Dona Domingas Rodrigues, Cuiabá - Pantanal, 1730

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Dona Domingas Rodrigues, Cuiabá - Pantanal, 1730

#56048 | Ricardo de Oliveira | 25 janv. 2004 01:53

Lendo a mensagem do colega JMSA sobre Cuiabá, resolvi colocar esse tópico sobre uma jovem senhora, provavelmente fidalga, que passou por difícil conjuntura no Pantanal de Mato Grosso. Se alguém tiver mais algum dado seria curioso.

Nos primeiros dias de junho de 1730 uma longa coluna de imensas canoas carregadas com bens e homens, formando uma pequena flotilha fluvial, atravessava as águas no coração continental da América do Sul, próximas aos afluentes do Rio Paraguai. Há vinte dias que a coluna fluvial havia partido de Cuiabá e nela seguiam cerca de quatrocentas pessoas, desde experientes sertanejos-bandeirantes até mulheres nascidas em Portugal e muitos escravos africanos remadores. O roteiro Lisboa-Cuiabá era o mais demorado em todo o Império. Uma viagem de ida e volta demorava bem mais que um ano. Também viajava o Ouvidor Antonio Alves Lanhas Peixoto com sessenta arrobas de ouro, inclusive o carregamento da Coroa, resultado da produção de vários meses das minas de Mato Grosso. Na ilha de Ariacuné os estampidos de pólvora utilizados para a abundante caçada de pássaros atraiu a atenção do gentio paiaguá, um desconhecido grupo étnico de piratas fluviais da região do Pantanal Mato Grossense. Profundos conhecedores das corredeiras fluviais locais, os paiaguás mobilizariam um grande ataque contra a flotilha com mais de cinqüenta gigantescas canoas, cada qual com mais de dez destemidos índios, excepcionais canoeiros e nadadores. Adiante a coluna luso-brasileira caiu em uma emboscada e os índios paiaguás surgiram urrando através de uma carga com mais de quinhentas flechadas em cima da flotilha, o que quebrou a linha de defesa e amedrontou gravemente boa parte dos remadores compostos por africanos escravos. A desorganização e o caos se instalaram nas canoas atacadas e os chefes e superiores tentaram desesperadamente reestabelecer algum controle frente ao desgoverno das canoas violentamente atacadas. A melhor tática seria alcançar a margem e tentar estabelecer um perímetro de defesa com o uso das armas de pólvora. Travou-se intensa luta no meio do rio e os escravos que caíam na água eram prontamente mortos e afogados pelos paiaguás. Muitos organizaram pontos de defesa e venderam caro as suas canoas e vidas, como o Capitão Manoel Gomes do Amaral e o sertanista Sebastião Pereira, abatido depois de ter feitos sucessivos disparos certeiros contra os inimigos que se aproximavam de sua canoa. Os paiaguás afundaram várias das nossas canoas e capturaram dezesseis, com um saque contendo víveres, vestuários, muito ouro e alguns prisioneiros, dentre os quais Dona Domingas Rodrigues, jovem natural de Lisboa e com pouco mais de dezoito anos, recém-casada com o português Manoel Lopes de Carvalho, morto na ação contra os paiaguás. Dona Domingas Rodrigues estava grávida e foi aprisionada pelos paiaguás, ao lado de vários africanos sobreviventes. Algumas canoas conseguiram romper o assalto paiaguá e sete canoas se refugiaram em uma pequena ilha, formando uma nova base de defesa. Nessa ilha estava o Capitão João Antonio Cabral Carmelo, a quem devemos esta notícia. Muitos corpos passaram boiando pela ilha defendida, inclusive o corpo do Ouvidor Lanhas Peixoto, lá enterrado. Dona Domingas Rodrigues foi resgatada e vendida pelos paiaguás aos espanhóis na capital do Paraguai, três meses depois, quando eles foram trocar o ouro capturado na batalha fluvial. A jovem estava com as pestanas e cabelos raspados, cobertas com farrapos e quase nua. O Brasil não costuma ser terra fácil e quem quer vencer tem que ser forte e sobreviver. Anos antes os paiaguás tinham capturado um menino, Antonio Antunes, após terem morto o tio dele, João Leme. O menino falou que a anterior prática dos paiaguás era a de simplesmente jogar fora todo o ouro capturado, porque era apenas pedra para eles. Depois é que aprenderam a trocá-lo com os espanhóis, o que causou violenta inflação em Assunção e no Paraguai. Foram os mesmos paiaguás e outros povos indígenas os que anteriormente impediram o avanço do Império espanhol para o Norte do Rio Paraguai. Somente os nossos bandeirantes e o nosso Império Português é que exterminariam em algumas décadas os valentes paiaguás da face do planeta no que é hoje o Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, a nova fronteira agrícola do Brasil e do Mundo.

Ricardo Costa de Oliveira
Fontes : Monções - Sérgio Buarque de Holanda e História Geral do Brasil, Varnhagen.

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