Entrevista com autora do livro

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Entrevista com autora do livro "O Príncipe Maldito

#168964 | Monigo | 30 set 2007 19:04

O homem que poderia ter sido d.Pedro 3.º
Neto de Pedro 2.º e sobrinho de Isabel é tema de
estudo de historiadora carioca

João Wady Cury
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Tudo o que poderia ter sido mas que não foi. Assim,
rápido assim, um rito sumário, determinante e
inevitável. Com o amargor das palavras e a frustração
do não realizado, a enxurrada de fatos encobre a
pretensão do imaginário do brasileiro na forma de vida
de um rapaz bonito, bem nascido, literalmente um
príncipe - Pedro de Alcântara Augusto Luis Maria
Miguel Rafael Gonzaga de Bragança Saxe e Coburgo, o
Pedro Augusto. Um miserável, coitadinho, bem mais
augusto do que Pedro. É este homem que agora volta à
vida em forma de livro - e como História - pelas mãos
da pesquisadora Mary Del Priore, professora titular
aposentada da Universidade de São Paulo.

O Príncipe Maldito (Objetiva, 296 pgs, R$ 36,90) traz
a marca que nos falta, aquela que indica mais pesquisa
e menos delírio. Óbvio, porque escrito por uma
historiadora. Se fosse romance, abusaria dos delírios.
Mary Del Priore faz o inverso: recupera os delírios de
fato que abateram Pedro Augusto, já diagnosticado por
Freud como ''''apenas um príncipe triste'''', e nos
entrega a vida. A vida de Pedro Augusto, fiho de
Leopoldina, irmã da princesa Isabel, com Luiz Augusto
Eudes de Saxe e Coburgo, conhecido por Gusty. A
historiadora nos entrega mais do que a vida de Pedro
Augusto, um quase d. Pedro 3º. Vêm a reboque as
artimanhas e a inveja de sua tia Isabel, o roubo de
seu tio conde d''''Eu e forma como seu avô e padrinho,
d. Pedro 2º, o acompanha em seu percurso. A seguir,
Mary Del Priore explica por que a vida desse Pedro foi
um quase apesar de ter sido tudo.

Por que Pedro Augusto?

Pedro Augusto é um personagem fascinante com o qual me
deparei fazendo o que todo o historiador deve fazer
full-time: pesquisa. Seus atributos? De carne e osso,
uma mistura pós-moderna de dândi e bad boy,
importantíssimo para a história do País e totalmente
desconhecido. Desconhecido porque nossa historiografia
- que cresceu bastante - importa-se pouco com a
história das elites. Prefere fazer a história
''''vista de baixo'''' na tradição marxista inglesa.
Desconhecido, também, porque os que fazem a história
da família imperial - em geral saudosistas - evitam
falar dos podres da família imperial. E ali rolou
muito podre.

Explique melhor.

Existia a perspectiva de um 3º Reinado e a luta pelo
poder não teve tréguas. O jovem - um verdadeiro
príncipe de conto de fadas, louro, belo, alto,
conhecido como ''''o favorito'''' nas altas rodas -,
lutou palmo a palmo com sua tia, Isabel, conspirando
contra ela, para sentar-se no trono brasileiro. A
família burguesa, tal como consolidada no século 19,
deveria funcionar como um muro frente às ameaças
externas. Mas, seu interior, era feito de violências e
tensões. E isso, o personagem revela com minúcias. A
tia, longe de ser um personagem adocicado, como
revelam suas biografias oficiais, era invejosa e
abandonou os sobrinhos à própria sorte, enterrando o
voto que fizera no leito de morte de sua irmã: o de
que iria protegê-los. O tio, o conde d''''Eu, espolia
e rouba os dois sobrinhos (Pedro Augusto e Augustinho)
quando tratou de vender no Brasil os bens da família
imperial. Rui Barbosa, advogado dos meninos, ficou
escandalizado com as manobras dentro da família.
Explicação para a importância do personagem naquele
momento? Havia um grupo de liberais e republicanos que
não queria fazer a passagem do Império à República sem
um meio-tempo. O rapaz servia como uma luva a seus
intentos, pois poderia fazer como Napoleão III: ser um
imperador-presidente. Ambicioso, conspirador, bonito a
ponto de juntar gente para vê-lo desfilar a cavalo,
mas, também, inseguro, melancólico, o príncipe reúne
todos os ingredientes de uma época de mudanças: aquela
que viu o fim da escravidão e a aceleração das
revoluções tecnológicas (trem, telégrafo, telefone,
fonógrafo), o fim da aristocracia de sangue e a
ascensão da burguesia. Enfim, era um jovem entre dois
tempos da história que não teve tempo para fazer a
própria história.

Quais foram as principais dificuldades a transpor do
ponto de vista de documentação e levantamento
histórico?

Os principais problemas têm a ver com a documentação.
Para o historiador, ela é fundamental. Nenhuma
asserção é válida se não puder ser comprovada. Ora, a
documentação sobre o período imperial está dispersa em
muitas coleções particulares. Há muitos arquivos
privados aos quais não se têm acesso. As greves da
Biblioteca Nacional - em que pesem os bons motivos dos
funcionários - também atrapalham. Enfim, há muito o
que fazer e acredito que novas páginas sobre a
história do Brasil hão de surgir a cada vez que o
historiador investir em pesquisa.

Pedro Augusto foi criado como herdeiro mas virou
imperador de manicômio. Como foi sua vida deste
momento até seus últimos dias?

A vida de Pedro Augusto foi uma sucessão de perdas:
perda da mãe, da família, da vida em palácios na
Europa, perdas que culminaram com a perda do trono que
lhe fora prometido como uma reparação por tantos
sofrimentos. Quando nasce Pedro de Alcântara, o
''''mão seca'''', seu primo e filho de Isabel, ele vê
ruir seu projeto de vida, enfim, a única coisa a qual
se agarrava. A partir daí começa a trair e a conspirar
na tentativa de recuperar seu paraíso perdido. A
doença que o afastou de todos, e cujo surto fatal se
dá nas noites que se seguem à proclamação da
República, hoje estaria sob controle com algumas
pílulas. Freud, ao visitá-lo, diagnostica: ele era
apenas um príncipe triste! Passou 41 anos internado em
hospícios austríacos, repetindo a todos que era o
Imperador do Brasil.

Hoje, passados 200 anos da chegada da família real ao
Brasil, qual é o verdadeiro legado deixado para a
formação do País?

Os Bragança tiveram um papel fundamental de unir o
País, num momento em que as colônias espanholas e
outras se esfrangalhavam. Criaram instituições, e na
medida do possível, tentaram modernizar o Brasil. Seu
legado ético é indiscutível: era gente digna,
apaixonada pelo Brasil e com exceção do conde d''''Eu
- que recuperou fortuna depois da morte dos pais -
todos morreram pobres. Nos tempos políticos em que
vivemos, não deixa de ser um grande exemplo.

De alguma forma Pedro Augusto foi importante para a
formulação de alguma das teorias de Freud? É sempre
bom lembrar que seu avô, d. Pedro II, foi muito
próximo de Charcot, que deu as bases dos estudos
freudianos e teria assinado o óbito do imperador.

Não creio que hajam registros de que esta relação
médico-paciente tenha dado frutos. Freud fez apenas um
diagnostico rápido, confirmando teorias que irá
consolidar mais para a frente: a de que sofrimentos na
infãncia deixavam marcas profundas no futuro adulto.

Por que os historiadores no Brasil sempre abriram mão
de pesquisar as vidas dos Orleans e Bragança que não
ganharam projeção, restringindo-se sempre aos dois
Pedros mais conhecidos e Isabel? Seria algo na linha
do só o sucesso importa, mesmo que saibamos que o
fracasso é parte do mesmo jogo?

Nunca houve grande interesse por pesquisar a família
imperial. Os dois maiores biógrafos, Pedro Calmon e
Heitor Lyra, escreveram seus livros há décadas. Penso
que os brasileiros são apaixonados pelo assunto e
enquanto a maioria dos historiadores pesquisa sobre
assuntos econômicos ou políticos, o público quer mesmo
é ler sobre a família imperial.

Quando chega à Europa, Pedro Augusto convence a
realeza - muitos deles seus parentes?

Pedro Augusto mais encanta do que convence. Seus
poderosos primos, a rainha Vitória e o rei da Bélgica
ficam impressionados por sua beleza e charme. Mas não
há indícios concretos que o apoiariam no caso de um
golpe político.

Seu livro revela uma Princesa Isabel que vai contra os
livros de história, ou seja, conspiradora e invejosa,
sendo que sempre foi poupada em sua imagem pública. A
pergunta: os historiadores foram omissos todos esses
anos ou maus pesquisadores?

Nem uma coisa, nem outra. Eles não se interessaram
pela vida privada e o cotidiano da princesa. Caso
contrário, teriam visto que era uma pessoa de carne e
osso como nós. Ela também sofreu por não ter tido
filhos logo.

Geralmente seus trabalhos abordam períodos, como o
colonial, gêneros, como o feminino, ou temas, como o
amor e a vida rural. Curiosamente, e pelo que me
lembre, é a primeira vez que a senhora publica um
livro sobre um personagem específico, e ainda,
masculino. Por quê?

As biografias são um exercício fecundo para o
historiador. O fazem pensar e refletir de forma
diversa de quando tem de analisar longos períodos da
história ou temas muito abrangentes.


O Estado de São Paulo

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