Dos Privilégios da Nobreza

Este tópico está classificado nas salas: Direito

Dos Privilégios da Nobreza

#69906 | Eduardo Albuquerque | 19 jul 2004 21:51

Caros Confrades,

No específico intuito de perpetuar a memória das coisas, trago-vos hoje um conjunto de disposições legais atinentes aos privilégios da nobreza, acervo normativo incluso no título LVIII, Livro II das Ordenações Afonsinas, cujo teor tal é:

« Estes som os Capitulos, que os Fidalgos destes Regnos derom a El Rey Dom Joham nas Cortes, que se fezerom na Cidade de Coimbra no mez de Janeiro da Era de mil e quatrocentos e trinta e seis annos dos agravos, que dizião, que recebiam; aos quaes Capitulos o dito Senhor Rey deu sua Resposta pela guisa, que se adiante segue:

1 Senhor. Os vossos Fidalgos, e Vassalos fazem saber aa Vossa Mercee, que som muy agravados em muitas cousas:

Primeiramente na parte das SISAS, que lhes fazedes pagar das cousas, que vendem,

ca aquelas cousas, que elles vendem, que ham de suas Herdades, nom he senom pera comprarem cavallos, e armas pera vos servirem, nas quaes cousas dizem, que som muito agravados:

porque vos pedem, Senhor, por mercee, que os façades francos, que nom paguem as ditas Sisas, e os mantenhades, assy como mantinha El Rey Dom Affonso vosso Avoo os que eram em aquelle tempo.

A esto responde El Rey,

que quando estas Sisas forom lançadas, que esto foi com acordo de todo o seu Povoo; a saber, Prellados, Fidalgos, Cidadaãos juntos em Cortes feitas na Cidade de Bragaa;

e esto, porque era muito necessario por deffensom destes Regnos:

Outro sy que nenhûu nom fosse dellas escusado, por pessoa privillegiada que fosse, nem elle dito Senhor Rey, nem Raynha, nem os Iffantes, nem Prellados, nem Clerigos, nem Fidalgos, nem outras nenhûas pessoas, por privilligiadas que fossem.

E esto concorda com o que foi guardado no tempo d’El Rey Dom Affonso, e Dom Pedro, e Dom Fernando, nos quaes lançando-se em seu tempo as Sisas dellas em certas cousas, e dellas geeraaes, nunca forom dellas nenhûas pessoas escusadas;

maiormente, porque se algûas pessoas das ditas Sisas fossem escusadas, taaes bulras se fariam em ellas, que valleriam por ello tam pouco, que seria grande prejuizo;

e porque se nom poderia aver pellas ditas Sisas tanto como nada, a respeito do que valerião se nenhûus nom fossem escusados;

e assy nom teeria El Rey tanto perque se podesse manteer, nem os encarregos de sua terra, mayormente em tempo de guerra:

e assy entende que nom soodes em esto mais agravados, do que erades em tempo d’El Rey Dom Affonso seu Avoo, e seu Padre, e seu Irmãao.

Enpero que a elle praz que nom aja hy siza d’aquello, que elles com elle acordaram;

a saber,

d’ouro, nem prata, nem de cavallos, e armas,

que comprarem os Fidalgos, e seus Vassalos, e os homêes d’armas, ou venderem;

e que desto sejam escusados tambem o comprador, como o vendedor.


2. Outro sy, Senhor, os vossos Fidalgos, e Vassallos fazem saber aa Vossa Mercee que

som agravados nas CONTHIAS, que lhes pagam em partes do anno, e de mais em aquellas duas pagas, que lhes faziam no anno,

e lhes pagam tam perlongadamente, que aas vezes passam mais de tres, e quatro mezes que nom som pagados:

porque vos pedem por mercee, Senhor, que lhes mandees pagar juntamente no começo do anno assy como se sempre fez.

A esto responde El Rey,

Que elle sempre trabalhou de lhes pagar o milhor que elle pode, e que elle assy o faria de grado se tivesse como o fazer podesse;

mais porque, segundo elles bem sabem, elle nom ha suas rendas, senom aos quartees do anno, elle nom pode pagar as ditas conthias, senom segundo lhe as ditas rendas forem pagadas;

a saber,

pelo anno assy como lhas pagam;

e se lhes milhor podesse pagar, elle o faria de mui boa mente.


3. Outro sy, Senhor, os vossos Vassallos, e Fidalgos som muito agravados em este SOLDO, que nos mandaaes dar,

ca vós sabees bem, que nós nom podemos per elle manteer as bestas, de cevada;

e por mais acrecentardes em vossas fazendas, mandaae-nos tirar de cada quartel tres dias, o que nunca tiraarom em tempo dos outros Reyx, que ante vós forom:

por que vos pedem, Senhor, por mercee, que lhes êmendees nos boôs custumes, e nom lhes minguedes em elles;

ca os Fidalgos nunca souberam peitar, salvo os corpos a seu Rey, e Senhor, e que os pooem mui a miude por seu serviço.

A esto responde El Rey,

que pois se dello tem por agravados, que a elle praz, que nom haja este seu Camareiro estes dinheiros;

e que outro sy nom haja o Escripvão se nom

vinte soldos de cada hum homem d’armas por cada quartel;

e do Beesteiro dez soldos por cada quartel;

e do piam cinquo soldos, por cada quartel.


4. Outro sy, Senhor, nos vossos Regnos de mui longos tempos há muitos MOORGADOS, os quaees decendem per herança, segundo foi vontade dos que os estabellecerom;

e ora aqueece, que

quando algûus destes Moorgados vagam, vós fazees doaçom a quem vossa mercee hé,

e pellas doaçoões, que assy fazedes, cobram, e manteem as posses dos Moorguados

de guisa, que os que em elles teem direito, nom o podem percalçar;

e defendem-lhas, e pooem perlongas com as Rendas dos Moorgados:

por que vos pedem, Senhor, por mercee, que mandees, que taaes Cartas de Doaçõoes nom valham, pois som dadas contra Direito, nem embarguees aos que Direito teem, e averam as posses, e o que assy perdeerom pellas vossas Doaçõoes.

A esto diz El Rey

Que nunca taaes Doaçõoes fez, e se algûas fez contra Direito, que lhas mostrem, e que prestes he de as correger.

( a continuar )

Melhores cumprimentos,

Eduardo Albuquerque

Resposta

Link directo:

RE: Dos Privilégios da Nobreza

#69933 | cyrne | 19 jul 2004 23:36 | Em resposta a: #69906

Caro Eduardo Albuquerque,

Mais uma vez a proporcionar-nos a boa leitura.


Cumprimentos,

Vasco

Resposta

Link directo:

RE: Dos Privilégios da Nobreza

#69948 | joão pombo | 20 jul 2004 10:09 | Em resposta a: #69906

Caro Eduardo Albuquerque:

Muito interessante este excerto e, sobretudo, preocupantemente actual, nomeadamente a primeira parte, relativa à Sisa.
De facto, parte deste excerto deveria ser enviado ao novel Ministro das Finanças, para poder verificar que esta "luta" afinal... é velha de séculos.
Cumprimentos,
João Pombo Lopes

Resposta

Link directo:

RE: Dos Privilégios da Nobreza

#69955 | zamot | 20 jul 2004 12:36 | Em resposta a: #69948

,

Resposta

Link directo:

RE: Dos Privilégios da Nobreza

#69959 | doria_gen | 20 jul 2004 13:19 | Em resposta a: #69906

Tradução:

Privilégio da nobreza, em resumo, era não pagar imposto.

Havia outro, ao menos na França (e na Inglaterra, em certas condições): se condenado à morte, ser decapitado. Em Portugal e no Brasil, degolado - cá tivemos alguns exemplos de padecentes que o exigiram, no período colonial.

fa

Resposta

Link directo:

RE: Dos Privilégios da Nobreza

#69966 | joão pombo | 20 jul 2004 14:53 | Em resposta a: #69959

Caro Fa e demais participantes:

Esse era de facto um dos muitos privilégios da nobreza, sem bem que não é isso que resulta inteiramente do texto citado por Eduardo Albuquerque, s.m.o.
Até que época - em Portugal - é que os nobres ficaram isentos de pagar impostos?
Essa isenção abrangia todos os tipos de tributos?

Cumprimentos,
João Pombo

Resposta

Link directo:

RE: Agradecimento

#69967 | Eduardo Albuquerque | 20 jul 2004 14:59 | Em resposta a: #69933

Caro Vasco Cyrne,

Muito obrigado pelo estimado “retorno” das suas boas palavras.

Melhores cumprimentos,

Eduardo Albuquerque

Resposta

Link directo:

RE: Agradecimento

#69968 | Eduardo Albuquerque | 20 jul 2004 14:59 | Em resposta a: #69948

Caro João Pombo Lopes,

Sensibilizado, venho agradecer a sua precedente mensagem.

Melhores cumprimentos,

Eduardo Albuquerque

Resposta

Link directo:

RE: Dos Privilégios da Nobreza, parágrafos

#69969 | Eduardo Albuquerque | 20 jul 2004 15:08 | Em resposta a: #69959

Ilustre Confrade,

Dos 45 parágrafos referentes aos privilégios da nobreza , só transcrevi os 4 primeiros!

Por isso, aguarde pelos demais.

Com os meus melhores cumprimentos,

Eduardo Albuquerque

Resposta

Link directo:

RE: Dos Privilégios da Nobreza, parágrafos

#69973 | doria_gen | 20 jul 2004 15:53 | Em resposta a: #69969

Obrigado! Veja que, quando condenaram à forca, no século XVII, a Lourenço Leme da Silva, um facínora, brutamontes, este alegou sua condição de nobre e foi degolado. Dois outros casos: o do Cel. Leitão, que assassinou a filha, alegadamente em defesa da honra, e Jerônimo Barbalho Bezerra, que liderou a ``revolta da cachaça'' no Rio, 1660/61, contra Salvador Correia de Sá.

Ah, e Paulo de Carvalhal de Vasconcellos, degolado com cadeia nos pés em Salvador, provavelmente junto ao Colégio dos Jesuítas, em 1614. Era sobrinho de Bartolomeu de Vasconcellos, ``do Seixo.''

Francisco Antonio Doria

Resposta

Link directo:

RE: Dos Privilégios da Nobreza

#69974 | doria_gen | 20 jul 2004 15:55 | Em resposta a: #69966

Tenho uma relação de fintas pagas em 1518 ou perto, em Viana, onde se excluem várias pessoas por serem nobres, ou ocuparem ofício que lhes dava status nobre.

fa

Resposta

Link directo:

RE: Agradecimento

#69993 | Eduardo Albuquerque | 20 jul 2004 21:27 | Em resposta a: #69973

Caro Francisco António Dória,

Retribuo, sensibilizado pela colaboração prestada, o seu obrigado!

Com os meus melhores cumprimentos,

Eduardo Albuquerque

Resposta

Link directo:

RE: Dos Privilégios da Nobreza, § 5,6,7 e 8

#69995 | Eduardo Albuquerque | 20 jul 2004 21:30 | Em resposta a: #69906

Caros Confrades,

Continuando com as nossas Ordenações Afonsinas, Livro II, Título LVIIII:

« 5. Outro sy, Senhor, os vossos Fidalgos, e Vassallos som agravados nas JURDIÇOÕES, HONRAS, E COUTTOS, E MALADIAS, que ham em vosso Regnos,

nas Jurdiçoões, que os vossos Juizes, e Corregedores filham conhecimento, que nom devem de filhar, salvo pellas apellaçoões, ou agravos, que venhão d’ante os que som postos per elles nas Honras;

que as suas Quintaãs, Lugares, e Terras, que soião a seer honrados, que nom entrava hi porteiro, nem outro Official, salvo o que hi poinha o Senhor da Honra;

e quando acontecia, que aviam de fazer alguã citaçom, ou penhora, pediam ao Chegador, que o Fidalgo hy tinha, que a fezesse;

e ora os Juizes das Villas, e Lugares, e os Corregedores mandão citar, e penhorar, sem guardando estas cousas.

A esto responde ElRey,

Que nos feitos das Honras, e Malladias, elle nom mandou tirar nenhuû de sua posse,

e em razom das Jurdiçoões, e Malladias tomadas, que som de muitas guisas, e desvairadas,

que mostre cada huû em que lhe vão contra ellas seus Juizes, e Justiças, e elle lho mandará correger, como achar que he Direito.


6. Outro sy ao que repricam sobre aquesto, que lhes tirou geeralmente, e devassou as JURDIÇOÕES per seus Meirinhos, e Corregedores, e Juízes, que pos nos lugares,

dando-lhes poder que entrassem nos COUTOS, e prendessem os homeês, e os tirassem fora do dito Couto, fazendo-lhes dos lugares, em que elles ham jurdiçom, certas pessoas vir responder perante elles,

e fazendo nos ditos lugares Officiaaes per pelouros, e nom per enliçom, como soyam de fazer, deffendendo aos seus ouvidores, que nom conheção dos agravos, poendo-lhes grandes penas, se o fezerem,

A esto responde ElRey,

Que elle nunca mandou a seus Meirinhos, e Corregedores, que uzassem de suas Jurdiçoões, se nom como deviam, e segundo he contheudo nas Hordenaçoões destes Regnos feitas sobre ello, e que assy lho manda,

E na parte dos Juizes, que pos nos lugares grandes:

Diz que hé verdade, que lhes deu poder que fizessem correiçom nos lugares per elle devisados, que estam arredor dos lugares grandes, honde os assy poinha por Juizes, e houvessem poder sobre aquellas pessoas, de que hé de presumir, que os Juizes daquelles lugares nom podem fazer Direito;

E que esto fez elle por bem de sua terra, e por se fazer Direito, e Justiça em ella, assy do grande, como do pequeno;

E que pois se dello sentem agravados, que elle manda aos ditos Juizes, que nom uzem daqui em diante de tal jurdiçom, nem de tal correiçom, senom nas Villas, em que assy forem postos por Juizes, e em seus Termos.

E ao que dizem, que fazem os Officiaaes per pellouros

Diz ElRey, que esto mandou assy fazer, por se fazer mais sem malicia, e que por ello nom perdem elles nemhuã cousa dos seus Direitos, porque assy lhes prezentam os Juizes enleitos pellos pellouros, e assy os confirmam, quando as Confirmaçoões som suas, como antes faziam, quando hi nom havia pellouros.

E quando hé na parte dos agravos, que dizem, que nom leixam livrar a seus Ouvidores:

Diz ElRey, que vejam as Hordenaçoões do Regno feitas sobre esto, e que se guardem, como em ellas hé contheudo.


7. Outro sy, Senhor, os vossos Fidalgos, e Vassallos som muito agravados, e dapnados de suas HERDADES, que teem EMPRAZADAS, e AFFORADAS por tempos certos, e nos tempos, que forom afforadas, e arrendadas, era a MOEDA boa, e ora, Senhor, a moeda hé tal, como vós veedes;

E elles de suas Herdades nom ham senom cinquo por huû;

E em esto sabees, querecebem muy grande damno, e perda:

Porque vos pedem, Senhor, por mercee, que os desembarguedes, e lhes mandees pagar suas rendas pellas moedas, que foram emprazadas, e arrendadas, ou que paguem esta moeda a como val;

E em esto, Senhor, lhes farês Direito.

A esto responde ElRey,

que já sobre esto fallou com os Prellados, e Fidalgos, e com os Procuradores das Cidades, e Villas, que vierom aas sobre ditas Cortes, e ouvio as razoões, que forom allegadas pellas partes, segundo elles bem sabem,

e que porende com seu conselho poerá hy tal meyo, qual entender, que compre a seu serviço, e a prol de sua terra.


8. Outro sy, Senhor, os vossos Vassallos, e Fidalgos som agravados, dizendo, que em tempo de vossos Avoos, e de vosso Padre, e de vosso Irmaão, a que Deos perdoe, chegavam aas Villas, e lugare do Regno, e demandavão aas Justiças BAIRROS e POUZADAS cada huûs como as mereciam;

e que ora vós fazedes Hordenaçom, que cada huû fosse pousar aas Estallageês, as quaes hi nom há quejandas devia d’aver, no que dizem, que som muito agravados:

porque vos pedem, Senhor, por mercee, que lhes mandees dar Bairros, e Posadas assy como as aviam em tempo dos outros Reyx d?ante vós:

ca elles entendem, que nom fezerom cousa, per que perdessem seus boôs ciustumes, que d’ante elles aviam.

A esto responde El Rey,

que esto nom pode fazer em Lixboa, nem no Porto, por quanto hy ham Privillegios dos outros Reyx, e elle o jurou aos de Lixboa;

mais nos outros lugares do Regno diz que lhe praz, que lhas dem as Justiças dos lugares, como se soya de fazer. »

( a continuar )

Melhores cumprimentos,

Eduardo Albuquerque

Resposta

Link directo:

RE: Agradecimento

#70001 | doria_gen | 20 jul 2004 22:29 | Em resposta a: #69993

...algo macabras, admito ;-))

fa

Resposta

Link directo:

Mensagens ordenadas por data.
A hora apresentada corresponde ao fuso GMT. Hora actual: 02 mai 2024, 01:18

Enviar nova mensagem

Por favor, faça login ou registe-se para usar esta funcionalidade

Settings / Definiciones / Definições / Définitions / Definizioni / Definitionen