses que até levaram a Revolução da Maria da Fonte".
– Acrescento: é por isso mesmo que não se pode generalizar. Quando se quer perceber o que significa o enterramento de alguém num determinado local num determinado ano, há que estudar os costumes desse local em épocas anteriores e posteriores. Repare: diz que na sua terra os enterramentos começaram a fazer-se em cemitério a partir de 1836. Pois eu posso garantir-lhe que, mesmo sem saber que terra era essa, o respectivo cemitério não seria na época melhor em condições e em dignidade arquitectónica do que vários dos adros minhotos – região que tem sido abusivamente ligada a uma maior resistência às mudanças no modo tradicional de inumar. É que a fronteira entre adro e cemitério é muito ténue. Avaliar a dignidade de uma sepultura em função do local comporta grandes riscos. Por outro lado, a estrutura do território do Minho é muito diferente da do Alentejo e Algarve. E para não complicar muito mais, lembro apenas que os governadores civis também não foram os mesmos...
Já agora, para que não se crie aqui outro equívoco, devo esclarecer o confrade quando diz que "no Brasil, já no séc. XVII havia localidades onde se faziam os enterramentos fora das Igrejas". É que também em Portugal as havia! Suponho que não pretendia dizer que já havia localidades no Brasil em que TODOS os enterramentos faziam-se somente fora das igrejas, pois não conheço qualquer caso em que isso tenha sucedido. A mais recente bibliografia sobre o tema no Brasil não aponta para aí. Eu suponho que, tal como sucedeu em Espanha (e em Portugal) nalgumas povoações criadas de raiz durante o Iluminismo, o facto de não haver ninguém a residir no local antes de se estabelecer uma norma significava a ausência de um costume que pudesse constituir entrave. Mesmo assim, e o caso de Vila Real de Santo António é paradigmático, aquilo que se pretendia impor era geralmente contrariado pela população, mesmo em zonas para onde os colonos vinham habitar "do zero". Não nos esqueçamos que estes trazem a sua cultura e que estes locais ficavam geralmente fora das grandes preocupações políticas e higienistas.

Quanto ao outro aspecto da sua mensagem, eu não disse que o estimado confrade era falacioso, mas sim que havia uma falácia em parte do que colocou na sua mensagem deste fórum. Ora, é meu dever alertar para esse facto, não só porque estudo o tema há vários anos, mas também porque as falácias podem ser mais perniciosas que os disparates, pois dão a todos a ideia de que estão correctas, eternizando determinados clichés que já vêm de trás.
Não está correcto dizer que "os enterramentos dentro da Igreja estavam reservados aos cristãos" por oposição ao adro, ainda que tenho referido na sua mensagem ser este espaço também sagrado.
Como sabe, cristão não é o mesmo que católico. Lembro que começa-se a fazer o registo sistemático dos óbitos após a chamada Contra-Reforma e que nesse contexto, até praticamente ao Liberalismo, todos os portugueses tinham de ser católicos (não era suficiente ser cristão, pois os protestantes eram muito mal vistos). Ou seja, todos os portugueses de nascimento podiam ser sepultados nas igrejas, salvo raríssimas excepções, que muitas vezes nem sequer se aplicavam. Por conseguinte, não se deve usar a expressão "reservado aos cristãos". Inclusivamente, passaram pelas minhas mãos casos de católicos depois excomungados cujo enterramento foi tolerado no espaço sagrado das paróquias (facto que se entende bem porque grande parte dos excomungados vivia em sociedade e tinha família católica...). As prescrições dos Concílios e da Santa Sé, assim como as normas de carácter laico (sobretudo a partir da segunda metade do século XVIII) foram sistematicamente contornadas no âmbito local. E é este pressuposto que explica em parte porque aquilo que era oficialmente proibido se fazia e porque aquilo que era costume num sítio não era costume uns quilómetros mais adiante.

Quanto às misericórdias, tenho de rectificar novamente:

a) "mesmo o enterramento no adro seria considerado um luxo para a altura, pois ainda no final do séc. XV, quando se formaram as Misericórdias, um dos trabalhos dos Irmãos destas instituições eram recolher as ossadas dos ateus, dos infiéis e dos condenadas à morte, cujos cadáveres eram muitas vezes colocados nos campos para serem devorados pelas aves de rapina e animais selvagens".
- temos de ter em conta a proporção dos que podiam ser enterrados no adro face aos que não podiam por tal lhes ser vedado. Ora, os que não podiam eram uma minoria tão insignificante que em determinadas regiões do país mais profundo quase nem existiam. Por isso é incorrecto dizer que "mesmo o enterramento no adro seria considerado um luxo para a altura". Continua a ser incorrecto afirmá-lo, mesmo se tivermos em conta aqueles que podiam ser enterrados no adro, mas cujas condições sócio-económicas ou circunstâncias geográficas não o permitiam em muitos casos. Continuamos a falar de uma pequena minoria e cingida quase só a algumas zonas mais urbanas. Isso mesmo irei demonstrar em seguida.
- é verdade que as misericórdias tinham a seu cargo o destino a dar aos cadáveres de indigentes, muito pobres, criminosos que viviam fora da sociedade e condenados à morte. Porém, todos estes falecidos eram – à partida – católicos. Lembro que as misericórdias implantam-se a partir do fim do século XVI, mas a maioria só tem estatutos e edifício próprio já após a criação da Inquisição, sendo que as primeiras misericórdias portuguesas foram sobretudo formadas para gerir hospitais gerais (substituindo os antigos hospícios medievais). Ora, até ao século XIX, nos hospitais portugueses morria gente e essa gente era – por princípio – católica. A grande diferença face aos outros católicos é que os falecidos em hospitais não tinham bens ou família que os acolhesse. Eram os mais pobres dos pobres e a sua sepultura só dava encargo às paróquias, não sendo exigida por ninguém (hoje dir-se-ia que estes mortos não "davam votos"). Por isso, nos séculos XVI a XVIII, quem não tinha dinheiro ou bens e (também por isso) morria num hospital era geralmente enterrado a cargo da misericórdia num terreno próximo, não para que os corpos fossem devorados pelos animais, mas porque não se pretendia encarecer aquilo que já era um grande encargo. Não se deve confundir uma intenção com uma consequência ocasional. São vários os relatos de profanação destes terrenos por animais, mas isto também sucedia em adros e mesmo em cemitérios já no século XIX! Nos espaços de enterramento das misericórdias (vulgo, "cemitérios de hospitais") as condições de asseio e salubridade eram geralmente negligenciadas. Pudera: os mortos que ali ficavam não recebiam visitas (lembro que se tivessem família que os acolhesse, não tinham necessidade de "ir morrer" ao hospital da misericórdia). Eram espaços de completo abandono, até porque não havia altar ou culto e isso explica porque razão se associam a estes "cemitérios de hospitais" cenários de profanação por animais. Há até uma expressão que ainda se usa e que diz respeito a um destes "cemitérios": "mandar alguém para as malvas" (matar alguém), reportando-se ao "campo das malvas", onde no Porto se enterravam as pessoas mais "reles", por encargo da misericórdia. Não era um cemitério, mas um mero terreno fora dos muros da cidade.
Agora, há que notar três pontos:
1. Nas zonas rurais não existem misericórdias. Lembro o que referi atrás quanto aos excomungados: era habitual que todos, literalmente todos, fossem sepultados no adro e/ou na igreja de uma paróquia rural (isto entre o século XVI e XVIII), com excepção de capelas particulares de gente abastada e de capelas públicas com missa, onde também podiam ser feitos enterramentos, nomeadamente quando houvesse epidemias e o espaço no interior da igreja e/ou adro paroquial fosse insuficiente para novas campas temporárias.
2. A partir do início do século XVIII, algumas misericórdias fizeram obras nos seus terrenos de enterramento de modo a que se ganhasse alguma dignidade, precisamente porque os mortos nestes espaços eram todos católicos (no ponto seguinte explico porquê o eram). Lembro os casos de Setúbal (com um altar ao ar livre e um bom portal de entrada – o que outros terrenos com a mesma função não possuíam), de Fronteira, do Porto (o "Adro dos Enforcados", que tinha até capela) e alguns mais casos.
3. O enterramento de ateus, só pelo facto de o serem, não era uma atribuição das misericórdias. Aliás, questiono: existiu alguma comunidade de ateus em Portugal entre os séculos XVI e XIX? Os dados que recolhi não apontam para aí: ou se era católico (ainda que forçado), ou se era de outra religião (tirando os excomungados que eram também católicos, embora impedidos de integrar os serviços religiosos). Ora os que em Portugal eram de outra religião (isto, entre os séculos XVI e XVIII) também não eram sepultados pelas misericórdias! Lembro que as misericórdias são instituições católicas. Aqueles que assumidamente eram protestantes foram tolerados em Portugal durante o período em que vigorou a inquisição, sobretudo por serem estrangeiros, gente de comércio, cingida aos núcleos urbanos mais cosmopolitas e onde não se gerava tanto escândalo (o que os diferenciava bastante dos judeus, que eram muitos deles portugueses, não eram sequer cristãos e viviam em regiões menos cosmopolitas). Ainda assim, os protestantes não podiam ter qualquer local de culto e não podiam ter cemitério. Sabe-se que os mortos de origem inglesa eram no Porto enterrados de forma clandestina num terreno distante da cidade e, por vezes, pura e simplesmente enterrados na foz do Douro em baixa-mar. Como se depreende, não há aqui qualquer intervenção de misericórdias. Depois, graças a um tratado que demorou décadas a surtir efeito, lá conseguiram os britânicos criar alguns cemitérios próprios nos locais onde as comunidades tinham mais expressão, mas com muros tão altos que ainda hoje são "invisíveis" pelo exterior. Os demais protestantes não britânicos foram sendo também enterrados nestes recintos, o que prova bem como não tinham força suficiente para fazer valer a sua condição (isto, até meados do século XIX, quando surgem as primeiras excepções, como o cemitério alemão de Lisboa e o cemitério judaico de Faro).
Como vê, caro confrade, um protestante – mesmo sendo um cristão – não podia ser enterrado numa igreja, nem sequer num adro, nem sequer num "cemitério" de hospital, por mais deplorável que fosse este "cemitério". E este cenário durou mais de três séculos. Enquanto não houve cemitérios protestantes em Portugal, as condições de enterramento dos cristãos não católicos foram pouco dignas, mas por razões diferentes daquelas que referi para os que morriam no hospital. Não se pode, pois, colocar tudo no mesmo saco.
Quanto aos escravos, muito embora não tenha estudado esse caso em particular, creio que há que ter em conta sobretudo a sua condição económica totalmente dependente. A partir da Contra-Reforma, mesmo os escravos tinham de ser católicos. O facto de serem escravos significava que não tinham família que pudesse pagar a sepultura à paróquia e, ainda que pudessem evitar morrer num hospital de misericórdia (porque tinham habitação junto dos seus senhores), o seu enterramento seria certamente o mais negligente que se possa imaginar. Mesmo assim, não creio que fossem propositadamente atirados os seus cadáveres aos animais. Até o já referido "poço dos negros", que deve ser entendido no contexto da única cidade do país que tinha de facto muitos escravos, foi – quanto a mim – um modo demasiado simples e económico de tratar da questão da morte dessas pessoas.
Peço desculpa por tão grande mensagem. Queria apenas esclarecer o melhor possível, porque este tema não é tão linear como possa parecer.
Cumprimentos
Francisco Queiroz

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RE: Enterramento nas Igrejas e nos adros

#169802 | small | 10 oct. 2007 21:52 | In reply to: #168483

Caro José Maria Ferreira.

Recebi hoje a resposta do Arquivo Distrital de Bragança. O sepultamento a que me referi, foi efectivamente feito na Igreja de S.Francisco e não na Sé.
"A Igreja de S.Francisco era uma igreja conventual, na qual eram sepultados, na maioria das vezes, militares, uma vez que nesta altura, o hospital funcionava no convento de S.Francisco, junto à igreja"
O ADBragança não tem este acervo. Vou tentar de novo o AHM, talvez seja a entidade que mais informação tenha, àcerca do referido oficial.

Agradeço a sua informação

Stella

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