Calendário gregoriano

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Calendário gregoriano

#214540 | mjmventura1972 | 02 dez 2008 17:54

Caros confrades,

Uma dúvida que se me levantou tem a ver com as datas que se encontram nos assentos do século XVI.

Como sabem, Portugal foi um dos primeiros países a adoptar de imediato o calendário Gregoriano, que entrou em vigor em 1582, por determinação de uma bula do Papa Gregório XIII.

Ora, a minha dúvida é:
Nos assentos (baptismos, casamentos, óbitos, etc.) anteriores a 1582, a data que é mencionada é ainda com base no calendário Juliano?

Se assim for, não será necessário converter essa data para o nosso calendário Gregoriano, de modo a ter a data exacta do acontecimento relatado?

Desde já, agradecia se algum confrade me pudesse esclarecer.


Um abraço,

José Martins

Resposta

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RE: Calendário gregoriano

#214599 | Jpteixeira | 03 dez 2008 12:28 | Em resposta a: #214540

Caro José Martins.

A passagem do calendário juliano para o calendário cristão ocorreu no reinado de D. João I, em que o ano de 1460 da Era de César, passou a ser designado como o ano de 1422 da Era de Cristo, tendo-se subtraído 38 anos.
Naquele ano de 1422 da Era de Cristo (ou d.C. como habitualmente designamos), ainda não havia registos paroquiais generalizados, uma vez que estes só se tornaram obrigatórios a partir do termo do Concílio de Trento (1563), pelo que as datas constantes nos registos não precisam de ser corrigidas. Só os documentos anteriores a 1422 d.C. é que precisam de ser redatados para o calendário cristão.
A reforma do Para Gregório XIII, que passou a ser praticada a partir de 1582, está mais relacionada com o acerto do calendário com o tempo real e com regra da introdução de anos bissextos nos chamados anos seculares ou terminados em duplo zero (1600, 1700, 1800, 1900, 2000, 2100, etc.)

No entanto, para melhor compreensão de acabei de lhe transmitir, junto um pequeno texto sobre a questão da evolução dos calendários ao longo dos tempos.

Com os melhores cumprimentos
Júlio Sousa

1- O CALENDÁRIO JULIANO foi introduzido por Júlio César, o qual recorreu a Sosígenes, astrónomo grego de Alexandria, no ano 46 a.C. para apresentar a reforma do calendário romano. Sosígenes baseou-se nos trabalhos de outro sábio, Eratóstenes, tendo concluído que o ano terrestre tinha 365 dias e 6 horas, pelo que era necessário acrescentar 1 dia de quatro em quatro anos, o que levou aos anos bissextos de 4 em 4 anos.
A reforma apresentada por Sosígenes entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 45 a.C. e tal calendário passa a chamar-se de Juliano.
A aplicação do calendário Juliano não foi imediata e no caso Português (mais propriamente, da chamada península hispânica ou ibérica) a adesão só foi feita no ano 38 a.C.

2-Convém salientar que o ano de 365,25 dias do calendário juliano é cerca de 11 m 14 s mais longo do que o ano trópico. A acumulação desta diferença ao longo dos anos representa um dia em 128 anos e cerca de três dias em 400 anos.
Sem entrar em detalhes relativamente ao ano trópico, convém dizer que é este que regula o retorno das estações e que intervém nos calendários solares.

3- Por aquela época, tiveram lugar na Terra Santa os mistérios da Vida, Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, o advento do cristianismo e a difusão desta doutrina. Tal ocorrência acabaria por ter bastante influência na evolução do calendário juliano: a fixação das regras para a determinação da data da Páscoa e a adopção oficial da semana no calendário romano.
Os cristãos da Ásia Menor celebravam a Páscoa cristã no dia 14 da primeira Lua que começasse em Março, qualquer que fosse o dia da semana em que ocorresse essa data. Pelo contrário, os cristãos do Ocidente celebravam-na no domingo seguinte a esse dia. Esta discrepância entre os cristãos do Oriente e do Ocidente na comemoração de tão importante acontecimento, deu origem a sérias polémicas entre os altos dignitários das duas Igrejas.

4- Desta questão se encarregou o Papa João I, nos finais do Século V d.C., provavelmente em 525, na época de Justiniano, que pediu ao monge cita DIONÍSIO, o Pequeno ou o Exíguo, para que preparasse uma cronologia cristã da história humana baseada na data da natividade de Cristo.
Ou seja, era preciso determinar qual era o ano do nascimento de Cristo, segundo a data da fundação de Roma “ ab urbe condita” de Marcos Terêncio Varrão.

E a partir daqui passa a ter importância a data do ano do nascimento de Cristo.
Dionísio, O Exíguo, situou, então, o nascimento de Jesus a 25 de Dezembro do ano 753 da fundação de Roma.
Desta forma, o ano 753 da fundação de Roma, tornou-se, no ano 1 antes de Cristo e o dia 1 de Janeiro do ano de 754 da fundação de Roma tornou-se no primeiro dia do ano 1 depois de Cristo, iniciando-se a partir daqui a era cristã.
Convencionou-se, desta forma, os anos antes de Cristo e os anos depois de Cristo.

5- A ideia que se devia começar a conta os anos a partir da proposta de Dionísio revolucionou todo o calendário, mas o seu uso não foi imediato.
Só se impôs de maneira gradual em França e na Inglaterra no Século VIII; na Germânia no Século IX. Em Roma, nos actos públicos aparece pela primeira vez em 968 no tempo do Papa João XIII e em Espanha até ao Século XIV

6- Em PORTUGAL só no dia 22 de Agosto de 460 (era de César) é que o Rei D. João I, o de Boa Memória, passou a utilizar a Era de Cristo, por carta régia emitida de Óbidos “ … manda el-rei a todos os tabeliães e escrivães do seu reino e senhorio que daqui em diante em todos os contratos e escrituras que fizerem ponham Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, assim como antes punham Era de César. E isto lhes manda que façam sob pena de privação de ofícios. Assim, o corrente ano é o de 1460 pela Era de César e o de 1422 pela Era de Cristo”.
Ora tal adopção levou, em termos históricos, à redatação ou à reformulação das datas subtraindo 38 anos. Ou seja, um documento emitido com uma data anterior a 22 de Agosto de 1460 da era de César, deveria e deve ser redatado para a Era de Cristo, com menos 38 anos.

7- É o caso das actas das vereações de Loulé editadas pela Câmara Municipal de Loulé e referentes ao Século XIV, que foram coligidas e redatadas pelo historiador Humberto Baquero Moreno.


8- Atrás, no ponto2, referi que o calendário juliano é cerca de 11 m 14 s mais longo do que o ano trópico. Desta forma, a introdução de mais um dia de 4 em 4 anos, nos anos bissextos, não resolveu a questão, uma vez que continuam a haver divergências entre o tempo real e o tempo do calendário, causando várias preocupações à Igreja durante toda a Idade Média, visto que tal atraso poderia dar origem a novas discrepâncias sobre a data da Páscoa.
O problema foi tratado em vários Concílios e inclusivamente no Concílio de Trento (1545-1563) chegou a ser discutido um projecto de reforma o qual não pode ser concretizado apesar dos esforços do Papa IV.

9- Mas o sucessor do Papa Pio IV, o Papa Gregório XIII não deixou adormecer a ideia e em 1576 criou e encarregou uma Comissão de Sábios com a tarefa de apresentar uma reforma que resolvesse definitivamente aquele problema.

10- Naquela Comissão teve papel preponderante o célebre padre jesuíta alemão e eminente matemático Cristóvão Clavius, que estudara matemática em Coimbra com Pedro Nunes.
Aquela Comissão de Sábios de sábios liderada por Clávius verificou que o atraso do calendário com o tempo real era de 10 dias, pelo que tinham que ser suprimidos 10 dias ao calendário.
O novo calendário entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1582, sendo que, definitivamente, foi proclamado que o ano começava a 1 de Janeiro.
A Comissão propôs que nesse ano, para se determinar correctamente a data da Páscoa, o equinócio da Primavera ocorresse a 11 de Março em vez do dia 21.
Os 10 dias em causa foram sacrificados no mês de Outubro. Assim, ao dia 4 de Outubro, 5ª Feira, seguiu-se o dia 15, 6ª Feira.

11- Desta forma, com a supressão dos 10 dias, o equinócio da Primavera regressou a 21 de Março, nos anos seguintes.
Para evitar no futuro a repetição da diferença, foi estabelecido que os anos seculares de terminação em duplo zero (1600, 1700, 1800, 1900, 2000, etc.), só seriam bissextos se fossem divisíveis por 400. Foi o que aconteceu nos anos de 1600 e 2000.

12- Resta dizer que Portugal, Espanha e Itália foram os únicos países que aceitaram de imediato a reforma do calendário

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RE: Calendário gregoriano

#214600 | mjmventura1972 | 03 dez 2008 12:46 | Em resposta a: #214599

Caro Júlio Sousa,

Muito obrigado pela sua resposta, que foi muito esclarecedora.
Desconhecia por completo o processo de adopção do calendário Gregoriano.

Com os meus melhores cumprimentos,

José Martins

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RE: Calendário gregoriano

#214603 | Jpteixeira | 03 dez 2008 14:41 | Em resposta a: #214600

Caro José Martins:

Não tem que agradecer.
Quanto ao ponto 6 do texto que lhe enviei, contém uma gralha assinalável, que passarei de imediato à sua correcção.
Efectivamente, onde consta 460, deverá constar 1460.
Assim, temos:

6- Em PORTUGAL só no dia 22 de Agosto de 1460 (era de César) ......"

Peço desculpa por esta lamentável gralha.

Com os melhores cumprimentos.
Júlio Sousa

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RE: Calendário gregoriano

#214675 | artur41 | 04 dez 2008 13:19 | Em resposta a: #214603

Caro José Martins,


O confrade Júlio Sousa penso que repondeu à sua pergunta.

Não sei se já reparou no tópico "Medidas do tempo":

http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=170068&fview=e

Convido-o, se assim o desejar, a aduzir mais alguns elementos.


Com os meus melhores cumprimentos,

Artur Camisão Soares

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