Demografia histórica da expansão portuguesa

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Demografia histórica da expansão portuguesa

#42346 | Ricardo de Oliveira | 25 mag 2003 14:08

Caros amigos

Eu tenho interesse em conhecer os dados quantitativos da expansão e imigração de portugueses ao longo dos séculos. Este é um dos objetivos deste Fórum : “A vocação portuguesa deste trabalho não é limitada por fronteiras geográficas. Reconstruimos os caminhos que o sangue português percorre em todos os tempos e em todos os espaços. Bem assim, fixamos as informações genealógicas sobre as origens remotas dos portugueses”.

Situação única e diferenciada é o Brasil. A imigração portuguesa formou o núcleo da classe dominante tradicional brasileira no século XVI e até o final das décadas de 1950 e 1960 ainda era o destino de massas trabalhadoras portuguesas, de modo que ainda hoje é o Brasil o país com o maior número de portugueses na sua população. Temos cerca de 800.000 portugueses vivendo no Brasil no começo do século XXI.

Estimativas de Imigração Portuguesa no Brasil

Período - Portugueses vindos para o Brasil

1500-1640 - 100.000
1701-1760 - 600.000
1808-1817 - 24.000
1827-1829 - 2.004
1837-1841 - 629
1856-1857 - 16.108
1881-1900 - 316.204
1901-1930 - 754.147
1931-1950 - 148.699
1951-1960 - 235.635
1961-1967 - 54.767
1981-1991 - 4.605

Fonte: Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro: IBGE, 2000

A vinda dos primeiros conquistadores e colonizadores portugueses para o Brasil, entre 1500 e 1550, forma o núcleo mais importante da história populacional portuguesa em termos de número de descendentes. Estes patriarcas, calculados em algumas centenas, foram os responsáveis pela arrancada demográfica brasileira e dificilmente encontraremos em toda a história demográfica mundial um núcleo de povoadores com tamanha importância na formação de uma população em um território tão grande. Eles são os campeões do mundo português em todos os tempos no quesito demográfico.

Segue

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RE: Demografia histórica da expansão portuguesa

#43430 | Ricardo de Oliveira | 15 giu 2003 13:04 | In reply to: #42346

Encontramos as seguintes informações no sítio Memórias da Emigração Portuguesa (imigrantes.no.sapo). Os imigrantes chegam como trabalhadores para se adaptar à outra língua e cultura, em outra sociedade já estabelecida e com padrões étnicos, culturais e políticos diferentes. Só o Brasil é terra de conquista e colonização portuguesa.

EUA 1.153.351 indivíduos de origem portuguesa, do quais 210.122 nasceram em Portugal. Destes 92 513 naturalizaram-se americanos (Censo de 1990). É estimado em 505.873 o número de portugueses que entraram nos EUA entre 1820 e 1991 (Immigration and Naturalization Services).
França 798.837 pessoas de origem portuguesa, 603 686 mil nasceram em Portugal e 195 151 em França (censo de 1990).
África do Sul Os primeiros europeus a chegarem à África do Sul foram os portugueses. Por aqui passavam a caminho da India e de Moçambique. Ao longo dos séculos a sua presença tornou-se uma constante. Após a Independência de Angola e Moçambique milhares de portugueses emigraram para este país, onde hoje constituem uma importante comunidade. Entre 300 000 e 500 000 pessoas
Canadá A imigração portuguesa para o Canadá é relativamente recente. Só começou por volta de 1953. Actualmente podemos encontrar luso-canadianos espalhado por todo o país. A maioria vive na província do Ontário, cerca de 202.395. No Québec vivem 42.975, na Colúmbia Britânica 23.380, em Alberta 9.755 e em Manitoba 9.530 (Statistics Canada, 1991). Estima-se que a população de origem portuguesa (primeira, segunda e terceira gerações) seja de aproximadamente 500 mil pessoas.
Venezuela 400 mil portugueses
Suíça 152.826 portugueses
Alemanha 132.314 portugueses segundo dados do Instituto Federal de Estatística Alemão.
China (Macau) Macau tem uma população total calculada em 435 mil habitantes, dos quais cerca 100 mil são portadores de passaporte português, a grande maioria dos quais cidadãos de etnia chinesa sem qualquer ligação a Portugal que adquiriram a nacionalidade por terem nascido em Macau antes de 1987.
Reino Unido 80 000 portugueses
Espanha 63.717 portugueses (dados de 2001). Uma dos mais importantes e também mais mal conhecidos destinos históricos da emigração portuguesa.
Austrália 55 339 portugueses. Esta comunidade surgiu que surgiu após a 2ª. Guerra Mundial, revela actualmente um enorme dinamismo. Luxemburgo 54.490 portugueses. Constituem a maior comunidade de estrangeiros (10,8% da população), seguidos pelos italianos (5%),franceses (3,4%), belgas ( 2,5%) e alemães ( 2,2%).A emigração portuguesa, que se seguiu à dos italianos, iniciou-se em finais dos anos 60.
Bélgica 38.000 portugueses A presença de portugueses nos territórios que fazem parte da Bélgica tem sido uma constante desde a Idade Média. Aqui estabeleceram importantes feitorias.
Hong Kong 20 700 portugueses
Angola 20 000 portugueses
Argentina 16 000 portugueses
Moçambique 13.299 portugueses
Holanda. No século XVI milhares de judeus portugueses emigraram para a Holanda, onde constituíram uma importante comunidade. Entre as descendentes de portugueses, conta-se o filósofo Espinosa. Entre os monumentos que atestam a sua presença, destaca-se a imponente Sinagoga dos portugueses em Amesterdão. 9.230 portugueses (dados de 2001).
Andorra 9.000 portugueses
India 6.000 portugueses
Itália 5.741 portugueses
Antilhas Holandesas 2.540 Portugueses
Bermudas 2.500 portugueses
Zimbabwe 2.300 portugueses
Suécia 1.800 portugueses
Uruguai 1.200 portugueses
Marrocos 1.000 portugueses
Timor 1.500 portugueses (aprox.)

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RE: retrato molecular do Brasil

#43440 | Carlos Silva | 15 giu 2003 14:33 | In reply to: #42346

Caro Ricardo Oliveira,

Transcrevo duas versoes do mesmo trabalho que diz respeito às origens portuguesas (e nào so) dos Brasileiros.

Uma versào jornalistica curta, e uma um pouco mais longa, pelo proprio Sergio Pena, para quem desejar pormenores.

No entanto, nào responde a uma questào fundamental. O que é um português !

Melhores cumprimentos

Carlos Silva

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versao curta : Os Genes de Cabral

#43441 | Carlos Silva | 15 giu 2003 14:35 | In reply to: #43440

"Os Genes de Cabral"

Estudo demonstra herança portuguesa no mapa genético do Brasil

Por INÊS NADAIS

Há coisas que não mentem - os genes, por exemplo, prova definitiva de que a passagem dos portugueses pelo Brasil deixou marcas profundas. Um estudo recente, apresentado na terceira edição do fórum "Portugalia Genética", mostra que que a população branca do Brasil resulta da mistura entre pais europeus maioritariamente portugueses e mães ameríndias ou africanas.
Infinitos cenários seriam possíveis, se se quisesse arrasar de vez a herança portuguesa em terras brasileiras: banir a língua, proibir a religião, demolir todos os exemplares da arquitectura colonial, apagar insidiosas cumplicidades culturais. Provavelmente, a pegada portuguesa continuaria intacta: a avaliar pelos resultados do estudo apresentado por Sérgio Pena, investigador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na terceira edição do fórum "Portugalia Genética", metade da população branca brasileira é portuguesa pelo lado do pai.
Pensada à luz do lema "Milénios de Divergência, Cinco Séculos de Mistura", a terceira edição da "Portugalia Genética", evento organizado pelo Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup), terminou no sábado. O pretexto das comemorações dos 500 anos da descoberta do Brasil serviu que nem uma luva à discussão de dois trabalhos que lançam novas pistas para a compreensão daquele "melting pot": além de Sérgio Pena, o fórum convidou Fabrício Santos a contar a história genética do Brasil pré-cabralino. Uma retrospectiva que funcionou como alicerce para o "Retrato Molecular do Brasil" traçado pela equipa de Sérgio Pena, que recorreu, aliás, à mesma metodologia: a utilização dos polimorfismos do ADN - regiões do genoma humano que variam de indivíduo para indivíduo - como marcadores de linhagem.
O estudo de Fabricio Santos permitiu identificar as características distintivas do cromossoma Y específico dos indígenas brasileiros (o YS199D), produto de mutações genéticas impostas pela adaptação ao ambiente sul-americano. A maior surpresa da pesquisa surgiu quando se concluiu que o mesmo Y é típico de todas as tribos do continente americano, esquimós incluídos. Daí até à descoberta da origem do cromossoma fundador das Américas foi um pequeno passo: terá sido na Sibéria que se formou a vaga migratória responsável pelo primeiro povoamento do continente americano. A descoberta, reconhece o autor, é insólita: "É como se todos os povos nativos da América fossem irmãos por parte de um pai nascido há mais de dez mil anos. Descendem de uma população pequena originária da Sibéria Central que, ao passar o Estreito de Behring, se foi expandindo para Sul pelas Américas fora", explicou ao PÚBLICO.
Paternidade europeia do Brasil branco
O trabalho de Sérgio Pena ilustrou as cenas dos capítulos seguintes, servindo-se do ADN para confirmar teses de alguns historiadores, que já assinalavam a natureza tri-híbrida da população brasileira actual: "O processo de miscigenação do homem português com a mulher índia começou logo após a descoberta. Em meados do século XVI apareceram os escravos africanos, o terceiro elemento de um caldeirão étnico que já estava a ferver", lembrou na conferência de apresentação do seu "Retrato Molecular do Brasil", que se encontra em fase de publicação. O país terá continuado a fermentar naturalmente até que, em meados do século XIX, "se notou uma coisa óbvia: o Brasil era um país de negros e de índios, de gente escura". Para a mentalidade positivista da época, a paleta brasileira não parecia consentânea com a desejável evolução rumo à vida civilizada. Solução: branquear o Brasil, incentivando a imigração. Uma política cujos resultados estão bem à vista: em 1872, havia três milhões de brancos brasileiros; actualmente, são já 81 milhões, cerca de 55 por cento da população.
De que forma a estrutura genética do povo brasileiro ilustra este percurso histórico? A partir de uma amostra constituída por indivíduos brancos de diversas regiões do país, a equipa da UFMG chegou a uma surpreendente conclusão: "O Brasil parece-se tremendamente com Portugal; não há diferenças significativas entre cromossomas Y portugueses e brasileiros". Mas, apesar da semelhança genética entre portugueses e brasileiros brancos, o retrato molecular do Brasil reflecte uma diversidade superior: os anos de ocupação moura e de convivência com judeus e cristãos-novos depositaram vestígios no ADN português e, através dele, no brasileiro, mas do outro lado do Atlântico impuseram-se também as marcas das variadíssimas imigrações do século XIX, quando milhares de italianos, espanhóis, alemães, japoneses e sírio-libaneses atravessaram o oceano.
Quando o retrato do branco brasileiro se faz pelo lado da mãe, a fotografia é outra: cerca de 60 por cento das matrilinhagens são de origem ameríndia ou africana, o que confirma os casamentos entre homens brancos e mulheres de pele escura. "O que mais me surpreendeu foi a descoberta de que a reprodução se fez de forma brutalmente unidireccional: filiação paterna europeia e filiação materna ameríndia ou africana", comentou o investigador ao PÚBLICO. Sem esquecer um agradecimento aos portugueses, pelos excelentes resultados "da sua luxúria e da sua cobiça", substrato indispensável da "exuberante diversidade genética do Brasil". Os números, ainda que hipotéticos, são impressionantes: "Se 90 por cento dos cromossomas Y do Brasil são europeus, 50 por cento serão portugueses. No Brasil existem 40 milhões de cromossomas Y portugueses, em Portugal só há 5 milhões", disparou Sérgio Pena no final da conferência, que encerrou com um provocatório aviso à navegação: "Os portugueses precisam de olhar para o Brasil para se conhecerem. Somos os detentores da masculinidade portuguesa".

Texto publicado no Jornal O Público em 21 de Março de 2000

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versao longa: retrato molecular do Brasil

#43442 | Carlos Silva | 15 giu 2003 14:40 | In reply to: #43440

RETRATO MOLECULAR DO BRASIL

Sérgio D. J. Pena

Muitos autores, usando metodologia histórica, sociológica e antropológica, já analisaram as origens do povo brasileiro: Paulo Prado em Retrato do Brasil (1927), Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (1933), Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala (1933) e Darcy Ribeiro em várias obras, culminando em O Povo Brasileiro (1995). Nós usamos novas ferramentas - a genética molecular e a genética de populações - para reconstituir e compreender o processo que gerou o brasileiro atual, no momento em que comemoramos 500 anos da chegada dos europeus ao Brasil.

A filogeografia é o campo de estudo dos princípios e processos que governam a distribuição geográfica de linhagens genealógicas dentro das espécies, com ênfase em fatores históricos. Ela integra conhecimentos de genética molecular, genética de populações, filogenética, demografia e geografia histórica. Sabendo que linhagens genealógicas ameríndias, européias e africanas contribuíram para a composição da população brasileira, decidimos mapear na população branca do Brasil atual as distribuições espaciais destas linhagens em um contexto histórico. Para isso, amostras de DNA da população do Norte, Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil foram estudadas com dois marcadores moleculares de linhagens genealógicas: o cromossomo Y para estabelecer linhagens paternas (patrilinhagens) e o DNA mitocondrial para estabelecer linhagens maternas (matrilinhagens). Comparações com estudos realizados em populações de outros países permitiram estabelecer a origem geográfica da vasta maioria dessas linhagens genealógicas.

A genética reconstruindo a história

O segmento exclusivo do cromossomo sexual Y (presente apenas em homens) e o DNA mitocondrial (DNA presente em organelas celulares denominadas mitocôndrias) apresentam propriedades genéticas em comum. Primeiro, eles são herdados de apenas um dos pais: o cromossomo Y é transmitido apenas através do espermatozóide paterno apenas para filhos homens e o DNA mitocondrial é transmitido através do óvulo materno para filhos e filhas. Segundo, não trocam genes com outros segmentos genômicos (não se recombinam), sendo transmitidos às gerações seguintes em blocos de genes (denominados 'haplótipos').

Esses blocos permanecem inalterados em patrilinhagens ou matrilinhagens até que ocorra uma mutação. As mutações ocorridas durante a evolução humana geraram variações (polimorfismos) dos haplótipos que servem como marcadores de linhagem. Além disso, o cromossomo Y e o DNA mitocondrial fornecem informações complementares, permitindo traçar patrilinhagens e matrilinhagens que alcançam dezenas de gerações no passado, podendo assim reconstruir a história genética de um povo.

As variações do cromossomo Y e do DNA mitocondrial

A maior parte (mais de 90%) do cromossomo Y humano não sofre recombinação - os haplótipos são transmitidos inalterados de pai para filho por gerações e gerações. Para identificar os diferentes haplótipos necessitamos estudar polimorfismos de DNA do cromossomo Y que possuam velocidades evolucionárias diferentes. No estudo das linhagens em brasileiros, optamos por polimorfismos de evolução lenta, ou UEPs (do inglês unique event polymorphisms), que indicam eventos mutacionais únicos. Há dois tipos de UEPs: os que resultam da mudança de uma só base da seqüência do DNA (SNP, do inglês single nucleotide polymorphism), e os decorrentes da entrada de uma curta seqüência de bases (retroposon) em uma determinada posição no cromossomo. A identificação desses polimorfismos é utilíssima para a reconstrução da história de migrações em populações humanas.

O DNA mitocondrial humano possui duas regiões com propriedades evolutivas diferentes. A maior região (mais de 90% do total) é codificante, ou seja, é usada como molde para síntese de RNA. A taxa de mutação nesta região é aproximadamente 5 vezes maior do que do DNA nuclear. A segunda região, chamada de 'alça D', tem em torno de 1.122 pares de bases, não é codificante e evolui cinco vezes mais rápido que o resto da molécula (portanto, 25 vezes mais rápido que o DNA nuclear). Em geral, estudam-se as duas regiões, seqüenciando o DNA mitocondrial nos dois trechos mais variáveis da alça D e procurando SNPs em posições específicas da região maior. A busca de SNPs é feita com enzimas de restrição, que cortam o DNA em seqüências específicas (com quatro a seis bases) -- alterações na seqüência do DNA mitocondrial podem eliminar sítios de restrições ou criar um novo onde não havia nenhum. SNPs estudados com enzimas de restrição recebem o nome especial de RFLPs (do inglês restriction fragment length polymorphisms, ou seja, polimorfismos de tamanho de fragmentos de restrição).

Amostragem da população brasileira

O Brasil tinha 157.070.163 habitantes em 1996, distribuídos pelas regiões Norte (11.288.259), Nordeste (44.766.851), Sudeste (67.000.738), Sul (23.513.736) e Centro-Oeste (10.500.579), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE. Quanto à raça [1] o IBGE adota um critério simplista, segundo a cor da pele (por autoclassificação): branca, preta, amarela, parda, indígena e sem declaração. Há um claro gradiente (do Norte para o Sul) nas proporções relativas das cores de pele: brancos são 22,7% da população no Norte e 83,3% no Sul. Esses dados demonstram a dificuldade de obter uma amostra representativa da população brasileira para pesquisa genética, principalmente sabendo-se que tais estudos são complexos demais para permitir a análise de grande número de indivíduos.

Nós optamos, por razões teóricas e logísticas pelo estudo de uma amostra de 200 indivíduos (247 para o DNA mitocondrial), o que é um bom número em termos de estudos filogeográficos humanos, distribuídos em quatro das cinco principais regiões geográficas do Brasil: 50 indivíduos do Sudeste (99 pessoas no caso do DNA mitocondrial), 50 indivíduos do Norte, 50 indivíduos do Nordeste e 50 indivíduos do Sul.
Para evitar que essa escolha, em cada região, afetasse os resultados, restringimos nossa amostra à população branca, majoritária no Brasil (51,6%). Obtivemos amostras de DNA (codificadas para garantir total anonimato) de indivíduos não-aparentados. A amostragem, porém, incluiu principalmente pessoas de classe média e classe média alta, o que poderia afetar as conclusões dos estudos. Por isso, amostras de DNA de trabalhadores rurais brancos do Vale do Jequitinhonha (MG) -- cedidas pelo Professor Carlos Maurício Antunes e Roberto Campos Amado do Departamento de Parasitologia da UFMG -- foram estudadas, para comparação.

Patrilinhagens em brasileiros brancos

Nosso estudo filogeográfico de brasileiros brancos permitiu deduzir que a imensa maioria das linhagens de cromossomo Y do País é de origem européia, mais especificamente portuguesa (como revela a semelhança com dados referentes a 93 portugueses, obtidos em colaboração com o geneticista Jorge Rocha, da Universidade do Porto). Chama atenção a contribuição mínima de cromossomos Y vindos da África sub-Saara (haplogrupo 8, com 2% do total) e ameríndios (haplogrupo 18, nenhum).

Em contraste, os cromossomos Y europeus (haplogrupo 1) estão presentes na grande maioria (57%) dos brasileiros. Tal participação aumenta quando se admite que o haplogrupo 2 (19% da amostra) tem sua principal origem na Europa. Há várias linhas de evidência nesse sentido. Esse haplogrupo, por exemplo, é comum em portugueses (13%), e Portugal é o país de origem da maioria dos imigrantes europeus para o Brasil. Mas de onde veio o excesso de haplogrupo 2, já que a proporção entre brasileiros é maior que entre portugueses? Não do leste da Ásia, pois é pequena a proporção, no País, de cromossomos Y japoneses e coreanos. Uma pista surge da comparação das regiões do Brasil: a maior proporção do haplogrupo 2 ocorre no Sul (28%), onde foi importante a imigração de alemães e outros europeus, e a segunda no Nordeste (19%), palco da invasão holandesa. Mesmo existindo outras contribuições (do Oriente Médio, por exemplo), a Europa é também a origem mais provável do excesso de haplogrupo 2. Assim, no mínimo 66% e no máximo 85% (este talvez mais próximo da verdade) dos cromossomos Y em brancos brasileiros vieram da Europa.

Também é alta a proporção - em brasileiros (14%) e portugueses (12%) - do haplogrupo 21, encontrado basicamente no norte da África e, em menor proporção, em outras áreas mediterrâneas. O grupo do geneticista Antônio Amorim, na Universidade do Porto, demonstrou que em Portugal a freqüência do haplogrupo 21 aumenta gradativamente do norte para o sul, atingindo quase 25% no Algarve (extremo Sul). A explicação histórica mais provável é que esse haplogrupo é uma relíquia genética dos sete séculos de invasão da península Ibérica, na Idade Média, pelos mouros (oriundos do norte da África).

Sua alta freqüência em brasileiros deve-se então aos portugueses, pois não há registros sobre a vinda para o Brasil de números significativos de escravos do norte da África (o que é reforçado pela baixa proporção de linhagens de DNA mitocondrial do norte africano encontrada em nossos estudos). Se o haplogrupo 21 foi trazido por portugueses, deve ser somado às contribuições européias. Assim podemos concluir que a imensa maioria das linhagens de cromossomo Y dos brasileiros brancos veio da Europa, especialmente de Portugal.

As proporções mínimas de cromossomos Y africanos e ameríndios constatadas poderiam levantar dúvidas sobre a adequação da amostra. Sabendo que a distribuição de cores de pele é desigual nos segmentos sociais do Brasil, poderia o predomínio de pessoas de classe média e classe média alta na nossa amostra viciar os resultados, apontando maior ancestralidade européia? Um fato desmente isso. O estudo dos cromossomos Y de 10 indivíduos brancos de baixa renda do vale do Jequitinhonha (MG) também não detectou haplótipos ameríndios ou da África sub-Saara.

Matrilinhagens em brasileiros brancos

As linhagens de DNA mitocondrial de todo o mundo dividem-se em três grandes conjuntos, os super-haplogrupos L1, L2 e L3. Os dois primeiros são especificamente africanos, enquanto o último ocorre em todos os continentes, mas pode ser subdividido em haplogrupos típicos de populações africanas, européias, asiáticas e ameríndias.

A classificação por DNA mitocondrial é bem mais complexa que a baseada no cromossomo Y. Em ameríndios brasileiros, por exemplo, há apenas um haplogrupo principal de Y, mas quatro de DNA mitocondrial (A, B, C e D). A diversidade de DNAs mitocondriais também foi muito grande em brasileiros brancos: 171 haplótipos distintos em 247 indivíduos. Ao contrário do revelado pelo estudo do cromossomo Y (ampla maioria de haplogrupos europeus), os DNA, mitocondriais tiveram, para todo o Brasil, uma distribuição de origens geográficas bem mais uniforme: 33% de linhagens ameríndias, 28% de africanas e 39% de européias. Entre as linhagens européias, destacaram-se os haplogrupos H, T e J, sendo responsáveis respectivamente por 44%, 14% e 10% do total dessas linhagens.

Como os ameríndios vieram da Ásia, o DNA mitocondrial não os diferencia dos asiáticos. Assim, assumimos que todas as linhagens asiáticas obtidas (haplogrupos A, B, C e D) eram ameríndias. Como não encontramos no Brasil outras linhagens da Ásia que não ocorram também entre ameríndios, qualquer erro decorrente da adoção dessa premissa deve ser muito pequeno. Já a grande diversidade de haplogrupos africanos é compatível com o fato de que os escravos foram trazidos para o Brasil de muitas áreas (principalmente da costa ocidental da África, mas também de Moçambique, no leste).

O fato de encontrarmos 33% de matrilinhagens autóctones, permite-nos calcular que aproximadamente 45 milhões de brasileiros possuem DNA mitocondrial originário de ameríndios. Em outras palavras, embora desde 1500 o número de nativos no Brasil tenha se reduzido 10 vezes (de aproximadamente 3,5 milhões para 325.000), o número de pessoas com DNA mitocondrial ameríndio aumentou mais de 10 vezes!

Raízes filogenéticas do Brasil

Os resultados obtidos demonstram que a imensa maioria (provavelmente mais de 90%) das patrilinhagens dos brancos brasileiros são de origem européia enquanto a maioria (aproximadamente 60%) das matrilinhagens são de origem ameríndia ou africana. As patrilinhagens, embora sejam maciçamente européias e muito semelhantes à distribuição em Portugal, exibem ainda considerável variabilidade. Isso deve-se à alta diversidade genética dos ibéricos, fruto de muitas invasões e imigrações: celtas, fenícios, gregos, romanos, suevos, visigodos, judeus, árabes e bérberes. A maior mistura gênica certamente ocorreu nos 700 anos de ocupação por mouros (até 1492) e está expressa na alta freqüência do haplótipo 21 (do norte da África) em portugueses e, através deles, nos brasileiros.

Outra pista interessante é a alta freqüência do haplogrupo 9 do cromossomo Y em portugueses e brasileiros. Esse haplogrupo ocorre em toda a área mediterrânea, mas atinge suas freqüências máximas em judeus e libaneses. Até o final do século 14, grande quantidade de judeus vivia na península Ibérica, em aparente harmonia com cristãos e muçulmanos. No século 15, a discriminação aumentou até que os judeus, exceto os que se converteram ao cristianismo (cristãos novos), foram expulsos de Portugal, em 1509. Embora fosse proibido a judeus e mouros emigrar para as Américas, muitos cristãos novos vieram para o Brasil, provavelmente trazendo o haplogrupo 9.

Por sua vez, os imigrantes que chegaram ao Brasil a partir da metade do século 19, em especial italianos, espanhóis, alemães, japoneses e sírio-libaneses, deixaram sua 'marca' no aumento (em relação a Portugal) da freqüência dos haplogrupos mediterrâneos 21 e 9 (italianos, espanhóis e sírio-libaneses) e na presença dos haplogrupos 22 (espanhóis) e 20 (japoneses). Como foi dito, a presença dos alemães no Sul e dos holandeses no Nordeste provavelmente reduziu a freqüência dos haplogrupos mediterrâneos nessas regiões e aumentou a do haplótipo 2.

Já os estudos de DNA mitocondrial demonstram proporções gerais de 33% de linhagens ameríndias, 28% de africanas e 39% de européias, mas variando consideravelmente de região para região, segundo o padrão esperado pela história de colonização de cada uma delas. No Sul, são europeus 66% dos haplótipos, o que reflete a ampla imigração da Europa para a região nos séculos 19 e 20. No Norte, onde a presença indígena é elevada, 54% das matrilinhagens são ameríndias. No Nordeste, como esperado, predominam matrilinhagens africanas (44%). No Sudeste, a distribuição das linhagens é muito uniforme. Apesar da alta diversidade de linhagens de DNA mitocondrial, européias e africanas, não foi possível relacionar haplogrupos específicos a regiões brasileiras. As linhagens européias H, T e J predominam em todas as regiões e não apresentam um padrão específico de distribuição. Isso é consistente com o fato de que, dentro da Europa, a diferenciação de matrilinhagens é bastante pobre.

No caso das linhagens africanas, sabe-se que a maioria dos escravos que vieram para o Brasil originavam-se da costa oeste, da vasta região entre o rio Senegal no norte e a Angola portuguesa no sul. Na parte mais norte dessa região estavam o reino Ioruba de Oyo e os reinos de Dahomey e Congo. Os escravos que vieram dessa região, chamados de Minas, constituíam aproximadamente um terço do total que veio para o Brasil e concentraram-se inicialmente na Bahia. Muitos desses escravos tinham a religião Ioruba, da qual veio o Candomblé baiano. A maioria dos escravos para o Rio de Janeiro e Minas Gerais veio de Angola - de tribos que falavam dialetos do tronco Bantu. Entretanto, no século XIX houve consideráveis migrações internas dos escravos, com homogeneização entre os estados. Sabe-se pouco sobre a distribuição de haplogrupos de DNA mitocondrial na África, especialmente em Angola. Assim, fica difícil fazer inferências filogeográficas a partir dos nossos resultados, que mostram que os haplogrupos L3e e L1c constituem quase 50% dos africanos.

As linhagens ameríndias mostraram um padrão curioso. O haplogrupo A foi o mais comum no Nordeste, Sudeste e Sul (36% do total das três regiões), enquanto o C foi o mais comum no Norte (38%). Novos estudos estão sendo iniciados para tentar explicar essa correlação geográfica.

O Retrato Molecular do Brasil no contexto histórico

Em resumo, nossos estudos filogeográficos com brasileiros brancos revelam um padrão de reprodução direcional: a imensa maioria das patrilinhagens é européia, enquanto a maioria das matrilinhagens (cerca de 60%) é ameríndia ou africana. Os resultados combinam com o que se sabe sobre o povoamento pós-cabralino do Brasil. Exceto pelas invasões (temporárias) de franceses no Rio de Janeiro e de holandeses em Pernambuco, praticamente apenas portugueses vieram para o Brasil até o início do século 19. Os primeiros imigrantes portugueses não trouxeram suas mulheres, e registros históricos indicam que iniciaram rapidamente um processo de miscigenação com mulheres indígenas. Com a vinda dos escravos, a partir da segunda metade do século 16, o processo de miscigenação estendeu-se às africanas.

Em 1552, em carta ao rei D. João, o padre Manuel da Nóbrega fala da falta de mulheres brancas na nova colônia, e pede que essas sejam enviadas para que os homens "casem e vivam (...) apartados dos pecados em que agora vivem". A coroa portuguesa tolerou relacionamentos entre portugueses e índias desde o início da colonização, mas passou a estimular casamentos desse tipo oficialmente por um Alvará de Lei emitido em 4 de abril de 1755 pelo marquês de Pombal. A idéia de Pombal, aparentemente, era povoar o Brasil, garantindo sua ocupação, mas essa política surpreendentemente liberal não se estendeu aos africanos. É óbvio, no entanto, que a mistura de portugueses com africanas continuou.

A partir da metade do século 19, o Brasil recebeu enormes levas de novos imigrantes, destacando-se portugueses e italianos, seguidos de espanhóis, alemães, japoneses e sírio-libaneses. Entre 1872 e 1890, por exemplo, a população de brancos brasileiros aumentou em 12,5 milhões. Embora muitos imigrantes tenham vindo com suas famílias (em especial, os alemães), havia um excesso significativo de homens em outros grupos. Como os imigrantes eram em geral pobres, casavam-se com mulheres também pobres, o que no Brasil significava mulheres de pele escura (por causa da correlação entre cor da pele e classe social).

Vários autores, dentre os quais despontam os já mencionados Paulo Prado, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro, enfatizaram a natureza tri-híbrida da população brasileira, a partir dos ameríndios, europeus e africanos. Os dados que obtivemos dão respaldo científico a essa noção e acrescentam um importante detalhe: a contribuição européia foi basicamente através de homens e a ameríndia e africana foi principalmente através de mulheres. A presença de 60% de matrilinhagens ameríndias e africanas em brasileiros brancos é inesperadamente alta e, por isso, tem grande relevância social.

O Brasil certamente não é uma democracia racial. Prova disso é a necessidade de uma lei para proibir o racismo. Pode ser ingênuo de nossa parte, mas gostaríamos de acreditar que se os muitos brancos brasileiros que têm DNA mitocondrial ameríndio ou africano se conscientizassem disso valorizariam mais a exuberante diversidade genética do nosso povo e, quem sabe, construiriam no século 21 uma sociedade mais justa e harmônica.

Notas

[1] A razão pela qual "raça" está entre aspas no texto é que, embora o IBGE continue usando o termo, ele é mais uma construção social e cultural do que biológica. Na verdade, do ponto de vista genético raças humanas não existem. O homem moderno distribuiu-se geograficamente e desenvolveu características físicas, incluindo cor da pele, que são adaptações ao ambiente de cada nicho geográfico. Entretanto, do ponto de vista genético não houve diversificação suficiente entre estes grupos geográficos para caracterizar raças em um sentido biológico, como demonstrou recentemente o geneticista americano Alan Templeton. Isto introduz uma dificuldade, pois como podemos nos referir a certos grupos, como por exemplo, os índios brasileiros? Uma nomenclatura que tem sido crescentemente usada é a de etnias, que na nossa opinião deveriam ser muito amplamente definidas como grupos populacionais que possuem características físicas ou culturais em comum. Infelizmente a definição de etnia como "um grupo biológico e culturalmente homogêneo" dada no Novo Dicionário Aurélio (1a edição) é errada. Não existe na face da Terra nenhum grupo humano biologicamente (nem culturalmente) homogêneo

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RE: retrato molecular do Brasil

#43502 | Ricardo de Oliveira | 16 giu 2003 12:18 | In reply to: #43440

Caro Carlos Silva

Obrigado pela contribuição. São textos muito interessantes. Vou avançar no tópico procurando analisar os contingentes da população brasileira e fazer uma estrutura com a divisão de renda depois.

Um abraço
Ricardo

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