Armas Assumidas (J.Boto)
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Armas Assumidas (J.Boto)
As Regras e o Regime Jurídico da Heráldica Assumida:
Heráldica assumida já se sabe o que é. É o sector da Heráldica geral relativo às armas concebidas e adoptadas por qualquer pessoa que as assume como distintivo pessoal ordenado segundo as regras da Heráldica. Tão sugestivas são estas regras e de tão bom efeito a obra realizada dentro do seu espírito que não admira tenha, frequentemente, seduzido muitos levando-os a adoptarem qualquer sinal figurado para os representar.
Ao assumir-se umas armas, poderá aplicar-se toda a aparelhagem heráldica sem restrições, ou terão de guardar-se certas regras além das que presidem e à estilização?
Parece de elementar prudência formular, a este respeito, uma teoria. À parte o princípio geral da exclusividade das armas, que as torna pertença de certa e determinada pessoa, princípio aplicável a toda a Heráldica, há interesse em fixar uma orientação.
Ao escolher-se uma forma heráldica de representar a própria personalidade, pode adoptar-se qualquer sinal ou símbolo concebidos dentro do espírito da arte de brasonar, com excepção dos sinais ou figuras exclusivos de certos sectores da Heráldica. É o caso das bricas e do lambel na Heráldica de família, por exemplo. Isto para os elementos internos do brasão. Para os externos – em geral insígnias distintivas – as restrições impostas às armas assumidas são maiores. As coroas ou coronéis com a configuração especial indicativa das várias categorias de títulos, estão evidentemente, postas de parte. Não é possível assumir-se um brasão de armas encimado por uma coroa de conde, se o inventor das armas não tem direito ao título, ou rematar um escudo por uma borla doutoral se o que assume não for "doutor".
Não há dúvida: os elementos externos do escudo que tenham carácter de insígnias exclusivas de certos títulos, distinções honoríficas ou cargos, não podem ser usados segundo a fantasia daquele que assume as armas.
Onde, à primeira vista, poderão surgir dificuldades, é quanto ao uso do elmo e do timbre. Quanto ao timbre, o caso desvanece-se desde logo, visto o timbre, em regra, ser uma representação externa de um elemento interno do brasão ou, quando muito, um seu complemento simbólico externo diferente; mas, em qualquer circunstância, é sempre um complemento. Como distinção específica, o timbre só interessa para o escudo de certa fase da história da Heráldica. Como elemento simbólico muito expressivo e ornamental o timbre parece susceptível de ser assumido em complemento do escudo.
O uso do elmo traz outras objecções. Como é sabido, na Heráldica histórica a posição do elmo sobre o escudo varia segundo certas situações categorias, mas a posição ordinária é a de se colocar o elmo voltado a três-quartos para a dextra, (para a esquerda do observador, para a direita do "guerreiro utilizador").
Fora o caso do elmo colocado de frente e de ouro, próprio das Armas Reais e Nacionais, a posição dos elmos de perfil, por exemplo, tem hoje mero interesse histórico e pouco significam na Heráldica moderna. O uso do elmo voltado a três-quartos para a dextra generalizou-se e é a posição de melhor efeito no conjunto das armas, melhor até do que a do elmo colocado de frente.
Como suporte natural do timbre, não se vê inconveniente no uso do elmo voltado a três-quartos para a dextra sobre os escudos assumidos. É um bom motivo ornamental de enquadramento visto, com o seu paquife iluminado dos dois esmaltes predominantes (metal e cor) do brasão, ser um elemento lógico representativo das Armas e não colide, na Heráldica moderna, com qualquer categoria. Por motivos estéticos consagrou-se a posição do elmo colocado a três-quartos para a dextra.
Depois destas breves observações teóricas aplicáveis à Heráldica assumida, considere-se, em brevíssimos traços, o seu regime jurídico.
As armas assumidas não encontram na lei protecção expressa. No entanto, como a lei as não proíbe e representam de facto uma situação de facto atendível emergente do mais respeitável dos direitos – o direito da personalidade – a sua protecção jurídica é de considerar, quanto mais não seja por analogia, enquanto não surgir um estatuto próprio regulador desta nova forma de relações.
Ordenado ou não heraldicamente, o uso de símbolos de representação pessoal, tornou-se frequente. O ex-libris é, em regra, uma forma de simbologia assumida. É um sinal distintivo pessoal e tem por fim "marcar" a posse de livros. Muitos tendem a passar de simples "marca de posse" de livros para marca de posse generalizada e até como indicativo figurado de pessoa a juntar ao nome, no âmbito dos direitos da personalidade. O ex-libris é a fonte principal da heráldica assumida e tende a ultrapassar a sua função inicial, passando a representar a pessoa com o carácter de um verdadeiro brasão.
Assim a representação simbólica da pessoa concebida dentro do espírito da Heráldica, é mais alguma coisa do que simples "marca de posse": surge como outro elemento distintivo da pessoa em relação ao seu semelhante. É um reforço plástico e colorido destinado a reforçar, pela vista, a função característica do nome.
A lei vigente protege as situações jurídicas heráldicas já existentes (as criadas dentro da Heráldica de família, de domínio e de concessão). Não dispõe nada, porém, quanto às novas situações jurídicas heráldicas, nascidas da própria vontade dos portadores que assumem as armas.
A inovação simbólica e assumida admite-se nas marcas comerciais e industriais. Sobre as marcas pessoais ou novos distintivos, quer tenham ou não ordenamento heráldico, não há nada estipulado. A única maneira de fazer beneficiar da protecção legal, as várias formas da nova Heráldica assumida é tornar extensivo, por analogia, o regime vigente para as marcas comerciais e industriais, enquanto não se estabelecer expressa protecção legal baseada no espírito que informa o chamado código da propriedade comercial e industrial. As situações são semelhantes apesar de cada uma delas ter as suas particularidades.
Ao integrarem-se na representação geral da pessoa, as armas assumidas integram-se também nos princípios jurídicos implícitos em toda a Heráldica.
Análogas ao nome que completam, as armas assumidas estão afectas à personalidade e por isso – diferentes neste caso das marcas comerciais e industriais – imprescritíveis e inalienáveis.
Assumidas umas armas, poderão ser transmitidas a título gratuito? Podem ser doadas ou transmitidas por disposição testamentária? Podem transmitir-se por sucessão hereditária e neste caso assumem o carácter de armas de família. Se o que suceder nas armas não é da família do de cujus ou do doador, as armas não assumem o carácter familiar. Continuam na espécie das armas pessoais e dentro do regime das armas assumidas.
Além dos ex-libris ordenados em termos heráldicos, há outra forma de armas assumidas naquilo que em regra se chama – e impropriamente – o emblema de certas pessoas colectivas quando as não tenham por expressa disposição da lei e na forma por esta regulada. São as agremiações que assumem armas (ou emblemas) por deliberação das suas assembleias gerais ou outros órgãos diferentes. Neste caso, é claro, as armas distintivas não estão sujeitas à rigidez dos princípios reguladores da personalidade individual, mas seguem as normas legais e estatutárias do regime da personalidade colectiva. As armas conservam-se e transmitem-se conforme as deliberações dos órgãos respectivos e as estipulações estatutárias.
Se têm a sorte de encontrar um bom ordenamento heráldico, a crítica heráldica nada terá a dizer. De contrário, lamenta-se a má forma da simbologia assumida que, na maioria das vezes, só é má pela forma. Nada há a perder quando se recorre aos princípios, às normas e às regras da Heráldica, que são as mais relevantes na disciplina estética da simbologia das pessoas colectivas de armas assumidas.
Dentro desta Heráldica há uma categoria importantíssima de armas assumidas, ordenadas com todas as características da arte de brasonar. Formam como que uma espécie de família heráldica sui generis, tão expressiva e viva que tem de ser considerada como autónoma: o extenso sector da Heráldica eclesiástica, na parte respeitante às armas dos prelados, assumidas e exclusivamente pessoais.
Do der Herolds-Ausschuss der Deuschen Wappenrolle teve-se uma importante informação de grande interesse sobre o regime jurídico das armas assumidas e o sistema actualmente seguido na Alemanha:
Todo o cidadão alemão tem o direito de criar armas próprias. Este acto, por si, estabelece as armas para toda a sua descendência masculina. Mas as armas podem instituir-se em benefício de todos os seus primos que sejam parente na linha de varonia. O criador e “assumidor” das armas conserva o direito de disposição sobre elas mesmo quando os seu colaterais usem as armas criadas em seu favor ou não.
Antes de 1806 este direito podia ser contestado mas depois da supressão do Santo Império já não há legitimidade para isso. A grande maioria das armas registadas pelo Conselho do Deutschen Wappenrolle são armas criadas recentemente. A regra é registar as armas logo que são criadas. "
Bibliografia Portuguesa
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Publicada por Rei-de-Armas do Templo em 8:03
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RE: Armas Assumidas (J.Boto)
Caro Confrade
Venho agradecer-lhe o seu textos sobre Heráldica.
Sendo eu um "quase" leigo na materia, considero sempre bem-vindos quaisquer esclarecimentos.
Muito obrigado.
António Alferes Pereira
P.S.
Estamos à sua espera para trabalhar Josquin des Près.
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