Genealogia com cinco mil anos

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Genealogia com cinco mil anos

#44728 | NISGM | 09 jul 2003 18:28

No Público


Placas de Xisto Gravadas do Alentejo e Algarve Podem Ser o Mais Antigo Sistema Heráldico do Mundo
Por POR PAULO HEITLINGER (TEXTO E FOTO)
Sexta-feira, 04 de Julho de 2003

Há cerca de 5.000 anos, os povos que viviam no Alentejo e no Algarve identificavam-se através de códigos gravados em placas de xisto, concluiu a arqueóloga norte-americana Katina Lillios, que está a fazer uma análise sistemática a pedras gravadas recolhidas em túmulos megalíticos naquela zona. Este património, que jaz em armazéns de museus há mais de 100 anos, é exclusivo ao sul da Península Ibérica. Pensa-se que estas placas são, a nível mundial, o primeiro sistema heráldico de que há conhecimento. Lillios, que tem publicado as suas descobertas e continua a trabalhar em Portugal, dá hoje uma palestra sobre o seu trabalho, no Museu Arqueológico do Convento do Carmo, em Lisboa, às 18h00.

Se hoje nos identificamos com um Bilhete de Identidade, os nossos antepassados neolíticos também tinham decidido identificar pessoas - pelo menos, quando eram enterradas. As placas de xisto decifradas por Katrina Lillios são a primeira manifestação consciente e deliberada de registos de identidade duradouros fabricados pelos clãs da grande cultura megalítica. Os desenhos geométricos gravados nas placas revelam a qual clã pertencia um defunto - e qual a sua linha de descendência, a sua geração.

Até agora, a maioria dos arqueólogos ibéricos optou por interpretar estas placas de xisto como ídolos de um culto da deusa mãe. Esta especulação travoua análise científica das placas de xisto.

Estácio da Veiga, parteiro da Arqueologia portuguesa, foi um dos primeiros a publicar imagens das placas de xisto e dos padrões nelas gravados. Estiveram disponíveis gravuras destas placas a partir de 1887, data de publicação do livro "Antiguidades Monumentaes do Algarve". "Infelizmente, passaram-se mais de 120 anos sem avanços significativos na interpretação destas peças", relata Katina Lillios.

Se Estácio da Veiga contava cerca de 70 exemplares, "hoje temos provavelmente, só no Museu Nacional de Arqueologia, em Belém, algo como 2.000 placas". Mas a maioria das preciosíssimas placas ali guardadas ainda estão à espera de serem catalogadas - problema comum a muitos outros museus.

Observar, documentar, interpretar, testar - é este o metódico trabalho que Katina Lillios tem desenvolvido nos últimos dois anos e meio.

A arqueóloga norte-americana que nasceu em Salvador da Bahia, filha de mãe brasileira e pai grego, desenvolve desde 1982 uma intensa actividade de prospecção arqueológica e análise científica em Portugal, em sitíos do Neolítico, do Calcolítico e da Idade do Cobre. Agora, dedica-se à catalogação das peças que acredita serem os "bilhetes de identidade" dos nossos antepassados megalíticos, munida de uma bem estruturada base de dados no seu computador portátil e de uma câmara fotográfica digital.

Num artigo publicado em 2002 na "Revista Portuguesa de Arqueologia", editada pelo Instituto Português de Arqueologia, Katina Lillios desenvolve e testa "a hipótese de que as placas teriam uma função heráldica, servindo para registar a filiação numa linhagem e a distância genealógica do falecido a que estavam associadas em relação a fundador da mesma (linhagem)."

Alguns cientistas tinham já refutado a tese das placas representarem ídolos relacionados ao culto da deusa mãe. Isabel Gomes Lisboa avançou em 1985, na revista "Archeological Review from Cambridge", a ideia de que as placas teriam sido usadas para "transmitir mensagens" e sugeria que tinham "função heráldica, não necessariamente associada a indivíduos".

Era a ideia-chave para decifrar as placas, mas faltava um modelo para testar a hipótese.

Reunindo na sua base de dados umas primeiras 680 placas, Katina Lillios agrupou-as primeiro por padrões típicos: ziguezague, xadrez, triângulos, espinha, traços verticais, e divisas. Depois, chegou a uma conclusão determinante: se bem que haja numerosas placas parecidas, nenhuma é idêntica a outra - facto nunca comentado por qualquer arqueólogo ibérico até à data.

"São sempre peças únicas, nunca repetidas", diz a investigadora. A sua base de dados fornece fortíssimas correlações, contrariando a hipótese dos desenhos serem fruto de uma criação puramente estética ou ornamental. Os vários padrões gravados são funcionais: identificam o lugar, a região onde o defunto foi enterrado. Identificam o clã, a linhagem, gerações.

As placas não se diferenciam só pelos seus padrões. Olhando para todas as placas de um padrão, vê-se que diferem sempre no número de linhas. Katina Lillios deduz que o número de linhas equivale à geração do defunto em relação a uma "primeira pessoa da estirpe". As formas são deliberadamente variadas - para obedecer ao sistema simples de descrever gerações pelo número de linhas.

Os números de linhas são prioritários no desenho riscado, por vezes mesmo em detrimento da estética das placas, pois havia que assinalar que um sepultado pertencia a determinada geração do seu clã. Em vários casos, o número de gerações vai até 15, 16, 17 ou mesmo 18. E se nessa época uma geração abrange 20 ou 30 anos, estamos a observar "bilhetes de identidade" emitidos ao longo de 400 a 500 anos, aproximadamente, para indivíduos que viveram entre 3.500 e 2.500 a.C.

Destas sequências pode derivar-se a expansão dos diversos clãs pela geografia do sul ibérico; as suas penetrações mútuas, também. Nos maiores túmulos - por exemplo, na Anta Grande do Olival da Pêga, perto de Reguengos de Monsaraz, onde se encontraram 134 placas de xisto com forte mistura de padrões, e portanto de clãs, há grandes variações no número de linhas. Isto denota uma mistura muito mais forte do que nas necrópoles colectivas contendo placas com poucas linhas, portanto depósitos de gerações mais antigas. A carga das placas de xisto é também cada vez mais clara. Estes artefactos marcam indivíduos excepcionais de uma tribo - chefes, xamanes, mágicos.

"Falta-nos ainda a análise química. Se decidirmos tratar as placas não só pela sua iconografia, mas também como os objectos geológicos que são, poderíamos saber em que pedreiras as pedras foram obtidas, e que viagens fizeram para chegar aos túmulos onde as encontramos" , conta a investigadora. "Saberíamos assim algo mais sobre a mobilidade destas sociedades, sobre trocas ou sobre o comércio que praticavam.".

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RE: Genealogia com cinco mil anos

#44765 | NISGM | 10 jul 2003 15:10 | Em resposta a: #44728

Parece-me curioso. Se se confirmassem estas placas como tendo objectivos genealógicos até via ADN se podia fazer a ligação a estes defuntos e passava-se a ter estrelinhas ou triângulos como nomes dos avós de há cinco milénios.

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RE: Genealogia com cinco mil anos

#44774 | Aqua | 10 jul 2003 16:05 | Em resposta a: #44765

Sr. NISGM,

Achei muito interessante o artigo. Há um estudo realizado por Santos Graça, publicado numa obra intitulada "O Poveiro", na qual foram estudadas as siglas utilizadas pelos pescadores, siglas essas que eram autênticos "brasões" de família, passando de geração em geração. Essas siglas obedeciam a determinadas regras e eram normalmente desenhadas nas lajes das sepulturas, nas proas dos barcos e nos objectos de trabalho. Passavam de pai para filho.

Em "Paisagem Poveira", de Julio Antonio Borges, encontrei o seguinte:

"Numa época em que os naufrágios eram frequentes, ficando muitas famílias sem o seu chefe, esta forma de herança era a maneira de proteger o jovem órfão que ainda não estaria preparado para enfrentar o futuro. Os traços ("piques") não têm uma ordem rígida para serem acrescentados à "marca" original. De vários feitios, os "piques" tanto podiam ser alinhados, como formarem cruzes, grades e estrelas. O filho mais velho colocava um "pique" ao lado da sigla do pai. O irmão a seguir põe dois traços e assim sucessivamente até chegar ao mais novo. (Santos Graça, "O Poveiro")...
Se um pescador casava com uma rapariga que só tinha irmãs, adoptava a "marca" do sogro, como seu herdeiro, caso ele tivesse grande quantidade de aparelhos e aprestos marítimos".

Tenho visto em Castelos, determinados sinais feitos pelos pedreiros que os construíram. Seriam também sinais de família?

Cumprimentos
Rosário

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RE: Genealogia com cinco mil anos

#44776 | NISGM | 10 jul 2003 16:12 | Em resposta a: #44774

Ignoro essa dos pedreiros mas
sabia da existência das marcas para pescadores, embora sem me lembrar de que sítio eram.
Um álbum sobre Portugal editado pelas Selecções do Reader's Digest tem um artigo de duas páginas dedicado a essas marcas.

em acrescento à informação da "paisagem poveira" o referido álbum referia que habitualmente o filho mais novo herdava não um sinal cheio de acrescentos, mas o sinal que pertencera ao pai

atentamente,

Nuno Magalhães

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RE: Genealogia com cinco mil anos

#44778 | rgc | 10 jul 2003 16:26 | Em resposta a: #44774

Caro(a) Rosário e caro NISGM

Muito interessante a sua mensagem. Gostei também muito de ler o artigo do "Público, sobretudo porque sou natural e tenho antepassados dessas bandas.
Cumprimentos amigos.
Rafael Carvalho

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