Um processo do Santo Ofício e a Maçonaria
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Um processo do Santo Ofício e a Maçonaria
Um caso curioso, dos muitos que a nossa história familiar nos reserva.
Parece que, ontem como hoje, as atitudes repetem-se e as praxis das organizações de então, pouco ou nada terão mudado na actualidade...*rs
Em 2/1/1792 apresentara-se Francisco Joaquim Moreira de Sá, expontaneamente, no Tribunal do Santo Ofício a “implorar a piedade” por ter aderido dois anos antes à sociedade dos franco-maçons, persuadido por Henrique Correia de Vilhena que aí o introduzira.
No processo que lhe foi instaurado, relata Moreira de Sá que fora conduzido certo dia, ao anoitecer, numa sege, pelo citado Henrique Correia de Vilhena, natural da ilha da Madeira, a umas casas entre-muros da vila de Guimarães, onde o deixou fechado numa casa com a recomendação de se portar com bravura no que acontecesse.
Decorrida cerca de uma hora, apareceu um desconhecido empunhando uma espada e falando-lhe “com feia catadura” desarmou-o e conduziu-o a outra casa “forrada de liaetas pretas”, onde o deixou fechado.
Passado algum tempo, apareceu outro homem que lhe deu papel e tinta, dizendo-lhe para escrever o juízo que fazia da Maçonaria, o que ele fez em conformidade com as boas informações que lhe haviam dado e ele próprio lera.
O homem afastou-se com o papel e em breve outros apareceram, armados de espadas, tiraram-lhe as fivelas, a casaca, a bolsa e ataram-lhe as mãos e o pescoço com uma corda. De seguida, vendaram-lhe os olhos com um lenço e levaram-no de um lado para o outro tentando com mil estratagemas persuadi-lo do grande risco que a sua vida corria.
Após terem-lhe destapado os olhos, exigiram um exótico juramento de não revelar os segredos da Maçonaria que consistiam nos sinais de reconhecimento entre eles.
Disseram-lhe então que tinha o 1º grau de maçon, entregando a espada, avental e luvas.
Assistiu seguidamente à recepção de Francisco Maria Corvo, da cidade de Lisboa, rindo com os outros à custa dele.
Um dos maçons recitou uma oração que pretendia dar uma ideia histórica da Maçonaria, deduzindo-a das Cruzadas e inculcando aos membros a obrigação de se socorrerem mutuamente.
No final cearam à custa dos dois novos membros e regressaram a suas casas.
Francisco Joaquim Moreira de Sá falou logo em seguida com o abade de Gondar, José de S. Bernardino Botelho, acerca do misterioso segredo maçónico, garantindo-lhe que nada era tratado contra a religião ou o Estado.
Facilitou a recepção daquele clérigo, tomando com ele, com Francisco Maria Corvo e com Francisco da Silva de Queirós, cónego da basílica, os 2º e 3º graus.
Consistiam estes em diferentes sinais e palavras para conhecerem eles entre si os graus que tinham e no formulário da recepção.
E deram os Mestres maçons a cerimónia por concluída já que em Portugal, disseram, não se podia passar a outros graus por não haver lojas estabelecidas.
Moreira de Sá afirma que ficou com má impressão acerca de tudo aquilo, pois na cerimónia, ao tirarem dinheiro para a recepção, faltara uma peça ao abade de Gondar, dando a certeza de ter sido roubada por algum dos membros.
E recebendo posterior convite para novas recepções, sempre se desculpou com alguma ocupação, esquecendo-se até da maior parte dos sinais de reconhecimento entre eles.
Posteriormente tomou conhecimento da bula papal que proibia estas sociedades e constituía os membros réus do tribunal do Santo Ofício. Comunicou, de imediato, ao abade de Gondar e foram denunciar-se prontamente ao comissário João de Vasconcelos, abade de S. Martinho do Campo, implorando a piedade do Santo Ofício e prontificando-se a responder a tudo que deles quisessem saber.
Declarou Moreira de Sá ao tribunal que nunca usara os sinais que lhe tinham ensinado. Como exemplo, relatou que num jantar a que assistira numa casa de pasto com um francês vindo da Madeira - que dizia ser cirurgião e chamar-se Dovanhi - este fizera-lhe sinais de maçon e ele não respondera, nem se dera a conhecer.
Nunca usara os sinais que lhe tinham ensinado, tais como: beber três vezes debaixo da primeira intenção, precedendo três ou cinco pancadas na tampa da caixa ao tomar tabaco (segundo a diferença correspondente do 1º ao 3º grau), sendo também próprio deste um triângulo mostrado pelo accionar do braço na ocasião de fazer a cortesia.
Não obstante, não se lembrava duma palavra usada no 2º grau nem da usada no 3º. Recordava, ainda assim, uma das duas proferidas no 1º grau que era “Jakin”.
Perguntaram-lhe os inquisidores como era possível que ele réu - homem de literatura e conhecimentos - ignorasse a proibição e maldade que se ocultava naquela sociedade, ao que ele respondeu que tinha “feito profissão de estudar ramos inteiramente diferentes daqueles que lhe podiam dar socorro para vir no conhecimento das Leis Eucaristicas, visto que política e belas letras fazem o Artigo da sua maior aplicação, e que nunca suspeitou maldade nesta Sociedade, por não ter visto tratar materia que ofendesse o mais levemente nem a Religião, nem o Estado”.
O tribunal do Santo Ofício julgou-o por acórdão publicado no próprio mês da apresentação, em 31 de Janeiro:
“Acórdão os Inquiridores, Ordinario e Deputados da Santa Inquisição que vistos estes auttos, culpas, e confissões de Francisco Joaquim Moreira de Sá, natural da freguezia de Santa Eulalia de Barrozas, termo de Guimaraens, filho de Francisco Moreira Carneiro, actoalmente morador nesta Corte, Reo appresentado, que presente está. Por que se mostra que sendo Christão baptizado, e como tal obrigado a ter, e crer tudo quanto tem, crê, e ensina a Santa Madre Igreja de Roma, elle o fez pelo contrario, como confessou na Mesa do Santo Officio, apresentandose de suas culpas, e dizendo: que elle entrara, e se congregara na Sociedade denominada dos Pedreiros Livres em cuja Meza e Assemblea prestara juramento sobre a observancia e segredo de seus Estatutos, convencido das persuassoes, com que para este fim o combatera certa pessoa, que declarou e ignorando a Reprovação, condennação e Anathema, que contra ella e seus Sectarios se achavão declarados e fulminados pela Igreja, de cuja culpa sentindo-se sumamente arependido, da mesma fazia huma sincera confissão, supplicando o perdão della, e que com elle se uzasse de Mizericordia. E visto como o Reo uzando de bom conselho se appresentou confessando voluntariamente o seu delicto nesta Meza, dando mostras, e sinaes de arependimento, e pedindo perdão, e piedade com o mais que dos Auttos consta. Mandão que o Reo Francisco Joaquim Moreira de Sá em pena, e penitencia de suas culpas ouça sua Sentença na Meza do Santo Officio perante os Inquisidores, hum Notario, e duas Testemunhas, faça abjuração de vehemente suspeito na Fé, cumpra as penas Spirituaes, que lhe forem impostas, e que da Excumunhão em que se acha incurso seja absoluto in forma Eclesia”. (in "Os Sás de Vizela: ,MOREIRAS DE SÁ - Memórias históricas, genealógicas e heráldicas", do autor, a publicar).
Cumprimentos.
Fernando Moreira de Sá Monteiro
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