Extinção do exército da Índia - ca. 1875

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Extinção do exército da Índia - ca. 1875

#87804 | feraguiar98 | 05 abr 2005 18:35

Barros Gomes, cuja desastrada política como ministro dos Negócios Estangeiros, precipitou o Ultimatum inglês, foi efemeramente ministro das Finanças e também ministro da Marinha.

Tenho ideia de ter lido algures ter sido ele o "pai" do decreto que extinguiu o exército da Índia.

Procuro informação geral sobre esse decreto, nomeadamente:
a) Confirmação da "paternidade" referida;
b) Quais as opções/compensações para oficiais, graduados e praças de pré;
c) Data de publicação (ainda que aproximada).

Gostaria ainda de saber se Sá da Bandeira, fazia parte do Governo que promulgou o decreto ou se é conhecida qualquer posição sua de acordo ou desacordo.

Antecipadamente agradecido,
Fernando Aguiar

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RE: Extinção do exército da Índia - ca. 1875

#87814 | JASP | 05 abr 2005 22:36 | Em resposta a: #87804

Caro Fernando Aguiar

Julgo que seja a Lei de 18 de Abril de 1876 que procura, que extingue várias forças militares na Índia e em Macau. Aqui a transcrevo na parte que interessa, com a ortografia actualizada:

Artigo 1º É extinta a bateria de artilharia da guarnição do estado da Índia e o batalhão expedicionário de Portugal em serviço no mesmo estado.
Artigo 2º O quadro de oficiais em comissão no estado da Índia é composto de 2 coroneis, 3 tenentes coroneis, 9 majores, 6 capitães, 6 tenentes e 6 alferes.
Artigo 3º Os oficiais do extinto exército da Índia, qualquer que seja a arma a que tenham pertencido, constituem um só quadro para o efeito da promoção.
Artigo 4º Os oficiais habilitados com os cursos de engenharia e artilharia da extinta escola militar de Goa, quando estejam em serviço activo, têm as gratificações estabelecidas no decreto de 11 de Novembro de 1871, para os oficiais da extinta arma de artilharia.
Artigo 5º As praças de pré da bateria de artilharia, que não tiverem concluído o tempo para a escusa do serviço, serão adidas ao corpo de polícia com os vencimentos que actualmente recebem.
Artigo 6º Às praças europeias em serviço no estado da Índia, que têm vencimentos iguais aos das praças indígenas, continuará a fazer-se o abono, já autorizado, de uma subvenção extraordinária para o rancho, cuja importância deverá ser anualmente fixada na lei de despesa do ultramar.

A lei está assinada por António Maria de Fontes Pereira de Melo e João de Andrade Corvo.

A extinção desta força militar deveu-se, pelo que conheço, a sucessivos anos de rebeliões militares na Índia por causa da reorganização do exército da Índia. O exército foi dissolvido, alguns dirigentes foram julgados em conselho de guerra e a escola militar foi extinta.

Para já é o que tenho. Vou consultar mais algumas fontes para as restantes questões.

Cumprimentos
Jorge Afonso

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RE: Extinção do exército da Índia - ca. 1875

#87852 | feraguiar98 | 06 abr 2005 13:00 | Em resposta a: #87814

Caro Jorge Afonso,

Muitíssimo obrigado pela pronta resposta e valiosa informação.

A questão a) ficou arrumada pois se a Lei foi assinada por Andrade Corvo, Barros Gomes nada teve a ter com ela (as concepções de ambos eram opostas e, se as propostas de Andrade Corvo tivessem vingado, os tratados de 1890 e 1891 em que os ingleses obtiveram tudo o que queriam, poderiam ter sido negociados em muito melhores condições uma dúzia de anos antes, poupando Portugal a anos de crispação, ao Ultimatum e, quem sabe, à queda da monarquia).

Mas a Lei de 1876 parece aplicar-se apenas à Artilharia, Engenharia e Escola Militar, referindo expressamente o "extinto exército da Índia", pelo que fica a hipótese de Lei anterior ter extinto a Infantaria e a Cavalaria, com quadros muito mais alargados.

O meu interesse começou apenas por tentar perceber porque alguns parentes (em sentido muito lato) "retornaram" a Lisboa outros ficaram na Índia e alguns aparecem depois nos quadros civis de Moçambique e, num caso, de Angola.

Para dar conta do que apurei e em que fontes, a mensagem ficará enorme e, sendo o tópico mais historiográfico do que genealógico, deixo ao seu critério responder aqui ou contactar-me para o meu e-mail que é exactamente o meu "Username" acrescentado de arrobahotmail.com.

Com renovados agradecimentos,
Fernando Aguiar

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RE: Extinção do exército da Índia - ca. 1875

#87969 | JASP | 07 abr 2005 21:06 | Em resposta a: #87852

Caro Fernando Aguiar

Genealogia sem História é como um jardim sem flores. Por isso, pode ser que a mais participantes neste Forum intereesem estas informações.

Não sei se Gomes Barros tem assim tanta culpa. A culpa, se alguém a tiver, terá de ser repartida por outros participantes na Conferência de Berlim, que quiseram tornar um continente a continuação dos seus feudos europeus. Que outros motivos tiveram a Bélgica ou a Alemanha, que não económicos e expansionistas, para rumar a África? E a Inglaterra, para quem sempre foi mais fácil combater as pretensões portuguesas do que a de outros, a coberto de uma antiga aliança? A ideia de Gomes Barros foi apenas a de cumprir o que estava previsto na Conferência de Berlim: ocupar territórios que nenhuma outra nação europeia reivindicava. A expedição de Serpa Pinto e Roberto Ivens era o instrumento. É bastante claro que para os ingleses isso era inadmissível, tal a concorrência que a posse dos territórios do «mapa cor-de-rosa» iria gerar. Não basta dizer que se tem poder, é necessário exercê-lo. Como parece ser costume ancestral, e cada vez mais, infelizmente, alguém se baixou perante uma suposta potência estrangeira à espera de favores. Que não chegaram nem chegam.

Posto isto, vamos ao resto. Há de facto uma Lei anterior, de 3 de Fevereiro de 1876, que pode conter mais elementos. Por esta Lei era criado o regimento de infantaria do ultramar, com sede em Lisboa. Ao mesmo tempo eram extintos os corpos europeus de primeira linha no estado da Índia, conservando-se apenas os corpos de polícia. Deste novo regimento seria destacado para a Índia um batalhão. Do quadro deste regimento podiam fazer parte os oficiais do exército do reino que estivessem em comissão na guarnição do estado da Índia. Conjugando as duas leis verifica-se que na Índia passaria a estar apenas este batalhão, com unidades de infantaria e de artilharia, e os corpos de polícia. Não creio que existissem unidades de cavalaria na Índia nesta época, pois certamente seriam referidas. A não ser que existissem mas não tivessem sido extintas, o que pode ser plausível. Neste caso terei de recuar nas minhas fontes para encontrar os mapas das diversas forças militares destacadas para a Índia. Sei que existia ali uma companhia de dragões no princípio do século XX, mas não sei a data da sua criação.

Quanto a Sá da Bandeira, não sei se soube o que motivou a extinção do exército da Índia, por ter falecido antes dos acontecimentos, a 6 de Janeiro de 1876.

Se não se importar, faço meu o seu pedido: jorge.afonso@mail.pt. Às ordens e ao dispor.

Cumprimentos
Jorge Afonso

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RE: Extinção do exército da Índia - ca. 1875

#88009 | feraguiar98 | 08 abr 2005 15:51 | Em resposta a: #87969

Caro Jorge Afonso,

Claro que Barros Gomes não tem a culpa toda e estava em sintonia com a maioria da classe política mas, sobretudo com a nacionalização do caminho de ferro de Lourenço Marques, criou o pretexto que a Inglaterra logo aproveitou. Mas isso é marginal.

Na tentativa de compreender alguns percursos, comecei por procurar em dados biográficos dos governadores da época, Tavares de Almeida e Sérgio de Souza. E, no L.D.I.P. de Jorge Forjaz, logo encontrei (III vol., pg. 819) quanto ao primeiro “Como governador da Índia, coube-lhe a espinhosa missão de executar os decretos que extinguiam o exército da Índia, medida impopularíssima que atingiu inúmeras famílias de descendentes, como se pode ver ao longo deste trabalho. João Tavares de Almeida executou os malfadados decretos com grande firmeza, que não excluíu uma grande tolerância e um sentido exacto das suas dificuldades”.
Esta transcrição - que certamente terá uma outra fonte conhecida do dr. Jorge Forjaz - mais curioso me tornou, porque, se os decretos se limitavam a extinguir e a determinar alguma compensação - como se viu para os oficiais de artilharia - onde ficava a margem para o governador não excluir “uma grande tolerância”?
Ainda consultei a extensa entrada sobre Tavares de Almeida no “Dicionário Biográfico Parlamentar 1834-1910" mas sobre este assunto nada encontrei, embora encontrasse outros pormenores que me aguçaram a curiosidade e daí a pergunta sobre a posição de Fontes Pereira de Melo.

Continuando a procurar, da “Análise Social”, nº 158-159 Vol. XXXVI, 2001, encontrei referência a um longo relatório sobre a Índia do geógrafo Orlando Ribeiro, Raquel Soeiro de Brito e Mariano Feio - feito em 1956 ao governo de então - de que passo a trancrever:
“ Mesmo a posição dos ‘descendentes’ (como o nome insinua, descendentes de portugueses) era cada vez mais ambígua, embora o seu patriotismo fosse, na perspectiva de Orlando Ribeiro, inegável. Económica e culturalmente, muitas dessas famílias tinham entrado num processo de decadência - em parte motivado pela extinção do exército da Índia, onde realizavam as suas carreiras - e muitos dos seus membros revelavam-se intelectualmente incapazes de exercerem as funções para que eram nomeados, o que favorecia a difusão de um certo desprezo em relação a este grupo por parte de outros grupos de goeses.”

Assim, além das posições nos quadros de Moçambique, parecia que os ex-membros do exército da Índia teriam ficado com alguma espécie de “direitos” a lugares administrativos, continuados nos seus descendentes, ainda que menos capazes ou impreparados.
Claro que poderá apenas tratar-se de uma manifestação de favorecimento em relação a um grupo social mas as duas referências à interconexão com a extinção do exército da Índia, levaram-me a tentar saber se, originalmente, tal favorecimento - eventualmente admissão preferencial nos quadros como hoje existe para os ex-militares voluntários - teria sido prevista na lei ou fôra consequência da “grande tolerância” do governador Tavares de Almeida e continuada por habituação. Note-se que, antes de governar a Índia, Tavares de Almeida esteve sete anos como governador de Moçambique - o mais longo período de governação nesse século - sendo apenas natural que ainda tivesse influência para recomendar ex-quadros do exército extinto para lugares civis em Moçambique.

Como vê, um texto grande, porventura excessivo, e deixei Fontes de fora.

Melhores cumprimentos,
Fernando Aguiar

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