Criminosas Portuguesas do Século XIX
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Criminosas Portuguesas do Século XIX
Caros confrades,
O jornal expresso tem andado a relembrar algumas das mais conhecidas criminosas portuguesas do século XIX, entre elas encontram-se: Guilhermina Adelaide Couto Melo de Araújo Cepa (a professora lisboeta de piano que roubava os alunos e ourivesarias), Maria da Luz Botelho Baptista (a dona de casa açoriana que matou o marido com arsénio), Maria José (a mulher que mata a própria mãe, separando os membros e cabeça do tronco), Virgínia Augusta da Silva (a mulher que mata o marido com a ajuda do cunhado, foge com o amante, casa com o merceeiro seu vizinho e descobre ser exposta da roda dos enjeitados).... são algumas estas histórias que o Expresso está a publicar, depois de tanto tempo e de a história as ter apagado.
Espero que esta informação vos seja pertinente.
Cumprimentos, Rui Torres
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Criminosas Portuguesas do Século XIX
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"Tinha um ar tão de menina que, quando foi apanhada pela segunda vez, o chefe da polícia decidiu reenviá-la à família ao invés de a pôr atrás das grades. Mas mãe e pai não quiseram saber dela. Maria Rosa ficou em Lisboa e a sua morada mais certa passou a ser a cadeia do Aljube. Da vigarice e furto comuns aos golpes originais, a Giraldinha ganhará fama de Portugal ao Brasil.
"Adeus gentes. Até muito breve. Cá virei matar saudades", dizia nas saídas do Aljube. De uma boca que falava habitualmente mentira, nada saía mais verdadeiro. Entre 1885 e 1895, Maria Rosa, a Giraldinha, foi sujeita a 21 detenções e cumpriu 2552 dias de prisão, isto é, quase sete anos de clausura, uma contabilidade conhecida graças ao jornalista José Maria dos Santos Júnior e à sua “Galeria dos Criminosos Célebres”.
Tanto tempo passou atrás das grades, mesmo depois de 1895, que casou no presídio. E até do outro lado do Atlântico se deu a notícia. "Amor de condenados”, titulava o "Jornal do Recife” a 12 de fevereiro de 1899. O texto versava assim: “Ultimamente realizou-se em Lisboa um casamento interessante. Foi na cadeia do Limoeiro. A noiva era uma conhecida gatuna, chamada Giraldinha; o noivo o Bailhão, havia chegado em pouco tempo da África, onde cumprira pena. Casados, a noiva recolheu-se à cadeia do Aljube onde está acabando de cumprir dois anos de prisão. Findo eles é que irão gozar a lua-de-mel. E como saberá bem esta”.
Um breve olhar sobre alguns dos passos de Giraldinha na cidade de Lisboa."
A primeira vez que foi presa estava-se no verão de 1885, era dia 4 de agosto, dizem os livros oficiais. Maria Rosa, de 17 anos, ainda sem a alcunha, "andava na vadiagem" segundo a polícia. Valeu-lhe oito dias de cadeia. Viera da Guarda, dois anos antes, servir em casa de lisboetas, uma "importação" da província habitual à época e que se estenderá pela primeira metade do século XX. Ao que parece, um roubo mal esclarecido deixara-a sem teto… Mas isso é o que se conta, não o que disse a própria.
“Não, senhor; fugi para a companhia de um rapaz de quem gostava e por causa de quem meu pai me dava maus-tratos. Quando cheguei, prenderam-me e estive no Aljube oito dias, ao fim dos quais me mandaram embora”, respondeu ao jornal “A Tarde” numa entrevista publicada a 1 de maio de 1890, data em que se comemorou, pela primeira vez em Lisboa, o dia do trabalhador, com manifestações do operariado a favor de um horário de trabalho de oito horas."
Saintclair
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continuação;
"Aos 23 anos, no auge da sua fama, até o nome nega ser seu, muito embora seja o que consta dos registos policiais; a mesma atitude tem-na em relação aos pais e ao local de nascimento. “Então não se chama Maria Rosa? perguntámos. Não é filha de José Teles Vicente Novelas e de Maria dos Ramos, não é natural de Faia, concelho da Guarda?” — questionou o jornalista, para levar por resposta: “Isso foi o que eu declarei à polícia, mas não digo a verdade a ninguém”.
“E só agora é que mudou o nome?” — insistiu Santos Júnior. “Mudei-o quando vim da minha terra, há aproximadamente três anos”, afirmou quem continuaremos a chamar de Maria Rosa, a Giraldinha, “mulher alta, bem talhada, rosto moreno e oval, olhos negros e rasgados, cabelos escuros”, como escreveu anos depois o mesmo jornalista que, na entrevista, registara: “É de estatura mediana, tez um pouco afogueada, olhos e cabelos castanho-escuros. A sua fisionomia não é antipática; há mesmo no seu olhar uma certa vivacidade que denota um espírito vulgar”.
É difícil confiar nesta gatuna encartada que deve ter sido a única a encher totalmente a primeira página de um jornal oitocentista. Por outro lado, é conhecido o pouco rigor dos relatos jornalísticos da época, muitas vezes por impossibilidade de confirmação, outras porque jornalistas e jornais serviam de fontes uns aos outros, logo, mesmo em caso de erro, a história repetia-se. Não é uma regra geral, é quase como acontece agora, quando se multiplicam na internet inverdades que passam por factos que não o são.
Mas há um nome que ela aceita sem rebuço, o de Giraldinha. Assim o disse a Santos Júnior, o qual nessa altura era jornalista de “A Tarde” e conseguiu autorização do diretor das cadeias civis de Lisboa para entrar no Aljube. A “última palavra da velhacaria”, como classifica Maria Rosa, explicou a razão da alcunha - é que sempre que lhe perguntavam de onde vinha, ela “invariavelmente” respondia “da Giraldinha”. E Giraldinha ficou.
Nesse ano de 1890, a sua fama parece consolidada. Já praticara uma das suas façanhas mais famosas, a que envolveu um assassino fugitivo, o Pardal, e a sua bem-sucedida fuga à polícia. Aplicou aqui um dos seus melhores esquemas, o trampolim para ser transformada em quadro de teatro de revista e logo em “Tim Tim por Tim”, uma peça de António de Sousa Bastos que será um êxito até no Brasil — um dos trunfos era o facto de o texto ir sendo modificado, adaptado à atualidade, e nesse âmbito entrou o episódio da Giraldinha a ludibriar a polícia dizendo-se íntima do homem mais procurado do momento.
O Pardal matara à traição o barqueiro Custódio, na travessa dos Remolares (prolongamento da rua das Flores até ao cais, hoje a avenida 24 de julho), e nos oito dias seguintes ainda não tinha sido preso, mas a Giraldinha foi-o, por vadiagem, uma vez mais. Sem dinheiro para o chamado "termo de abonação", aguardava na esquadra que lhe ditassem o destino. O alvoroço era grande, as preocupações estavam viradas para o fugitivo. Os polícias trocavam ideias, faziam descrições, tratavam de pormenores ligados ao caso. Cada vez que entrava um elemento da corporação na esquadra, os colegas punham-no ao corrente da perseguição. Quieta num canto, Giraldinha ia ouvindo, preparando a sua entrada em cena para mais uma vez evitar ser encarcerada no Aljube. E de repente fez-se luz.
“Eu sei onde está o Pardal, disse ela simplesmente, com um sorriso angélico, levantando para o polícia os seus olhares de veludo”, conta Santos Júnior, meia dúzia de anos mais tarde, na “Galeria”. É fácil imaginar o silêncio repentino, os olhos a voltarem-se para a detida. No tom sincero que lhe era peculiar, Giraldinha afirmou não só conhecer o Pardal, mas com ele manter relações íntimas desde antes do assassínio.
Maria Rosa apressou-se então a dizer que se encontrava com o homem todos os dias numa horta, onde ele por hábito se escondia. E conseguiu, sobretudo, captar a atenção de um polícia que viu ali a glória, o polícia Feijão. Giraldinha deu pormenores sobre o perseguido, papagueou tudo o mais que ouvira do seu canto, mas manifestou renitência em auxiliar a autoridade visto terem-na tratado de uma “maneira desamorável”.
Pouco depois, estava a negociar a liberdade em troca do esconderijo do Pardal, oferecendo os seus préstimos para engaiolar o assassino, cuja fuga levou a uma inovação em Portugal, muito usada nos Estados Unidos: a oferta de uma recompensa pela captura de um criminoso. O valor foi estabelecido em 50 mil réis, quantia igual à da despesa prevista no orçamento de uma esquadra de polícia para 1891, em Lisboa. A descrição física e o traje do assassino foram alvo de uma circular “enviada para 20 mil autoridades de todo o país”.
ESPERE AÍ QUE EU JÁ VENHO, E O POLÍCIA VIROU CARTEIRO
O Pardal há de ser encontrado graças à atraente oferta em réis. Porém, Giraldinha foi mais rápida a “capturar” o polícia Feijão. Este pagou-lhe a fiança e seguiu com ela, num trem a suas expensas, para o Arco do Cego, bairro onde se encontraria o Pardal. Ali chegados, a rapariga explicou-lhe o plano: ele ficava escondido, à espera, enquanto ela iria ao encontro do homem. E para que o Pardal não desconfiasse dela, Feijão esperaria que eles entrassem numa casa ali da rua para irem jantar como estava combinado e flagrava-os.
O polícia Feijão esperou um quarto de hora, meia hora, uma hora, hora e meia… “Neste ponto começou a inquietar-se!” — conta Santos Júnior. “Duas horas, duas horas e meia…” e começou a suspeitar, até que se decidiu ir em busca da vadia sabida. A quinta tinha uma entrada pela estrada de Circunvalação e uma saída para o largo do Leão. “Conheceu então, com grande assombro seu, que se deixara cair no logro com uma candura de vestal.”
O polícia Feijão passará a ser distribuidor de correio e Giraldinha só voltará a ser presa quando, precisando de dinheiro, motivo que a levava a roubar, se meteu com quem não devia. A partir do momento em que a polícia a filou, Maria Rosa nunca mais viveu muito tempo na mesma morada, muitas vezes até dormiria ao relento. De dia andava pela Mouraria, de preferência, mas a sua zona de atuação estendia-se a toda a Lisboa, até porque conforme ia ficando conhecida mais dificuldade tinha nos endrominanços. Além disso, ausentava-se da cidade quando realizava dinheiro com o ouro a prata ou as joias que “desviava” das casas de quem lhe abria a porta e acreditava nas suas patranhas.
As técnicas que utilizava para enganar as “lesmas”, que é como quem diz as vítimas, eram diversas, mas tinha as suas preferências. Uma delas era entrar num prédio com alugueres à vista e bater à porta de um dos andares. Quando a moradora aparecia, Giraldinha dizia que procurava casa, mostrava-se ofegante por ter subido as escadas e pedia um copo de água, saindo com algo valioso debaixo do xaile, talvez até debaixo do lenço garrido que sempre usava a condizer com o vestido de chita.
Recorte da primeira página do "Jornal de Recife", de 12 de fevereiro de 1899, em que foi publicada a notícia do casamento de Giraldinha com outro preso da cadeia do Limoeiro."
Saintclair
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continuação ...
"Numa das vezes em que usou outra artimanha partindo da mesma ideia fez uma descoberta surpreendente. Fazia-se passar por rapariga da província à procura de casa, com facilidade dada a sua pronúncia nortenha, quando a inquilina do segundo andar desatou aos gritos de “larga a presa, Giraldinha!”, ao mesmo tempo que tentava apanhar a gata que acabara de roubar uma pata de galinha destinada à janta.
“Chama-se Giraldinha a sua gata? que graça!” — terá dito Maria Rosa e obtido a explicação: “Chamo-lhe Giraldinha por ser tão ladra como a senhora está vendo”. A Giraldinha é “uma célebre ladra” de Lisboa, que tem artes de roubar Nosso Senhor Jesus Cristo”, acrescentará ainda a inquilina do segundo para ouvir da jovem provinciana “ora o demónio da mulher… Maldita!”.
Maria Rosa aceitará o convite para pernoitar na casa da gata sua homónima, já que, apesar de se ser ter ausentado duas horas para ir tratar do aluguer do terceiro andar, só podia ocupá-lo no dia seguinte, o que a deixava “embaraçada”, pois não conhecia mais ninguém na cidade. Dormiram tranquilas; de manhã, levantaram-se, a inquilina foi às compras e Giraldinha saiu pouco depois com o que pôde para trocar por moedas numa das muitas lojas de penhores da capital.
Por uns tempos, safava-se bem. Quando a polícia a detinha, sabendo de antemão que determinado roubo apresentava o seu carimbo, ela negava, aguentava, até ser confrontada com as vítimas, mulheres, o seu alvo preferencial para evitar confrontos físicos. Nessa altura, dizia: “Não me importava de confessar se essa lesma não tivesse tido a deslealdade de se queixar à polícia, em vez de me procurar”.
A Giraldinha era uma mulher com alguns encantos, especialmente na lábia. Os polícias, com alguma ingenuidade, acabavam por lhe achar graça, daí que as suas histórias saltassem para os jornais com detalhe. Era uma “estrela” e tinha-se em boa conta. “Eu é que não estou para fazer mais partidas, porque se estivesse não me apanhavam cá!” — foi a primeira coisa que disse a Santos Júnior quando este foi ao Aljube entrevistá-la, isto depois de lhe ter mandado dizer que estava a perder o seu tempo caso pensasse que ela iria falar-lhe.
Nesse ano de 1890, marcado pelo ultimato feito a Portugal por Inglaterra, Giraldinha, longe do problema do tráfico de escravos, cumpria pena por ter roubado a bruxa da rua da Paz à Ajuda. Parece que Francisca da Conceição Ferreira, conhecida por Chica-russa por ser ruiva, servia larga clientela de ambos os sexos e muito crente “nas suas mixórdias e rezas”, atividade que lhe proporcionava boas maquias e que atraiu a Giraldinha.
Acabada de sair do Aljube, convinha a Maria da Rosa afastar-se do centro da cidade para trabalhar mais livremente. Fez-se de cliente, de mulher perturbada por uma história de amor, e explicou que para pagar o que Francisca lhe pedia tinha de ir buscar dinheiro. Não terá tido então oportunidade para o roubo, mas mudará a agulha da estratégia quando Francisca lhe disse que ia com ela e aproveitava para pôr a pulseira de ouro a arranjar.
Foram da Ajuda para Alcântara, onde a Chica-russa, cujos palpites eram gabados, deixou a pulseira num ourives. Mal pôde, a Giraldinha desenvencilhou-se da bruxa, voltou à loja e convenceu o homem do ouro e da prata a dar-lhe a pulseira com o argumento de que a sua “mana queria consultar o marido antes do conserto”. Quando foi apanhada, por queixa da vítima, disse que vendera a joia por seis mil réis a uma desconhecida que estava na estação de comboios.
Na entrevista ao jornal “A Tarde”, Giraldinha apresentara uma versão diferente, a qual, apesar de tudo, é plausível, pelo menos em parte. Primeiro, há que lembrar que estava furiosa com a “velhaca” da Francisca, prometendo que a levaria a sentar-se também no “banquinho dos réus”; depois que, sendo quem era, diria o que lhe passasse pela cabeça para se livrar da acusação.
Maria da Rosa contou que, em 1886, quando o homem com quem vivia quis casar com outra e se separaram, recorreu à Chica-russa para inverter a situação e esta “lhe apanhara muito dinheiro por várias vezese "que o golpe da pulseira fora coisa combinada entre ambas,mas sem explicar como. Pode ser que tenha conhecido assim a dita bruxa, já que se situava em Algés, uma das casas onde morou com o enigmático padeiro de quem dizia apenas ter um nome começado por D."
O seu lema era "morrer com honra”, dizia. De uma outra vez, de novo na esquadra, com os polícias a apertarem consigo, sem nada conseguirem, ela já a ver a vida a andar para trás, Maria Rosa deu um murro na secretária e bramou "irra! é muito homem para uma mulher só!" e conseguiu um momento de descontração para ganhar forças.
Maria Rosa gostava de se meter com a polícia. Talvez até encarasse mesmo essa relação como a do gato e do rato. Logo ao princípio da carreira, a sua tática foi a de se fazer passar por parente muito próxima de um alto cargo da corporação policial. Sabia tudo sobre a família, sua vizinha na rua das Portas de Santo Antão. Quem a deteve por essa época, acreditava nela, agindo com benevolência. No dia em que a esperteza foi descoberta, ela riu-se e reconheceu não ser familiar, sim conterrânea…
O chefe da polícia fartou-se das queixas contra a Giraldinha e mandou um alerta a todos os subordinados: mal a avistassem deviam prendê-la, nada de fechar os olhos como acontecia por vezes. A rapariga soube das ordens e, quando viu um polícia na calçada do Marquês de Abrantes, avançou ela em sua direção atirando-lhe "ora ainda bem que o encontro".
De imediato, inventou uma história de que estavam ali na calçada os homens da moeda falsa, que ele, polícia, se despachasse que os falsificadores ainda se safavam. Que falasse com o cabo Jacob, que ele sabia bem do que se tratava. Ela não arredaria pé na vigia do prédio. O polícia deitou a correr "a marche marche" para a esquadra da rua dos Lagares, na Graça, uma caminhada das boas. Claro que quando lá chegou, o chefe Jacob Ferreira disse-lhe das boas mal o ouviu pronunciar o nome da informadora.
“A sensibilidade feminina é isto; ninguém sabe amar como uma mulher; ninguém como ela sabe odiar”, analisa Santos Júnior, à luz do pensamento da época, para quem a Giraldinha não aproveitou “senão muito bem as vantagens físicas de que dispunha, logo que percebeu que essas vantagens podiam ter, para os seus fins, alguma utilidade prática”.
Como acontece às celebridades, “esta criatura predestinada para a carreira do crime” teve direito a uma falsa partida deste mundo, noticiada em vários jornais do reino de dom Carlos e, claro, no Brasil. “Faleceu anteontem, no hospital do Desterro, depois de ter sofrido horrores, vitimada por uma terrível doença contagiosa, a conhecida e afamada gatuna Maria Rosa, a Giraldinha”, começava por dizer o “Século” de 1 de dezembro de 1902 e o jornal brasileiro “Fluminense” de 21 de fevereiro do ano seguinte.
“Há tempos supôs-se que tinha morrido a Giraldinha. A S. Ex. como a quem era, fizeram-se logo necrológicos de coluna e meia, com prólogo, narração, comentários e peroração, com todos os tropos e figuras de estilo. Rainha das gatunas não merece menos”, escreveu o dramaturgo português João Câmara na crónica que publicava no jornal brasileiro “Gazeta de Notícia”, desde o sucesso da sua peça “Os Velhos” no Rio de Janeiro.
“Os casos mais notáveis de sua vida aventurosa foram todos esmiuçados e no fim, como aos mortos ilustres se põe o estendal das condecorações, lá vinham todas as condenações que tivera. Inteligência não lhe faltava. Que belo tipo para episódios alegres num drama soturno do [teatro] ‘Príncipe Real’. Resultado final: uma simpatia grande pela Giraldinha, uma alegria quando foi sabido o engano e que ela vive, senhora séria e casada, degradada na Costa de África”, acrescentava nesse texto de 31 de março de 1902.
É verdade que a tuberculose a atacou durante anos, que da primeira vez que foi condenada ao degredo em África não chegou a sair de Lisboa devido ao seu estado de saúde. Todavia, a doença “só” a matará aos 40 anos de idade, pouco tempo depois de ter apanhado, na certa, o grande susto da sua vida.
No primeiro dia de agosto de 1908, uma varina de apenas 12 anos de idade aparece assassinada em Lisboa. No local, a polícia encontrou um lenço de seda e prendeu a Giraldinha e uma outra sua parceira do Aljube, a Josefa Colares. Numa ocasião ou noutra, pode ter dado um golpe menos pacífico, mas nunca praticara um homicídio.
As suas colegas do Aljube disseram à polícia que ela usava aquele lenço, emprestado pela Josefa. Esta, porém, negava que o lenço fosse seu… Acabaria por se provar que a Maria Rosa apenas se servira do lenço na cadeia para atar a cabeça, nas alturas em que lhe doeram os dentes. E a Giraldinha saiu em liberdade, uma vez mais por pouco tempo - desta feita, a tísica antecipou-se à autoridade terrena."
Saintclair
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"Algumas parcelas da sua vida são um mistério. Sabe-se que nasceu em Mangualde que o pai era Manuel Francisco Esteves e a mãe Maria Rosa, quanto à infância e à adolescência há um vazio. Foi uma contrabandista de alto gabarito, mas se começou cedo foi presa tarde, só aos 48 anos a polícia lhe registou o nome e a profissão: Antónia Rosa Esteves, vendedeira ambulante de móveis, adornos de sala e outros objetos. E, isso não disse, amante de homens jovens.
Antónia Rosa Esteves, que, a dada altura, começou a usar o apelido Conceição, vendia artigos apetecíveis a bons preços, é verdade, todavia raramente comprava… Andava sempre a “fazer jeitos” a outrem, a gente convencida de que ela lhes arranjaria compradores para as peças de que se queriam desfazer. Foi assim que endrominou, entre um rol de perder de vista, os herdeiros da maior fortuna do Portugal de oitocentos, os quais, ao contrário de muitos outros, não tiveram problemas em assumir terem sido enganados.
O conde de Burnay, de 71 anos, morreu na noite de 29 de março de 1909, no dia 31 ficou-se a saber a vontade testamental, os jornais deram conta disso. Os herdeiros — nove filhos e 43 netos — andarão às voltas com o inventário dos bens deixados por Henry ao longo de 20 anos, no entanto, Antónia Rosa só levará uns meses para beneficiar de uma parte ínfima que deve ter sido apreciável para os seus padrões de negócio.
O método usado foi o habitual. Servia para ricos e remediados. Praticava-o há tanto tempo que o seu poder de persuasão fazia inveja. Antónia Rosa soube da morte do conde Henry Burnay, aproximou-se da família, e ofereceu os seus préstimos para despachar valores, dando como garantia um retorno futuro superior ao esperado. O processo era simples e a lábia tornava-o ainda mais elementar. E eficaz, tendo em conta que conseguia vigarizar pessoas que não eram, propriamente, analfabetas.
Poucos cidadãos sabiam que Antónia Rosa Esteves, Rosa Esteves, Ana Judite Esteves, Ana Rosa, Ana da Costa ou Judite Costa era uma e a mesma contrabandista, como na altura se chamava a muitas ladras que se dedicam à venda de objetos novos e usados, mobílias, ouro, prata, roupa… “tudo que se lhes encomende. Põem até uma casa para uns noivos”, dizia o jornalista da “Galeria dos Criminosos Portugueses Célebres”, em 1907, acrescentando: "De contrabandistas nenhuma delas tem nada, pois não consta que alguma das que por aí andam com esse título se entregue ao mister de passar candonga”.
A polícia e os jornais só se aperceberam da existência de Antónia Rosa Esteves, ainda sem usar “da Conceição”, a partir de 1902, ano em que terá sido presa pela primeira vez. A polícia deu com ela no terceiro andar do n.º 4 da calçada do Forno do Tijolo, onde vivia num quarto alugado, seguindo a estratégia da mobilidade usada no seu meio, já que a miséria predominava entre os “vadios” e a polícia não lhes dava descanso, prendendo-os muitas vezes só para os tirar temporariamente das ruas.
Mas quando, em fevereiro de 1902, a lisboeta nascida em Mangualde a 13 de novembro de 1853 se viu na esquadra para ser interrogada pelas autoridades, as razões para a sua detenção abundavam. Tudo começou por uma queixa de um militar reformado que se dizia ludibriado até à falência, por uma mulher chamada Antónia Rosa Esteves a quem confiara todo o seu pé-de-meia e de quem esperava ter recebido o triplo ou mais ainda. A notícia saiu nos jornais e as vítimas foram às esquadras em romaria.
“Vai-se a um leilão e compram-se por dez réis de mel umas belas jarras do Japão da Índia, umas figurinhas magníficas de Sache, uns pratos valiosos uns tapetes persas, umas colchas riquíssimas, uns relógios antigos, umas miniaturas de alto mérito. E depois com as relações que eu tenho em casa da duquesa de tal, do marquês daqui, da viscondessa de acolá, vendem-se esses objetos por um dinheirão”, disse Antónia a José Silvestre, quando por obra e graça do destino soube que este pretendia investir mais de 300 mil réis em algo que rendesse mais do que ações de empresas, juros bancários ou subscrições do Estado.
Ela sabia tudo sobre o negócio, achava-se perita em fazer fortuna, o problema é que não tinha meios. “Olhe, ainda no mês passado eu vendi para casa do general F… por cem libras, um candeeiro de bronze que arrematei num leilão por 54 mil réis”, disse-lhe ela, segundo contou o reformado à polícia, dizendo que ele lhe retorquira que, na certa, ela deveria ganhar muito dinheiro. O homem estava desconfiado, mas acreditou na resposta: “Podia ganhar, podia! E sabe porque é que eu não faço uma fortuna em pouco tempo? Porque me falta o melhor… que é o dinheiro para empatar ”.
José Silvestre, como a maioria das suas vítimas, acreditou na multiplicação dos réis sem trabalho extra. Primeiro, Antónia pediu-lhe 27 mil para o leilão de umas jarras a que chegou tarde. Não lhos devolveu, não valia a pena, tinha em vista um outro negócio, umas colchas riquíssimas, mas precisava de mais cem mil réis. Era “trigo limpo”, renderia duzentos ou trezentos mil para cada um. Passou meses com esta conversa, de leilão em leilão, de artigo em artigo, e o militar reformado largava o dinheiro e nada de retorno. Nem via metal sonante nem a mercadoria que a sócia supostamente adquiria.
Cada um goza a vida o melhor que pode
“É desenganar: só ganha dinheiro quem tem dinheiro”, dizia ela. E não possuía nada, vivia no trapézio, apesar de embolsar milhares de réis com alguma facilidade. E porquê? Por que fazia questão de sustentar a sua corte de mancebos de barba rala. Tudo quanto ganhava ia direitinho para quem a encantava. Ela que “era mulher para embarrilar meio mundo”, deixava-se enrolar pelos amantes. “Cada um goza a vida o melhor que pode, e que é nisso que reside a ciência de viver”, era a sua crença.
“Pelos olhos gaiatos de um catita de dezoito anos, seria capaz de dar a sua vida”, afirma o jornalista da “Galeria” que constatara que Antónia Rosa nunca pretendera “entesourar o dinheiro das suas vítimas: pelo contrário, distribuía-o com largas mãos pelo José, pelo António, pelo Francisco, pelo Zacarias, por todos aqueles felizes que se lambem com as suas carícias”. A somar a estes gastos ainda havia a lotaria, na qual jogava “freneticamente” para ver se lhe saiam os 12 milhões da sorte grande."
Saintclair
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A história de Zé Borrego
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"Tem 50 anos a história do homem que desceu até Lisboa para acabar com os homossexuais. Depois desse caso nenhum outro se lhe assemelhou.
O sucateiro de Carqueja, Torres Vedras, não é um assassino em série. Os três homicídios que lhe são atribuídos não reúnem o conjunto de características que, de acordo com os investigadores criminais, podem servir para o catalogar como um assassino em série. Para encontrar, em Portugal, alguém que corresponda à designação, é necessário recuar até ao final da década de 1960, altura em que o comerciante Zé Borrego desceu das serranias até Lisboa para, a mando de um poder divino, matar homossexuais, esquartejar os corpos e espalhá-los junto a linhas de água, onde finalmente seriam purificados.
Zé Borrego, homem de grande compleição física, de grande fé e igualmente dotado de uma grande dose de crendice, deixou um dia as serranias da Beira Baixa e rumou a Lisboa. Agia, conforme confessou mais tarde ao agente da Judiciária responsável pelo seu caso, mandado por Nossa Senhora. A sua missão, nas ruas de Lisboa, era acabar com o pecado.
O pecado, segundo a cartilha de Zé Borrego, tinha um rosto: a homossexualidade masculina. Foi assim que se aproximou de cinco pessoas, que as seduziu e que, em quartos de pensões, acabou por as estrangular. Depois, esquartejou-as, meteu os restos dos seus corpos em sacos plásticos e espalhou-os junto à água. Apareceram restos mortais em Paço de Arcos, mas também nas margens do Trancão, em Sacavém.
Após semanas de investigações a polícia chegou a Zé Borrego, que depressa confessou e justificou os crimes.
Os dias que se seguem são passados com o suspeito a prestar declarações na Judiciária e a ir dormir à antiga Penitenciária de Lisboa. Com o decorrer dos depoimentos Zé Borrego ganha confiança com o agente responsável pelo processo. Criam uma certa empatia. O homem a quem Nossa Senhora ordenou um dia que descesse a Lisboa para acabar com a homossexualidade masculina passou a ter no polícia um amigo, que escutava as suas razões e não as reprimia a murro e pontapé. É que, na Penitenciária, os seus crimes já lhe haviam merecido algumas surras.
Zé Borrego acaba por dizer ao polícia que tem ainda de matar mais duas pessoas. Desta feita já não são homossexuais. São dois guardas prisionais que o terão espancado em diversas ocasiões. O agente da Judiciária, sempre paciente, pede-lhe um favor: que não mate mais ninguém.
A honra não é palavra vã para Zé Borrego, que aceita o pedido do polícia (para não voltar a matar), mas que impõe uma condição. Diz que para poupar a vida aos guardas prisionais tem de acabar com a sua. "Você não se mate aqui [nas instalações da Judiciária], que isso é dar-nos ainda mais trabalho", responde-lhe, meio distraído, o polícia. Zé Borrego, homem de palavra, volta nessa noite para a Penitenciária de Lisboa. Na manhã seguinte é encontrado morto na cela, pendurado pelo pescoço."
No caso do homem suspeito da morte dos três jovens, em Carqueja, não é conhecida uma obsessão como a de Zé Borrego. O que se lhe conhece da personalidade não o aponta como um assassino em série. A mesma característica não é, de resto, condizente com o que se conhece relativamente a outros homicidas portugueses que nos últimos anos têm enchidos páginas de jornais.
O "Estripador de Lisboa" matou, em 1990, cinco prostitutas. Todas eram toxicodependentes e algumas estavam infectadas com o vírus da sida. Oficialmente o assassino, que esventrava as vítimas e espalhava as vísceras pelo chão, não é conhecido. Oficiosamente sabe-se que a história destes crimes até foi contada em livro escrito pelo suspeito, o qual veio a morrer com sida. Os casos do cabo Costa, de Santa Comba Dão, que violou três jovens, matando-as e escondendo os cadáveres, bem como Vítor Jorge, que matou a tiro sete pessoas na Praia do Osso da Baleia, não reuniram características, psiocológicas e de actuação, que permitissem declará-los como assassinos em série."
Sc.
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Cheias em Portugal Nov. 1967
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"Foi há 50 anos. Na noite de 25 para 26 de novembro, uma chuva fortíssima e imparável matou centenas de pessoas que viviam em habitações pobres na cintura de Lisboa. A tragédia marcou o arranque de muitos jovens para a atividade política."
http://observador.pt/2017/11/24/cheias-de-1967-21-fotos-do-rasto-de-morte-que-salazar-quis-ocultar/
Sc.
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Crimes sem castigo
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O advogado Rui Silva Leal afirmou esta semana, no Trib. de Coimbra, que a policia Judiciária
sabe quem matou em Nov. de 2012, a vitima do crime de -Montes Claros-, assassinada com
mais de doze tiros.
Segundo o Jurista, cujas palavras forem divulgadas, segunda-feira dia 04, em primeira-mão,
pela edição electrónica do Jornal " Campeão ", o Inspector José Cardoso, titular do inquérito
à morte de Filomena Gonçalves, "descobriu tardiamente "o(a) homicida.
...[ excerto da notícia]
Jornal 07 Fevereiro 2019, Campeão-Coimbra.
Saintclair
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ORDEM MORAL
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http://cinept.ubi.pt/pt/filme/10821/Ordem+Moral
https://www.rtp.pt/play/p8690/ordem-moral
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Criminosos Portugueses Século XVII
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"Aqui reproduzida (…) intitulava-se Rei Mendes, ostentava brasão fidalgo de cinco asas de oiro, cortadas a sangue. A virgindade e o pudor foram gáudios nas suas mãos. Das cerca de 4 dezenas de crimes acusados, nenhum negou nem mostrou arrependimento. Com a espada espalhou o pavor por muitos lugares a mulheres e filhas, condenadas ao seu ímpeto de raiva e de lascívia. A abadessa de Montemor quando o pressentia nas redondezas fechava as portas do mosteiro. Em Cantanhede, mal se ouvia o seu nome, as mulheres tremiam e enterravam as pratas. Na estrada de Ansião, caminhava uma liteira, com uma moça púbere e o seu velho pai. O perverso cai em cima do liteiro com a pistola mata o velho, com a espada, leva a moça, que violenta, tem-na uma noite a dormir na sua esteira e de manhã lança-a na estrada, ao desemparo. No outro dia cobiça uma viúva, moça rica do Carrascal; Francisca Gaspar. De noite assalta a casa, assassina os criados, amordaça-a, possui-a pela violência, rouba-lhe dois relicários de diamantes, e deixa-a desmaiada ao pé dos cadáveres. Ao se cruzar com Silvestre Pires, pede-lhe a filha para conhecer, contrariado agarra um arcabuz e vareja-o. Fez o mesmo pedido à mulher de António Roiz, reclamando-lhe uma filha, os pais acedem, a tremer de medo, mas, a rapariga recusa-se a entrar na sua casa de Ansião, o fidalgo procura-a, dá com ela ao pé dos sovereiros, amordaça-a, estropia-a, amarra-a a um tronco e a cantar retalha-lhe as costas com um vergalho dos bois. Na estalagem da Maria Simões em Tentúgal, numa noite dois homens e a irmã, moça bonita que ele seduz e se oferece para a levar por uma pataca de prata. Os irmãos saltam, acodem; o primeiro fica na espada do fidalgo; o segundo cai com dois quartos de arcabuz no peito, a moça é ultrajada nos catres da estalagem. Foi preso por querer roubar a prata da mochila num alforge. Resiste, mata um meirinho a tiro, e evade-se; quer escalar de noite o mosteiro de Santa Clara. Herdeiro no Baixo Mondego fortificou-se acastelado, como régulo na Carapinheira. Onde meirinhos e quadrilheiros o prenderam, e viu a espada de toda a vida lhe saltar para um carvalhal. Quiçá ainda se conserva, tem escrito Alconzo de Sahabon Toledo e, do outro lado Dios y mi honor. O bárbaro chorou e, entregou-se. A sentença é cruel, tal qual ele foi durante a vida inteira: decapitação. Quando lhe lêem a sentença, pálido, ramalhante de resários e de cruzes, balbucia, numa voz apagada: Quero comungar.
De estirpe fidalga, pelo pai João Ferreira Couceiro, recorreu ao desembargo que lhe confirma a morte por degolação, na madrugada de 6 de novembro de 1679. O corpo foi dividido: parte da mão direita em Ansião e as outras três em Montemor, Tentúgal e Carapinheira com a cabeça."
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