Fidalgos, queques e betinhos
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Fidalgos, queques e betinhos
FIDALGOS, QUEQUES E BETINHOS - Miguel Esteves Cardoso
Os Portugueses têm algo de figadal contra todos os que tenham algo de fidalgal. Como as crianças, confundem muito a fidalguia, que é uma simples condição social, com a aristocracia, que é um sistema político em que o poder pertence aos nobres. E, no entanto, como diria Chesterton, não há mérito automático em ser fidalgo, nem vergonha em pertencer decididamente (como eu) à ralé.
Em Portugal a nossa civilização deve muito a duas classes minoritárias. Ambas são gente simples, com posses reduzidas e educação informal. Refiro-me, obviamente, à plebe e à nobreza. O pretensiosismo dominante, seja proletário ou possidónio, seja triunfalista ou disfarçado, encontra-se nas classes restantes, que constituem a grande maioria da população. Mas um pastor ou um pescador é tão senhor como um fidalgo. Como ele, vê o mundo de uma maneira antiga, em que cada coisa tem o seu lugar, o seu sentido e o seu valor. O pior é o operariado, a pequena, média e alta burguesia: enfim, quase toda a gente. É esta gente que se preocupa com a classe a que pertence. Enquanto o pastor e o conde se ocupam, os outros preocupam-se. Os primeiros não querem ser o que não são. Os outros adorariam. Os primeiros aceitam o que são, sem vaidade. Os outros têm sempre um bocadinho de vergonha e por isso disfarçam, parecendo vaidosos.
Quem é fidalgo e quem é que quer ser?
Em Portugal existem três classes distintas. Há a classe dos fidalgos – os meninos “bem”. E depois há duas classes falsamente afidalgadas. Há os meninos “queques”, filhos de pais “queques” mas com avós que não. E há os “betinhos”, filhos de pais que, simplesmente, não.
O “menino bem” é aquele que não sabe muito bem em que século começou a fortuna da família. Geralmente é pobre, com a consolação irritante do passado rico. É muito bem educado e jamais se lembraria de lembrar aos outros que é “bem”. O “queque” sabe perfeitamente que foi o avô ou o bisavô que abriu a fábrica ou a loja que enriqueceu a família. Geralmente é bastante rico. Embora tenha frequentado os colégios correctos, tem sempre um enorme complexo de inferioridade em relação aos “meninos bem”, o que o leva a fazer-se mais do que é. De bom grado trocaria grande parte da sua fortuna pela antiguidade e pelo prestígio de um bom título.
Finalmente, o “betinho” é aquele cujo pai nasceu pobre, indesmentivelmente operário. O betinho procura dar-se, em vão, com queques e meninos bem, mas a sua educação é formal e institucional, não familiar. É o mais rico de todos, mas é também o mais envergonhado. O betinho por excelência é aquele que não suporta a vergonha de um pai nascido entre o povaréu. Evita apresentá-lo aos amigos. Tudo faz para ocultar a sua proximidade genealógica ao vulgacho.
Tanto o queque como o betinho são o resultado de self-made man, homens que se levantaram pelas próprias mãos, quantas vezes rudes e calejadas e tudo o mais. O menino bem, em contrapartida, nem sequer compreende o conceito de self-made man. Poque é que um homem se há-de “fazer a si próprio” quando houve sempre pessoal, criados e caseiros, para se ocupar dessas tarefas desagradáveis?
Distinguem-se em tudo. A falar, por exemplo. O menino bem usa todas as formas de tratamento, desde “a menina” – A menina vai levar o Jorge ou vai sozinha no Volvo? – até ao “Psst, tu que fumas”.
O queque, por ser menos seguro, trata toda a gente por “Você”, incluindo os criados e as crianças (o que não é correcto, mas parece). O betinho, a esse respeito, está em absoluta auto-gestão. Tenta tratar mal aqueles que considera inferiores (demasiado mal) e bem aqueles que considera superiores demasiado bem). No fundo é um labrego engraxado que julga sinal de aristocracia dizer os erres como se fossem guês.
O que caracteriza o menino bem é o seu total à vontade no mundo. Nunca se enerva, nunca hesita, nunca está muito preocupado. Haja ou não dinheiro. O menino bem dá-se bem com a pobreza e encara o sobe e desce da sorte com a naturalidade com que aceita a circulação do sangue pelas veias. Por isso dá-se bem com toda a gente. Nada tem a perder ou a ganhar.
Os queques não são assim. Pensam que nasceram para o brilho baço do privilégio. Vivem obcecados pelo dinheiro já que é o dinheiro que lhes permite comprar todos aqueles adereços (relógios Rolex, automóveis Porsche) que consideram indispensáveis ao seu estatuto social. Um menino bem, em contrapartida, nunca usa relógio – porque é que há-de querer saber as horas? O queque só se dá com pessoas “do seu meio”. Enquanto o menino bem tem aquele rapport feudal com caseiros, varinas e pedreiros, que constitui uma forma multissecular de intimidade, o queque aflige-se em “manter as distâncias” com esse gentião, precisamente por serem tão curtas.
O betinho é uma pilha de nervos. Ninguém o respeita. Dá-se quase exclusivamente com outros betinhos, do mesmo ramo de importação de electrodomésticos ou da construção civil. Não gostam de sair da sua zona. Os de Lisboa, por exemplo, só quando há uma emergência é que saem do Restelo. Ao contrário dos queques, evitam falar em dinheiro porque se sentem comprometidos. Esforçam-se mais por serem meninos bem do que os queques, que julgam já serem meninos bem. Andam sempre vestidos pelas lojas mais tradicionais (camisa aos quadradinhos, casaquinho de malha, jeans novinhos e mocassins pretos com correiazinha de prata ou berloques de cabedal), ao passo que os queques compram roupa mais moderna na boutique da moda. Escusado será dizer que os autênticos meninos bem andam sempre mal vestidos, com a camisola velha do pai e as calças coçadas do irmão mais velho. A única diferença é que as camisolas e as calças que têm em casa duram cem anos. Os avós já compram camisas a pensar que hão-de servir aos netos. Aliás, os fidalgos são sempre mais forretas que a escória.
No que toca aos hábitos alimentares, os meninos bem comem sempre em casa. Como as famílias são geralmente muito grandes (de resto, como sucede com o populacho), a comida é quase sempre do tipo rancho, ou sempre servida com muito puré de batata.
Os queques estão sempre a almoçar e a jantar fora, em grupos grandes com muitos rapazes e raparigas a exclamar: “Ai, já não há pachorra para o quiche lorraine!” Aqui se denunciam as suas verdadeiras origens sociais. Para um menino bem, comer fora é uma espécie de solução de emergência, quando não dá jeito comer em casa. Para um queque é um prazer.
Nas casas bem, a qualquer hora do dia, há sempre uma refeição a ser servida a um número altamente variável de crianças, primos, criadas, motoristas, tias, etc.
Nas casas queques as refeições variam conforme os convidados. Nas bem são sempre rigorosamente iguais. Os queques têm a mania dos restaurantes – conhecem-nos tão bem como os meninos bm conhecem (e odeiam) as cozinheiras. E os betinhos? Os betinhos tentam evitar as refeições o mais possível. Comem sozinhos em casa (os betinhos tendem a ser filhos únicos) ou levam betinhas a jantar. Poquê? Porque têm a paranóia de serem “descobertos” através dos modos de estar à mesa. Mas, na verdade, só são descobertos pelo seu excesso de boas maneiras. Um betinho à mesa está sempre “rijo”, atento, receoso de tirar uma azeitona por causa do terror de não saber lidar com o caroço. Os queques comportam-se como animais, espetando garfos nas mãos estendidas dos outros, soprando pela palhinha para fazer bolinhas no Sprite e atirando os caroços para martirizar o cocker spaniel. Quanto aos meninos bem, encaram as refeições como uma simples necessidade fisiológica. Comem e calam-se. Falam só para dizer “passa a manteiga” ou “Parece que houve uma revolução popular em Lisboa, passa a manteiga”.
Não são, portanto, os fidalgos que dão mau nome à fidalguia – são os queques e betinhos. Estes cultivam ridiculamente os “brasões” e as “quintas”, fingindo que não gostam de falar nisso. Em contrapartida, nas casas fidalgas, os filhos das criadas experimentam os lápis de cera nos retratos a óleo dos antepassados. E ninguém liga.
In “ Os meus Problemas” de Miguel Esteves Cardoso
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RE: Fidalgos, queques e betinhos
Estou de acordo com algumas partes do texto, mas pessoalmente acho que é do mais elitista que já vi em muito tempo. "O pior é o operariado, a pequena, média e alta burguesia: enfim, quase toda a gente."
Todos nós descendemos de famílias nobres, com mais ou menos importancia, e todos nós descendemos de famílias pobres. Eu tenho imenso orgulho nas duas partes, enão acredito na superioridade de nenhuma das duas "classes sociais". Agora não há nem fidalgos, nem queques, nem betinhos, agora a duas classes sociais que eu acho muito mais importantes: Os educados e os maleducados. Essas duas classes sim que são justas, e uma é superior a outra justificadamente.
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RE: Fidalgos, queques e betinhos
Um artigo inteligente, com humor, tentando uma abordagem anglo-saxónica("U and not U" e "How to Be a Gentleman", acertando em cheio em determinados pontos e ignorando por completo outros. Mais forma do que conteúdo, mas lido com gosto.
JBS
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RE: Fidalgos, queques e betinhos
Um artigo interessante, que aborda no geral, bem, quanto a mim. O que vejo na rua, são muito mais as aparências, o estar na moda. Fico arrepiado com as conversas que infelizmente ouço quando passo ao lado de uma escola preparatória ou secundária, as meninas só falam de roupas de marca e com um palavreado miserável e os rapazes para além da roupa é só C. Ronaldos, com brincos brilhantes e quanto mais mal vestidos melhor, ex. calças a cair para se ver as cuecas, etc... Ou seja, só a aparência conta; os pais destes miúdos chegam a casa a casa tarde e a más horas do trabalho, que educação poderão dar? Nenhuma ou pouca! Quem a dá são as novelas tipo "Morangos com Açucar", onde só aprendem a sujar as paredes dos outros, a porem brincos e tatuagens, etc, etc, etc. Mas a vida passa e quando quiserem trabalho, este não o há ao virar da esquina e depois surge a conversa que são postos de parte por tais adereços. Eu não sou obrigado, como ninguém, a contratar pessoas que nada sabem e que querem mandar mais que eu como patrão. Dão ideias quanto muito e aceito ouvir as mesmas. Na escola, salvo raras excepções, o facilitismo é a palavra principal; exames feitos para qualquer um passar e quem estuda ainda é gozado porque estudou. No meu tempo de escola, anos 80, estudava-se para passar, agora os professores para chumbar um aluno precisam de 1001 relatórios e isto para quê, para passarem e já veio o Min. da Educação com a ideia peregrina de simplesmente, não chumbarem de maneira alguma!!!
Enquanto este País não tiver uma educação a sério, são os jovens que temos queques, ou o que queiram chamar, sem nada para dar e só a pedir, salvo raras excepções, onde os pais estão mais presentes na sua educação. O material é o mais importante, o resto pouco vale.
Gostava de voltar a ver gente a servir o Estado português e não a servirem-se dele como é hoje. É só boys e clientelismos, institutos, fundações, e corrupção a rodos.
Cumprimentos,
Paulo Braga
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RE: Fidalgos, queques e betinhos
Caro Pedro,
Não poderia estar mais de acordo.
Bem haja
João Paulo Gaspar
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RE: Fidalgos, queques e betinhos
Caro Paulo Braga,
Subscrevo e aplaudo o seu post.
Cumprimentos,
João Pombo
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RE: Fidalgos, queques e betinhos
Gostei muito deste artigo do Miguel Esteves Cardoso.Muito actual
Cpmts
Maria
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RE: Fidalgos, queques e betinhos
Caro Paulo Braga
O pequeno artigo do Esteves Cardoso está muito bem escrito e tem muitas verdades. Muito se revêem nele e não chegam a escrever nada sobre ele. No fundo é a sociedade que temos hoje. A antiga, procurei retrata-la no tópico http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=268515 e tive, como verá, contestação de alguns.
Mas contestar evidências é sempre mau para quem procura fazer este exercício: perde-se quase sempre, ou fica-se aquém do que se gostaria de dizer, ou ainda, como neste fórum é habitual, desvia-se o tema para assuntos políticos actuais, que nada tem a ver com o assunto
Cumprimentos
Ricardo Charters d'Azevedo
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RE: Fidalgos, queques e betinhos
Concordo em gênero, número e grau.
Saudações,
D.
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RE: Fidalgos, queques e betinhos
Caro Ricardo Charters d'Azevedo,
peço desculpa, mas interpretou-me mal. Eu não o (artigo) contestei minimamente, apenas acho também que os jovens de hoje se perdem nas aparências e na moda e esquecem-se do que é realmente importante. O seu futuro! O MEC escreveu um belíssimo artigo sobre as derivações dos jovens e eu fiz um apanhado no geral do que infelizmente vejo na rua. Tão só isso. Poderia ter dito realmente muito mais coisas, mas faltou-me o tempo e de político no que escrevi nada teve, mas acho que se devem formar Homens com H grande, para este país avançar e não o que estamos a ver hoje. É que os jovens de hoje, são os políticos, empresários, agricultores, etc, de amanhã.
Cumprimentos,
Paulo Braga
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RE: Fidalgos, queques e betinhos
Mas está convencido que esta massa tão pouco cinzenta que povoa as nossas escolas chegarão a empresários...,mas decerto chegarão a políticos de todos os partidos em geral e a cada um em particular pois são eles que "botam" as leis cá para fora e têm ajudado na desqualificação de tudo, menos nos dinheiros para eles.
Cmpts
Maria Oom Oliveira Martins
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RE: Fidalgos, queques e betinhos
Cara confreira Maria Oom,
É justamente o que pensei.
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RE: Fidalgos, queques e betinhos
Caro Vianna,
É de facto impossível naão apreciar a escrita de Miguel Esteves Cardoso. Neste caso alia algo de autobiográfico - apesar de se exluir da qualidade de fidalgo - ao espírito inglês que muito bem detectou e lhe vem de sua mãe.
Apreciando o artigo - tal como a grande maioria ao que suponho - fiquei algo surpreendido por ninguém ter apontado algumas discrepâncias, ou talvez apenas algumas variantes.
Desde logo pela taxinomia. D. Diogo de Almeida e Vasconcelos, que prima por um quase excesso de à vontade e, como professor liceal, diverte-se loucamente quando alguns colegas imitam a sua mais do que casual maneira de vestir, usa queques, snobs e betinhos. Terá alguma razão pois a classificação de snobs - sin nobilitas - é mais adequada e, de facto, muita gente chama queques ao que MEC limitou a fidalgos, talvez porque ele MEC possa negar a condição de fidalgo mas dificilmente fugiria à de queque; e queque da "linha".
Nem é caso único. Uma filha minha, quando frequentava Gestão na Nova, tinha um assistente que engraçou com ela - no que só demonstrou bom gosto - e que a provocava amiúde. Uma vez, quando distribuía um trabalho prático, voltou-se para ela e disse: Já te topei ..., tu és uma queque rural!
Também em meio rural, incluindo touros e cavalos q.b. - Golegã obrigatória - muita gente chama agrobetos ao (quase)equivalente dos "fidalgos" do MEC ; e se aqueles incluem alguns snobs, estão definitivamente muito longe dos betinhos do MEC. E, desculpe-me o devaneio, agrobetos soa sensacionalmente.
Também pelo desfasamento temporal. Com excepção de algumas poucas famílias fidalgas, no mais dos casos, provenientes de duques que não nasceram duques e de condes e marqueses políticos, duvido que se continue a comer em casa nos termos descritos pelo MEC. Eu, pobre de mim, com alguma excepção de fim-de-semana ou em dias em que nem almoço, almoço todos os dias num restaurante, aliás num pronto-a-comer com serviço de mesa e que assustaria com toda a certeza o MEC. Comi assim na minha juventude mas, também diferentemente do MEC, adorava a nossa cozinheira que "furava" regras em meu benefício e quando já sabia que refeição não me agradaria, tinha sempre um mimo, nem que fossem uns queques amanteigados em que era exímia.
Claro que herdei roupa, especialmente de um tio solteiro, e subscrevo tudo o que MEc diz quanto à qualidade, hoje perfeitamente desconhecida das gerações actuais. Calças de flanela, levei-as até à última mas o fraque e mais um par de casacos, quando engordei, ainda foram para um sobrinho. Por muito difícil de acreditar que possa ser, agora que estou a viver e sofrer mais este Inverno do aquecimento global, tenho por baixo da camisa uma camisola de lã, já com alguns buraquitos, herdada há mais de meio século!
Já não tenho roupa que alguém da família queira ou valha a pena herdar - com a excepção de algumas gravatas que o meu filho anda a namoriscar - mas, com enorme escândalo dos meus filhos, ainda herdei ainda camisas de um sobrinho, administrador bancário, etc..
Com grande esperança de ter chocado "in extremis" o confrade tão sensível ao elitismo do MEC, regresso para onde me encontrava.
A. Luciano
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