Genealogia é ciência ?

Este tópico está classificado nas salas: Formação

Genealogia é ciência ?

#96120 | Ricardo de Oliveira | 17 jul 2005 12:34

Caros Colegas

Apresento aqui algumas das minhas reflexões desenvolvidas em uma conversa entre amigos da genealogia brasileira. Dentre os que mais têm contribuído para o debate genealógico-metodológico nas listas brasileiras temos o Doria e o Alberto Durão.

A questão da confiabilidade da genealogia pode ser desenvolvida nos seguintes itens.

1- A genealogia é uma linguagem social. Socialmente e legalmente existe um parentesco assentado em documentos (as informações são politicamente garantidas pelo Estado-Igreja). O pesquisador tem que reunir o maior número possível de documentos para verificá-los, ver se há coerência, contradição, exatidão ou inexatidão entre as diversas fontes documentais. Quanto maior a reunião documental, melhor para a pesquisa genealógica. Há muitas linhas em que os documentos seguem um trilho tridentino até o século XVI. Em termos de linguagem social é uma genealogia bem documentada. Outras séries documentais apenas desembocam em contradições e inexatidões. Há um sentido social e político na exatidão e na inexatidão. Os documentos também podem ser imprecisos, errados e falsificados, o que leva à procura do maior número possível de documentos para a boa pesquisa genealógica e à vigilância crítica das fontes em seu rigor e qualidade documental.

2 - A questão da genealogia como fato biológico (genético) é uma técnica contemporânea. Pode ratificar ou retificar todo o acervo documental da genealogia como linguagem social. Isto acontecerá quando (e se) houver técnicas com acuidade suficiente para identificar linhagens e filiações no tempo e no espaço adequado de uma genealogia como linguagem social.

3 - Se alguém desconfiar da paternidade e da maternidade como sistematicamente duvidosas, o que é sempre possível, não haveria sentido em se dispender horas e horas na pesquisa documental arquivística. Podemos duvidar que as mães foram fiéis aos maridos e logo a genealogia como linguagem social é só mais uma hipótese dentre outras livremente adivinhadas. Aí tanto faz se alguém minuciosamente e pacientemente reuniu uma linha tridentina de 500 anos ou se alguém fez uma bricolage genealógica de enxertos em homonímias de nobiliários e montou uma série reunida de personagens aleatórios com alguma vinculação aleatória construída entre si nos últimos 500 anos. É tudo a mesma confusão mesmo. Se a genealogia não é confiável mesmo, vale tudo mesmo nesta geléia geral e todos estariam na mesma caverna das sombras perdidas porque o real, a verdade genealógica, é inacessível. Valem as versões e a imaginação.

4 - A ciência é um processo de conhecimento específico, a ciência é pautada na rigorosa observação e experimentação. A ciência não tem o monopólio exclusivo do conhecimento. Muitos gostam mais da astrologia do que da astronomia. Outros preferem a alquimia à química moderna. Outros utilizam a homeopatia, o tarô e outras formas não científicas. Na genealogia é a mesma coisa. Alguns preferem um estilo mais livre, especulativo e sem documentos para saltos e entroncamentos imaginativos. Há diferentes formas de composição genealógica. Viva a liberdade, mas existe a linguagem científica e a não científica. Existe a genealogia documental-científica e a genealogia adivinhativo-especulativa. Será certo especular e não reunir documentos além de um trisavô e querer continuar uma fantasia na idade média e dizer que documentos não são confiáveis e logo vale tudo ? Qual é a lição para os novos ? Desprezar os documentos e partir para emocionantes hipóteses sobre a identidade da Mona Lisa ? É melhor reunir documentos e procurar evidências sobre o seu 4° avô do que embarcar para a ficção indocumentada. E lembremos que a ciência procura o tempo todo novas evidências para ratificar e retificar os seus postulados. A ciência nunca está encerrada, depende das novas evidências documentais.

5 - A genealogia depende da estratificação social e da mobilidade social e geográfica. Quanto mais importante um indivíduo maior o número de documentos sobre ele. Há genealogias reconhecidas como linguagem social certificada (não necessariamente certificadas como fato genético-biológico) em sequências de 1000 anos, por exemplo, nos segmentos derivados da antiga alta nobreza. Indivíduos e famílias migrantes têm muito mais dificuldade documental do que comunidades estabelecidas e que não migraram e nem se mudaram. Migrantes e nômades têm mais espaço para produzirem mais histórias fantasiosas. Na falta de documentos vale sempre a melhor hipótese, a hipótese socialmente superior. Nunca vi ninguém apresentar uma hipótese socialmente inferior. Enraizados tem a sua história melhor conhecida e documentada, os saltos imaginativos são muito mais difíceis. Comunidades estabelecidas têm genealogias documentadas e acompanhadas pela própria comunidade. Dezenas de antepassados viviam próximos no caso de uma pessoa que não emigrou da sua localidade natal. As mais imaginativas especulações na genealogia brasileira vem de emigrações de uma região para outra no Brasil e de estrangeiros para o Império de Portugal, no período denominado de colonial. É até uma necessidade de emigrantes criarem uma identidade imaginativa para compensar a sua condição real na sua nova localidade.

Abraços

Ricardo Costa de Oliveira

Resposta

Link directo:

RE: Genealogia é ciência ?

#96130 | MSá | 17 jul 2005 16:32 | Em resposta a: #96120

Prezado Ricardo,

com a pressa dos amadores (que se podem dar a este luxo sem qualquer comprometimento), venho responder-lhe que tenho a Genealogia como ramo da História (talvez da Micro-história, tão em voga atualmente). A História da Família.

Do seu admirador

Luiz

Resposta

Link directo:

RE: Genealogia é ciência ?

#96166 | Ricardo de Oliveira | 18 jul 2005 03:39 | Em resposta a: #96130

Caro Luiz

Obrigado pelas observações. Muitos falam que a genealogia é um conhecimento auxiliar da história. Penso que a história é que também pode ser um conhecimento auxiliar da genealogia. A história é apenas uma série de discursos sobre o passado e como tal não poderia ter o monopólio discursivo sobre o mesmo. A história seria a mitologia ocidental da narração do passado ? A genealogia poderia pretender uma autonomia e consistência como forma de conhecimento específico dentro das ciências socias, como uma sociologia histórica do parentesco ? A genealogia também é a singularidade historicizada de indivíduos anônimos, que não aparecem nas grandes ou pequenas narrativas da macro ou da micro-história e que ganham novamente existência estruturada somente pela pesquisa genealógica. Quantos indivíduos completamente esquecidos no tempo e no espaço são novamente citados, nomeados e estudados pela genealogia ? A genealogia é a verdadeira realização do museu das pessoas na dimensão temporal. A genealogia começa a ser aceita pela comunidade científica e tem que aprofundar a sua teoria, metodologia e epistemologia enquanto ciência social histórica. As técnicas de pesquisa genealógicas não são ensinadas na academia.
Um abraço

Ricardo

Resposta

Link directo:

Mensagens ordenadas por data.
A hora apresentada corresponde ao fuso GMT. Hora actual: 01 mai 2024, 16:46

Enviar nova mensagem

Por favor, faça login ou registe-se para usar esta funcionalidade

Settings / Definiciones / Definições / Définitions / Definizioni / Definitionen