D. Miguel Samuel de Braganza
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D. Miguel Samuel de Braganza
Quem é este D. Miguel Samuel de Braganza (http://www.geneall.net/P/per_page.php?id=373402) ?
Tem como bisavô o D. Miguel de Bragança, 6º duque de Viseu...
Cumprimentos
Ricardo Charters d'Azevedo
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RE: D. Miguel Samuel de Braganza
Caro Ricardo Charters,
É descendente de D. Miguel de Bragança, irmão mais velho de D. Duarte Nuno, que renunciou aos seus direitos ao trono de Portugal.
Cumprimentos,
António Taveira
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RE: D. Miguel Samuel de Braganza
ora viva caro António Taveira
Então tal significa que é um concorrente muito importante ao ducado de Bragança. Se percebo bem ele renunciou ao trono de Portugal, mas não a ser duque de Bragança... Será assim?
Por outro lado ele renunciou, mas não o pode fazer em nome dos seus filhos... ou fê-lo para todo o sempre?
Muito interessante este assunto pois baralha ainda mais a situação...
Cumprimentos amigos
Ricardo Charters d'Azevedo
PS: e os seus trabalhos ?
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RE: Braganzas e Braganças
Caríssimo Ricardo Charters,
Concorrente(?) ao ducado de Bragança será o Poi "de qualquer coisa". Não D. Miguel Samuel de Braganza que tal não reivindica...Acha que um Braganza reivindica o que é dos Braganças?
Não se deixe levar por entusiasmos de republicanismo juvenil. Nada fica baralhado. D. Miguel de Bragança, irmão mais velho de D. Duarte Nuno, renunciou por si (e seus descendentes) a eventuais direitos ao trono de Portugal. Independentemente de considerações sobre a bondade de tal decisão, e independentemente da soberana decisão que o povo português poderá um dia tomar, não se coloca a questão dos "direitos da sua descendência". São todos não nacionais - ESTRANGEIROS.
Um abraço amigo,
António Taveira
P.S. Há pequenas novidades sobre Magalhães - questões de pormenor. Não descarto a possibilidade de a breve prazo haver novidades substanciais.
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A evolução social alterará "principios sucesórios"
Caro António Taveira
Mas isso de ser estrangeiro não colhe dentro de algum tempo, pois todos seremos europeus e isso de nacionalidades europeias será chão que deu uvas.
Lembro-lhe que tambem as mulheres não eram consideradas para heranças de títulos, e hoje, dada a evolução social tal caiu. Antes ainda, quem tinha "sangue impuro ou infecto ou era de uma nação contra a S M Igreja" não poderia herdar determinados bens...
Tudo mudou, nomeadamente muito se pode colocar em causa.
Claro, caro confrade, isto (a sucessão do ducado de Bragança) não é um tema que me interesse diretamente, mas interessam-me duas questões acessórias:
- será que um determinado indivíduo pode recusar receber uma honraria familiar e pelos seus sucessores? Será que os seus sucessores não poderão vir a colocar isso em causa?
- Será que a evolução da sociedade (a exemplo das que acima apontei para o sangue e para as linhas femininas) não colocarão em causa aquela obrigatoriedade de ter nascido no País? Será que dentro de alguns anos tal é irrelevante dada a maior integração europeia?
Cumprimentos
Ricardo Charters d'Azevedo
PS: Então sai um opúsculo com as novidades...
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O futuro a Deus pertence mas não é fonte de Direito sucessório...
Caro Ricardo,
Alguma futura assembleia soberana ou que como tal se arrogue poderá um dia tomar as decisões que entender quanto a sucessões de ducados, coroas, etc. as quais poderão ser aceites por quem assim também entender e ter consequências para quem essa assembleia tenha poder para coagir; nada disso me parece poder causar qualquer perturbação actualmente a quem defenda a restauração da Monarquia em Portugal de acordo com os princípios em vigor quando Portugal era um Reino. Desse ponto de vista, o que poderia «baralhar mais a situação» seria qualquer facto que tornasse duvidoso qual a legítima linha de sucessão ao trono (ou ao Ducado de Bragança, já que levanta essa questão) ao abrigo da legislação que já esteve em vigor em Portugal e não ao abrigo de uma hipotética futura legislação; ora todo Direito sucessório da coroa portuguesa desde a Restauração até ao 5/10/1910 continuamente excluiu os estrangeiros da sucessão, bem como as linhas deles oriundas. Quanto a este ponto não há qualquer divergência entre os que defendem a legislação do Antigo Regime e os que defendem a Carta ou as diversas constituições monárquicas. Por esse motivo os Braganzas americanos nunca poderiam estar numa linha de sucessão baseada nesses princípios. Poderiam propôr-se instituir uma nova dinastia num qualquer novo regime em qualquer país, tal como qualquer outro ser humano (partindo do princípio que por enquanto apenas consideramos dinastias humanas...).
Podemos discutir a questão teórica da validade das renúncias, embora neste caso não seja já necessário invocar essa questão, uma vez que a questão da nacionalidade arruma de vez a qualidade dinasta dos descendentes do irmão mais velho de D. Duarte Nuno. Nem que seja por razões práticas, julgo que seria difícil considerar inválida uma renúncia feita de livre vontade por alguém, ou considerar que não afecta a descendência (pelo menos a futura descendência, como é aqui o caso); caso contrário, quem tivesse herdado a coroa em virtude dessa renúncia ficaria sempre sujeito a que algum futuro descendente do renunciante viesse reinvindicar o trono, o que introduziria uma instabilidade inaceitável no regime.
Um abraço,
António Bivar
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RE: O futuro a Deus pertence mas não é fonte de Direito sucessório...
Caro Tó
Tem toda a razão no que escreve e posso acrescentar que tenho conhecimento que os descendentes actuais de D. Miguel Maximiliano são todos "bons" cidadãos americanos, perfeitamente integrados e assumem plenamente a renúncia, mantendo boas relações com os primos deste lado do Atlântico. Um dos filhos, Miguel Luís foi um notável piloto aviador e considerado herói americano, por feitos de bravura na II.ª Guerra Mundial
Por este lado os "agitadores" não se governam.....
Abraço
RAAL
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RE: O futuro a Deus pertence
Ora caro António, não fico convencido até porque verifiquei que "o americano" já tem nacionalidade inglesa.
O meu ponto é que teremos modificações que tudo colocarão em causa.
Mas aguardemos... até porque o direito sucessório da Coroa terminou em 1910, como muito bem afirma. Outra legislação será aprovada quando a Monarquia for implementada e aclamado (votado) um Rei.
Assim... veremos.
Mas o que noto é a existência de cada vez maior numero de famílias que se apropriam de títulos (e brasões) dos tempos monárquicos que caíram em "desuso" por os seus proprietários terem morrido sem descendentes.
Não estamos perante um direito sucessório, mas uma simples apropriação.
Até temos títulos em mercadorias, como vinhos, etc. E brasões... há-os para todos os gostos e para todos que o quiserem.
Ja vimos nossos confrades, que neste forum, perguntam qual o brasão da sua família pois que o seu nome de família... é "pevide".
Lembro que não havendo um Rei, não são passiveis de concessão quaisquer títulos a partir de 1910, pois esses são concedidos por terem sido prestados serviços relevantes ao Estado, i e à Coroa.
E por terem um título, ou um brasão, pagavam impostos, e elevados, à Coroa (ao Estado). O ter um brasão na fachada da sua casa, até 1910, eram fortemente taxados
Esses títulos não voltaram à posse da"Coroa" pois esta figura deixou de existir a partir de 1910. Esquecem-se que os títulos foram dados pelos reis de Portugal por serviços prestados ao País e em alguns casos honram ainda alguns descendentes. Mas 100 anos depois...
Claro que hoje, qualquer indivíduo se pode intitular do que quiser pois não há qualquer proteção legal para títulos que estejam livres (não voltaram à Coroa) e a República (e muito bem) não se preocupa em meter qualquer tipo de ordem no assunto, expecto quando tal põe em causa a imagem o País como aconteceu com o "italiano".
Assim a confusão impera, e nesta confusão não me espanta que haja mesmo que se queira intitular duque de Bragança. Ou que, como já vimos, quem se considere ser candidato à Coroa da Monarquia Portuguesa. Candidato podem ser muitos, mas só um será "aclamado", quando, e se, a monarquia for implantada neste torrão...
Até la não há títulos para ninguém...
Um abraço amigo
Ricardo Charters d'Azevedo
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RE: O futuro a Deus pertence
Caro Ricardo,
Estamos de acordo em que, quanto ao futuro, «tudo» está em aberto! mas, para quem defenda que um regime monárquico restaurado deveria procurar ser tanto quanto possível fiel à tradição histórica, é essencial atender ao direito sucessório que a República aboliu conjuntamente com a Monarquia; pelo meu lado, defendo a abolição do carácter electivo da chefia do Estado actualmente em vigor e além disso, mais especificamente, gostaria que o Direito em vigor quanto a esse aspecto particular da «organização política e administrativa da Nação» fosse substituído, quanto aos aspectos essenciais, pelo que terminou (gostaria eu que provisoriamente) em 1910 e não por qualquer outro. Se tal viesse a acontecer eu estaria entre os que se bateriam por consagrar legalmente a restauração da dinastia histórica com os princípios sucessórios que se consolidaram pelo menos a partir da Restauração de 1640 e não por qualquer outra dinastia e princípios nascidos das mentes de políticos que no futuro viessem a dedicar-se a esse assunto. Por esse motivo não me preocupa para já o que possa vir a acontecer no quadro dos imponderáveis da História futura, mas mais propriamente manter ideias claras quanto à aplicação dos princípios tradicionais à realidade presente da Dinastia histórica, sem me preocupar minimamente com o facto incontestável de que esses princípios não têm actualmente consagração nem protecção legal, tal como desejaria que no futuro alguns dos princípios institucionais que agora estão em vigor deixassem de o estar (nomeadamente a forma da chefia do Estado).
Também concordo consigo quanto à dificuldade de regular o uso de títulos e outras mercês nobiliárquicas num quadro legal em que tais distinções não têm existência legal e quanto aos abusos que inevitavelmente se vão insinuando na sociedade portuguesa a esse respeito. Quanto a este ponto há diversas diversas opiniões que quanto a mim merecem alguma atenção; é claro que esta questão só tem interesse para quem atribua algum valor à manutenção destas tradições. Entre esses há quem defenda que mesmo face ao actual enquadramento jurídico, os títulos de juro e herdade continuam em vigor, uma vez que foram atribuídos por um chefe de estado no exercício legal dos seus poderes e para valer em certo sentido «ad aeternum», de acordo com uma lei de sucessão claramente definida. Devo esclarecer que não é esse exactamente o meu ponto de vista; não tenho dúvidas de que a intenção expressa dos poderes instituídos desde a implantação da República foi abolir títulos e mercês nobiliárquicas e que só se admitiu o uso oficial de títulos, em alguns casos, por razões fiscais, enquanto sobreviveram titulares que tinham pago os correspondentes direitos de mercê e poderiam processar o Estado exigindo indemnizações, por essa razão, caso lhes fosse vedado o uso oficial dos seus títulos.
Assim, não me preocupa particularmente que haja ou não reconhecimento oficial de títulos e mercês nobiliárquicas pelo Estado republicano e de acordo com critérios que viessem ser definidos no actual quadro institucional, ou seja, não defendo que se aproveitem as subtilezas do Direito para forçar as autoridades instituídas a dar algum reconhecimento a essas distinções; do meu ponto de vista elas estão ligadas à Dinastia histórica e não vejo razão para que deixem de o estar. O golpe de estado republicano afastou o Rei da chefia do Estado e retirou à Dinastia muitas das funções que desempenhava, mas não é susceptível de lhe retirar as meramente simbólicas cujo valor dependa exclusivamente do reconhecimento que individualmente lhe atribuam os que assim entenderem; por mim reconheço ao Senhor D. Duarte todas as prerrogativas em matéria de mercês nobiliárquicas que tinham os Chefes da Casa Real seus antecessores e para cujo exercício não dependa do aparelho de Estado. É claro que esse reconhecimento segue-se à análise que faço da realidade histórica e que me leva a não ter dúvidas quanto à posição do Senhor D. Duarte como Chefe da Casa Real portuguesa. Portanto defendo que, por qualquer meio que mereça a aprovação do Chefe da Casa Real, sejam mantidas as tradições nobiliárquicas que considero parte importante do nosso património histórico; não quer isso dizer que me regozije com todas as decisões particulares que a esse respeito sejam tomadas, mas concordar com uma decisão não tem que ver com reconhecer a legitimidade com que foi tomada.
Mais um abraço amigo,
António Bivar
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RE: O futuro a Deus pertence
Meu caro António
Julgo que com as nossas últimas mensagens "tudo" ficou esclarecido. Temos algumas posições concordantes, e outras não, devido ao nosso posicionamento em relação à Monarquia e à República, bem como em relação a poder-se hoje, em plena República, atribuir-se títulos.
Proponho então que fiquemos por aqui
Um abraço amigo
Ricardo Charters d'Azevedo
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RE: O futuro a Deus pertence
Mais do mesmo... já enjoa, o tema.
Dediquem-se aos Magalhães e aos Colombos, esses ainda nos fazem rir um pouco.
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RE: O futuro a Deus pertence
Caro Ricardo,
Julgo também que as nossas respectivas posições ficaram bem esclarecidas. Apenas me permito acrescentar alguma coisa relativamente à questão da nacionalidade, pois esqueci-me de referir esse ponto na mensagem anterior; esse é um dos assuntos que do meu ponto de vista não deve deixar margem para dúvidas, pois tem implicações com a eventual aplicação dos tais princípios sucessórios tradicionais que defendo. Referiu que um dos Braganzas adquiriu a nacionalidade inglesa, o que eu não sabia; mas quanto à qualidade de dinastas, mesmo que adquirissem a nacionalidade portuguesa não haveria alterações pois a perda de direitos sucessórios da linha de que descendem resultou, por um lado, da referida renúncia do irmão de D. Duarte Nuno e por outro, cumulativamente, do facto de na geração seguinte todos se terem tornado estrangeiros, inabilitando ipso facto (pelos dois motivos, independentemente) toda a descendência quanto a direitos sucessórios que pudessem provir dessa ascendência, mesmo que alguns adquiram a nacionalidade portuguesa. Só não digo que inabilita todos os descendentes (sem menção sequer da proveniência dos direitos) porque é possível que algum descendente adquira direitos sucessórios se, por exemplo, algum dinasta português vier a casar com uma descendente dos Braganzas e haja filhos desse casamento (o casamento de um dinasta homem com uma estrangeira ou descendente de estrangeiros não o inabilita nem à descendência para suceder)...
Um abraço amigo,
António Bivar
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RE: O futuro a Deus pertence
Meu caro,
Temas que me enjoam neste fórum também há, infelizmente, muitos, embora seja perfeitamente natural. Como não sou masoquista não perco tempo com eles; sugiro-lhe que faça o mesmo com os que o enjoam a si... Felizmente também há alguns temas que gosto de debater; um deles é, evidentemente, o que aqui nos ocupou e, em qualquer caso, confesso que a minha preocupação não é distrair outros participantes, mas trocar ideias com os que partilham os mesmos interesses.
Cumprimentos,
António Bivar
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O futuro a nós pertence
Caro António
Entendi, mas não estou de acordo, pois a longo prazo (não nas nossas vidas, naturalmente)... se se instalar uma Monarquia a nacionalidade não terá importância desde que seja europeia. A passagem de direitos e competências nacionais para um nível mais elevado, por exemplo europeu, fará cair os impedimentos (conflitos de interesse, por exemplo) dos candidatos à aclamação .
De resto tal já aconteceu em outra ordem jurídica, como na Bélgica, para onde foi convidado para rei um príncipe alemão resultando que o rei é Rei dos Belgas e não Rei da Bélgica.
A clarificação e atualização destas "ordens jurídicas", modernizando-as (o que será naturalmente realizado daqui a muitos anos se e quando a Monarquia for implementada) evitará aqueles eventos ridículos como "nascer em terra trazida de Portugal"
Um abraço amigo
Ricardo Charters d'Azevedo
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RE: O futuro a Deus pertence
Ora, ora, caro Figueiredo Junior, a vida não sempre uma risota...
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RE: O futuro a nós pertence
Meu caro Ricardo,
Mas a respeito de nacionalidade a nossa Lei sucessória tradicional é diferente da Lei da maioria dos países europeus em que não existia esse impedimento como se pode comprovar por inúmeros exemplos. Mesmo em Portugal a questão da nacionalidade só surgiu inequivocamento com a Restauração, embora nessa altura se tivessem invocado as apócrifas cortes de Lamego, para tentar dar ideia de que era uma lei originária dos primórdios da nacionalidade; é por esse motivo que refiro sempre a lei sucessória «a partir de 1640». Fixaram-se então exigências muito específicas nossas e inexistentes noutros reinos europeus, pois para além da nacionalidade, impedia-se o herdeiro da coroa de suceder simultaneamente noutro Reino (se tal sucedesse o primogénito herdava a coroa estrangeira e seria um irmão secundogénito a herdar a coroa portuguesa) e uma princesa para manter direitos sucessórios não poderia casar senão com fidalgo português.
Também não tenho dúvidas de que uma eventual restauração da Monarquia seria acompanhada de alterações às leis tradicionais que serão difíceis de prever; pessoalmente, não vejo vantagens em fazer alterações a leis sucessórias, já que, em qualquer caso há sempre um certo grau de arbitrariedade quando se trata de privilegiar uma pessoa concreta para suceder hereditariamente na chefia do Estado. Arbitrariedade por arbitrariedade prefiro manter o que a história nos legou; é por isso que lamento as alterações recentemente introduzidas nas leis sucessórias de algumas monarquias europeias e gostaria que num incertíssimo futuro também não se procurassem grandes inovações no modo de suceder numa futura monarquia portuguesa. Em qualquer caso, até lá, acho fundamental manter «acesa a chama» e não vejo como se possa fazê-lo sem ser ao abrigo das leis passadas, pois quem teria autoridade para as alterar agora?
Abraço amigo,
António Bivar
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RE: O futuro a nós pertence
Caro António
"Alterar agora"? Ninguem...
Aí estou 100% de acordo consigo
Cumprimentos amigos
Ricardo Charters d'Azevedo
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RE: O futuro a nós pertence
Caro António Bivar
"Fixaram-se então exigências muito específicas nossas e inexistentes noutros reinos europeus, pois para além da nacionalidade, impedia-se o herdeiro da coroa de suceder simultaneamente noutro Reino (se tal sucedesse o primogénito herdava a coroa estrangeira e seria um irmão secundogénito a herdar a coroa portuguesa) e uma princesa para manter direitos sucessórios não poderia casar senão com fidalgo português."
Onde ficou isso estabelecido? Confesso que desconheço tal norma. D. João VI foi Imperador do Brasil e Rei de Portugal. E porquê o primogénito ir logo herdar a coroa estrangeira?
Melhores cumprimentos
Maria Benedita
P.S. Desculpas ao confrade Figueiredo!
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RE: O futuro a nós pertence
Cara Maria Benedita,
É com muito gosto que volto a cruzar-me consigo nestas lides e lamentando desgostar algum ou alguns confrades que se dedicam a ler os tópicos que os enjoam (!) aqui vai mais um arrazoado de citações relativas às questão em apreço; segundo leio na obra de Paul Siebertz «Dom Miguel e a sua época - a verdadeira história da guerra civil» (independentemente do valor deste livro, no qual encontrei algumas ingenuidades, como seja o apresentarem-se como históricas as Cortes de Lamego, julgo que as citações não terão sido inventadas), nas cortes de 1641 houve a seguinte petição do Estado da Nobreza e resposta de El Rei:
«...Pede o Estado da Nobreza a V. Magestade em primeiro lugar se sirva de mandar fazer ley, pela qual se ordena: que a sucessão do Reino não possa vir nunca a Príncipe estrangeiro, nem a filhos seus, ainda que sejam os parentes mais chegados do Rey último possuidor. E que acontecendo suceder o Rey deste Reyno em outro algum Reyno, ou senhorio mayor, seja obrigado a viver sempre n' este: E tendo dous, ou mais filhos varões, o mayor succeda no Reyno estranho, e o segundo n' este de Portugal, e este seja jurado por Príncipe, e legítimo successor. E que não tenha mais de um só filho, (caso em que é forçado a succeder em ambos os Reynos) apartem depois em seus filhos na forma acima dita. E que tendo somente filhas, a mayor suceda no Reyno, com declaração que casará dentro nelle com a pessoa natural que os tres Estados concgregados em Cortes escolherem e nomearem: E casando em outra forma, fique inhabil ella, e seus descendentes para a successão: e possam os mesmos tres Estados escolher Rey natural não havendo parente varão da familia Real, a quem por direito se deffira a sucessão»
Resposta: “O que apontaes neste capítulo he conforme ao que tenho por mui certo da vossa antiga lealdade, e volo agradeço muito, crendo que cumpre a meu serviço, bem do Reyno e a vossa quietação o que nelle pedis: e pera isso mandarei fazer ley na forma que tinha ordenado o Senhor D. João III com as declarações, e moderação que parecer que mais convenha à conservação e bem comum do mesmo Reyno.»
Quanto à Constituição de 1822, estabelecia:
Art. 144º. Se o herdeiro da coroa portuguesa suceder em coroa estrangeira, ou se o herdeiro desta suceder naquela, não poderá acumular uma com outra; mas preferirá qual quiser, e optando a estrangeira se entenderá que renuncia à portuguesa.
Esta disposição se entende também com o rei que suceder em coroa estrangeira.
Não sei como eram encarados estes preceitos no Antigo Regime mas parecem-me lógicos levando em conta a preocupação de que não se repetisse o «caso» dos Filipes: entegando o primogénito ao Reino estrangeiro que o reinvindicasse (não poderíamos alterar as leis sucessórias dos países estrangeiros impedindo o primogénito de neles suceder) ficaríamos livres do "pesadelo" de partilhar um Rei com outro país, eventualmente mais poderoso...
Um abraço,
António Bivar
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RE: O futuro a nós pertence
Caro António Bivar
É igualmente com o maior prazer que me cruzo consigo nestas "desagradáveis" lides, e, se sempre que aborda temas "matemáticos"me ensina muito ( digiro devagarinho mas lá vou aprendendo), continua a ensinar-me em temas como o presente.
Desconhecia por completo essa petição, a que o rei responde com subtileza jesuítica, mas que não deu origem a qualquer norma legal.
D. João VI foi Rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves desde o Congresso de Viena de 1815 até Agosto de 1825, data do reconhecimento por Portugal do Brasil como nação independente, um ano após o reconhecimento dos EUA. Em Portugal vigora a lei portuguesa com Ipirangas ou sem eles!
Quanto á Constituição de 1822, essa já conhecia e é por ela que me pauto nesta matéria.
Entregar o primogénito, educado para reinar, ao estrangeiro, e ficar Portugal com o impreparado irmão mais novo...torço o nariz. Até porque não há lei sucessória estrangeira que exija incontornavelmente o primogénito de um rei estrangeiro sem que este possa declinar no sucessível mais próximo.
Um abraço
Maria Benedita
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RE: O futuro a nós pertence
Cara Maria Benedita,
Tenho sempre dúvidas quanto ao destino jurídico das diversas petições e respostas reais das cortes de 1641! Gostaria de saber exactamente em que ficámos legalmente depois dessas cortes quanto a princípios sucessórios; há questões que a prática posterior permite esclarecer, como seja a impossibilidade de uma princesa herdeira manter os seus direitos se casar com estrangeiro, uma vez que D. Pedro II procurou que as cortes revogassem essa disposição mas apenas obteve autorização para o caso específico da então presuntiva herdeira e não «para sempre» e por esse motivo desistiu da sua pretensão e a pobre princesa não casou... Assim pergunto (por pura ignorância minha e preguiça de ir agora investigar o assunto...), que Leis foram efectivamente promulgadas em consequência das Cortes de 1641 quanto a sucessão da coroa?
Quanto ao caso de D. João VI, apesar de tudo a situação parece-me diferente, pois, até à independência do Brasil, o Reino Unido podia considerar-se uma criação interna portuguesa (assim como o Reino de Portugal e dos Algarves...); mas mesmo que fosse um Reino considerado estrangeiro, a tal petição das cortes não impedia o Rei de herdar uma coroa estrangeira: apenas obrigava à divisão das coroas nos seus herdeiros, reservando o primogénito para a estrangeira, logo que fosse possível fazê-lo.
Quanto às leis dos outros países não sei qual seria a reacção de uma recusa de coroa com abdicação por parte do primogénito, mas presumo que isso dependesse das circunstâncias. Para os legitimistas franceses o caso tem importância «transcendente» pois vêem a devolução da coroa após a morte do Rei como um acto automático de carácter quase sagrado em que o herdeiro não tem qualquer faculdade de intervir (não sei como lidariam com uma recusa efectiva da parte deste...); se um Bourbon tivesse casado com uma princesa herdeira portuguesa e depois o filho primogénito varão do casal viesse a ser o primogénito varão dos Bourbons seria «dramático» para muitos franceses que este recusasse vir reinar em França! Tudo isto são hipóteses quiméricas mas não o seriam nas cabeças dos procuradores às cortes de 1641... Parece-me realmente muito mais prudente prevenir este tipo de situações deixando partir o primogénito e guardando para nós o secundogénito que não levantaria estes problemas! Parece-me que em nenhum outro país houve esta preocupação tão extrema de evitar uma reedição do caso dos Filipes. Mesmo as renúncias do tratado de Utrecht por parte de Filipe V, que visavam impedir os futuros Reis de Espanha de vir reinar em França, foram mais tarde recusadas pela Monarquia constitucional francesa (há uma disposição que reza qualquer coisa como «il n'est pas présumé de la valeur des rennonciations d' Utrecht dans la race actuellemente régnante»).
É claro que pessoalmente também não me agrada nada a ideia de dispensar o priomogénito a um qualquer país estrangeiro, mas o que gostaria de ver esclarecido finalmente é se essa questão ficou ou não enterrada depois das cortes de 1641...
Enfim, acho que ainda se poderia procurar esclarecer algumas questões relativas a sucessão da coroa, apesar de parecer que repisamos os assuntos...
Um abraço,
António Bivar
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RE: O futuro a nós pertence
Caro António Bivar
Das Cortes de 1641, julgo que o que ficou, em matéria de direito sucessório , redigido por César de Meneses e Velasco de Gouveia, segundo Reis Torgal (Ideologia Política e Teoria do Estado na Restauração, 2 vols., Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade, 1981)
foi o seguinte
"Os três estados destes Reinos de Portugal juntos nestas Cortes1 onde representam os mesmos Reinos, e têm todo o poder, que neles há, resolveram, que por princípio delas deviam fazer assento por escrito, firmado por todos, como o direito de ser Rei, e Senhor deles pertencia, e pertence, ao muito alto e muito poderoso Senhor Dom João IV deste nome, filho do Sereníssimo Senhor Dom Teodósio2, Duque de Bragança, e neto da Sereníssima Senhora Dona Catarina Duquesa do mesmo estado, filha do Sr. Infante Dom Duarte, e neta do muito alto, e muito poderoso Senhor Rei Dom Manuel.
Porquanto depois que no primeiro dia de Dezembro do ano próximo de 640 em que primeira vez, foi aclamado por Rei nesta Cidade de Lisboa, e em todos os seguintes, em todo o mais Reino, e jurado, e levantado, nesta mesma Cidade em os quinze do mesmo mês. Ajuntando-se depois nestas Cortes, os três estados, e celebrando-se solenemente em os 28 de Janeiro de 641.
Assentaram seria conveniente para maior perpetuidade, e solenidade de sua feliz aclamação, e restituição ao Reino, que sendo agora juntos tornem em nome do mesmo Reino fazer este assento por escrito, em que o reconhecem, e obedecem, por seu Legítimo Rei, e Senhor, e lhe restituem o Reino, que era de seu Pai, e Avô, usando nisto. do poder, que o mesmo Reino tem para assim o fazer, determinar, e declarar de justiça.
E seguindo também a forma, e ordem que no principio do mesmo Reino se guardou com o Senhor Rei Dom Afonso Henriques, primeiro Rei dele. Ao qual tendo já os Povos levantado por Rei no Campo de Ourique, quando venceu a batalha contra os cinco Reis mouros, e tendo-lhe passado Bula do título de Rei, o Papa Inocêncio III no ano de 1142, contudo nas primeiras Cortes que logo subsequentemente celebrou na Cidade de Lamego pelo fim do ano de 1143 sendo juntos nelas os três estados do Reino, tornaram outra vez, em nome de todo ele, ao aclamar, e levantar por Rei com assento por escrito, do que nelas se fez, para memória, e perpetuidade de seu título.
E pressupondo por coisa certa em direito, que ao Reino somente compete julgar, e declarar a legítima sucessão do mesmo Reino, quando sobre ela há dúvida entre os pretendentes, por razão do Rei último possuidor, falecer sem descendentes, e eximir-se também de sua sujeição, e domínio quando o Rei por seu modo de governo se fez indigno de reinar. Porquanto este poder lhe ficou, quando os Povos a princípio transferiram o seu no Rei, para os governarem. Nem sobre os que não reconhecem superior, há outro algum a quem possa competir, senão aos mesmos Reinos, como provam largamente os Doutores, que escreveram na matéria, e há muitos exemplos nas Repúblicas do mundo, e particularmente neste Reino, como se deixa ver das Cortes do Sr. Rei Dom Afonso Henriques, e do Sr. Rei Dom João I.
Com este pressuposto, os fundamentos, e razões que o Reino teve para aclamar por Rei ao Senhor Rei Dom João IV e para agora nestas Cortes o tornar a aclamar, determinar, e declarar que o legitimo Senhorio dele lhe pertence, e lhe devia ser restituído, posto que os Reis Católicos de Castela estivessem em posse dele são os seguintes:
1.º Que falecendo o Sr. Rei Dom Henrique sem filhos, nem descendentes, a justa e legitima sucessão do Reino se deferiu à Sr.ª Duquesa de Bragança sua sobrinha filha legitima do Sr. Infante Dom Duarte seu irmão representando a pessoa de seu Pai, com todas as qualidades, que nele concorriam para haver de suceder. Por este benefício da representação ter lugar na sucessão dos Reinos (a qual se defere por direito hereditário) e porque especialmente na sucessão deste de Portugal está admitido por disposição, e declaração expressa feita pelo Sr. Rei Dom João I era seu testamento, mandando nele, que o Sr. Infante Dom Duarte seu filho primogénito, ou em seu defeito seu filho, ou neto, e qualquer outro legitimo descendente por sua linha direita, sucedesse nele, segundo se requeria por direito, e costume na sucessão destes Remos, e Senhorios, que são palavras formais da cláusula do dito testamento. Pelas quais fica sem dúvida haver de ter lugar na sucessão dele a representação, havendo-o assim disposto o dito Senhor Rei Dom João I que o podia dispor, e declarar. E na mesma conformidade o haver também disposto o Sr. Rei Dom Afonso V seu neto nas Cortes, que celebrou nesta Cidade em seis de Março de 1476 quando foi casar a Castela com a Senhora Rainha Dona Joana. Termos em os quais os mesmos Doutores, que negaram a representação, nestas semelhantes sucessões dos Reinos, e morgados confessam, que se devem admitir.
E suposta a representação, lhe não poder preferir o Católico Rei Filipe de Castela, sobrinho também do Sr. Rei Dom Henrique, ainda que fosse mais velho em idade, e estivesse em igual grau de parentesco; Por ser filho de irmã fêmea a Senhora Imperatriz Dona Isabel, e sucedendo-se por representação ficar excluído, pois representava a pessoa de sua mãe, que lhe não podia dar mais, do que ela tinha. E pelo contrário a Senhora Duquesa Dona Catarina, entrar representando a pessoa do Infante Dom Duarte seu Pai, o qual se fora vivo, ouvera de excluir a Imperatriz sua irmã. E anda que concorressem á dita sucessão, sendo primos irmãos, sem concorrer Tio, haver de ter lugar a representação por ser mais verdadeira, e mais comum a opinião dos Doutores na matéria, que esta sucessão por representação se admite entre os primos irmãos, sem com eles concorrer tio, e assim o dispor o direito comum dos Romanos, posto que o contrário fosse determinado, pelas Leis das partidas de Castela, que neste Reino não ligam, nem se devem guardar.
E assim deferindo-se a legitima sucessão do Reino, à Senhora Dona Catarina, se ficou derivando dela em seu filho o Sr. Dom Teodósio, e em seu neto o Sr. Dom João IV posto que actualmente não tivesse posse do Reino.
2.º Porque ainda em caso negado, que não pudesse ter lugar o beneficio da representação, e por ele não pudesse deferir-se a sucessão do Reino à Senhora Duquesa Dona Catarina sobrinha do Sr. Rei Dom Henrique, se lhe deferiu pela prerrogativa de melhor linha, que é a primeira das quatro qualidades, pelas quais se defere as sucessões dos Reinos, morgados, e bens vinculados.
Porquanto na mesma cláusula do testamento do Sr. Rei Dom João I acima referida, fez o dito Senhor expressa constituição de linhas entre seus filhos para a sucessão destes Reinos, chamando em primeiro lugar o dito Sr. Infante Dom Duarte seu filho primogénito, e seus filhos, e netos e quaisquer outros legítimos descendentes por linha direita, que é a que os Doutores chamam linha do primogénito, e logo em falta desta primeira linha, chamou a dos outros seus filhos, por sua direita ordenança, a saber. Primeiramente a do Infante Dom Pedro (que era o filho segundo) com todos seus filhos, e netos, e faltando esta segunda linha chamou a do Infante Dom Henrique (seu filho terceiro) e acrescentou, que assim fosse nos outros seus filhos pelo modo sobredito, que são também palavras formais da mesma cláusula do testamento.
Das quais se segue precisamente, que na sucessão destes Reinos depois da representação tem o primeiro lugar a prerrogativa da linha para que em quanto houver descendentes da linha do filho primogénito se não admita pessoa alguma da linha do filho segundo génito, e da mesma maneira nos outros filhos. Porque ainda que de direito comum haja controvérsia nos Doutores, negando alguns as linhas mais, que a do possuidor, e primogénito, e não admitindo que os outros filhos constituam linha, senão quando chegaram a ocupar a sucessão. Contudo havendo expressa disposição do testador, que chamou seus filhos e descendentes por linhas separadas, não há Doutor algum, que as contradiga, nem pelo conseguinte podem ter controvérsia na sucessão deste Reino, onde expressamente estão dispostas na cláusula do dito testamento do Sr. Rei Dom João I.
Pelo que como entre os filhos, e filhas do Sr. Rei Dom Manuel depois da linha do filho primogénito que foi o Sr. Rei Dom João III, que se acabo no Sr. Rei Dom Sebastião cada um dos outros filhos (deixando aqueles que morreram na idade da infância) constituí-se sua linha, na qual para a sucessão do Reino incluíram a si, e a seus filhos, e descendentes, e excluíram os outros. Segue-se que extintas as linhas do Sr. Infante Dom Fernando, e do Sr. Infante Dom Luís, que não deixou filho legítimo, e do Sr. Cardeal Dom Afonso, e do Sr. Cardeal e Rei Dom Henrique que faleceu sem filhos, nem descendentes, entrou a sucessão na linha do Senhor Dom Duarte, e nela achou a Senhora Duquesa Dona Catarina sua filha, a quem se deferiu. E não podia entrar na linha da Senhora Imperatriz Dona Isabel, na qual estava o Rei Católico de Castela seu filho, senão depois de estar de todo acabada, e extinta a linha do Sr. Infante Dom Duarte, que por ser filho varão; constituiu linha superior à sua na forma da mesma cláusula do dito testamento do Senhor Rei Dom João I, que entre os filhos varões por sua ordem, constituiu as primeiras linhas.
3 ° Porque em falta do benefício da representação, e da prerrogativa de melhor linha, tinha a mesma Duquesa a Senhora Dona Catarina, melhor direito na sucessão deste Reino, fundado em vocação expressa, que é a qualidade, que vence a todas as mais nestas sucessões.
Porquanto o mesmo Senhor Rei Dom João I na cláusula do dito seu testamento, depois de chamar ;o Infante Dom Duarte seu filho primogénito com todos seus filhos, netos e descendentes legítimos, chamou também os outros filhos seguintes com seus descendentes na forma acima referida, e do filho primogénito que lhe sucedeu no Reino, que foi o Sr. Rei Dom Duarte, nasceu o Sr. Rei Dom Afonso V, filho seu primogénito, e naceu o Sr. Infante Dom Fernando seu filho segundo génito, com vocação expressa pela cláusula do dito testamento, depois de acabada a descendência do primogénito. E como esta se acabou no Sr. Rei Dom João II que não deixou filho legítimo, tornou a sucessão do Reino ao filho do dito Sr. Infante Dom Fernando seu tio, que foi o Sr. Rei Dom Manuel do qual nasceu o Sr. Infante Dom Duarte, e dele a Sr.ª Duquesa Dona Catarina sua filha. Por onde ficou tendo a mesma vocação, que tinha o mesmo Sr. Infante Dom Fernando seu bisavô Pai do dito Sr. Rei Dom Manuel seu Avô. E por esta vocação devia necessariamente ser preferida ao dito Rei Católico de Castela, posto que fosse também descendente do mesmo Sr. Infante Dom Fernando pelo mesmo Sr. Rei Dom Manuel, o era pela Sr.ª Imperatriz Dona Isabel, e não podia preferir a Senhora Duquesa Dona Catarina, que tinha a vocação expressa por filho varão o dito Sr. Infante Dom Duarte seu Pai.
4 ° Porque nas ditas primeiras Cortes celebradas em Lamego pelo Sr. Rei Dom Afonso Henriques, estava expressamente determinado que quando o Rei falecesse sem filhos herdeiros lhe pudessem suceder seus irmãos, se os tivesse; mas porém que os filhos destes para entrarem na herança, terão necessidade de consentimento do Reino, e serem aprovados pelos três Estados dele. E enquanto o não fossem, não poderiam reinar. A qual Lei se guardou, e praticou, porque sucedendo no Reino, o Sr. Rei Dom Afonso III por morte do Sr. Rei Dom Sancho seu irmão, que faleceu sem filhos se tem por certo, que para o Sr. Rei Dom Dinis filho do Sr. Rei Dom Afonso III haver de entrar a reinar por morte de seu Pai, celebrou em sua vida Cortes em que o fez jurar por sucessor do Reino. E da mesma maneira faltando descendentes legítimos ao Sr. Rei Dom João II posto que declarou, em seu testamento por herdeiro, e sucessor ao Duque de Beja, que foi o Sr. Rei Dom Manuel filho do Infante Dom Fernando, irmão segundo do Sr. Rei Dom Afonso V. Contudo logo nas Cortes, que celebrou em Montemor-o-Novo, foi aceite por Rei pelos três Estados do Reino, que nelas se ajuntaram. Por onde ainda quando por falecimento do Sr. Rei Dom Henrique sem descendentes pudesse em caso negado ter direito de suceder o Rei Católico de Castela como sobrinho seu, não podia reinar, nem tomar posse do Reino, como de facto tomou sem primeiro ser aceite, e aprovado pelos três Estados juntos em Cortes, o que não foi.
E quando menos necessitava de esperar a determinação, e sentença do mesmo Reino junto em Cortes sobre a pretensão que tinha à sucessão dele. A qual não esperou, e antes dela se empossou entrando com armas. Nem deferiu ao Legado do Sumo Pontífice que assim lho encarregava da sua parte.
Logo por cada uma destas cabeças não teve título justo de reinar, e ficaram ele, e seus sucessores sendo intrusos, no sentido em que o direito chama tiranos aqueles que sem justo título ocupam o Reino, e podia, e pode agora o mesmo Reino reintegrar-se em seu direito, aclamando, e aceitando por Rei, o Sr. Rei Dom João IV como neto legítimo da dita Senhora Duquesa Dona Catarina a quem competia legitimamente o direito da sucessão dele.
5 ° Porque nas mesmas primeiras Cortes de Lamego, e as Leis, que se ordenaram sobre a herança, e sucessão do Reino, se determinou também que a filha fêmea do Rei, que casasse com Príncipe estrangeiro, que não fosse Português não pudesse herdar, nem suceder nele, para que assim nunca o Reino saísse fora das mãos dos Portugueses, nem reinasse nele pessoa que o não fosse. E nesta conformidade, deixando o Sr. Rei Dom Fernando uma filha casada com o Rei Dom João de Castela, foi excluída da sucessão, não somente por não ser legítimo, tendo-se por nulo o matrimónio do dito Sr. Rei Dom Fernando, com a Senhora Rainha Dona Leonor sua mãe, mas também por estar casada com príncipe estranho. E assim se assentou nas Cortes, que se celebraram em Coimbra, aonde os três estados o determinaram. E havendo o Reino por vago elegeram por Rei ao Senhor Rei Dom João I, Mestre de Avis, e filho (posto que ilegítimo) do Sr. Rei Dom Pedro donde ficou também por esta cabeça, faltando o direito de suceder, ao Católico Rei de Castela, por ser Príncipe estrangeiro, e podiam então, e pode agora o Reino aclamar, e obedecer por Rei, a seu Príncipe natural, o Sr. Rei Dom João IV, não só por título de legítima sucessão, mas também de eleição, que ficava competindo aos Povos, e Reino.
E quando estas razões não foram bastantes para justamente o poder fazer estando em contrário a posse de sessenta anos, que eram passados desde o tempo que o dito Rei Católico de Castela se empossou deste Reino no fim do ano de 1580 principiada e continuada por três actos de sucessão em sua pessoa, e na de seu filho o Católico Rei Dom Filipe III, e na de seu neto o Católico Rei Dom Filipe IV de Castela, e aprovada pelo mesmo Reino, nas Cortes, que celebraram em Tomar no ano de 1581, e nas que depois fizeram nesta Cidade de Lisboa no ano de 1619, nas quais ambas foram jurados, obedecidos, e reconhecidos por Rei deste Reino.
Se assentou, e determinou pelos mesmos três Estados, que quanto à posse posto que de tantos anos lhes não podia obstar, nem aproveitar aos ditos Reis de Castela, por ser a princípio violenta tomada com força de armas, e dos numerosos exércitos, com que o dito Rei Católico violentamente se empossou do Reino, e por ser atentada estando pendendo no juízo dos Governadores, a causa da sucessão sem esperar sua sentença, nem aprovação do mesmo Reino junto em Cortes. E a que teve haver sido somente de alguns particulares persuadidos com grandes mercês, que sem estarem em Cortes, a não podiam dar, e a sentença que depois alcançou haver sido nula, por não ser dada, por todos os Governadores do Reino, que o Senhor Rei Dom Henrique deixou nomeados, e faltando qualquer deles lhes faltava conforme o direito poder para sentenciarem. Além do que o fizeram em tempo que ainda [?] não tinham jurisdição para dar sentença, que competia somente aos três Estados do mesmo Reino iuntos em Cortes. E ultimamente por ser dada em Aiamonte lugar de Castela, onde (quando a tivessem) não podiam exercitar jurisdição. E assim começando a dita posse com o vício intrínseco da violência, e do atentado que nela se cometeu, estando pendendo o Juízo, mais ficou tirando o direito ao dito Rei Católico (quando o tivera) do que confirmá-lo.
Pois conforme as regras dele a posse violenta não causa prescrição, nem também nos Reinos a pode haver de menor tempo, que de cem anos. Nem finalmente pode correr contra o Reino, que nunca teve faculdade, e liberdade para a reclamar senão agora, e também era necessário pelo que tocava ao particular interesse dos pretensores, que contra um deles começasse a prescrição, e se cumprisse o tempo legítimo dela, o que não houve, nem se cumpriu.
E quanto ao juramento da obediência e fidelidade, que tinham dado nas ditas Cortes, aos ditos Reis Católicos de Castela, os não ligava, nem obrigava para se não poderem eximir de seu domínio, e sujeição. Porquanto o modo com que o Rei Católico Filipe IV depois que sucedeu, governou este Reino era ordenada a suas comodidades, e utilidades, e não ao bem comum, e se compunha de quase todos os modos, que os Doutores apontam, para o Rei ser indigno de reinar.
Porque não guardava ao Reino seus foros, liberdades, e privilégios antes se lhe quebraram por actos multiplicados. Não acudia à defesa, e recuperação de suas Conquistas, que eram tomadas pelos inimigos da Coroa de Castela. Afligia, e anexava os Povos com tributos insuportáveis, sem serem impostos em Cortes fazendo com força às Câmaras do Reino, consentir neles. Gastava as rendas comuns do mesmo Reino, não somente em guerras alheias, mas também em coisas que não pertenciam ao bem comum dele. Aniquilava a nobreza, vendia por dinheiro os ofícios de Justiça, e fazenda. Provia neles, pessoas indignas, e incapazes. O estado eclesiástico, e Igrejas, eram oprimidos com tributos, tirando-lhe as rendas e dando-se às pessoas que davam os arbítrios, iníquos delas; e finalmente exercitava estas e outras coisas contra o bem comum por ministros insolentes, e inimigos da pátria dos quais se servia, sendo as piores pessoas da República.
Nos quais termos, ainda que os ditos Reis Católicos de Castela, tiveram título justo, e legítimo, de Reis deste Reino o que não tinham, e por falta deles, se não puderam julgar por intrusos. Contudo o eram pelo modo do governo, e assim podia o Reino eximir-se de sua obediência, e negar-lha sem quebrar o juramento que lhe tinham feito. Por quanto conforme as regras de direito natural, e humano, ainda que os Reinos transferissem nos Reis todo o seu poder, e império para os governarem, foi debaixo de uma tácita condição de o regerem, e mandarem com justiça, sem tirania, e tanto que no modo de governar usarem delas, podem os Povos privá-los dos Reinos, em sua legítima natural defesa, e nunca nestes casos foram vistos obrigar-se, nem o vínculo do juramento estender-se a eles.
E assim sendo tudo o sobredito certo em facto, e tão notório, que não necessitava de prova judicial, nem ao Rei Católico de Castela podia competir legítima defesa para com ela haver de ser ouvido, nem haver outro legítimo sucessor a quem se pudesse recorrer, e não, aproveitarem as muitas queixas, e lembranças que os Tribunais do Reino, e pessoas graves dele fizeram por muitas vezes ao mesmo Católico Rei de Castela e com a demonstração que haviam feito os Povos de Évora, e de outros lugares do Reino para se livrarem da opressão dos tributos sem consentir com eles a nobreza, não havia bastado para o governo se emendar, antes com isso se piorou. Assentou justamente o Reino congregado nestes três estados, usando de seu poder, e em sua natural defensa, negar-lhe a obediência, e dá-la ao Sr. Rei Dom João IV, que pelo direito derivado da Senhora Duquesa Dona Catarina sua Avó, era o legitimo Rei, e sucessor deste Reino.
E pelas mesmas razões podia ele justamente aceitar a aclamação, e restituição que dele se lhe fez, e desforça-se e restituir-se ao Reino, pois em sua pessoa tinha radicado o direito da sucessão dele, e com violência e força de armas se havia tirado à Sr.ª Duquesa sua Avó, e nem ela, nem o Sr. Duque Dom Teodósio seu filho em suas vidas tiveram faculdade para sem perigo evidente delas, e de sua casa o fazerem. Antes o mesmo Senhor Duque Dom Teodósio fez seu legítimo protesto, e reclamação por escrito, quando jurou aos Católicos Reis de Castela nas ditas Cortes, e esse de sua própria letra, e sinal, tomando nele por testemunhas aos Santos do Céu, por se não poder fiar naquela conjunção das pessoas da terra, nos quais termos ainda que se não intimasse judicialmente lhe ficou conservando seu direito, para quando houvesse faculdade de poder desforçar-se, e usar dele para si, ou por seus sucessores. A qual somente agora teve, e o pode fazer o Sr. Rei Dom João seu neto, pela aclamação unânime, e restituição, que o Reino todo lhe fez, não somente de rigor de justiça pelo direito que tinha da sucessão, mas juntamente pelas grandes qualidades, excelências, e virtudes, que concorrem em sua Real pessoa bastantes para sem outro direito poder, e dever ser eleito por Rei destes Reinos, suposto o estado, a que o chegaram com seu governo os ditos Reis Católicos de Castela.
E para constar do sobredito, e do que nisto o Reino obrou, entendendo ser vontade de Deus nosso Senhor, que para este tempo foi servido reservar a restituição dele, com manifestos sinais do Céu fizeram os três estados, este breve assento firmado por todos, para ficar sendo o princípio destas Cortes e ficar manifesta em todo o tempo a justiça e razão com que assim se determinou, e executou, deixando a comprovação de tudo o sobredito no facto, e no direito ao Livro que em nome do Reino, se divulgara, e imprimira, sobre esta matéria.
Escrito em Lisboa aos cinco dias do mês de Março de mil e seiscentos e quarenta e um anos, por Sebastião César de Meneses, Secretário do Estado da Nobreza, Doutor nos Sagrados Cânones, Inquisidor da Suprema, do Conselho do Rei nosso Senhor, e Desembargador do Paço; e assinaram juntamente as pessoas que assistem em Cortes pelos três Estados do Reino, segundo o uso e costume dos mesmos Reinos.
[segue-se a lista dos procuradores às Cortes asinantes do documento]
Fonte: Assento feito em cortes pelos tres estados dos Reynos de Portugal da acclamação, restituição & juramento dos mesmos Reynos ao... Rey Dom Joaõ o Quarto deste nome, [Lisboa], por Paulo Craesbeeck, 1641.
"Quanto ao caso de D. João VI, apesar de tudo a situação parece-me diferente, pois, até à independência do Brasil, o Reino Unido podia considerar-se uma criação interna portuguesa (assim como o Reino de Portugal e dos Algarves...); mas mesmo que fosse um Reino considerado estrangeiro, a tal petição das cortes não impedia o Rei de herdar uma coroa estrangeira: apenas obrigava à divisão das coroas nos seus herdeiros, reservando o primogénito para a estrangeira, logo que fosse possível fazê-lo."
Confesso que não concordo, o primogénito ficou com a então estrangeira porque quiz, ele e o caminho que escolheu, abdicando da outra , a que tinha direito, em sua filha, conforme as regras de sucessão. Mas aqui já passamos á velha questão, esta sim, mais que debatida e nunca resolvida, entre pedristas e miguelistas. E não vale a pena debatê-la mais, é, sem dúvida, uma questão de fé.
Um abraço
Maria Benedita
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RE: O futuro a nós pertence
Cara Maria Benedita,
Muito obrigado por nos trazer este importante texto. Quanto a lei sucessória o que se pode depreender é que, para além de justificarem pormenorizadamente os direitos de D. João IV as cortes implicitamente reconheceram a validade das actas de Lamego, já que as utilizam para defender os direitos do novo Rei, pelo que o que nelas se estabelece terá passado a ser Lei (considerou-se oficialmente que sempre o tinham sido, desde o primeiro Rei, ainda que saibamos que tal presunção é falsa). Deveremos depreender que tudo o resto que se passou nas cortes, incluindo as diversas petições que mereceram assentimento do Rei nunca tiveram força de Lei por não ter havido actos formais posteriores que consagrassem esse articulados?
No que respeita ao caso do Brasil eu não pretendia ressuscitar a velha querela miguelista-pedrista! Acho que, de facto, já a debatemos suficientemente e julgo que a questão se centra na interpretação que cada um dá do que será um «príncipe estrangeiro» para efeito de impedimento de ser dinasta em Portugal, ao abrigo precisamente das cortes de Lamego. Apenas pretendia observar que o teor da tal petição não era contraditório com os títulos de D. João VI pois nela a divisão das coroas só era imposta aos sucessores e não ao próprio primeiro «acumulador» de coroas, ainda que fossem mesmo estrangeiras de todo e não, como no caso do «Reino unido», criação portuguesa. O que se passou historicamente com o caso do Brasil não tem nada de facto que ver com isto, pois o Brasil tornou-se independente unilateralmente e D. Pedro proclamou-se soberano do novo Estado e não herdeiro de seu Pai, que ainda vivia e não lhe cedeu pacificamente essa coroa...
Um abraço,
António
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RE: O futuro a nós pertence
Caro António Bivar
Pois! Foi aqui que as apócrifas cortes de Lamego foram legalmente sancionadas. As diversas petições que suscitaram as cortes de 1641 tiveram uma ambígua resposta real, mas não conheço actos legais posteriores que as consagrassem. Se os houvesse teria sido muito mais fácil resolver legalmente, pelo menos, a questão pedrista/miguelista.
Repare que os direitos de D. Miguel assentam em ter sido eleito rei por cortes, não em qualquer base legal diferente e anterior. Quanto a D. João VI, foi Imperador do Brasil e Rei de Portugal, e, aqui lá divergimos um pouco, o que estaria em mente de D. João e D. Pedro era a continuação das duas coroas unidas...mas os acontecimentos não foram propícios a tais desígnios. Mantem-se, contudo, que, para a lei portuguesa a independêcia do Brasil se dá em Agosto de 1925, data do seu reconhecimento por Portugal, decorrendo deste facto as necessárias consequências legais.
A interpretação a dar a "princípe estrangeiro"´deverá ser a decorrente da lei, e um filho de português nascido em Portugal é português de certeza face a todas as Ordenações!
Um abraço
Maria Benedita
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RE: O futuro a nós pertence
Cara Maria Benedita,
Lá estamos nós a voltar ao velho debate... Mas é irresistível! Também concordo que teria sido bem melhor que em 1641, ou em algum momento anterior à querela dos irmãos desavindos, as Cortes portuguesas tivessem inequivocamente regulado a questão que se veio a colocar, mas temos também de concordar que «não lembrava ao diabo» que um príncipe português se viesse a tornar soberano de um país estrangeiro, não por herdar tal coroa por algum antepassado, mas por ser ele, por assim dizer o «criador» desse país enquanto país independente da coroa portuguesa! Repare que esta observação não encerra qualquer crítica ao facto em si, pois provavelmente foi uma decisão benéfica para o futuro do Brasil e se calhar «do mundo», da parte de D. Pedro.
Quanto ao que é um príncipe estrangeiro para efeito de exclusão da coroa portuguesa é aí que reside a nossa divergência fundamental; julgo que as cortes que aclamaram D. Miguel não se assumiram como assembleia revolucionária ou procurando instituir uma nova dinastia por ausência de herdeiros legítimos como aconteceu (com ou sem razão) com as que aclamaram D. João I. No caso de D. Miguel procurou-se (também com ou sem razão) retomar a tradição da aclamação do Rei em Cortes, interpretando-se os princípios sucessórios tradicionais de um modo que excluia D. Pedro e a sua descendência, recaindo assim a sucessão na linha de D. Miguel. Assim, para os miguelistas, os direitos de D. Miguel não assentam propriamente apenas na decisão das cortes, mas na interpretação dada das leis tradicionais, sancionada pelas cortes (mas se não houvesse a convicção anterior de que D. Miguel era o herdeiro legítimo, como poderia justificar-se a legitimidade da convocação das cortes pelo próprio D. Miguel? Poderia fazê-lo, de acordo com a opinião pedrista, apenas com a posição que D. Pedro lhe atribuiu, sem a concordância deste ou de D. Maria?).
Ninguém pode duvidar que D. Pedro tivesse nascido português, mas o conceito de rei ou príncipe estrangeiro, se atendermos à razão que levou a Lei portuguesa a excluí-los da sucessão, não me parece ter apenas que ver com questões técnico-jurídicas de nacionalidade originária, pois na época em que foram adoptados esses princípios também me parece que esses conceitos não tinham a clareza e importância que vieram a ter mais tarde (Filipe II seria português, espanhol ou alemão?). Julgo que a questão essencial era precisamente a partilha das coroas em países claramente independentes, como o era Castela e como o Brasil se veio a tornar; assim, D. Pedro, à morte de D. João VI, era soberano de um país estrangeiro; sendo português de nascença era sem dúvida, simultaneamente, brasileiro (estrangeiro). Era mesmo, em certo sentido, o «primeiro» dos brasileiros enquanto este termo designa uma nacionalidade tornada estrangeira pelo acto voluntário de proclamação da independência e mais tarde pelo reconhecimento oficial dessa independência por Portugal...
Mas reconheço que esta divergência é insanável face à ausência de textos legais que inequivocamente dirimam a questão; conseguem-se encontrar argumentos para defender as duas opiniões, desde que se privilegie uma ou outra vertente dos textos existentes e da respectiva interpretação... A minha dificuldade em aceitar os argumentos «pedristas» assenta na convicção de que tudo o que foi feito oficialmente em Portugal depois da Restauração, a respeito de sucessão da coroa, aponta no sentido de que a motivação essencial para a exclusão dos «estrangeiros» foi a aversão a que se criassem situações parecidas com a dos Filipes; nesse sentido a posição de D. Pedro parece-me paradigmática como soberano de país de estrangeiro, o mais voluntário que é possível...
Um abraço,
António Bivar
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RE: O futuro a nós pertence
Caros António Bivar e Maria Benedita,
Tenho assitido com prazer à troca de opiniões. Gostaria de dar uma pequena achega. Como é que um principe português, tendo declarado guerra a Portugal (a independência do Brasil como sabemos não foi o resultado de uma negociação política entre um novel país e a mãe pátria), pode manter "direitos dinásticas" e ser o símbolo da liberdade da nação portuguesa ? Julgo que essa foi a questão colocada após a morte de D. João VI. O povo como na crise dinástica de final do século XIV nunca poderia aceitar a solução que algumas elites encontraram: a renúncia numa filha segunda, princesa brasileira desde a secessão que seu pai apoiou e nascida no Brasil.
Com os melhores cumprimentos,
António Taveira
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RE: O futuro a nós pertence
Caro António Bivar
Realmente era inevitável que esta troca de ideias não viesse cair sobre o confronto pedrista/miguelista.
E, como pedrista, lá terei que argumentar que essa conotação de estrangeiro de que foi alvo D. Pedro IV foi bem orquestrada para levar o povo a seguir D. Miguel, com a benção da Nossa Senhora da Rocha e da Santa Sé.
Sobre esta matéria gostei de ler a biografia de D. Miguel de Maria Alexandre Lousada e Maria de Fátima Sá e Melo Ferreira ( Círculo de Leitores) que oferece uma boa panorâmica sobre o ambiente da época.
D. Pedro era português, de acordo com a lei que nos regia, e nessa lei não está previsto que a assumpção de coroa estrangeira lhe retirasse o nacionalidade. A coroa brasileira acrescentou-lhe mais uma nacionalidade, sem lhe retirar a originária.
Mas, como já disse, a opção entre os dois irmãos é mesmo uma questão de Fé, nada a fazer
Um abraço
Maria Benedita
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RE: O futuro a nós pertence
Caro Antonio Taveira
D. Maria da Glória era portuguesa, nascida no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em 1919 e filha de pai português....Repare que só a partir de Agosto de 1925 é que os cidadãos nascidos no Brasil deixam de ser portugueses. Entre 22 ( Ipiranga) e 25 têm as duas nacionalidades .
E não me parece que a inevitabilíssima independência do Brasil tenha posto em causa nem as relações entre pai e filho nem os legítimos direitos de D. Pedro á coroa portuguesa, direitos esses de que abdicou em quem de direito, segundo as leis do reino: sua filha. E foi isto mesmo que D. Miguel aceitou ao regressar do seu exílio e jurar a Carta.
Mas, caro António Taveira, a opção entre cada um dos irmãos é mesmo uma questão de Fé!
Com os melhores cumprimentos
Maria Benedita
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RE: O futuro a nós pertence
Cara Maria Benedita,
Tem razão que é, em certo sentido, uma questão de Fé, mas quero acreditar (mais uma questão de Fé...) que tanto para uns como para outros se trata de Fé esclarecida e não cega! Ou seja, procuramos, uns e outros, entre as alternativas que se nos colocam, encontrar argumentos que depois teremos de hierarquizar, quanto se contradizem... para mim, por exemplo, a posição da Santa Sé só reforça o meu «miguelismo», pois o Reino de Portugal nasceu como vassalo da dita e prezo particularmente o berço católico do nosso país. Não quer isto dizer que eu concorde com a política concreta de D. Miguel em muitos aspectos! Ainda não li a biografia que refere mas tenho-a em casa para um dia ler (ainda não cheguei lá... resolvi ler todas de seguida!).
Quanto à nacionalidade, a Maria Benedita acentua o facto de D. Pedro ser português, ao passo que eu acentuo o de ser, também, brasileiro, mas, sobretudo, soberano brasileiro. Assim eu não considero contraditório dizer que D. Pedro era português (não discuto, para já, se teria ou não perdido a nacionalidade, como quer que tal se aferisse) e simultaneamente «Príncipe estrangeiro»; percebo que não é óbvia qual a interpretação que se deva dar da exclusão dos príncipes estrangeiros: não se exclui desde que seja príncipe português (pelo menos de origem) ou exclui-se desde que seja, também príncipe estrangeiro, tenha ou não mantido a nacionalidade original (o que quer que isso queira dizer)? Eu inclino-me para a segunda alternativa, pois, na dúvida, parece-me ser a mais coerente com a razão de ser da referida exclusão. Mas também percebo que se possa não ter dúvidas e considerar formalmente respeitadas as condições de sucessibilidade apenas atendendo a uma estrita noção de nacionalidade originária. Assim, agora, para além de uma questão de Fé, trata-se também de uma questão de dúvidas...
Mas ainda ponho a seguinte questão (que não interfere propriamente no que precede): os brasileiros que já eram nascidos à data da independência mantiveram as duas nacionalidades? Poderiam reinvindicar livremente a qualidade de portugueses em qualquer altura, tiveram de optar, essa opção seria implícita, se não expressa até determinada altura? Era apenas o jus soli que permitia decidir? A decisão de continuar a residir no Brasil permitia a algum residente nascido em Portugal ficar brasileiro, etc., etc.? Parece-me que seria interessante esclarecer estas questões, pelo menos do ponto de vista de quem vê na manutençao da nacionalidade portuguesa de D. Pedro um argumento importante para defender a sua posição de herdeiro da coroa. É claro que podemos ainda interpretar as disposições sucessórias portuguesas como exigindo apenas a nacionalidade originária, independentemente do que acontecesse posteriormente, ou seja, memso qu essa nacionaldade se perdesse, mas essa interpretação ainda me custa mais a engolir...
Um abraço,
António
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RE: O futuro a nós pertence
Cara Benedita e caro António
Atrevo-me colocar aqui (postar como se diz) um ponto do parecer do Augusto Ferreira do Amaral, datado de 18 de Junho de 2007 sobre o reconhecimento de D. Duarte como pretendente ao Trono de Portugal e legítimo sucessor dos Reis de Portugal e que pode ser encontrado na integra em: http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=216838
"2.3.2 - Por outro lado, não é de aceitar que a chamada «dupla nacionalidade»
portuguesa e brasileira atribuída aos cidadãos brasileiros satisfaça os
requisitos para que algum destes possa suceder no trono português.
A própria Carta, historicamente emergente da separação de soberanias entre
Portugal e o Brasil, consagra um nítido afastamento entre a nacionalidade
portuguesa e a brasileira, contrastando aí com o texto que fora da
Constituição de 1822. No §1º do art 7º exclui da cidadania portuguesa os
cidadãos que fossem brasileiros, apesar de terem nascido portugueses.
O brasileiro, ainda que tendo também nacionalidade portuguesa, deve ser
considerado estrangeiro para efeitos do art. 90º da Carta Constitucional. Os
direitos civis que ele tem, na ordem jurídica portuguesa, são os mais
diversos. Mas, como dizia D. Francisco de S. Luís a sucessão dos tronos deve
regular-se, não pelas leis civis, mas sim pelas leis e foros particulares de
cada nação. E os problemas a cultura e as ligações do brasileiro são, de
raiz, dum país que, embora com a mesma língua e um longo passado comum, está
separado de Portugal há mais de século e meio. Os interesses do Estado
recomendam que se não corra o risco de que na chefia dele se coloque quem
não seja português de raiz."
Julgo que este posicionamento pode ajudar a vossa troca de opiniões .
Cumprimentos amigos
Ricardo Charters d'Azevedo
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RE: O futuro a nós pertence
Caro António Bivar
Neste, como em muitos outros temas, até um certo ponto a Fé é esclarecida e a partir daí...é só Fé.
O apoio dado pelo clero português ao miguelismo, os milagres de Nossa Senhora da Rocha, o poder que a Igreja Católica tinha, e tem, sobre um povo analfabeto, supersticioso e crédulo, e a encarnação que se fez de D. Miguel no Portugal velho e de D. Pedro, enganosamente, no monstro terrível da Revolução Francesa e da Maçonaria, levar-me-iam sempre a apoiar o segundo.
Mas esse apoio não é cego.
Analisando a lei vigente á época, as Ordenações Filipinas, chamarei uma vez mais á colação as excelentes participações do meu amigo Eduardo Albuquerque, nomeadamente em
http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=90060#lista
http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=91156#lista
http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=91162#lista
http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=90770#lista
e, muito especialmente, nesta
".....a Carta de Lei de 15 de Novembro de 1825, de ratificação do tratado luso-brasileiro, que veio reconhecer a independência do Brasil.
Neste documento D. João VI declara:
« sobre todos amado e prezado filho, D. PEDRO DE ALCÂNTARA, HERDEIRO E SUCESSOR DESTES REINOS »;
4.º - A nomeação por D. João VI, em 6 de Março de 1826, de um conselho de regência, PRESIDIDO PELA INFANTA D. ISABEL MARIA, o qual tinha por função assegurar o governo da Nação, sublinho, « ENQUANTO O LEGÍTIMO HERDEIRO E SUCESSOR DESTA COROA NÃO DER AS SUAS PROVIDÊNCIAS A ESTE RESPEITO »;
5.º - A determinação do Conselho de Regência de que todas as leis, cartas, patentes, provisões... fossem passadas em nome de « DOM PEDRO, POR GRAÇA DE DEUS, REI DE PORTUGAL E DOS ALGARVES...»;
6.º - O uso por D. Pedro do título de « Rei de Portugal e dos Algarves », concretamente, a partir de 24 de Abril de 1826;
7.º - Confirmação, por D. Pedro, da infanta D. Isabel Maria na regência;
8.º - Outorga da Carta Constitucional em 28 de Abril de 1826;
9.º - Abdicação, CONDICIONAL, em D. Maria da Glória a 2 de Maio de 1826;
10.º - A CARTA DE D. MIGUEL, após a morte de D. João VI, à infanta D. Isabel Maria de que passo o seguinte traslado:
« Rogo-lhe, pois, minha querida Mana, que, no caso pouco possível que alguém temerariamente se arroje a abusar do meu nome para servir de capa a projectos subversivos da boa ordem e da existência legal da Junta do Governo, estabelecida por QUEM TINHA O INDISPUTÁVEL DIREITO DE A INSTITUIR, se façam públicos e declarem, quando, como e onde convier, em virtude da presente carta, os sentimentos que ela contém, emanados espontaneamente do meu ânimo e INSPIRADOS PELA FIDELIDADE E RESPEITO DEVIDO À MEMÓRIA E À DERRADEIRA VONTADE DE NOSSO AMADO PAI E SENHOR »;
11.º - A CARTA DE D. MIGUEL, após a morte de D. João VI, ao irmão, D. Pedro de que passo a reproduzir:
« Longe da minha Pátria e de tudo quanto me poderia ministrar alguma consolação, GRANDE ALÍVIO EXPERIMENTO NO MEU PESAR EM DIRIGIR-ME HOJE A VOSSA MAJESTADE IMPERIAL E REAL para lhe oferecer os protestos da minha rendida homenagem, RECONHECENDO EM VOSSA MAJESTADE IMPERIAL O MEU LEGÍTIMO SOBERANO COMO HERDEIRO E SUCESSOR DA COROA DE NOSSOS MAIORES.»
Acrescento, ainda, o teor da anteriormente citada Carta de Lei:
"« Dom João por Graça de Deos, Rei do Reino Unido de Portugal, e do Brasil, e Algarves, d´aquem, e d’além mar, em Africa Senhor de Guine, e da Conquista, Navegação, Commercio da Ethiopia, Arabia, Persia, e da India, etc.
Aos Vassallos de todos os Estados dos Meus Reinos e Senhorios, saude.
Faço saber aos que esta Carta de Lei virem:
Que pela minha Carta Patente, dada em o dia treze de Maio do corrente anno, Fui Servido tomar em Minha Alta Consideração quanto convinha, e se tornava necessario ao Serviço de Deos, e ao bem de todos os Povos, que a Divina Providencia Confiou à Minha Soberana Direcção, pôr termo aos males, e dissensões, que tem occorrido no Brazil, em gravissimo damno e perda, tanto dos seus Naturaes, como dos de Portugal, e seus Dominios:
O Meu Paternal desvelo se occupou constantemente de considerar quanto convinha restabelecer a paz, amizade, e boa harmonia entre Povos Irmãos, que os vinculos mais sagrados devem conciliar, e unir em perpétua alliança:
para conseguir tão importantes fins, promover a prosperidade geral, e segurar a existencia Politica, e os destinos futuros dos Reinos de Portugal, e Algarves, assim como os do Reino do Brazil, que comprazer Elevei a essa Dignidade, Preeminencia, e Denominação, por Carta de Lei de dezeseis de Dezembro de mil oitocentos e quinze, em consequencia do que, Me prestárão depois os seus Habitantes novo juramento de fidelidade no Acto solemne da Minha Acclamação em a Corte do Rio de Janeiro:
Querendo de huma vez remover todos os obstaculos que podessem impedir,e oppôr-se à dita alliança, concordia, e felicidade de hum e outro Reino, qual Pai desvelado, que só cura do melhor estabelecimento de seus Filhos:
Houve por bem ceder e transmittir em Meu sobre Todos Muito Amado, e Prezado Filho, Dom Pedro de Alcantara, Herdeiro, e Successor destes Reinos, Meus Direitos sobre aquelle Paiz, Creando, e Reconhecendo sua independencia com o Titulo de Imperio:
Reservando-Me todavia o Titulo de Imperador do Brazil.
Meus designíos sobre tão importante objecto se achão ajustados da maneira que consta do Tratado de Amizade, e Alliança, assignado em o Rio de Janeiro em o dia vinte e nove de Agosto do presente anno, ratificado por Mim no dia de hoje, e que vai ser patente a todos os Meus Fieis Vassallos, promovendo-se por elle os bens, vantagens, e interesses de Meus Povos, que he o cuidado mais urgente de Meu Paternal Coração.
Em taes circunstancia, Sou Servido assumir o Titulo de Imperador do Brazil, Reconhecendo o dito Meu sobre Todos Muito Amado e Prezado Filho, D. Pedro de Alcantara,
Principe Real de Portugal, e Algarves, com o mesmo Titulo de Imperador, e o exercicio da Soberania em todo o Imperio:
e Mando que d’ora em diante Eu assim fique reconhecido com o Tratamento correspondente a esta Dignidade:
outro sim Ordeno, que todas as Leis, Cartas Patentes, e quaesquer Diplomas, ou Titulos, que se costumão expedir em O Meu Real Nome, sejão passados com a formula seguinte:
= Dom João por Graça de Deos, Imperador do Brazil, e Rei do Reino-Unido de Portugal, e Algarves, d’auqem, e d’além Mar, em Africa, Senhor de Guiné, e da Conquista, Navegação, e Commercio da Ethiopia, Arabia, Persia. E da India etc:
= Que os Alvarás sejão concebidos do seguinte modo:
= Eu o Imperador e Rei, Faço saber etc.:
= Que as Supplicas, e mais papeis, que Me são dirigidos, ou aos Meus Tribunaes, aos quaes Tenho Concedido o Meu Real Tratamento, sejão formulados da maneira seguinte:
= A Vossa Magestade Imperial, e Real
= Que a direcção dos Officios encaminhados à Minha Real Presença, ou pelas Minhas Secretarias d’Estado, ou pelos Meus Tribunaes, seja concebida pelo theor seguinte:
= Ao Imperador e Rei Nosso Senhor.
= E que os outros Officios se concebão assim:
= Do Serviço de Sua Magestade Imperial, e Real.
E esta, que desde já vai assignada com o Titulo de Imperador, e Rei Com Guarda, se cumprirá tão inteiramente como nella se contém, sem dúvida ou embargo algum,qualquer que elle seja.
Para o que Mando à Mesa do Desembargo do Paço; Meza da Consciencia e Ordens; Regedor da Casa da Supplicação; Conselhos da Minha Real Fazenda, e dos Meus Dominios Ultramarinos; Governador da Relação e Casa do Porto; Presidente do Senado da Camara;Governadores das Armas; Capitães Generaes; Desembargadores; Corregedores; Juizes; Magistrados Civis e Criminaes destes Reinos e seus Dominios; a quem e aos quaes o conhecimento desta, em quaesquer casos pertencer,
que a cumprão, guardem, e fação inteira e litteralmente cumprir e guardar como nella se contém, sem hesitações, ou interpretações, que alterem as Disposições della, não obstantes quaesquer Leis, Regimentos, Alvarás, Cartas Regias, Assentos, intitulados de Côrtes, Disposições, ou Estillos, que em contrario se tenhão passado, ou introduzido;
porque todos, e todas, de Meu Motu Proprio, Certa Sciencia, Poder Real, Pleno, e Supremo, Derogo e Hei por Derogados, como se delles Fizesse especial menção em todas as suas partes, não obstante a Ordenação, que o contrario determina, a qual tambem Derogo para este effeito sómente, ficando aliás sempre em seu vigor.
E ao Doutor João de Mattos e Vasconcellos Barboza de Magalhães, Desembargador do Paço, do Meu Conselho, que serve de Chanceller Mór destes Reinos, Mando que a faça publicar na Chancellaria, e que della se renettão Copias a todos os Tribunaes, Cabeças de Comarca, e Villas destes Reinos, e seus Dominios; registando-se em todos os Lugares, onde se costumão registar similhantes Leis; e mandando-se o Original della para a Torre do Tombo.
Dada no Palacio de Mafra, aos quinze dias do mez de Novembro, anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo, de mil oitocentos vinte e cinco.
Imperador e Rei. = com Guarda =
José Joaquim de Almeida e Araujo Corrêa de Lacerda.
Carta de Lei, Constituição Geral, e Edicto Perpéctuo, pelo qual Vossa Magestade Imperial e Real, em consequencia do que Fôra Servido Prover por Sua Carta Patente de 13 de Maio do corrente anno, e do Contracto Celebrado pelo Tratado de vinte e nove de Agosto do mesmo presente anno, Há por bem assumir d’ora em diante o Titulo de Imperador do Brasil, unido aos outros Titulos da Sua Real Corôa, dando a este respeito as Providencias convenientes; tudo na fórma acima declarada.
Para Vossa Magestade Imperial e Real vêr.
José Balbino de Barboza e Araujo a fez. »
E o Acto de Abdicação de 2 de Maio de 1826
"« D. Pedro por Graça de Deos, Rei de Portugal, e dos Algarves, d’aquem, e d’além mar, em Africa, senhor de Guiné, da Conquista, Navegação, e Commercio, da Ethiopia, Arabia, Persia, e da India etc.
Faço saber a todos os Meus Subditos Portuguezes,
que sendo incompativel com os interesses do Imperio do Brazil, e os do reino de Portugal,
que Eu continue a ser Rei de Portugal, Algarves, e seus Dominios
e Querendo Felicitar aos ditos Reinos quanto em Mim Couber:
Hei por bem, de Meu moto proprio, e livre vontade,
Abdicar, e Ceder de todos os indisputaveis, e inauferiveis Direitos, que Tenho à Coroa da Monarquia Portugueza, e à Soberania dos mesmos Reinos,
na Pessoa da Minha sobre todas muito amada, prezada, e querida Filha, a Princeza do Grão Pará D. Maria da Gloria,
para que Ella como Sua Rainha Reinante, os Governe independentes deste Imperio, e pela Constituição, que Eu Houve por bem Decretar, Dar, e Mandar jurar por Minha Carta de Lei de vinte e nove de Abril do corrente anno:
e outro sim Sou Servido Declarar, que a dita Minha Filha Rainha Reinante de Portugal, não sahirá do Imperio da Brazil,
sem que Me Conste Officialmente, que a Constituição foi jurada conforme Eu Ordenei,
e sem que os Esponsaes do Casamento, que pretendo Fazer-lhe com o Meu muito Amado, e Prezado Irmão, o Infante D. Miguel, estejão feitos, e o Casamento concluido;
e esta Minha Abdicação e Cessão não se verificará, se faltar qualquer destas Condições.
Pelo que:
Mando a todas as Authoridades a quem o conhecimento desta Minha Carta de Lei pertencer, a fação publicar, para que conste a todos os Meus Subditos Portuguezes esta Minha Delibaração.
A Regencia desses Meus Reinos, e Dominios assim o tenha antendido, e a faça imprimir e publicar do modo mais authentico, para que se cumpra inteiramente o que por ella não há de passar sem embargo da Ordenação em contrario, que somente por este effeito Hei por bem Derrogar, ficando aliás em seu vigor, não obstante a falta de referenda, e mais formalidades do estilo, que igualmente Sou Servido Dispensar.
Dada no Palacio do Rio de Janeiro, aos dois dias do mez de Maio do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e vinte e seis.
= EL REI com Guarda. "
Um abraço,
Maria Benedita
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RE: O futuro a nós pertence
Caro Ricardo,
Muito obrigado por esta achega! De facto, não me tinha lembrado de ir ver o que dizia a Carta acerca da questão da nacionalidade dos brasileiros (nem sabia que esse assunto era nela tratado). Não deixa de ser irónico que seja o próprio D. Pedro a incluir na carta uma disposição que exclui da cidadania portuguesa os brasileiros, mesmo nascidos em Portugal. Assim, parece que D. Pedro se exclui a ele próprio da cidadania portuguesa... É claro que se pode argumentar que essa exclusão, se for apenas posterior à Carta, só se daria depois de ele próprio herdar o trono português e se arrogar o direito de outorgar a Carta aos portugueses! Esta disposição da carta reforça no entanto o meu sentimento de que o brasileirismo de D. Pedro deve sobrepor-se ao portuguesismo originário na apreciação dos direitos sucessórios que lhe caberiam em Portugal. Custa-me a aceitar que um soberano brasileiro que, na primeira oportunidade, procurou garantir a perda de cidadania portuguesa de todos os brasileiros, fossem ou não cá nascidos, invoque a sua qualidade de português para poder herdar a coroa...
Um abraço,
António Bivar
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RE: O futuro a nós pertence
Caro Ricardo
Mas a Carta surge em de 1826! Depois da Carta de Lei de Novembro de 1825 e do Acto de Abdicação, de 2 de Maio de 1826!
O teor da Carta tem que ser visto como decorrente da legislação anterior, e é normalíssimo que não siga o teor da Constituição de 1822, anterior ao reconhecimento do Brasil como Nação independente e á abdicação do legítimo herdeiro das duas Coroas em sua filha D. Maria da Glória!
Um abraço
Maria Benedita
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RE: O futuro a nós pertence
Caro António
Estas questões farão ainda muitos professores universitários ganharem dinheiro com os pareceres que darão. E se, daqui uns anos tivermos uma cidadania europeia (!) - e considerarmos a igualdade dos sexos (!), tudo se ira baralhar.
Haverá então um "custo" de oportunidade: hoje é "assim", mas amanhã" será de forma diferente.
Um abraço amigo
Ricardo Charters d'Azevedo
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RE: O futuro a nós pertence
Caro António Bivar,
Dou-lhe duplos parabéns. Pela clareza de raciocínio e pela capacidade de manter um diálogo cordato.
Dito isto parece-me que não aborda a questão pelo seu ângulo mais directo.
D. Pedro revoltou-se contra seu pai e contra Portugal. Desobedecera já anteriormente à ordem das Côrtes para regressar a Portugal, ordem essa endossada por seu Pai.
Depois do Ipiranga as suas primeiras ordens foram para que o exército - a parte que lhe obedecia - abrisse fogo contra quaisquer forças portuguesas que tentassem desembarcar. Com dinheiro estrangeiro - nem português nem brasileiro - contratou mercenários que combateram a parte do exército português que ficara leal a Lisboa, sobretudo o Noroeste. Aliás essas tropas quer na Baía quer na Cisplatina renderam-se após o violento bombardeamento da cidade efectuado por uma esquadra inglesa
Isto configura em qualquer parte do mundo crime de alta traição e no ordenamento jurídico português a imediata perda de nobreza, com todas as consequências inerentes.
Contudo D. Miguel - opondo-se e contrariando a vontade de sua Mãe, facto que o pedrismo e outros ismos bem mais
perniciosos deliberandamente esquecem para manter a ficção do obscurantismo e reaccionarismo de D. Miguel - convocou Côrtes.
DE ACORDO COM A TRADIÇÃO E ORDENAÇÃO PORTUGUESA E COMO HAVIA SIDO PEDIDO POR D. JOÃO SEXTO HÁ MAIS DE DOIS ANOS.
Essa Côrtes foram as mais representativas de todas a nossa história, deixando a perder de vista as últimas convocadas para aprovar a mudança de linha decorrente do afastamento de D. Afonso VI.
Essas Côrtes de 1824 não considerarm a traição de D. Pedro, sanando-a para todos os efeitos, mas expressamente decidiram - aliás fundamentadamente - que D. Pedro e por maioria de razão D. Maria da Glória haviam perdido a nacionalidade portuguesa e os direitos sucessórios em Portugal.
Foi uma decisão do orgão soberano e o ÚNICO com competência para decidir nessa matéria.
Anos depois, D. Pedro não se atreveu a reunir Côrtes. De facto teve de alterar as regras vigentes. Porque tinha contra si a maioria do Clero começou por juntar os braços do Clero e da Nobreza numa Câmara dos Pares que de portuguesa nada tinha e de inglesa apenas o nome. Depois foi o que se viu a fabricar Pares até assegurar uma maioria.
E nem essas Côrtes puderam ser constituintes, pois acabou por outorgar a Carta "por seu direito pessoal" como cândidamente se lê no "site" da Procuradoria-Geral da República.
D. Pedro tem apenas e só a legitimidade de ter vencido uma guerra, novamente com tropas e dinheiro estrangeiro mas isso é irrelevante face ao facto indiscutível da vitória.
Tem a legitimidade do actual governo do Iraque ou a do governo alemão de 1945.
E são legitimidades indiscutíveis porque factuais.
Acabo repetindo. Depois da Vilafrancada D. João VI prometeu uma nova Constituição que seria aprovada em Côrtes. O que os seus ministros, fossem eles da facção pró-inglesa (Palmela) ou pró-francesa (Subserra) nunca entenderam oportuno nem sequer depois de D. Miguel ter sido pela primeira vez enviado para fora de Portugal.
D. Miguel, perante a revolta geral, que começara na Câmara de Coimbra - outro facto que o pedrismo tem conseguido fazer esquecer dando a impressão de que D. Miguel iniciara e revolta - invoca expressamente seu Pai e convoca Côrtes, repito, opondo-se assim a sua Mãe e ao seu partido chefiado pelo conde de Basto, que como Intendente chegara a mandar prender o médico pessoal de D. Miguel.
NÃO É POSSÍVEL NEGAR LEGITIMIDADE ÀS CÔRTES DE 1924...
... e estas decidiram que D. Pedro e D. Maria da Glória tinham perdido os direitos sucessórios.
A. Luciano
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RE: O futuro a nós pertence- Errata
P.f. leia Côrtes de 1828; e pedidas há mais de 4 anos.
A. Luciano
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RE: O futuro a nós pertence
Cara Maria Benedita,
Eu confesso que não sei quem teria apoiado se tivesse vivido nessa época; a «passadologia» é talvez ainda mais complicada que a futurologia! Mesmo à luz das minhas convicções actuais e admitindo que as manteria totalmente inalteradas ao transportar-me para esses tempos, torna-se-me difícil ter uma opinião formada acerca do que seria melhor que tivesse acontecido em Portugal, se, digamos, não tivesse acontecido o que aconteceu...
Os meus antepassados por varonia e respectivos familiares próximos que viveram nesses tempos eram todos liberais e tive dois tios-tetravós presos em S. Julião da Barra, por ordem do governo de D. Miguel, tendo um deles morrido na prisão. Assim, as minhas opiniões quanto a legitimidade dinástica são independentes quer de razões familiares e sentimentais, quer de razões estritamente políticas. Não tenho dúvidas acerca de tudo o que escreve quanto às diversas posições tomadas quer por D. João VI, quer pelo conselho de regência, quer ainda pelo próprio D. Miguel durante algum tempo e também tive o prazer de debater este assunto há algum tempo consigo e com o Eduardo Albuquerque devendo a ambos inúmeros esclarecimentos e muito tendo aprendido com esse frutuoso debate, no limite das minhas capacidades. Mas as questões sucessórias nunca puderam ser decididas pelo próprio soberano sem assentimento de cortes e contra os costumes consagrados do país, como alguns exemplos históricos conhecidos parecem provar (a sucessão de D. João II, a questão já aqui invocada do casamento da filha de D. Pedro II, etc.); assim, apesar de toda a solenidade das diversas declarações, não deixa de se por a questão crua da legitimidade que a insólita situação criada pela posição de D. Pedro como Imperador do Brasil independente, à data da morte do seu pai, coloca.
Um abraço,
António
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RE: O futuro a nós pertence
Caro A. Luciano,
Só agora vi a sua mensagem e irei lê-la com a devida atenção, mas só o poderei fazer mais tarde, pelo que peço que me desculpe por deixar-lhe apenas, para já, esta curta resposta.
Com os melhores cumprimentos,
António Bivar
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RE: O futuro a nós pertence
Caro António Bivar
Eu, pelo contrário, provenho, por meu Pai, de uma família de miguelistas, com uma única excepção, mas também não imagino o que teria sido na altura.
Como diz, a passadologia é ainda mais difícil que a futurologia.
O que teria sido melhor era não ter havido guerra, mas a verdade é que a evolução era inevitável, os carlistas perdiam em Espanha , toda a Europa se liberalizava, não poderíamos ficar "orgulhosamente sós" com um panorama internacional deste teor.
Quanto aos costumes consagrados neste país, deixo-o com o Decreto, de 30 de Abril de 1826
"« Sendo necessaria a reunião das Cortes Geraes do Reino de Portugal:
Hei por bem, que immediatamente se proceda às Eleições dos Deputados na forma do Capítulo 5.º Titulo 4.º da Carta Constitucional, que Decretei, Dei, e Mandei jurar no mesmo Reino, ficando a cargo da Regencia do Reino fazer para esse fim as instrucções necessarias.
A mesma Regencia o tenha assim entendido e faça executar.
Palacio do Rio de Janeiro, em 30 de Abril de 1826.
= Com a Rubrica do Senhor Rei D. PEDRO IV. »
É sempre um prazer dialogar consigo mesmo quando divergimos em questões de fé.
Um abraço
Maria Benedita
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RE: O futuro a nós pertence
Caro A. Luciano e restantes confrades,
Estando no futuro (em relação ao Liberalismo), não devemos apenas avaliar esse regime com base na sua legitimidade para governar, mas também com base nos resultados dessa governação. É nossa obrigação, sob pena de repetirmos os erros do passado. Fico por isso um pouco surpreendido quando vejo dezenas (centenas?) de mensagens neste excelente forum que debatem a legitimidade jurídica e política do regime liberal, mas não leio nada sobre os benefícios que este regime trouxe ao nosso país.
Pegando no que escreveu sobre as cortes convocadas sobre D. Miguel, cujo detalhe foi preservado em grande pormenor para os nossos historiadores e permite concluir que D. Miguel foi o primeiro governante em muitos séculos a dar a voz da governação ao povo, não posso deixar de observar que o Liberalismo foi um regime muito mais autocrático do que aquele que D. Miguel tentou impor. A começar pela Carta, que pretendeu impor por decreto um regime político indesejado. Sendo indesejado, substitui-se a imposição por decreto pela subjugação violenta e sangrenta de uma guerra fraticida.
Mas então quais foram os resultados desta inovação política chamada Liberalismo?
É lamentável constatar que foi o pior e 2º mais curto regime político dos nossos 8 séculos de história. De 1936 a 1910 decorreram uns curtos 74 anos. Só o regime dos Habsburgos durou menos tempo: 60 anos.
O Liberalismo foi o pior regime político em termos de resultados pois foi aquele que conseguiu transformar um dos maiores impérios comerciais e culturais já alguma vez visto numa pequena nação periférica nos arrabaldes da Europa. Repito: conseguiu transformar um dos maiores impérios comerciais e culturais já alguma vez visto numa pequena nação periférica nos arrabaldes da Europa.
Do Ipiranga ao Ultimato, em menos de um século destruiu-se o que demorou 300 anos a construir. Findo a guerra fratricida, em vez de reconstruir, os "Liberais" entretiveram-se a apoderar-se da propriedade alheia. Estando essa nas suas mãos, lá permitiram que a Revolução Industrial chegasse ao nosso país com mais de um século de atraso. Chamaram-lhe o Fontismo e ainda hoje os adeptos do regime Liberal apontam o Fontismo com o o grande contributo do Liberalismo para o progresso económico do país. Não é descabido especular que sem o Ipiranga, a Carta e "Revolução", o enorme impulso económico da revolução industrial teria chegado ao nosso país bem mais cedo que a segunda metade do século XIX. Se o Liberalismo foi uma enorme vitória ideológica sobre o absolutismo e o obscurantismo, foi à custa da destruição e subjugação de todo um povo que tinha as condições necessárias para pacificamente evoluir em termos políticos e sociais para uma sociedade mais prospera e mais moderna.
Depois há aqueles que justificam o Liberalismo estabelecendo um caminho contínuo entre a Carta de D. Pedro e a Democracia de 1976. Isto está logicamente errado. A revolução republicana foi um repúdio do regime Liberal, e a revolução de Abril foi um repúdio do regime Republicano. Das cortes convocadas por D. Miguel teríamos chegado a uma democracia de sufrágio universal muito mais rapidamente do que os estupidamente longos e miseráveis 140 anos que decorreram entre 1976 e 1836.
Eu não nego que haja elementos para defender a legitimidade jurídica e política do regime Liberal. Acho é que as pessoas deviam ter vergonha de o fazer.
Já não havendo pachorra para os desabafos contra Socrates, Vara, Joe e seus compinchas, aproveitei este tópico para desabafar contra os seus pares do século XIX, a saber: D. Miguel, Palmela e Sabugosa. Ao iniciador do tópico, peço as devidas desculpas pelo enorme desvio que dei à pergunta inicial, mas não resisti aliviar a minha alma com este enorme desabafo e vou assim festejar este Natal de ânimo mais leve.
A todos um Santo Natal.
Francisco
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RE: O futuro a nós pertence
Caro confrade,
A sua mensagem, mais do que um presente de Natal foi um bálsamo para a minha alma. Já me imaginava o único.
Miguelistas tradicionalistas, haverá muitos, mas pessoas que descomplexadamente e observando criticamente os resultados históricos, concluam pela condenação do liberalismo, se calhar, contar-se-ão pelos dedos de duas mãos. Até porque é necessário remover toda uma desinformação que nos foi imposta em tudo o que se publicou e ainda hoje se publica. De facto, ainda hoje, entre pessoas com qualificações académicas profissionais na área da história apenas me ocorrem os profs. Rui Ramos e Adelino Maltez.
Curiosamente, o primeiro a levantar-me a dúvida global sobre o liberalismo - entenda-se o liberalismo político que efectivamente governou Portugal de 1836 a 1910 - foi o rei D. Carlos quando primeiro li aquele seu desabafo de que Portugal era uma monarquia sem monárquicos. A pergunta que imediatamente me ocorreu foi o que poderia ter acontecido para ter alienado do ideal monárquico uma população que oitenta anos antes e em período de crise já grave se manifestava entusiasticamente ovacionando o rei e o príncipe.
A sua notável mensagem, teve ainda a virtude de chamar a atenção para uma falácia habitual e persistente que é a do poder constituído comparar situações actuais com situações passadas no errado pressuposto de que essas situações passadas eram estáticas, isto é, não teriam também evoluído. Ainda há poucos anos me revoltei com Cavaco Silva a fazer comparações de dados sobre saúde pública com situações de 25 anos anteriores.
Sempre fui sensível a essa falácia e, aqui suponho que muito minoritariamente, tenho a opinião de que o homem não tem melhorado a sua condição mas piorado. Que o indiscutível progresso verificado se deve apenas à notável e rapidíssima - talvez mesmo demasiado rápida - evolução técnica mas que o ser humano, nas suas vertentes essenciais não tem melhorado.
De facto, parece-me que os engenheiros que inventaram a fechadura Yale, fizeram mais pela privaticidade domiciliária, do que os políticos que sobre ela legislaram. É facto que sobrevivi a um enfarte que em circunstâncias idênticas vitimou o meu Pai, em idade doze anos inferior à minha e terá sido um milagre da técnica ter podido assistir num écran durante horas a cateteres progredindo no interior das minhas artérias e eliminando uma por uma as obstruções por colesterol. Mas igualmente se deve ao circunstancialismo actual a alimentação que fazia - e de certa forma ainda faço - e que agravou determinantemente essa acumulação de colesterol sendo igualmente responsável pela maioria das doenças e incómodos actuais a começar pelas milhentas formas de alergias, quase desconhecidas quando era criança.
Em termos de direito e justiça, acho que o fosso entre deserdados e poderosos não tem diminuído consistemente e em períodos particulares como o que hoje vivemos, se tem mesmo acentuado.
Acredito até que um homem bom de um concelho na idade média, teria mais possibilidade de expor uma questão directamente ao rei do que eu hoje de ser recebido por um director-geral. Etc..
Bem haja e um Santo Natal para si também.
A. Luciano
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RE: O futuro a Deus pertence
"defendo a abolição do carácter electivo da chefia do Estado actualmente em vigor"
Estimado António Bivar,
E como se nomearia ao Chefe de Estado? por indicaçâo e a proposta do 1º Ministro? Isto nâo soaria a ditadura encoberta? nâo provocaria a ideia de amigachos governando o País? Que democracia defende para Portugal?
Gostaria de conhecer a resposta a estas minhas interrogantes, se tal for aprazível.-
Cumprimentos e felizes festas.-
Fertelde
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RE: O futuro a Deus pertence
Caro Confrade,
Defendo a chefia de estado hereditária como em Espanha, Inglaterra, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Suécia, Noruega, Dinamarca, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Japão, ou seja, como em grande número das mais avançadas democracias do mundo. Assim o chefe de Estado não seria nomeado por ninguém: simplesmente sucederia ao antecessor por uma lei sucessória historicamente consagrada, consensualmente aceite, e eventualmente democraticamente alterada (embora eu defenda que o deveria ser o menos possível), como nos referidos países.
Cumprimentos e continuação de Boas Festas,
António Bivar
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RE: O futuro a nós pertence
Caro A. Luciano,
Muito obrigado pela sua simpática mensagem. Confesso que não conheço bem muitos dos pormenores da atribulada História da independência do Brasil e da sucessão de D. João VI e procurava apenas concluir o que se poderia deduzir da lei sucessória tradicional portuguesa quanto à exclusão de D. Pedro e da sua linha, procurando tanto quanto possível utilizar apenas factos indiscutíveis e aceites pelas duas partes.
Também defendo a legitimidade das Côrtes de 1828, mas para que se considere terem sido regularmente convocadas há que reconhecer previamente o direito de D. Miguel o fazer enquanto herdeiro legítimo, tal como para reconhecer o direito de D. Pedro outorgar a carta e convocar Côrtes de acordo com esse documento e não ao modo tradicional português há que reconhecer antes a D. Pedro o direito de o fazer enquanto herdeiro legítimo. Ou seja, parece que a questão da legitimidade se põe antes da convocação de qualquer das assembleias. No caso de D. Miguel ainda talvez se possa pôr a questão de saber se a posição que ocupava por nomeação do próprio D. Pedro não lhe daria legitimidade «pedrista» para convocar Côrtes ao modo tradicional português (como fez) e sanar a questão da sucessão desse modo, independentemente da opinião prévia que se pudesse ter acerca da exclusão de D. Pedro; com efeito, se a aceitação da outorga da carta pressupõe que se aceitasse previamente que D. Pedro era já Rei e que um Rei em Portugal podia determinar a seu bel-prazer alterações no modo tradicional de reunir Côrtes, o acto de convocar Côrtes à maneira tradicional apenas pressupõe que quem o faz está investido de autoridade (originária ou delegada) para devolver a questão aos três estados. Em qualquer caso não vejo como se pode prescindir de uma opinião prévia quanto a legitimidade sucessória, pois perante um Rei tendo legitimamente sucedido a seu Pai, pergunto-me se as próprias Côrtes teriam autoridade para o excluir da sucessão, de acordo com as leis tradicionais portuguesas; vejo as Côrtes de 1828 mais como um acto político de reconhecimento nacional da realeza de D. Miguel do que como o acto originário da legitimidade dessa realeza. Confesso que não estou nada seguro quanto ao que se pode considerar em vigor nessa época quanto à necessidade da aclamação do Rei em Côrtes, acto que não se praticava havia muito tempo, mas talvez esteja aí a questão essencial para se poder apreciar qual o efeito exacto da decisão das Côrtes de 1828.
Um abraço,
António Bivar
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RE: O futuro ... (António Bivar 26-12-2011, 16:32)
Caro Confrade,
Antes do mais, não se sinta minimamente obrigado a responder a mensagens minhas, sobretudo quando uso maiúsculas ou faço pior do que isso.
Não é assunto que possa responder numa única mensagem e confessado por si o incipiente conhecimento da independência do Brasil e da sucessão de D. João VI teria de repartir o necessário por diversas mensagens.
Com toda a sinceridade, tenho dificuldade em compreender que pessoas sérias e com algum conhecimento e capacidade intelectual - por mínimos que sejam - possam advogar o direito de D. Pedro a suceder no reino de Portugal.
Pode e deve, como disse já, aceitar-se o direito fáctico, incontestável pela vitória militar. Também se poderia advogar tal direito como corolário do exercício de convicções morais ou políticas que nem compartilho nem aprovo mas que tenho de respeitar por imperativo do princípio da liberdade. Só que essas raramente se assumem como tal, disfarçando-se e refugiando-se numa série de equívocos, no mínimo, ou mesmo de falsidades.
Respondendo apenas à questão da legitimidade para convocação de côrtes, parece claro que legitimidade técnica havia. O próprio D. Pedro quando manda reunir Côrtes "à sua maneira" em 1826 endereça a directiva à Regência "para que assim o entenda e faça executar". Quanto à questão mais complexa da legitimidade jurídica, D. Miguel não a teria nem como putativo príncipe herdeiro, questão que seria "sub judice" nas próprias Cortes.
Também não o poderia fazer derivar da autoridade de D. Pedro. Afinal ele convoca Côrtes, revogando de facto a Carta Constitucional outorgada por D. Pedro. Que essa Carta, nunca formalmente - até aí - aprovada em Côrtes não tivesse em si legitimidade, não implicaria que D. Miguel a pudesse então invocar baseado no que repudiara.
Desculpe o desabafo mas se não interviessem habitualmente nestes tópicos pessoas com ideias preconcebidas e anquilosadas e que, para além do mais, parecem reduzir os seus conhecimentos e capacidades à interpretação e enquadramento na lei escrita hodierna - "grosso modo" depois de Seabra - nem seria preciso perder tempo com estas questões.
Como já escrevi - e parece-me que ainda escreverei mais vezes - há factos que são em si geradores de direito. Seria totalmente absurdo que considerássemos ilegítimos os governos do Iraque, do Afganistão, quase todos os da ex-Jugoslávia, como disse os alemães de Weimar ou o que saíu da derrota de 1945. Nem é necessária uma situação de guerra com intervenção e ocupação de solo por forças estrangeiras para criar tais situações de facto. Situações apenas internas, desde que de gravidade e decididas por intervenção de quem tem poder (poder na excelente definição que me ensinou o prof. Adriano Moreira, é a faculdade de poder obrigar os outros a cumprir).
Depois de criada a situação de facto, a sua legitimação pode ocorrer por várias formas que vão desde assembleia convocada para o efeito, ao reconhecimento externo explícito ou tácito até ao simples decorrer do tempo. De facto, digamos uma ou duas dezenas de anos sem revoltas significativas, parecem-me suficientes para se poder concluir da legitimação por aprovação tácita.
São, é claro, mais complicadas as situações que envolvem, além dos interesses materiais sempre presentes, conflitos ideológicos. Neste último caso a ruptura é considerada legítima pelos prosélitos e ilegítima pelos adversários e daí não viria mal ao mundo se com seriedade mínima, as pessoas se assumissem ideologicamente e fosse nesse plano ideológico que defendessem as suas ideias. Quase nunca é o caso.
Vejamos agora o caso concreto sobre o qual tem dúvidas. D. Miguel convocou Côrtes - como escrevi e terá passado despercebido - invocando seu Pai. Este, por duas vezes se pronunciara publicamente, uma vez prometendo Côrtes outra instando para que fossem convocadas e sempre sem efeito. Também as Côrtes ordenadas por D. Pedro em 1826 nunca se reuniram. Haveria assim, desde já, que investigar quem exercia o governo de facto, quem detinha de facto o poder executivo ou, talvez mais explicitamente, quem tinha poder suficiente para impedir uma decisão governamental nesse campo. Legalmente e às claras, claro que ninguém, mas de facto e face ao que ocorreu em diferentes circunstâncias em 1823, 1824 e 1826 temos que concluir que esse poder - não público, oculto ou mesmo secreto - existiu de facto.
Vou agora fazer a demonstração por absurdo.
Admitindo então que, entrando em ruptura com a ordem constitucional instituída por seu irmão, D. Miguel tinha agido ilegitimamente e seria ilegítima a sua convocação das Côrtes. Afastando ideologias, pelo mesmo motivo - muitíssimo agravado - teria sido ilegítima a ruptura efectuada por D. Pedro ao outorgar a Carta. De facto este. entrara em ruptura com a leis tradicionais, repostas por Carta de Lei de D. João VI em Janeiro de 1823.
Mas D. João VI, no seguimento de pronunciamento militar, entrara em ruptura com a ordem constitucional de 1822, aprovada por assembleia eleito por sufrágio universal (imperfeito mas mais completo até do que na República). Então seria ilegítima a Carta de Lei de D. João VI e a ordem que vigorava legítimamemte era a de 1822.
Mas 1822 fôra o resultado de uma assembleia eleita por regra diferente da anterior, e decidida pelos vitoriosos revolucionários de 1820. Seria então esta igualmente ilegítima e novamente as leis tradicionais, as que detinham a legitimidade.
Está a ver? Negando-se ou legitimidade fáctica ou ideológica, nenhuma alteração de ordem constitucional ou de dinastia reinante teria legitimidade jurídica. Nem a independência de Portugal teria sido legítima.
D. Miguel convocou Côrtes para legitimar uma situação de facto - que ideólogos ou moralistas podem apreciar diferentemente - e até para sanar situações de facto anteriores e que ainda careciam de legitimação.
A Côrtes legitimaram-no. A comunidade internacional, que retirara os seus embaixadores, estava de volta na esmagadora maioria um ano depois. A guerra, financiada e apoiada externamente não permitiu apreciar a aceitação ou repúdio da sua governação. Termino assim como comecei: custa-me a entender e aceitar que pessoas minimamente esclarecidas e capazes, possam - fora de considerações morais ou ideológicas - advogar o direito de D. Pedro suceder no reino de Portugal.
A. Luciano
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RE: A. Bivar - I
Caro Confrade,
Vou tentar resumir a minha visão deste tristíssimo período da nossa História, em folhetim de pelo menos meia dúzia de episódios.
Já citou anteriormente duas situações em que as Côrtes foram ouvidas em questões de sucessão e casamento de uma infanta, para concluir que questões sucessórias não cabiam no poder discricionário do rei. Estou totalmente de acordo com isso e acrescento exemplo para mim mais flagrante. Quando D. Afonso VI foi afastado e o seu casamento com D. Francisca de Sabóia anulado - e casada esta logo de seguida com o cunhado D. Pedro II - situação a que nos planos ético e moral coloco muitas reticências apesar da aprovação da Santa Sé - poderia a questão política ser controversa mas, falecido D. Afonso VI sem descendência, sendo D. Pedro II o irmão seguinte, nehuma dúvida poderia haver em que a sucessão seguiria pelos descendentes de D. Pedro II. Mas mesmo nesta situação que nenhuma dúvida gerava, foram reunidas Côrtes expressamente para fazer jurar o futuro D. João V como príncipe herdeiro.
É uma questão que sublinho e que invocarei como exemplo pois, para substituir um rei pelo irmão, bastou - além da realidade factual - a aprovação da Santa Sé e o reconhecimento, mesmo que apenas tácito, dos embaixadores em Lisboa. Não foi preciso reunir Côrtes.
No entanto, para legitimar uma sucessão que não era de pai para filho, apesar de seguir a ordem natural de sucessão, fez-se a aprovação em Côrtes.
Considero este episódio como a melhor prova de que a sucessão real era matéria que se entendia reservada às Côrtes e não ao soberano. E nada ocoreeu entretanto que possa sustentar alguma diferença de entendimento até à sucessão de D. João VI.
Considero ainda dado adquirido que depois de 1641, as decisões das apócrifas Côrtes de Lamego, foram incorporadas no direito sucessório real.
Abro um parêntesis para relembrar que esta questão foi já discutida neste fórum há anos e que um ilustre confrade - que não é Mestre - mudou de opinião vindo meses depois a aceitar e, mais do que isso, a apresentar como ideia sua e já com douta citação o que anteriormente criticara acintosamente e era exactamente a incorporação dessas apócrifas Actas no ordenamento jurídico em vigor.
Assim é à luz de dois princípios lineares que deve ser vista a sucessão de D. João VI, a saber, a jurisdição “ultima ratio” das Côrtes e a impossibilidade de estrangeiro ou soberano estrangeiro suceder na coroa portuguesa.
O resto serão os equívocos que mencionei e o primeiro de todos, a própria pessoa de D. Pedro quer em convicções quer em comportamentos.
O primeiro facto pertinente será a criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, por declaração de D. João, príncipe Regente, em 16.12.1815.
Em minha opinião, apesar da falta de precedente em que me apoie mas apenas por o contrário me parecer ser absurdo, isto é, que o rei pudesse discricionariamente decidir em matéria de organização superior do Estado, matéria que modernamente é de reserva Constitucional, aquela decisão de D. João deveria ser ratificada em Côrtes. E foi-o efectivamente pela assembleia constituinte saída da revolução liberal do Porto de 24.8.1820, que faço a segunda data significativa.
No entanto esta assembleia reflectia enormes contradições internas e uma das suas vertentes desde logo mais evidentes, foi tentar na prática, esvaziar de conteúdo a criação do reino do Brasil ( a segunda maior contradição seria o ter decidido pela ausência de liberdade religiosa, declarando a religião católica como a única permitida mas, na prática, atacar em frentes diversas essa mesma mesma religião).
Isto fazia politicamente todo o sentido.
As ideias (ditas) liberais dos revolucionários de 1820 eram essencialmente de importação francesa. O seu modelo era o do império centralizado bonapartista embora sem Bonaparte. Se alguma classificação política bem lhes quadre seria qualquer coisa como constitucionalismo imperialista.
De Napoleão, ao contrário de Espanha que, expulsos os franceses retomou os seus costumes, ficámos com quase tudo, desde a ordem dos apelidos com o do pai no fim, à divisão administrativa do território com a criação de distritos mas sobretudo à centralização administrativa que considero o verdadeiro génese do crescimento exponencial do aparelho de Estado. A título de mero exemplo desse centralismo, ainda hoje enquanto nas escolas de origem britânica há duas ou três cadeiras nucleares e o aluno escolhe as restantes tendo de obter um mínimo de “pontos” que poderá fazer crescer à medida das suas capacidades ou ambições, nós temos (simplificando) um ministro que sabe e decide o que é melhor para todos fazendo que por exemplo, um aluno destinado a engenharia tenha obrigatoriamente uma cadeira de biologia em que estuda coisas tão interessantes como o aparelho sexual da minhoca, mas não lhe sendo possível optar por, sei lá, literatura ou história. E claro, direcções-gerais monstruosas no ministério da Educação, onde além do que se estuda, até se decide por quais livros e autores.
Claro que tal assembleia nunca se conformaria com a abertura dos portos do Brasil ao comércio internacional nem sequer com as tarifas reduzidas que foram aprovadas por D. João em 1810 - cedendo já ao principal desígnio da política liberal inglesa - e ainda menos com a permanência da Côrte no Rio de Janeiro, pois isso diminuía e ameaçava os poderes centralizantes que desejava. Como é sabido, tomaram medidas que só podiam gerar descontentamento e revolta no Brasil, de que destaco a colocação das províncias na dependência directa de Lisboa - e já não do Rio de Janeiro - e a extinção do Tribunal do Rio de Janeiro, trazendo para Lisboa o julgamento de todos os recursos. Medidas essas que, independentemente de considerações políticas, provocavam o arrastar no tempo de qualquer decisão importante, sendo assim um obstáculo ao desenvolvimento, cuja dinâmica gerava constantemente situações novas que urgia resolver.
Foram no entender de muitos, e do meu, os verdadeiros pais da independência brasileira.
A terceira data significativa no processo de independência do Brasil foi 29.9.1821, o chamado Dia do Fico, que fica para outro dia.
A. Luciano.
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RE: A. Bivar - I
Caro A. Luciano,
Mais uma vez muito obrigado pelas suas interessantíssimas mensagens; fico à espera dos próximos capítulos, que finalmente me vão esclarecer muitos aspectos desta atribulada história. Também tinha ideia de que tinham sido convocadas Côrtes para jurar D. João V como herdeiro da corôa, seguindo-se assim o que as Côrtes de Lamego estatuiam para o filho de um Rei que tivesse sucedido ao irmão, o que aliás julgo que tinha precendentes medievais genuínos. Julgo que ninguém poderá negar a plena validade das apócrifas actas de Lamego depois da Restauração, por terem sido expressamente invocadas nas Côrtes de 1641 e porque parecem ter sido respeitadas quando a questão se pôs, pelo menos nos exemplos citados. Por mera curiosidade, gostaria também de ter ideias mais claras quanto ao estatuto dos artigos das Côrtes de 1641 que correspondem a petições formalmente aprovadas pelo Rei, o qual promete que fará lei em consequência, nos casos em que aparentemente tal lei acabou por não ser feita (como no exemplo que eu citava dos procedimentos a seguir quando o Rei herdasse trono estrangeiro). Acredito que nenhum soberano reinante deixaria de convocar Côrtes se uma questão como essa se colocasse e também me parece que esses artigos de 1641 não deixariam de ser invocados como solução natural para essa questão; em qualquer caso seria difícil que o Rei prescindisse da decisão das Côrtes em situação com essa, a exemplo do que aconteceu nos exemplos históricos referidos. A vontade expressa de D. João VI de convocar Côrtes é assim perfeitamente natural e só foi pena não se ter efectivado ainda em sua vida... A situação de D. Pedro era, no entanto, bem «pior» pois não herdou nada: criou ele próprio, por assim dizer, uma nova corôa estrangeira para si próprio, ainda em vida de seu Pai. Mesmo para quem tivesse dúvidas quanto à perda de direitos sucessórios em Portugal resultante desse acto e da sua nova condição de soberano de país estrangeiro, parece-me de facto injustificável pretender legitimar os seus direitos à sucessão da corôa portuguesa sem que fossem previamente ouvidas as Côrtes, as quais eram convocadas em situações bastante menos gravosas; o mesmo se diga quanto à abdicação em sua filha e quanto à outorga da carta.
Também me parece importante analisar o regime liberal não apenas quanto à legitimidade de origem, mas também quanto ao exercício efectivo do poder; é assunto que também muito me interessa, mas para o qual me considero ainda menos habilitado do que para tentar esclarecer questões mais formais como as que discutíamos inicialmente. Felizmente surgem estas oportunidades para tomar conhecimento de pontos de vista diferentes dos que foram transmitidos pelos «vencedores» e por grande parte da historiografia que se seguiu.
Desejo-lhe e a todos os confrades um óptimo ano de 2012,
António Bivar
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RE: O futuro a Deus pertence
Caríssima e carísssimos confrades.
A questão que me leva a entrar neste tema tem a ver com uma perspectiva que, várias vezes tendo tentado elencar, se radica no facto de achar – certamente por distanciamento afectivo (não histórico, nem real) dos factos – que, a uma tentativa tendente a fragilizar uma posição, corrente e popularmente assumida, de herança de uma coroa inexistente e que não sabemos como e se, alguma vez, será resolvida, se contrapõe uma defesa intransigente de posições que fazem, retroactivamente, uma leitura dos factos, baseada, não no que efectivamente existiu e aconteceu, mas numa interpretação revisora (ou revisionista) da História de Portugal. A História está carregada de vencedores injustos e vencidos “boas pessoas”, com a consequente cristalização e fixação efectiva dos acontecimentos. A não ser assim ainda posso (podemos) correr o risco de ver os nossos (ou dos nossos filhos e netos) rendimentos futuros, sequestrados por um qualquer judeu actual, cujos antepassados tenham sido vítimas do holocausto e que descubra que um antepassado meu, em Portugal, tenha beneficiado de algum negócio com umas gramas do chamado “ouro nazi”, ou então por um africano que tenha, indevidamente, sido escravizado ou chibatado, por um qualquer tipo com o mesmo apelido que eu, entre os séculos XIV e XX.
Caso a actual chefia da Casa Real Portuguesa, aceite pela esmagadora maioria dos Portugueses, monárquicos ou não, radicasse numa descendência directa de El-Rei D. Manuel II, ou de seu tio (o célebre “Arreda”), não seria certamente necessário justificar o “miguelismo” como uma coisa que afinal até foi boa e demonizar a sequência de factos que determinaram a existência do “ticket” D. Pedro IV / D. Maria da Glória, geradora da última plêiade de monarcas Portugueses.
Para uma determinada facção (ou partido, à guisa do século XIV) toda essa “gente” que assumiu o trono entre o fim da guerra civil e a implantação da República, começando pelo “brasileiro” D. Pedro é uma tropa usurpadora e o verdadeiro, o Santo dos Santos, é D. Miguel e a sua descendência; ou seja, a verdadeira questão – se é que existe – entre os monárquicos portugueses tem a ver, como diz e bem a confrada Maria Benedita (que vai fazer a fineza de perdoar a familiaridade do tratamento), com uma questão de Fé.
Daí a velha questão de o Genea (obviamente alinhado com essa facção) achar normal a existência de Duques de Bragança duplicados e paralelos no tempo, contando mesmo assim para a numeração cronológica da sequência de Titulares dessa Casa.
Às vezes parece quase “parecer mal” poder ser, ao mesmo tempo, apoiante da “Chefia hereditária do Estado” e dizer a D. Duarte Pio: “o Senhor (ou SAR) é o herdeiro aceite do trono de Portugal, seja porque sim ou porque, no tempo de Seu Pai, não “havia outros”, mas o seu bisavô foi um crápula renegado, que se disse e desdisse consoante estivesse em apuros, no país, ou com as costas quentes, no estrangeiro, seu avô, quer queira quer não, era estrangeiro ou “ultra territorial” e o Senhor nasceu na Suíça e apenas é o que é por obra e graça do Doutor Salazar que, com papas e bolos, enganava os tolos monárquicos que pensavam que, no século XX, bastavam uns quantos Titulares (tipo conjurados) para aclamarem um Rei”.
Ora, em assuntos de Fé, não há discussão possível. Cada um (uma) tem os seus dogmas e, contra isso, nada há a fazer.
Não nos esqueçamos é das célebres “bizantinices”: Com os turcos à porta de Constantinopla os cristãos entretinham-se a disputar a “verdade” das mil e uma heresias que pululavam como cogumelos depois de chover.
Neste caso os partidários da “Chefia electiva do Estado”, tão dignos e legítimos como os outros, agradecem.
Votos de excelente 2012.
josé sequeira
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RE: O futuro a Deus pertence
Caro confrade,
Há muito mais matizes nas hostes monárquicas do que aqueles que descreve na sua mensagem. Acho curioso que apele ao realismo histórico e simultaneamente embarque também no campo da ficção ao imaginar o que aconteceria se não se tivesse extinguido a linha de D. Manuel II; ao contrário do que sugere não vejo quaisquer razões para acreditar que a defesa dos direitos de D. Miguel ou a crítica dos de D. Pedro e D. Maria II tenha que ver (pelo menos em muitos casos) com o facto de D. Duarte ser bisneto de D. Miguel e poder invocar também essa herança. Houve sempre quem defendesse as duas posições desde que o conflito estalou e uma parte significativa da sociedade portuguesa defendeu consistentemente a dinastia exilada, reconhecendo-lhe os direitos que a sorte das armas lhe retirou; entre esses houve muitos que aceitaram a dinastia reinante como soberana de facto, sem deixarem de manter a fidelidade possível à linha miguelista. Tinham passado poucas gerações desde a Guerra Civil, quando a República foi implantada, e para muitos era ainda uma questão actual e não apenas de memória histórica remota; os acontecimentos acabaram, em certo sentido, por lhes dar razão.
Para quem defende a chefia hereditária dos Estado e também a importância da História na determinação da dinastia que se pretende reinante, o esclarecimento dos aspectos jusrídicos e históricos relativos à sucessão da corôa não é nenhuma bizantinice, ou, pelo menos, não é mais bizantinice do que a própria defesa da monarquia como regime. Não se trata de revisionismo histórico mas, pelo contrário, de reflexão tanto quanto possível esclarecedora; pelo menos para muitos que não se reconhecem na descrição que faz de algumas atitudes supostamente representativas de alguma facção monárquica. É claro que a implantação da República é um facto histórico, mas ser monárquico é precisamente desejar que a monarquia volte também a sê-lo no futuro, como o foi no passado; quanto à questão dinástica, ambas as linhas desavindas deixaram de ser reinantes, ainda que em épocas diferentes, mas em qualquer caso há mais de 100 anos. Aconteceu, talvez inesperadamente, que se extinguiu totalmente a descendência por linha legítima e permanentemente portuguesa de D. Maria II e portanto também de seu pai; assim, mesmo para quem defendesse a legitimidade originária dessa linha, as vicissitudes históricas voltaram a repôr a questão da sucessão nas linhas colaterais. Todas estas questões tiveram de ser ponderadas e dirimidas ao longo dos tempos pelos defensores do regime monárquico e a intervenção de Salazar foi apenas um episódio entre muitos outros na História da Casa Real portuguesa após a implantação da República. Não foi Salazar quem escolheu o sucessor, ao contrário do que aconteceu em Espanha com Franco e D. Juan Carlos; por esse motivo e por outros que prefiro não comentar parece-me de facto muito mal que alguém diga a quem quer que seja o que põe entre aspas na sua mensagem, mesmo que esse alguém não seja apoiante da chefia hereditária do Estado.
Também lhe desejo um óptimo ano de 2012,
António Bivar
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RE: O futuro a Deus pertence
Caro confrade
Compreendo e obviamente respeito a sua opinião e também o propósito histórico de descobrir e divulgar aquilo que considera a verdade.
Apenas coloco algumas reticências ao facto de o caro confrade afirmar, e cito: "... e uma parte significativa da sociedade portuguesa defendeu consistentemente a dinastia exilada, reconhecendo-lhe os direitos que a sorte das armas lhe retirou;" Em minha opinião é sempre complicado quantificar esses apoios. Uma guerra civil é uma guerra civil, dilacera uma Nação e cria feridas difíceis de fechar.
Uma vez que a linha de D. Pedro IV acabou sem descendência é normal e desejável que a sucessão entronque na linha colateral o que, neste momento, não constitui - é uma verdade - um problema.
O Doutor Salazar - e bem - ajudou a desbloquear uma situação que poderia ser um entrave ao apaziguamento dos monárquicos; Nos tempos que correm, com descendência, mais ano menos ano, a entrar na idade adulta, descendência essa já nascida em Portugal, muito para cá da barreira (que podia sempre ser um ónus) de 1950, a linha miguelista está confortável e é verdadeiramente uma linha nacional.
Penso que os eventuais problemas relacionados com a restauração não passarão por aí.
Com consideração
josé sequeira
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RE: A. Bivar II
Caro Confrade,
Segundo fontes brasileiras que não posso apresentar como indiscutíveis mas que nenhum motivo tenho para considerar fantasiosas, conhecida no Rio de Janeiro a vitória da revolução de 1820, D. João VI ponderou enviar imediatamente para Lisboa o seu filho D. Pedro, o que este recusou peremptoriamente.
De facto já nessa ocasião D. Pedro tinha contactos - que no limite seriam conspiratórios - com pessoas adeptas da transmissão de maiores poderes de Lisboa para o Rio e, no limite, da independência. Estas aspirações de independência eram já antigas mas tinham-se visto de alguma forma prejudicadas ou adormecidas com a vinda da Côrte para o Rio.
Como pano de fundo e para melhor compreensão das forças em jogo, não é possível ignorar o papel da maçonaria, aliás, das maçonarias.
Eram essencialmente duas, uma irregular ou de rito francês, muito activa em Portugal sobretudo nos extractos sociais de onde saíram os políticos de 1820; era estruturalmente anti-religiosa e carreava consigo os ideais igualitários republicanos da revolução Francesa. Foi a origem do jacobismo republicano de 1910. É contudo perfeitamente inexplicável - sem considerações apriorísticas de que as pessoas possam ser intrinsecamente desonestas - que tivesse nas suas fileiras padres e mesmo bispos, como aquele inconcebível frei Patrício que foi bispo de Beja e depois cardeal-patriarca de Lisboa e membro do Conselho de Regência após a morte de D. João VI e que tão bem desempenhou o papel de Pilatos no dramático episódio da autorização do casamento da infanta D. Ana de Jesus Maria.
A outra, regular ou de rito escocês, embora monárquica e aceitando ou mesmo impondo o exercício de alguma religião, na prática era dominada pelo anglicanismo e tão anti-católica como a primeira; era tradicionalmente chefiada por um elemento da alta aristocracia inglesa as mais das vezes um membro da família real. Os seu grande ideal era o mercantilismo - que acreditava susceptível de por si gerar riqueza generalizada - e a sua maior causa nessa época, o abolicionismo. Em Portugal apenas tinha expressão em algumas figuras da aristocracia cortesã mas no Brasil “et pour cause” era extremamente activa. De facto o Brasil, proteccionista e escravocrata, com uma organização política difusa devido ao rapidíssimo crescimento, seria um caldo de cultura ideal; e foi. Não há hoje qualquer dúvida de que D. Pedro foi efectivamente maçon, sendo apenas motivo de controvérsia quando e em que loja primeiro militou, circunstâncias para aqui irrelevantes pois certamente muito antes de se inscrever formalmente numa loja, estaria já sob influência de pessoas ou ideias, podendo-se assim situar essas quando ainda era jovem e certamente ainda antes da revolução liberal do Porto.
Como diz a História oficial que temos, em 1821 D. João VI regressou a Lisboa com a Côrte, deixando no Brasil como regente o príncipe herdeiro D. Pedro. Com maior exactidão, regressou com a maior parte da Côrte e o príncipe D. Pedro ficou no Brasil por seu desejo pessoal. A regência, apesar de objecto de Decreto de D. João II, sendo o Brasil um reino e D. Pedro maior, seria inerente.
É sempre inútil em história a especulação sobre o que poderia ter sido mas não resisto a aflorar esse exercício sobre a hipótese de D. Pedro ter regressado a Lisboa mais cedo e sozinho. Seria inevitável, violento e com consequências imprevisíveis, o imediato conflito em Lisboa entre as constituintes e o regente, mas o que me interessa mais é a hipótese do rei e da côrte permanecerem no Brasil. Poderia uma enorme maioria de luso-brasileiros hoje trabalhar efectivamente no Brasil e terem na Europa uma luxuosa colónia de férias - e obviamente rentável estância turística e entreposto comercial - à imagem do que depois o também maçon general Norton de Matos, idealizava para Angola?
Como hipóteses, seriam ambas de difícil exequibilidade mas não imagino outras melhores e com a capacidade de poderem ter evitado aos portugueses a actual opção entre emigração e pobreza.
Em 29.9.1821, D. Pedro recebeu no Rio de Janeiro a carta que lhe ordenanva o regresso a Lisboa e depois partir em viagem pela Europa para completar e melhorar a sua educação. Encorajado por personalidades que consultou, estas exclusivamente escolhidas por si o que ditava antecipadamente o sentido do aconselhamento, tomou a desisão de não obedecer e ficar no Brasil. Desde esse Dia do Fico - como os brasileiros o denominam - que D. Pedro se assume como rebelde face ao poder constituído em Portugal.
Acharia pessoalmente espantoso que essa assumida rebeldia não acarretasse quaisquer implicações nos seus direitos políticos e sucessórios, o que efectivamente aconteceu com a aprovação da Constituição de 1822.
E com o Dia do Fico, me fico por este dia.
A. Luciano
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RE: A. Bivar - I
Caro Confrade,
A II mensagem do meu folhetim tem pouca informação pertinente e e contém alguma divagação. Pareceu-me contudo útil dar uma perspectiva que permita a leitores menos conhecedores, perceber melhor os interesses internacionais envolvidos e os seus reflexos nas sociedades portuguesa e brasileira.
Aproveito agora para comentar dois pontos, um já debatido por si, outro em que, porventura por má interpretação minha, me parece haver alguma imprecisão.
Ao contrário do que lhe afirmaram, nunca D. Miguel nem nenhum dos seus partidários que eu conheça, filiou a sua legitimidade como rei exclusivamente nas Côrtes. A interpretação miguelista baseia-se exactamente na sucessão do filho secundogénito se o primogénito suceder em reino estrangeiro. Essa disposição (cito de memória) termina salvo erro com a determinação de que esse príncipe secundogénito seria depois Jurado.
Assim as Côrtes de 1828 não são a fonte primária da legitimidade de D. Miguel, mas o "tribunal de suprema instância" que verifica a conformidade da situação com a lei, declarando depois de fundamentação longa, a perda de direitos de D. Pedro e D. Maria da Glória e depois jura D. Miguel como Rei.
Foram precisamente algumas "inteligências" pedristas que se lembraram dessa da legitimidade primária das Côrtes. Repare que se isso assim fosse, ficariam legitimados o reinado de D. Pedro e de D. Maria da Glória até às Côrtes e extraordinariamente enfraquecida a posição de D. Miguel, rebelde contra uma soberana legítima.
Não é evidentemente isento de críticas, antes pelo contrário, o percurso de D. Miguel, nem foi particularmente feliz o ter aceitado os esponsais com a sobrinha e o juramento da Carta, mas na minha leitura, que poderá ser aos olhos de terceiros parcialíssima mas foi adquirida por estudo próprio (o único antepassado directo de que conheço as convicções foi combatente liberal condecorado e entre colaterais todos os de que conheço as convicções foram liberais e entre eles, um irmão do meu trisavô de varonia morreu em S. Julião da Barra). D. Miguel começou a sua vida como um estroina mulherengo, diferindo do irmão mais velho por preferir os montes de feno e as camponesas nas ceifas nos arredores de Queluz às cortesãs o que terá justificado os epítetos de bronco a Oliveira Martins, mas foi melhorando com a idade e então desde que assentou em Viena e casou a sua vida foi exemplar. Regressado a Portugal para exercer a Lugar-tenência e a Regência - o que também merecia algum desenvolvimento - teve o bom-senso de afastar da governação os que a tinham ocupado desde 1823 mas não caíu no erro de de ir buscar os adeptos de sua Mãe (por simplificação) e, excluindo liberais, escolheu moderados de que o duque de Cadaval seria talvez depois o melhor exemplo.
Parece-me apenas provável que só nesse período tenha tido oportunidade de ter aprendido algo sobre leis sucessórias em circunstâncias invulgares e tomado consciência dos seus direitos ao trono. De resto, como qualquer pessoa não sectarizada pode facilmente verificar, as ideias liberais eram maioritárias em extractos da burguesia citadina e da aristocracia cortesã mas odiadas na maioria do país e as tomadas de posição do Senado de Coimbra seguido pelo de Lisboa e o de (?), tal como antes a entrada do marquês de Chaves que sublevou Trás-os-Montes em nome de D. Miguel, não lhe deixaram muita margem de manobra. Considero mesmo muito positivo que tenha ficado surdo a sua Mãe e outros e tenha logo convocado Côrtes.
Desculpe a insistência, que será mais para terceiros mas imagine-se que D. Miguel resistia a tudo isso e se mantinha na Regência em nome da sobrinha a governar com a Carta. Suponho que não erro ao afirmar que as posições ideológicas estavam já extremadas e que importante parte - não sei quantificar - dos apoiantes de D. Miguel eram na verdade, inimigos primários do liberalismo e críticos de D. Pedro do Brasil. Quanto tempo se passaria até esse espírito de revolta extravasar em desordem generalizada ou, talvez mais provavelmente, no apoio a um qualquer caudilho militar com carisma que, se decidisse a explorar a situação?
O segundo ponto que desejava clarificar é que o tenho visto a utilizar o termo herdar, designadamente dizendo que D. Pedro não herdou o Brasil. Mas, salvo erro meu, os textos pertinentes não dizem herdar mas suceder. Ora tal como na vida comercial, sucede-se por herança mas também por qualquer outra forma de transmissão.
D. Pedro afirmou-se unilateralmente soberano do Brasil mas quando se efectivou o acordo de independência - que conto desenvolver em futuros episódios - D. João VI cede os seus direitos no Brasil a D. Pedro. Este é assim sucessor num reino estrangeiro, preenchendo exactamente o requisito que o impede de também suceder em Portugal.
A. Luciano
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RE: A. Bivar III
Caro Confrade,
Segundo fontes brasileiras que não posso apresentar como indiscutíveis mas que nenhum motivo tenho para considerar fantasiosas, conhecida no Rio de Janeiro a vitória da revolução de 1820, D. João VI ponderou enviar imediatamente para Lisboa o seu filho D. Pedro, o que este recusou peremptoriamente.
De facto já nessa ocasião D. Pedro tinha contactos - que no limite seriam conspiratórios - com pessoas adeptas da transmissão de maiores poderes de Lisboa para o Rio e, no limite, da independência. Estas aspirações de independência eram já antigas mas tinham-se visto de alguma forma prejudicadas ou adormecidas com a vinda da Côrte para o Rio.
Como pano de fundo e para melhor compreensão das forças em jogo, não é possível ignorar o papel da maçonaria, aliás, das maçonarias.
Eram essencialmente duas, uma irregular ou de rito francês, muito activa em Portugal sobretudo nos extractos sociais de onde saíram os políticos de 1820; era estruturalmente anti-religiosa e carreava consigo os ideais igualitários republicanos da revolução Francesa. Foi a origem do jacobismo republicano de 1910. É contudo perfeitamente inexplicável - sem considerações apriorísticas de que as pessoas possam ser intrinsecamente desonestas - que tivesse nas suas fileiras padres e mesmo bispos, como aquele inconcebível frei Patrício que foi bispo de Beja e depois cardeal-patriarca de Lisboa e membro do Conselho de Regência após a morte de D. João VI e que tão bem desempenhou o papel de Pilatos no dramático episódio da autorização do casamento da infanta D. Ana de Jesus Maria.
A outra, regular ou de rito escocês, embora monárquica e aceitando ou mesmo impondo o exercício de alguma religião, na prática era dominada pelo anglicanismo e tão anti-católica como a primeira; era tradicionalmente chefiada por um elemento da alta aristocracia inglesa as mais das vezes um membro da família real. Os seu grande ideal era o mercantilismo - que acreditava susceptível de por si gerar riqueza generalizada - e a sua maior causa nessa época, o abolicionismo. Em Portugal apenas tinha expressão em algumas figuras da aristocracia cortesã mas no Brasil “et pour cause” era extremamente activa. De facto o Brasil, proteccionista e escravocrata, com uma organização política difusa devido ao rapidíssimo crescimento, seria um caldo de cultura ideal; e foi. Não há hoje qualquer dúvida de que D. Pedro foi efectivamente maçon, sendo apenas motivo de controvérsia quando e em que loja primeiro militou, circunstâncias para aqui irrelevantes pois certamente muito antes de se inscrever formalmente numa loja, estaria já sob influência de pessoas ou ideias, podendo-se assim situar essas quando ainda era jovem e certamente ainda antes da revolução liberal do Porto.
Como diz a História oficial que temos, em 1821 D. João VI regressou a Lisboa com a Côrte, deixando no Brasil como regente o príncipe herdeiro D. Pedro. Com maior exactidão, regressou com a maior parte da Côrte e o príncipe D. Pedro ficou no Brasil por seu desejo pessoal. A regência, apesar de objecto de Decreto de D. João II, sendo o Brasil um reino e D. Pedro maior, seria inerente.
É sempre inútil em história a especulação sobre o que poderia ter sido mas não resisto a aflorar esse exercício sobre a hipótese de D. Pedro ter regressado a Lisboa mais cedo e sozinho. Seria inevitável, violento e com consequências imprevisíveis, o imediato conflito em Lisboa entre as constituintes e o regente, mas o que me interessa mais é a hipótese do rei e da côrte permanecerem no Brasil. Poderia uma enorme maioria de luso-brasileiros hoje trabalhar efectivamente no Brasil e terem na Europa uma luxuosa colónia de férias - e obviamente rentável estância turística e entreposto comercial - à imagem do que depois o também maçon general Norton de Matos, idealizava para Angola?
Como hipóteses, seriam ambas de difícil exequibilidade mas não imagino outras melhores e com a capacidade de poderem ter evitado aos portugueses a actual opção entre emigração e pobreza.
Em 29.9.1821, D. Pedro recebeu no Rio de Janeiro a carta que lhe ordenanva o regresso a Lisboa e depois partir em viagem pela Europa para completar e melhorar a sua educação. Encorajado por personalidades que consultou, estas exclusivamente escolhidas por si o que ditava antecipadamente o sentido do aconselhamento, tomou a desisão de não obedecer e ficar no Brasil. Desde esse Dia do Fico - como os brasileiros o denominam - que D. Pedro se assume como rebelde face ao poder constituído em Portugal.
Acharia pessoalmente espantoso que essa assumida rebeldia não acarretasse quaisquer implicações nos seus direitos políticos e sucessórios, o que efectivamente aconteceu com a aprovação da Constituição de 1822.
E com o Dia do Fico, me fico por este dia.
A. Luciano
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RE: A. Bivar III
Caro Confrade,
Repeti por erro a mensagem anterior. Cousas ...
Infelizmente este fórum não tem a possibilidade que existe noutros do próprio eliminar mensagem que não tenha ainda sido respondida.
Segue-se então o III.
Em 7.9.1822, D. Pedro recebe nova ordem de regresso a Lisboa, desta vez reforçada por carta mandatória de D. João VI, decidindo-se então pelo Ipiranga.
Incidentalmente, é hoje já admitido que esse grito de “Liberdade ou Morte” tendo como pano de fundo os cavaleiros do 1º Regimento de Cavalaria da Guarda, unidade criada por D. João ainda príncipe regente e que foi depois denominada Dragões da Independência, nunca ocorreu e foi uma criação “a posteriori” destinada a dar à novel nação um imaginário épico-heróico.
De qualquer forma, a desobediência à assembleia constituinte, torna-se nesta data também desobediência ao soberano. Seguidamente D. Pedro declara unilateralmente a independência do Brasil, e como já disse, com dinheiro emprestado nem português nem brasileiro, contrata mercenários para combater as tropas portuguesas e as províncias so Brasil que se mantiveram fiéis a Lisboa, “grosso modo” a maioria do Noroeste, a Cisplatina e duas ou três no interior.
Abro novo parêntesis para referir que essa lealdade a Lisboa seria também e em alguns casos apenas porque não pretendiam ficar subordinadas ao Rio de Janeiro - subordinação que já conheciam e não apreciavam - e pressentirem que a dependência de Lisboa, muito distante, lhes asseguraria na prática maior autonomia, não “de jure” mas de facto.
Como comandante-chefe, chefe de Estado, e responsável pela representação e política externa do estado rebelde, D. Pedro é o responsável político pelo violento bombardeamento naval efectuado pela esquadra inglesa com fartas mortes civis e que, com o bloqueio naval que impedia o acesso de alimentos, foram a causa da relativamente rápida rendição dessas forças que tinham com facilidade resistido às colunas militares enviadas do Rio sob o comando de um brigadeiro francês.
D. Pedro incorreu assim nos crimes de desobediência, sedição e traição, a que já não no plano jurídico mas no moral, eu acrescentaria crimes de guerra contra população civil. Privado de nobreza pela prática de crimes de lesa majestade, D. Pedro - que nem Dom já seria em Portugal - não podia suceder em coisa nenhuma, nem no reino nem sequer no ducado de Bragança.
Factos que a história oficial que temos passa por cima - justificadamente quanto a mim, já que entendo que não existe interesse em fomentar possíveis atritos que nunca alterariam os factos passados - mas que são também ignorados - aí sem justificação aceitável - pelos defensores dos direitos jurídicos de D. Pedro ao trono de Portugal.
Outros desses defensores, argumentam(?!) em duas vertentes: que D. Pedro nunca foi formalmente acusado nem condenado e que assim esses crimes são juridicamente inexistentes; ou que, a terem existido, foram tacitamente perdoados depois por D. João VI.
Com o primeiro argumento, por tão ridículo que é - embora aqui neste fórum bem embrulhado por quem, nada mais sabendo ou compreendendo, enquadra na lei escrita hodierna “grosso modo” de Seabra para cá, todas as situações que discute - nem perco tempo. No segundo há que distinguir o período até 4.1.1823 em que esteve em vigor a constituição de 1822 e só a constituinte teria legitimidade, do período seguinte em que por Carta de Lei D. João VI repôs as leis tradicionais, pondo assim fim à vigência da Constituição, esta última com alguma complexidade inerente.
Como se sabe - ou pelo menos como sabem os que sabem alguma coisa - D. João VI sempre repudiou o absolutismo. Nem sempre a tradicional concentração de poderes no rei mas o que chamou de despotismo - em minha interpretação referindo-se ao período pombalino - em diferentes proclamações e ocasiões em que remeteu sempre para futuras Côrtes. Designadamente a seguir à Vilafrancada em que nomeou uma comissão para redigir nova constituição - o simples facto de pretender nova constituição prova que não era absolutista em qualquer possível sentido - e novamente depois da Abrilada em que instou para que fosse preparada a convocação das Côrtes. É assim impossível e com qualquer coerência, argumentar com declarações de D. João VI sobre matéria que nunca seria de sua competência, a não ser em caso de despotismo: “O Rey he lei animada sobre a terra” como disse um apologista do iluminismo e quase certamente referindo-se a leis ordinárias, e por aqui repetiu diversas vezes e sempre fora de contexto o Mestre que afinal não é.
Mas é certo que existiram declarações de D. João VI que - fora de contexto e com prejuízo lógico - se lidas isoladamente, permitiriam extrair essa falsa conclusão. Erro que não é possível desmontar com eficácia sem perspectivar o que implica um mais demorado debruçar sobre o processo que conduziu à independência do Brasil o que fica para outra ocasião.
Para já, antes de terminar, só uns apontamentos.
A constituição de 1822 esteve em vigor embora por pouco tempo e nela se prescrevia que a Família Real e as pessoas mais notáveis do reino a deviam jurar entendendo eu que o corolário desta prescrição seria a inabilidade para o desempenho de cargos públicos por quem o não fizesse. Como se sabe, D. João VI logo jurou e D. Carlota Joaquina recusou.
Parece assim que D. Pedro do Brasil, pela simples questão técnico-jurídica de não ter jurado a constituição, esteve algum tempo inapto como príncipe herdeiro. Argumentar-se-à então que, repostas as leis tradicionais em Janeiro de 1823, desapareceria essa inaptidão. Vejamos.
A assembleia constituinte fôra eleita por sufrágio directo mas a constituição por ela aprovada seria revogada por carta de lei de D. João VI, no seguimento de um pronunciamento militar. Já antes D. João VI nomeara uma comissão presidida por Palmela para preparar nova constituição e que deveria ser depois aprovada em côrtes.
À luz do direito vigente, qual a legitimidade da carta de lei que revoga a constituição e repõe as leis tradicionais?
Retomando o paralelo que fiz anteriormente, quando D. Afonso VI foi substituído por D. Pedro II, não foram convocadas côrtes; mas foram-no depois em 1697 para fazer jurar o filho de D. Pedro II como príncipe herdeiro. É para mim claro que há situações que, pela sua urgência, não se compadecem com consultas prévias, mas que não se poderão eximir a aprovação “ a posteriori”. Foi assim em 1697 e deveria ter sido assim depois de 1823.
D. João VI, em fase de necessidade, revogou a constituição criando uma situação de facto que só se tornaria “de jure” se aprovada por orgão competente. Igualmente D. Pedro do Brasil, que estava tecnicamente incapacitado, poderia ou não ter recuperado a capacidade por decisão de D. João VI ainda que implícita - nesta fase - mas isso teria sempre um carácter juridicamente provisório só se tornando efectivo se confirmado posteriormente.
Como já “gritei” (em maiúsculas) as únicas côrtes posteriores foram as de 1828 que declararam D. Pedro inapto para suceder no reino de Portugal. E também não colhe o pseudo-argumento que também já vi, de que D. Pedro só pelas côrtes de 1828 perdeu o seus direito a reinar em Portugal porquanto as Côrtes justificaram longamente atribuindo a perda de direitos a factos ocorridos em 1822 ou possivelmente 1825, tendo assim a decisão indubitável natureza interpretativa e retroagindo-se os seus efeitos jurídicos à data dos factos originais e em qualquer dos casos, anteriores à morte de D. João VI.
Repare que esta doutrina, podendo ser absolutista ou constitucionalista, nada tem a ver com o que em dada altura se chamou o absolutismo apostólico e que, fazendo derivar a autoridade real directamente de Deus, fazia o Rei originador de direito, dispensando Côrtes, Conselho e Concelhos, que considero a essência da tradição portuguesa. É curioso verificar que o Iluminismo trazido por Pombal, tinha o mesmo efeito prático do exercício de um poder absoluto nem moderado nem fiscalizado, já sem invocar directamente a origem divina do poder. E ainda muito mais curioso constatar que existe ainda hoje forte sobreposição entre os anti-absolutistas e os admiradores do Marquês.
A. Luciano
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RE: A. Bivar III
Caro Confrade,
Sem querer interromper o relato que tem a generosidade de aqui nos deixar, não resisto a pedir-lhe um pequeno esclarecimento, pois a leitura das suas mensagens reforçou o meu interesse nestes episódios da nossa História. Refiro-me à questão do bombardeamento da autoria da esquadra inglesa; como foi justificado este envolvimento dos ingleses? Se bem entendi, atacavam os que recusaram a sedição de D. Pedro (já agora, onde se deu este episódio)? E qual a reacção de Portugal a esta atitude dos aliados ingleses? Desculpe abusar da sua boa vontade!
Julgo que estamos de acordo quanto ao facto de que a exclusão de D. Pedro e da sua descendência da sucessão da coroa não se fundamenta na decisão das Côrtes de 1828; estas apenas verificaram que estavam reunidas condições suficientes para essa exclusão à data da morte de D. João VI, de acordo com os princípios sucessórios tradicionais. Em certo sentido, a convocação das Côrtes de 1828, sendo certamente um acto politicamente recomendável ou mesmo imperativo, não seria um imposição legal como o foi o juramento de D. João V como Príncipe herdeiro em 1697, pois no caso de D. João V a situação era a prevista nas Côrtes de Lamego em que este Príncipe sucederia a um Rei que sucedeu a seu irmão, o que não ocorreu com D. Miguel, que se limitou a suceder a seu Pai.
Com os melhores cumprimentos,
António Bivar
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RE: A. Bivar III
Caro António Bívar,
sem querer entrar em polémicas, mas apenas pretendendo esclarecimentos, pedia-lhe o favor de uma resposta sua às questões seguintes:
Se a discutida "exclusão" de D. Pedro da sucessão da Coroa não se fundamenta em decisão das Cortes;
Se o Rei D. João VI nunca expressou por qualquer meio qualquer intenção nem de convocar as Cortes para o efeito, nem de excluir D. Pedro da sucessão;
então teríamos aqui uma mera verificação retroactiva das condições da exclusão, em 1828 (relativamente a uma situação ocorrida em 1826 e que até já tinha motivado uma Abdicação) sem nenhuma decisão material (nem do Rei nem das Cortes) que a sustentasse? E as Cortes não se preocuparam em declarar expressamente a invalidade, ou inexistência jurídica para ser mais preciso, da Abdicação de D. Pedro em sua Filha D. Maria da Glória? Porque o acto material da Abdicação existiu, poderá é ter sido ou não um acto juridicamente válido ou até ter sido um acto juridicamente inexistente. Mas parece que as Cortes se deveriam ter pronunciado sobre o assunto.
São pontos que me suscitam dúvidas e muito gostaria de ter o seu comentário relativamente a eles.
Com os meus cumprimentos
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RE: O futuro a Deus pertence
Esta é uma questão que me parece séria e que vem afectando o movimento monárquico, sobretudo nas suas possibilidades de desenvolvimento e expansão. Na verdade, temos um movimento monárquico que não pretende restaurar a monarquia derrubada em 1910, mas sim restaurar a monarquia que se diz ter sido derrubada em 1834. O que parece estranho a quem não está tão familiarizado com os meios monárquicos e não se afigura muito atractivo para quem está de fora. O Casamento de D. Maria Francisca de Orleães e Bragança com seu Primo D. Duarte Nuno de Bragança poderia (e a Rainha D. Amélia terá tido essa ideia) ter conciliado as duas facções desavindas. O problema é que ainda que o Sucessível no Trono fosse o mesmo ( D. Duarte Pio ), continua a colocar-se a questão de saber por que via lhe cabem os direitos ao trono, se por parte de Seu Pai, se por parte de Sua Mãe. E a questão, que até aqui seria tida como mera questão académica e sem consequências, deixa de o ser a partir do momento em que houver (e está para muito breve) outro Príncipe (ou Princesa) do ramo Orleães Bragança com nacionalidade portuguesa. É que ainda que todos reconhecessemos D. Duarte Pio como Legítimo Sucessor dos Reis de Portugal, fica a pergunta incómoda: por que Linha? E agora, para efeitos de ilustração de raciocínio, vou estabelecer aqui uma distinção "forçada" entre o Príncipe D. Duarte Pio de Orleães e Bragança, filho da Senhora D. Maria Francisca de Orleães e Bragança e o Senhor Dom Duarte Pio de Bragança filho de D. Duarte Nuno de Bragança. Se o Legítimo Sucessor do Trono fosse o Senhor Dom Duarte Pio de Bragança, filho de D. Duarte Nuno de Bragança, então parece que, na lista de sucessíveis ao Trono, depois dos Príncipes D. Afonso, D. Maria Francisca e D. Diniz, teriam que aparecer os descendentes da Princesa D. Maria Adelaide de Bragança. Mas se o Herdeiro Legítimo do Trono fosse o Príncipe D. Duarte Pio de Orleães e Bragança, filho da Princesa D. Maria Francisca de Orleães e Bragança, então na lista de sucessíveis ao Trono teria que surgir, provavelmente e espera-se que sim, a partir de fevereiro, após os Filhos de D. Duarte Pio, o Filho (ou Filha) de Charles Philippe d'Orleans, que será português e que descenderá de dois irmãos da Rainha D. Maria II.... O próximo nascimento desta criança vem alterar a tradicional observação de "todos os descendentes por essa linha são estrangeiros"... Terá isto consequências para o Movimento monárquico?
A questão que eu estranho ( como descendente de apoiantes da Rainha D. Maria II e mais tarde do Rei D. Manuel II) e que muitos não monárquicos (mas curiososos por estas questões estranham) é a existência de um movimento monárquico totalmente desligado da herança dos últimos Reis de Portugal. Esta divisão mantém-se ao fim de quase 200 anos e isso não augura nada de bom para o movimento monárquico.
Enfim, entretanto a República vai-se afundando, mas não existe unidade entre os monárquicos ( afastando-se alguns dos existentes e, pior do que isso, os potenciais aderentes) que possibilite um aproveitamento da actual fraqueza da República.
De todo o modo, o ano de 2012 não augura nada de bom.
Ainda assim, desejo a todos um excelente Ano Novo
Com os meus cumprimentos
Francisco Carneiro Pacheco Andrade
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RE: A. Bivar III
Caro Confrade,
Julgo que o nosso confrade A. Luciano irá relatar com mais pormenor os factos históricos pertinentes. Em coerência com o que tenho aqui defendido, a exclusão de D. Pedro da sucessão terá resultado das suas opções pessoais, ao tornar-se soberano de um Estado estrangeiro, e não de qualquer decisão do Rei de Portugal ou das Côrtes portuguesas; assim essa exclusão seria resultado da interpretação que faço da disposição da lei sucessória tradicional portuguesa que excluía liminarmente os soberanos estrangeiros da sucessão ao trono português (é claro que o «buzílis» da questão é a interpretação que se dá de «príncipe estrangeiro»; a razão de ser histórica desta disposição chega-me para incluir nesta categoria, pelas mais fortes razões que consigo imaginar, o caso de D. Pedro...). Não entro aqui na discussão relativa à perda de direitos por crime de traição, por me parecer menos polémica e suficiente a questão que invoquei. Também está implícito nesta opinião que o Rei não tem poderes para alterar a lei sucessória (como se verificou na prática em exemplos históricos já aqui referidos), pelo que a opinião de D. João VI não seria suficiente para legitimar D. Pedro como sucessor. Não sendo sucessor não teria obviamente poder para abdicar (só se abdica daquilo a que se tem direito...) e a sucessão recairia automaticamente no seu irmão secundogénito (os seus filhos não poderiam suceder numa coroa que nunca tinha sido detida pelo Pai e de cuja sucessão tinha sido excluído), não sendo necessária, em princípio nenhuma decisão legitimadora, embora fosse altamente aconselhável que numa situação tão insólita as cortes fossem convocadas e tomassem posição, como de facto fizeram. Julgo que as cortes argumentaram não só a ilegitimidade da sucessão de D. Pedro como a de D. Maria, consequência lógica daquela (tanto quanto sei, e independentemente do que tenha sido argumentado, um neto só pode preferir a um filho na sucessão por direito de representação e só se representam direitos que o representado tivesse detido caso fosse vivo e não direitos perdidos pelo pai, que aliás, neste caso, continuava vivo...).
Aliás, D. João VI teria mesmo manifestado a intenção de convocar Côrtes. Aguardemos o esclarecimento desses pontos históricos!
Com os melhores cumprimentos,
António Bivar
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RE: A. Bivar III
Caro confrade,
Antes de tudo muito obrigado pela atenção dispensada e pelas perguntas que me faz. De facto, escrevendo de memória sobre questões sobre as quais me debrucei há muito, posso sempre errar os factos - as interpretações são evidentemente de minha responsabilidade - e, na medida em que me seja dada tal oportunidade, prefiro ter de admiti erros e corrigi-los do que deixar no silêncio a ideia de que tentei deliberadamente iludir.
Tenho de corrigir o que afirmei e retirar a minha acusação, no plano moral, de crimes de guerra contra população de civil, pois o bombardeamento de S. Luís do Maranhão não chegou a ocorrer e as tropas portuguesas renderam-se apenas com a ameaça. No fim desta mensagem deixo-lhe um texto que é ou foi texto escolar de apoio no Estado do Rio de Janeiro.
Quanto à esquadra era de facto brasileira - em parte portuguesa segundo o direito português - mas financiada, por dívidas contraídas a Inglaterra e o seu comandante um célebre almirante inglês lord Cochrane, futuro 10º conde de Dundonald e que no Brasil foi marquês do Maranhão e se encontrava contratado ao serviço do Brasil, tal como o brigadeiro Labatut e outros menos importantes.
Aproveito também para precisar outro ponto de anterior mensagem. D. Miguel no seu governo não excluíu totalmente os partidários de sua Mãe, do partido informal que sucessivamente, se chamou, Rainhista, Apostólico, de Queluz, do Ramalhão, Ultramontano e mais uma ou duas que não recordo, mas a direcção e a maioria eram claramente moderados. Aliás, não creio que o duque de Cadaval aceitasse chefiar governos dominados por aqueles.
É facto que D. Miguel nutria perfeita aversão pelos maçons que explicitamente chamou de malditos pedreiros livres na sua proclamação de Santarém e, comungando aí com as convicções dos Rainhistas, entregou mesmo a Intendência de Polícia ao conde de Basto.
Sobre a questão da legitimidade da convocação das Côrtes por D. Miguel - assunto de que pretendo fazer o enquadramento mais adiante - adianto que até D. Pedro, na sua Proclamação de 1832 cita D. João VI como fundamento para a outorga da Carta - em minha opinião numa total contradição com o invocado mas se entraramos pela análise crítica dessa extensíssima Proclamação nunca mais saímos daqui - como se vê pela curtíssima transcrição que segue.
“Cumprindo dessa maneira tambem as promessas de Meu Augusto Pai de gloriosa memoria, annunciadas na sua Proclamação de 31 de Maio de 1823, e na Carta de Lei de 4 de Junho de 1824.
Com este fim Promulguei a Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826, na qual se acha virtualmente revalidada a antiga forma do Governo Portuguez, e Constituição do Estado:
e para que esta Carta fosse realmente uma confirmação, e um seguimento da Lei Fundamental da Monarchia”
Na convocação das Côrtes de 1828 D. Miguel remete expressamente para esse diploma de 4 de Junho de 1824.
Mais uma vez estou 100% de acordo sobre ser de lamentar que as Côrtes não tenham reunido em vida de D. João VI e mesmo antes de Agosto de 1825. De facto, depois de D. João VI acordar a Independência do Brasil a questão podia ser muito complicada se as Côrtes não tivessem o senso comum de reconhecer o facto consumado ou mesmo se apenas se lembrassem de questionar a autoridade de D. João VI para sancionar tal acordo.
A. Luciano
P.S. - A benefício do confrade Francisco Andrade, anexo no fim dois pequenos trechos das Côrtes de 1828, retirados dos Elementos de História de Portugal de Alfredo Pimenta.
A. L.
“A Guerra da Independência, ocorrida entre 1822 e 1824, representou a luta dos patriotas, aqueles que, imbuídos de um forte nativismo, se contrapunham à recolonização proposta pelas Cortes portuguesas.
Oficializada a separação política de Portugal, a Independência não foi aceita imediatamente por todos. Governadores de algumas províncias resistiram em aceitar a separação, apoiados pelas tropas militares portuguesas. Embora o sul permanecesse coeso, nas províncias do Norte - Maranhão e Grão-Pará -, na Bahia, no Mato Grosso, e na Cisplatina houve lutas entre partidários de Portugal e os defensores da Independência do Brasil. Essas províncias contavam com grande número de tropas e comerciantes portugueses com interesses muito mais ligados a Portugal do que ao Rio de Janeiro. Além disso, muitos ressentimentos acumulados contra a "nova Lisboa", faziam com que as juntas governativas permanecessem ligadas às Cortes de Lisboa.
Como as forças militares brasileiras não formassem ainda uma tropa bem treinada, era necessário organizá-las. Providenciou-se a compra de armas, de navios e foram recrutados militares estrangeiros, franceses e ingleses, que atuaram como mercenários. A ajuda das milícias populares, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, foi muito importante na luta contra os portugueses.
Apesar do envio de tropas do Rio de Janeiro, lideradas pelo brigadeiro francês Labatut, os rebeldes não conseguiram vencer os portugueses, que, por seu lado, também receberam reforços, mas ficaram isolados em Salvador.
Em maio de 1823 chegou à Bahia uma esquadra comandada pelo Almirante Lord Cochrane. As tropas de Madeira de Melo não tinham mais condições de resistir. Ameaçadas pela fome, pois com o Recôncavo dominado pelos "patriotas" era cada vez mais difícil conseguir alimentos, deixaram Salvador no dia 2 de julho, data em que, na Bahia, se comemora a Independência.
Em São Luís, capital do Maranhão, a esquadra de Lord Cochrane ameaçou bombardear a cidade, conseguindo a rendição dos portugueses, em 28 de julho de 1823.
Na província Cisplatina, as forças da junta estavam divididas. Os favoráveis às Cortes, chefiados por D. Álvaro da Costa, obrigaram os partidários da Independência a retirar-se de Montevidéu. Após a vitória sobre as forças de Madeira de Melo, na Bahia, o almirante Cochrane enviou à Cisplatina cinco navios, que bloquearam Montevidéu. Em fins de 1823, as tropas portuguesas foram expulsas.”
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“Os Três Estados, em 11 de Julho, assentam em que achando que as leis claríssimas e terminantes excluíram a coroa portuguesa, o senhor D. Pedro e seus descendentes, e por isso chamaram na pessoa do Senhor D. Miguel, a segunda linha... ... reconhecem e declaram que a el Rei Nosso senhor, o Senhor D. Miguel, primeiro do nome, pertenceu à dita coroa portuguesa, desde do dia 10 de Março de 1826, e que portanto se deve reputar e declarar nulo o que o Senhor D. Pedro , na qualidade de Rei de Portugal, que não lhe competia, praticou e decretou, e nomeadamente a chamada Carta Constitucional da monarquia portuguesa, datada de 29 de Abril de 1826"
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“... considera-se que desde 15 de Novembro de 1825, data da ratificação do tratado que confirmou a independência do Brasil, que Pedro IV, como soberano de um Estado estrangeiro, perdeu o direito à sucessão de Portugal que, portanto, nunca podia transmitir a um dos seus descendentes o direito a uma coroa que não herdara; muito menos a uma filha menor, a Princesa do Grão Pará (Maria da Glória), também ela estrangeira ...”
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Linha de sucessão
Caro Confrade,
Esta questão já tem sido extensamente debatida neste fórum. Na minha opinião, e julgo que na de muita gente, tanto a sucessão de D. Miguel I como a de D. Manuel II recaem em D. Duarte por seu Pai e nunca por sua Mãe; com efeito, não considero válida a ideia de que uma linha que tenha perdido os direitos sucessórios porque o ascendente que lhe daria esses direitos se tornou estrangeiro a possa vir a recuperar porque algum dos seus membros voltou a ser português. Sucede-se directamente ao Pai ou Mãe, ou, por direito de representação, a um antecessor a que seja necessário recuar por extinção das linhas que entretanto sucederam, de modo que de pai ou mãe para filho ou filha houvesse sempre o direito de suceder, ou seja, como se esses sucessivos ascendentes estivessem vivos quando se abre a sucessão do antecessor, tendo mantido os seus direitos sucessórios até à morte, até se recair em alguém ainda vivo. Sendo assim, D. Duarte é o sucessor de D. Miguel por conhecidas razões e também o é de D. Manuel II por total extinção da descendência legítima permanentemente portuguesa de D. Maria II e portanto também de seu Pai, D. Pedro, deferindo-se a sucessão também da «linha liberal» para a linha secundogénita varonil de D. João VI, o seja, mais uma vez, a de D. Miguel, a menos que se pretendesse invocar o banimento, que entretanto foi legalmente abolido e nunca teve consagração constitucional, como consideram muitos apoiantes da monarquia constitucional, que hoje consideram D. Duarte também como sucessor dessa linha.
Depois de D. Duarte, seus filhos e irmãos o problema da linha de sucessão quanto a mim nada tem que ver com os seus parentes maternos, tenham ou não entretanto adquirido a nacionalidade portuguesa. A determinação dos que entram em seguida na linha de sucessão deve procurar-se nos descendentes dos seus ascendentes paternos que tenham permantemente mantido direitos sucessórios; no caso das Senhoras, para além da nacionalidade, há que levar em conta o casamento, se foi ou não com português e se obedeceu às condições de autorização determinadas pelo quadro legal que se pretende invocar. Facilmente encontrará longas discussões neste fórum acerca destes assuntos procurando por «linha de sucessão». Relativamente à Senhora D. Maria Adelaide e respectiva descendência põe-se a questão da nacionalidade do Marido desta Senhora Infanta (à data do casamento) e para além desta linha temos de recuar outra vez até ao Rei D. João VI; quanto à unica linha legítima oriunda deste Rei com descendentes permanentemente portugueses para além da de D. Miguel (a da Senhora Infanta D. Ana de Jesus Maria) põe-se, quanto a mim, a questão da autorização régia do casamento (remeto para o referido debate neste fórum).
Depois disso é necessário recuar à segunda dinastia (!) encontrando-se a Casa Cadaval como linha primogénita legítima permanentemente portuguesa da Casa Real, logo a seguir à descendência de D. Catarina, Duquesa de Bragança, que constituiu a chamada 4ª dinastia. Assim, excluindo as senhoras casadas com estrangeiros, teríamos apenas a irmã mais nova da actual Duquesa de Cadaval, ainda solteira, e em seguida viria a Casa de Lafões, não por essa linha titular (mais próxima da Casa Real mas ilegítima)mas por serem os que se seguem como descendentes da casa Cadaval.
Do que precede infere-se que, por providenciais circunstâncias, independentemente da opinião que se possa ter relativamente à legitimidade da dinastia liberal, o movimento monárquico não tem de dividir-se quanto à fidelidade à pessoa de D. Duarte, ao contrário do que acontece noutros países com divisões históricas semelhantes. Também não são essas questões que podem alterar a opinião a ter quanto a uma muito teórica linha de sucessão a partir, neste momento, do número 6, não se pondo portanto o problema de modo premente.
Com os melhores cumprimentos e desejando também um óptimo Ano Novo,
António Bivar
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RE: A. Bivar IV
Caro confrade,
Depois de 7.9.1822 em que D. Pedro se autoproclama imperador do Brasil, este fica com um rei e um imperador mas só o último será efectivo.
É claramente uma decisão que agrada ao governo inglês que contudo não reconhece a independência o que, parecendo contraditório, não o é. De facto, não convinha à Inglaterra o comprometimento internacional com a independência porque vinha contrariar as decisões do Congresso de Viena que garantiram e protegeram os direitos das potências coloniais. Sempre com o sentido pragmático que os caracteriza, não assumiram frontalmente o seu interesse mas manobraram efectivamente para que ele se consolidasse.
Desde que a côrte fugira para o Brasil que a Coroa portuguesa ficara enfeudada a Inglaterra, situação que D. João VI procurou minorar, aproximando-se do conde de Subserra, chefe da facção pró-francesa, não por simpatias políticas - nem a Santa Aliança foi consistente no tempo nem D. João VI tinha a menor simpatia por ideias como o absolutismo apostólico do cunhado Fernando VII - mas como meio de não ficar totalmente dependente de Palmela e dos ingleses. Entretanto a Inglaterra, que compreendera a importância estratégica de Portugal quando enfrentou a tentativa de bloqueio continental de Napoleão e tinha debaixo de olho o império colonial português, apostou muito forte. Nomeou como plenipotenciário em Portugal, Thornton, diplomata muito hábil e que se evidenciara conseguindo congraçar a Suécia e S. Petersburgo, inimigos figadais e históricos, iniciando assim a Grande Aliança que viria a derrotar Napoleão.
Quando se deu a Abrilada, o verdadeiro herói foi o embaixador francês Hyde de Neuville mas o vencedor político foi Thornton.
Os ingleses tinham no Tejo uma nau com capacidade para recolher D. João VI e grande parte da côrte e que tinha a bordo duas companhias sob o comando de um major. Por outro lado, os franceses tinham um brigue(?), onde naturalmente se terá recolhido Hyde de Neuville. Também o conde de Subserra fugira para um navio mercante inglês que logo zarpou e, alegando ter de evitar a artilharia da Cidadela de Cascais, passou ao largo, pelo que Subserra não chegou a saber em tempo útil que não existia qualquer perigo. Foi assim pela própria mão de Palmela, em território inglês e sem sequer a presença do embaixador francês e de Subserra, que D. João VI resolveu a crise da Abrilada. Mais tarde e apesar dos seus esforços, Hyde de Neuville, aqui também prejudicado pelas prevenções brasileiras quanto a qualquer país membro da Santa Aliança, tentou mas não conseguiu ser mediador nas negociações para a independência do Brasil.
Na minha interpretação pessoal, D. João VI fez tudo o que estava ao seu alcance para, como primeira intenção, manter Portugal e o Brasil unidos; e em segunda intenção, assegurar o(s) trono(s) à sua Casa. Foi, repito, na minha interpretação, um estrénuo defensor do que entendia ser o melhor interesse de Portugal e um fidelíssimo defensor de sua Família. Contudo, este é um daqueles raros casos em que o interesse do país como entidade política, não era coincidente com o interesse dos portugueses.
A Coroa portuguesa tinha uma enorme dívida com Inglaterra e D. João VI foi sujeito a uma intensíssima política de pressões e de ameaças, já que receava com alguma razão o partido de sua mulher, que nem jurara a Constituição de 1822 nem cumprira a sua ordem de exílio, limitando-se a trocar Queluz pelo Ramalhão. D. João VI ainda - quanto a mim infantilmente - se queixou ao cunhado da desobediência da Rainha mas claro que o cunhado nada fez, dando assim aso a que alguns alarmassem D. João VI com a hipótese do cunhado, absolutista, poder intervir em Portugal para acabar com os liberais.
D. João VI não tinha a menor confiança no exército. Ele próprio não tinha tido qualquer treino militar nem convivera com oficiais de linha, que não fossem oficiais-às-ordens, ou seja cortesãos. Fugira para o Brasil porque não tinha exército para combater Junot ou assim acreditou. Anos depois, na Vilafrancada, a sua própria escolta pessoal, do Regimento de Infantaria Nº 18 - que tinha a Guarda do Palácio da Bemposta e era então comandado pelo futuro conde de Avilez - quando pretendia fugir para Queluz, revoltara-se e arrancara-lhe do fato as fitas com as cores constitucionais, dando-lhe vivas como Rei Absoluto o que, mais do que simples desagrado, o deve ter atemorizado. Na Abrilada foge para uma nau inglesa e não para nenhum dos regimentos sediados em Lisboa. Meses mais tarde, já com D. Miguel exilado em Viena, ocorre nova revolta militar. Antes ainda, a guarnição do Rio de Janeiro incluindo o Regimento da Guarda por ele próprio criado, logo aderira à independência.
Não teria assim sido necessária grande habilidade a Palmela - que a tinha - para convencer D. João VI que só a Inglaterra com a sua capacidade de intervenção rápida, poderia defender a sua vida e o seu trono.
Foi com este pano de fundo que D. João VI concorda - de facto submete-se - às negociações para a independência do Brasil. Assunto que fica para a próxima.
A. Luciano
P.S. - História, para mim, tem de ser muito mais do que um elencamento de factos e datas que seria apenas cronologia, tal como genealogia tem de ser muito mais do que uma colecção de nomes com datas e locais de nascimento, casamento e morte.
No entanto, será atrevimento, já que não tenho qualificações académicas nem sou da área de história, estes quase mini-ensaios interpretativos. Peço-lho por isso que tenha presente que não se trata de ideias inéditas minhas mas de ideias a que aderi depois de leituras muito variadas e de fontes com muito diversas credibilidades e que agradeço a quem quer que seja que me levante dúvidas ou peça informação mais pormenorizada sobre qualquer ponto. É que posso ter subsconscientemente adulterado a memória de pormenores, como aconteceu com o bombardeamento que não passou de ameaça, e posso igualmente fazer inadvertidamente asserções que são para mim claras dentro do quadro geral que idealizei mas que podem a terceiros surgir como afirmações gratuitas ou infundadas. Creio, sem falsas modéstias, que tenho uma boa capacidade de sintetizar mas também reconheço os riscos inerentes.
Aproveito ainda para desejar um bom ano ano de 2012, não resistindo contudo a referir que o considero inevitavelmente bom, apenas porque será certamente melhor do que 2013.
A. L.
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RE: A. Bivar III
Caro António Bivar
Sem querer entrar nesta polémica, que continuo a considerar uma questão de Fé, chamo a atenção para as Leis de Sucessão do Reino, bem explícitas pelo ilustre confrade Eduardo Albuquerque em
http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=90151#lista
http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=221899
É que, efectivamente, de acordo com as Ordenações Manuelinas e, posteriormente, Filipinas, vigentes , estas últimas á data dos factos analisados, «... o Rey he ley animada sobre a terra e pode fazer lei e revoga-la, quando vir que convem fazer assi. »
( Ordenações Filipinas, Livro III, Título LXXV, §. 1.º)
Um abraço e desejos de um óptimo Ano de 2012
Maria Benedita
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RE: A. Bivar III
Caros confrades,
Não endereço esta mensagem específicamente ao confrade António Bivar por ter perfeita consciência que dela não precisa.
Como é foi já evidenciado e não apenas por mim, as Côrtes de 1641, incorporam já as apócrifas Actas das Côrtes de Lamego que, desde essa data, regulam de facto a sucessão real em Portugal.
Mas há mais e mais significativo.
As côrtes de 1697 - que não sei exactamente porquê também são referidas como de 1697/1698 diferentemente do que António Bivar deixou, não foram convocadas para cumprir essas determinações, por estar nelas prevista a necessidade de aprovação na sucessão de tio para sobrinho, mas exactamente para modificar os os preceitos que não previam essa sucessão.
Este assunto foi bem explicitado já neste fórum há anos e apenas cito de então:
“Veja-se Lei de 12 de Abril de 1698 promulgada em consequência das Cortes que se celebraram em Lisboa, e foram as últimas que houve neste Reino. Diz assim «Por se achar disposto nas Cortes de Lamego, que se celebraram no tempo do senhor Rei D. Afonso Henriques, em que deu forma à sucessão destes Reinos, que (aqui a disposição relativa à sucessão do Sobrinho do Rei) ... E como toda a dúvida em matéria tão importante será de muito prejudiciais consequências ... fui servido convocar os três Estados do Reino às Cortes ... para darem os seus consentimentos necessários à derrogação da (dita) Lei das Cortes de Lamego enquanto à disposição referida. E porque os Três Estados do Reino ... não somente consentiram, mas pediram que ou fosse por via de declaração, (não podia isso ter lugar nenhum por ser claríssima a Lei de que se tratava) ou de derrogação se estabelecesse etc. ... porque sem embaraço de se considerar que seja outra a disposição das Cortes de Lamego, os Três Estados como aqueles em que reside o mesmo poder dos que então as estabeleceram faziam desde logo etc. E conformando-me com os Três Estados do Reino, hei por bem ... por consentimento deles, que se haja nesta parte a dita Lei das Cortes de Lamego por declarada ... ou por derrogada etc. .”
E ...
“Chamo a atenção para a forma usada “hei por bem ... POR CONSENTIMENTOS DELES (dos Três Estados)” isto em época bem posterior às (três vezes!!!) citadas Ordenações Filipinas: «... o Rey he ley animada sobre a terra e pode fazer lei e revoga-la, quando vir que convem fazer assi. »
( Ordenações Filipinas, Livro III, Título LXXV, §. 1.º) “
Relembro ainda que o dr. Eduardo Albuquerque, agora aqui invocado - e bem melhor seria que o não tivesse sido - NEGAVA então qualquer valor jurídico às Actas das Côrtes de Lamego, posição para que depois “evoluíu” em cambalhota de 180º.
Mas infelizmente há mais.
“ ... o Rey he ley animada ...” só depois de lhe ser chamada a atenção, foi correctamente atríbuída às Ordenações Filipinas, pois a primeira citação do dr. Eduardo Albuquerque foi de Vicente J. Ferreira Cardozo da Costa, em Compilação Systematica das Leis Extravagantes de Portugal, Lisboa, 1799.
Para os que não percebam, Ordenações são o oposto de Leis Extravagantes.
Mas infelizmente há mais.
Esta é uma citação truncada,
Da leitura completa - e já não me lembro agora se precedendo se sucedendo - apenas são explicitados como recipientes da lei os súbditos. Ou seja, em linguagem moderna, esse preceito das Ordenações Filipinas, aplicar-se-ia a legislação ordinária, muito dificilmente ao que hoje chamamos legislação constitucional e certamente nunca à sucessão real.
Nunca o poder de designar sucessor existiu em Portugal e aliás só existiu em raríssimas jurisdições.
Mas alguém acredita que seja possível a juristas, citar inocentemente mensagens, cujo conteúdo essencial se achava já negado pelo próprio autor?
Alguém acredita que juristas - no plural - citem inocentemente legislação Manuelina e Filipina, ignorando a posterior de 1641 e 1697/1698.
Infelizmente o padrão está já estabelecido há muito e eu, a ele sujeito porque, apesar de o reconhecer à légua, recuso a submissão à ditadura cultural em que sempre vivi, e tal como personagem de Shakespeare que antevê o desfecho mas não o consegue evitar, denuncio essas desonestidades intelectuais que o são pois tal nível de ignorância não é compatível com as qualificações académicas exibidas. Depois seguem-se os protestos até à “Declaração dos Direitos do Homem” às denúncias da minha verdadeira identidade - estas não por juristas mas por outros incluindo licenciado ou mais do que isso pois tem actividades no ensino - com a única possível finalidade de ver interdito o meu acesso ao fórum e quando nada disso resulta, de intervenção directa junto pos proprietários do “site” a fim de que mensagens minhas sejam parcial ou mais vulgarmente totalmente eliminadas, já tendo acontecido serem-no tópicos inteiros.
Pois que assim seja.
Mas tal sina não me coíbe de deixar bem claro que tais juristas só me fazem lembrar o indivíduo que assassinou o pai e depois pede clemência ao juiz porque é órfão.
A. Luciano
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RE: A. Bivar III
Cara Maria Benedita,
Mas quanto à própria sucessão do Reino a prática parece demonstrar que os Reis não se arrogaram esse direito, ou seja, parece que tal direito de fazer e revogar lei tinha limites... Assim entendeu D. Pedro II ao pedir às Côrtes que alterassem a lei sucessória para poder casar a Princesa herdeira com estrangeiro e ao aceitar a decisão das Côrtes, que não satisfizeram plenamente o desejo real (decidiram autorizar o casamento mas entenderam que a lei se mantinha inalterada excepto para esse caso concreto, o que o Rei não achou suficiente para que ousasse levar avante o projectado casamento). Que haveria limites à liberdade real para fazer leis presumo que é também consequência da doutrina católica da origem, exercício e limites do poder, que um Reino católico tinha de aceitar, mas independentemente dessa questão, julgo que nunca foi doutrina aceite, pelo menos desde séculos antes da época que nos ocupa, que um Rei pudesse dispôr da Corôa a seu bel-prazer tratando-a como se se tratasse de património disponível e legislando livremente alterações à lei sucessória. As cortes de 1641 também invocaram motivos para a Restauração que implicam limites expressos ao poder real e a precedência dos costumes do país e do poder das Côrtes em assunto de importância transcendente como é a lei sucessória.
Em qualquer caso não me parece que se possa encontrar nenhuma lei «feita» por D. João VI que alterasse a lei sucessória; os textos em que o Rei refere o seu filho D. Pedro como herdeiro não me parece que se possam considerar leis revogando expressamente as disposições solenes em vigor, nomeadamente as actas de Lamego...
Um abraço e também lhe desejo um óptimo Ano de 2012,
António
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RE: O futuro a Deus pertence
" entretanto a República vai-se afundando"
Nâo, a República e o republicanismo em Portugal nâo está no precipicio para a Monarquia, está mais perto da 4ª República, mas nunca para o aventureirismo monárquico. Podemos dizer que está a monarquia espanhola mais perto do seu fim, que a república portuesa ao borde de um ataque de nervos para a monarquia....
Feliz ano 2012
Fernando de Telde
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RE: A. Bivar III
Caro António Bivar
Quando um rei sucedia a seu irmão, havia que convocar cortes para que seus filhos lhe sucedessem, e esse foi o caso de D. Pedro II, que sucedeu a seu irmão, D. Afonso VI, bem como o de D. Afonso III em que as cortes confirmaram D Dinis como seu sucessor.
"Porque, succedendo no Reino o Senhor Rei Dom Affonso III, por morte do Senhor Rei Dom Sancho seu Irmão, que faleceu sem Filhos, se tem por certo que, para o Senhor Rei D. Diniz, Filho do Senhor Rei D. Affonso III, haver de entrar a reinar por morte de seu Pai, celebrou em sua vida Côrtes, em que o fez jurar por Successor do Reino."
Para o casamento de sua filha, D. Maria da Glória com o príncipe Augusto de Beauharnais, o regente, D. Pedro, Duque de Bragança, não reune cortes, apenas legisla no sentido de permitir o casamento com estrangeiro, ela era sua herdeira directa. Quando D. Maria II, já rainha, casa com D. Fernando II nem legislação aparece que o permita: ela é Rainha.
E chamo a atenção para o já citado testamento de D. João I, que determinou sucessão bem clara sem reunir cortes,
"Por Tanto na mesma clausula do testamento do Senhor Rei Dom João I acima referida, fez o dito Senhor expressa constituição de linhas entre Filhos, para a successão destes Reinos, chamando em primeiro logar o dito Senhor Dom Duarte seu Filho primogenito, e seus Filhos, e Netos, e quaesquer outros descendentes legitimos por linha direita, que é a que os Doutores chamam linha de primogenito.
E logo em falta desta primeira linha, chamou as dos outros seus Filhos, por sua direita ordenança, a saber,
Primeiramente a do Infante Dom Pedro ( que era o Filho segundo ) com todos seus Filhos, e Netos;
E faltando esta segunda linha,
Chamou a do Infante Dom Henrique seu Filho terceiro,......"
E acrescentou,
Que assim fosse nos outros seus Filhos, pelo modo sobredito – que são tambem palavras formaes do mesmo Testamento:
Das quaes se segue precisamente, que na successão destes Reinos, depois da representação, tem o primeiro logar a prerogativa da linha, para que, em quanto houver descendentes da linha do filho primogenito, se não admitta pessoa alguma da linha do filho segundogenito, e da mesma maneira nos outros filhos;
Porque, ainda que de direitocommum haja controversia nos Doutores, negando alguns as linhas, mais que as dos possuidor, e primogenito;
e não admittindo, que os outros filhos constituam linha, senão quando chegarem a occupar a successão;
contudo, havendo expressa disposição do Testador, que chamou seus filhos, e descendentes por linhas separadas, não há Doutor algum, que as contradiga, nem pelo conseguinte podem ter controversia na successão deste Reino, onde expressamente estão dispostas, na clausula do dito testamento do senhor Rei Dom João I.!"
""Em qualquer caso não me parece que se possa encontrar nenhuma lei «feita» por D. João VI que alterasse a lei sucessória; os textos em que o Rei refere o seu filho D. Pedro como herdeiro não me parece que se possam considerar leis revogando expressamente as disposições solenes em vigor, nomeadamente as actas de Lamego."
Perdoe-me o caro confrade mas o rei não tinha obrigatoriamente que fazer lei, a sua vontade era, ela mesma, lei, "o Rey he ley animada sobre a terra e pode fazer lei e revoga-la, quando vir que convem fazer assi. »
"os textos em que o Rei refere o seu filho D. Pedro como herdeiro não me parece que se possam considerar leis revogando expressamente as disposições solenes em vigor, nomeadamente as actas de Lamego..."
Novamente lhe peço perdão, mas D. Pedro era português.
Um abraço e um Bom Ano Novo,
Maria Benedita
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RE: A. Bivar III
Cara Maria Benedita,
Os exemplos dos actos praticados por D. Pedro e D. Maria II não me parecem poder ser invocados na nossa discussão pois o que está em causa é precisamente a legitimidade da respectiva linha sucessória e quem a considera ilegítima não se espantará de se lhes poder apontar actos considerados contraditórios com as leis tradicionais do país! Há quem considere que os casamentos de D. Maria II não são opostos à referida lei tradicional por se tratar de uma Rainha e não de uma princesa herdeira, mas não me parece necessário neste momento discutir esta questão.
Quanto ao exemplo de D. João I também não vejo que possa servir para justificar poderes reais de decidir sobre leis sucessórias, pelo menos depois da Restauração. Mesmo reportando-nos ao tempo de D. João I, o referido testamento limita-se a aplicar à sua descendência os princípios de sucessão regular que se impuseram ao longo da Idade Média praticamente em todos os reinos peninsulares e noutros países (como Inglaterra e, de facto, na maioria dos Reinos europeus) e também à sucessão de muitos feudos e morgados; mesmo que as actas das Côrtes de Lamego não fossem apócrifas e estivessem em vigor no tempo daquele Rei, não seria necessário reunir Côrtes para decidir da sucessão de D. João I, uma vez que a sucessão regular estava assegurada e o Rei não pretendeu alterá-la, mas, pelo contrário consagrou-a no seu testamento. Para servir de contra-prova, esse testamento teria de pretender opôr-se a esses princípios pacificamente aceites. Mais tarde D. João II pretendeu fazê-lo, favorecendo o filho bastardo, e não se sentiu com poderes para tal, apesar da sua fortíssima personalidade...
A invocação que se faz do testamento de D. João I em 1641 entra num conjunto de considerações destinadas a provar que mesmo utilizando princípios distintos, e mesmo em certos casos opostos, a conclusão quanto à realeza de D. João IV e à preferência da linha de sua avó D. Catarina de Bragança seria a mesma (tal como actualmente se pode argumentar que mesmo com opiniões opostas quanto à querela miguelista-pedrista, a conclusão quanto à chefia actual da Casa Real seria a mesma). No caso em apreço, o objectivo explícito é justificar o princípio da melhor linha e não certamente ceder ao Rei direitos de dispôr das leis sucessórias.
Não vejo como se pode coerentemente entender que o Rei dispunha do poder de legislar quanto a sucessão do Reino e simultaneamente considerar necessária a convocação de Côrtes para cumprir as disposições de Lamego quanto a sucessão do filho de um Rei que sucedera ao irmão. O exemplo de D. Pedro II soma-se ao que eu já tinha invocado do mesmo Rei quanto ao casamento da filha herdeira; ambos os exemplos situam-se na época que a meu ver é relevante para a nossa discussão (entre a Restauração e a sucessão de D. João VI) e em ambos os casos o Rei não utilizou qualquer alegada prerrogativa de legislar para impôr a sua vontade às Côrtes, sendo que, no segundo caso (casamento da filha), as Côrtes impuseram ao Rei a sua vontade, contradizendo explicitamente o que o Rei desejava, mudando assim o destino da Princesa.
Assim, continuo a não poder aceitar que os Reis portugueses, da 4ª dinastia pelo menos, pudessem legislar em matéria de sucessão do Reino. Estou convencido até que desde a segunda dinastia seria difícil conceber que o fizessem, e, como se viu na prática, desde que o problema se pôs, com a sucessão de D. Fernando, mesmo na primeira; o Dr. João das Regras invocou questões como o carácter cismático de D. Beatriz (que aceitava o Papa de Avinhão) sobrepondo a fidelidade de Portugal a Roma à vontade expressa de D. Fernando, e foi nessas Côrtes e com base nesses princípios que foi legitimada a 2ª dinastia. Também me custa a assimilar qualquer acto de um Rei a lei expressa, sobretudo em matéria tão sensível como a sucessão da Corôa; os actos de D. João VI que reconhecem D. Pedro como sucessor podem ser vistos (por quem considera D. Pedro excluído da sucessão) como erros de interpretação da lei sucessória, que o Rei não procurou certamente alterar mas que considerou estar a ser bem aplicada com esses actos. Desse ponto de vista, seriam actos nulos, que as Côrtes teriam o direito de considerar como tais, como de facto fizeram.
Quanto à nacionalidade de D. Pedro, voltamos à nossa velha dicotomia: para si bastava D. Pedro ser português (de origem) para que se cumprisse o preceito de Lamego permitindo a sucessão, para mim bastava ser príncipe soberano do Brasil (que entretanto já se tinha tornado oficialmente, e reconhecido por Portugal, um país estrangeiro) para ser excluído da sucessão, pelas mesmas Côrtes de Lamego. Ou seja, mesmo admitindo que era simultaneamente as duas coisas (português de origem e príncipe brasileiro) considero que a razão de ser da lei de Lamego privilegia a interpretação exclusiva devida pela segunda condição que indubitavelmente tinha, ao passo a Maria Benedita admite que a exclusão não afecta um príncipe desde que nascido português, independemente do que se tenha depois tornado.
O facto de o mesmo D. Pedro ter imposto, pela Carta, que os cidadãos brasileiros, memos tendo nascido em Portugal, perdessem a nacionalidade portuguesa apenas reforça a minha ideia, mas não me parece essencial argumentar se D. Pedro se podia ou não ainda considerar português quando seu Pai morre, pois, fosse-o ou não, era também indubitavelmente brasileiro, e mais que isso, soberano desse novo país indubitavelmente estrangeiro face á lei portuguesa. Reconheço que a letra da lei permite formalmente as duas interpretações, mas nesse caso a decisão quanto a mim deve basear-se nos fundamentos expressos da lei de Lamego que repudiavam claramente que um príncipe estrangeiro viesse reinar em Portugal, obviamente por se recear que sobrepusesse os interesses do pais estrangeiro (neste caso o Brasil) aos interesses portugueses; e não resolve o problema dizer que D. Pedro abdicou numa filha que voltou a ser portuguesa, pois para abdicar teria primeiro que suceder ou ter direito a tal (em rigor poderia argumentar-se que esse acto de abdicação poderia já ser um exercício de poder de príncipe estrangeiro pretendendo condicionar a realidade portuguesa de acordo com interesses do seu novo país)...
Mais um abraço e um Ano Novo melhor do que por aí se prevê!
António
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RE: A. Bivar V
Caro confrade,
Loulé havia sido assassinado em Salvaterra de Magos em Fevereiro de 1824, facto que causou profunda impressão a D. João VI que logo ordena uma devassa que nada consegue apurar. Inconformado, ordena segunda devassa que viria a ter o mesmo resultado. Esta falta do seu mais próximo conselheiro, parece ter contribuído para uma melhor aceitação das pressões inglesas por parte de D. João V, já visível na Abrilada.
Fosse também por isso, pelas pressões que sofria, pelos receios que tinha, concordou numa coisa que, analisada a frio, é perfeitamente inacreditável: que se iniciassem novas negociações sobre a independência do Brasil nas quais os interesses portugueses eram representados pelo embaixador inglês, sir Charles Stuart. Insisto neste ponto: Stuart não era o mediador mas o próprio negociador por Portugal.
Charles Stuart, ultrapassou claramente as instruções de D. João VI e aceitou o acordo que se conhece. Anos mais tarde, quando o governo inglês desclassificou muita documentação dessa época, veio a saber-se que Charles Stuart - possivelmente pela ambição profissional de apresentar resultados - ultrapassara mesmo as directivas do primeiro-ministro inglês. Esse acordo, como se sabe, continha apenas dois pontos significantes: Portugal reconhecia a soberania do Brasil e este pagava uma indemnização de 2 milhões de libras. Nada mais de substancial para Portugal ou para os portugueses. Acessoriamente, D. João VI conservava o título de Imperador, totalmente desprovido de conteúdo e a Inglaterra financiava o Brasil.
É difícil fazer o elencamento do que poderiam ter sido essas negociações. Mas, cingindo-me às mais evidentes, nem se fez um acordo comercial que criasse relações privilegiadas entre os dois países, nem se fez um acordo que concedesse direitos mútuos aos cidadãos de cada um dos países nem se fez um acordo que privilegiasse as respectivas marinhas no transporte de mercadorias entre o Brasil e a Europa. Muito especialmente, não foi negociado um período de transição até ao desmantelamento tarifário em relação a países terceiros, o que, como evidente, provocou um choque tremendadmente negativo na economia portuguesa sem que lhe fosse concedido algum tempo de adaptação.
Não foram assim considerados nenhuns interesses de Portugal e dos portugueses, o que, estou absolutamente certo, teria certamente ocorrido se os negociadores fossem portugueses e o mediador, por exemplo, Hyde de Neuville, que não raciocinaria em função dos interesses comerciais ingleses e da sua marinha mercante.
A questão dos dois milhões de libras, é também reveladora. Desde o transporte da côrte para o Brasil, a importações diversas enquanto esta esteve no Rio de Janeiro, a Coroa portuguesa tinha uma enorme dívida a Inglaterra. Ora o Brasil não tinha nada que se parecesse com dois milhões de libras pelo que, nos termos do acordo, esse dinheiro era emprestado ao Brasil pela Inglaterra. Ou seja, o dinheiro nunca saíu de Inglaterra e esta passou de credora de um devedor que, após o acordo de independência, dificilmente poderia satisfazer a dívida, a credora de um país riquíssimo em recursos e que, de facto, pagou esse empréstimo em tempo relativamente curto (cerca de 15 anos se a memória não me falha).
O embaixador de Inglaterra, defendeu primordialmente e apenas os interesses ingleses.
Quem tiver a pachorra de procurar “sites” brasileiros sobre a independência, em todos verá muito negativamente realçada a dívida dos dois milhões de libras, em muitos com a falsa informação de que o Brasil teve dificuldades em pagar essa dívida e até que só a pagou no século XXI. Dizem também alguns brasileiros que esse dinheiro servira para a Família Real portuguesa adquirir bens sumptuários e até para pagar o dote de uma Infanta.
Não pude confirmar de fontes portuguesas a desagregação da dívida e não sei assim se essa informação de origem brasileira corresponde à verdade mas corresponde certamente à verdade que lá ficou e foi o melhor e sempre repetido argumento da propaganda republicana no Brasil.
Ficaram-nos testemunhos de que D. João VI ficou horrorizada quando teve conhecimento do acordo mas possivelmente assustado pela perspectiva de uma dívida que não poderia satisfazer e que, se reclamada pela Inglaterra - não é preciso ser bruxo para adivinhar que essa ameaça foi feita - teria de ser paga pelo país certamente por imposto extraordinário e assim do conhecimento geral o que seria certamente uma real ameaça ao regime senão mesmo à sua Família, assinou a proclamação que se conhece.
“Sua Majestade Fidelíssima reconhece o Brasil na categoria de Império Independente e separado dos reinos de Portugal e Algarves, e a seu sobre todos muito amado e prezado filho D. Pedro por Imperador, cedendo e transferindo de sua livre vontade a soberania do dito Império ao mesmo seu filho e a seus legítimos sucessores.”
As consequências desta declaração para o tema em questão - direitos sucessório de D. Pedro ao reino de Portugal - ficam para outra mensagem.
Nesta, termino com um desabafo triste.
O Brasil, para Portugal, não admite comparação com o Mapa-côr-de-rosa. Maior e muito mais rico, já colonizado na maior parte com gente portuguesa, contrastando assim com o nada total que resta se excluirmos a heroicidade de Serpa Pinto.
Ora se aos ministros que facilitaram o “Ultimatum” se pode fazer a acusação de erro e imprudência porventura motivados também por pressupostos ideológicos mas não vejo lugar a qualquer suspeita de traição, o mesmo não posso dizer dos ministros e conselheiros liberais pró-britânicos, com enorme destaque para Palmela.
No entanto, porque convinha à propaganda republicana, o Ultimatum, para além do repúdio popular imediato - e certamente também muito encorajado e fomentado - foi mantido vivo na política, enquanto a independência do Brasil, nas condições em que foi negociada, nem mereceu repúdio popular significativo nem ainda hoje é objecto de crítica nem em programas escolares, obviamente para protecção da imagem de “bondade” do liberalismo histórico.
A. Luciano
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RE: A. Bivar VI
Caro Confrade,
Desde 29.8.1825, quando D. João VI ratifica a independência do Brasil, até à sua morte, menos de 6 meses depois, que o Brasil, que tinha juridicamente um imperador e um rei, passa a ter dois imperadores.
Não tenho a menor dúvida de que, qualquer que seja o enquadramento jurídico que se queira aplicar, desde essa data que D. Pedro é, mesmo perante a lei portuguesa ainda que se entenda esta a título juridicamente provisório, soberano de país estrangeiro e sem qualquer direito à sucessão no reino de Portugal.
De facto, para os que consideram ilegítima a revogação da Constituição de 1822, fazendo desta a fonte de direito aplicável, D. Pedro já não era há muito herdeiro. Transcrevo aqui do Artº 125.
“O Rei não pode sem consentimento das Cortes:
I. ... ...
II. Sair do reino de Portugal e Algarve; e se o fizer, se entenderá que a abdica; bem como se, havendo saído com licença das Cortes, a exceder quanto ao tempo ou lugar, e não regressar ao reino sendo chamado.
A presente disposição é aplicável ao sucessor da Coroa, o qual contravindo-a, se entenderá que renuncia o direito de suceder na mesma Coroa:
... ...”
Tinha já dito anteriormente que D. Pedro estava inabilitado desde 1822 pelo motivo técnico-jurídico de não ter jurado a Constituição mas, juridicamente nem Regente era. Fôra nomeado Regente, por Decreto de D. João VI antes de partir para Lisboa mas, tacitamente excluído da Regência quando D. João VI, salvo erro em Outubro, jura a Constituição. De facto, por força do Artº 129 esse cargo estava-lhe vedado.
“A Regência do Brasil se comporá ... ... Os Príncipes e Infantes (artigo 133) não poderão ser membros da Regência.”.
Aliás, nos termos da Constituição de 1822, a posição de D. João VI era já problemática:
“Artigo 129
O Rei não pode:
... ...
V. Alienar porção alguma do território Português:
... ...”
Nos termos da Constituição de 1822 a questão fica arrumada, apenas me permitindo chamar a atenção para a natureza de intervenções neste fórum que citam esta Constituição para provar a nacionalidade originária de D. Pedro, ignorando ou ocultando tudo o resto. Cada um que faça os seus juízos. Eu fiz os meus mas estou impedido de os explicitar dada a política de eliminação selectiva de mensagens que no seu pleníssimo direito, os proprietários têm praticado, creio eu fundamentadamente que por pedido particular, isto é, feito fora do fórum.
Não sendo a Constituição de 1822 a fonte de direito aplicável teriam de ser as leis tradicionais e nestas o soberano de país estrangeiro não pode suceder. Apenas por já ter visto todos os malabarismos possíveis neste assunto, explicito que se alguém não pode suceder num direito nunca é dele detentor e, consequentemente, nunca dele pode abdicar.
Pelas leis tradicionais, com a incorporação das Actas das aprócrifas Côrtes de Lamego, se o primogénito suceder em reino estrangeiro, o secundogénito sucederá no reino (de Portugal).
D. João VI foi rei de Portugal, Brasil e Algarves, seu filho primogénito D. Pedro sucedeu no Brasil, de facto muito antes mas indubitavelmente depois de 29 de Agosto de 1825, um reino estrangeiro, portanto o direito de sucessão em Portugal deferia-se ao secundogénito, D. Miguel.
Apesar de eu considerar que D. Pedro perdeu efectivamente a nacionalidade portuguesa, e apenas para contrapor aos que fazem cavalo de batalha da nacionalidade portuguesa de D. Pedro, a questão é que português ou estrangeiro, já não era herdeiro da Coroa pela legislação de 1822 e tinha sucedido no Brasil quando D. João VI lhe cede os seus direitos em 1825.
Neste pormenor, parece-me que o caro confrade António Bivar também não atacou o problema da maneira mais directa. De facto a redacção poderá deixar dúvidas quanto ao príncipe estrangeiro se este tivesse mantido a nacionalidade portuguesa - o que já seria estranhíssimo pois nunca fôra definido qualquer regime de dupla nacionalidade e o que D. Pedro definiu para os brasileiros excluía essa hipótese - mas nenhuma dúvida de interpretação há quando se estatui que se o mais velho sucede num reino estrangeiro o segundo sucede em Portugal.
E, entendo eu, tudo teria de passar por aprovação em Côrtes, ainda que “a posteriori”:
a revogação da Constituição de 1822, a independência do Brasil e a sucessão em Portugal. E realmente tudo passou nas Côrtes de 1828, a primeira tacitamente, a segunda semi-tacitamente e a terceira explicitamente.
De todos os malabarismos que tenho aqui visto para sofismar o que é claríssimo relevo a posição - depois por ele alterada “de facto” mas sem nunca admitir que errou - do dr. Eduardo Albuquerque que, conforme todos podem verificar num dos “links” recentemente aqui deixados pela discípula dilecta, em estilo interrogativo recusa validade jurídica às decisões das Côrtes de 1828 porque tinham invocado princípios legais aprovados em Côrtes inexistentes.
Por ser, não a trave mestra mas o fecho de abóboda da questão jurídica que aqui se discute, relembro que observadores insuspeitos, neste caso um diplomata em relatório para o seu primeiro-ministro, consideraram as Côrtes de 1828 as mais representativas que se fizeram em Portugal, e designadamente, deixando a perder de vista a assembleia de 1821.
Haverá seguidamente que avançar cerca de seis meses, até à morte de D. João VI.
A. Luciano
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RE: A. Bivar VII
Caro Confrade,
Em 10.3.1826 morre D. João VI.
Com data de 4 dias antes, 6.3 instituira um Conselho de Regência - não recordo já mas seriam até 10 ou 12 membros - presidido pela Infanta D. Isabel Maria e que governaria em nome de D. Pedro até que este determinasse outra coisa.
Como é perfeitamente claro, D. João VI não tinha legitimidade para declarar D. Pedro herdeiro do trono. Este perdera a qualidade de herdeiro nos termos da Constituição de 1822, era soberano de país estrangeiro como o próprio D. João VI reconhecera em 29.8.1825, pelo que não podia suceder nos termos da lei tradicional e, por qualquer fonte de direito que se queira, perdera a nacionalidade originária portuguesa ao aceitar títulos, cargos e condecorações de entidade não portuguesa sem para isso estar autorizado pelo governo português.
Peço desculpa por repisar o óvio mas a repetição que tem sido feita do contrário e sobretudo a ocorrência de uma quase aceitação do confrade António Bivar ao admitir que D. Pedro pudesse ter acumulado no mesmo tempo as duas qualidades de príncipe português e soberano estrangeiro, a isso me obrigam.
Pela Constituição de 1822 é imediato que teria perdido a nacionalidade portuguesa. Artigo 29:
“Perde a qualidade de cidadão Português:
I ... ...
II. O que sem licença do Governo aceitar emprego, pensão, ou condecoração de qualquer Governo estrangeiro.”
Pedindo novamente desculpa por insistir no óbvio, realço que a disposição citada refere apenas Governo estrangeiro. Não diz que esse governo tem de ser legítimo nem que tem de ser reconhecido por Portugal. Sem outros qualificativos, condições ou especificações que não constam do texto legal os governos apenas podiam ser, o português e todos os outros, que seriam então estrangeiros.
Ao abrigo da legislação tradicional, não creio que as disposições fossem tão claras, pois foram matéria que evoluíu no tempo e aí com algum atraso de Portugal pois enquanto em Castela se definira já a nacionalidade e se obrigavam os estrangeiros a naturalizarem-se para poder serem providos em certos cargos em Portugal ainda vigorava o príncípio da fidelidade ao Soberano. Também não creio que fossem claras porque não recordo ter visto o dr. Eduardo Albuquerque incluir alguma disposição nesse sentido nas suas extensíssimas transcrições de legislação.
Admitindo - o que não garanto - que não existia disposição explícita e clara sobre esse assunto, garanto contudo que não existia disposição sobre dupla nacionalidade que a existir nessa época, seria tão insólito que teria certamente sido objecto de comentários e discussões. A ideia que tenho é que a dupla nacionalidade, como instituto legal, só aparece no século XX e nem surgiu antes em jurisdições onde tal instituto poderia fazer mais sentido, como as alemãs e as italianas antes das respectivas unificações ou o caso dos reinos de Inglaterra e da Irlanda. É, como disse, a ideia que tenho mas aceito correcções.
Não havendo na legislação coeva portuguesa previsão sobre dupla nacionalidade, parece-me sem dúvida razoável que será abusivo postular a existência de tal instituto para defender que D. Pedro não perdeu a nacionalidade originária. É mais uma vez o exercício do muito reprovável expediente de enquadrar situações passadas na legislação actual.
Mas, mesmo que por absurdo, outro seja o entendimento, tratando-se de direitos fundamentais - veja-se onde são sistematizados em 1822 e ainda hoje em qualquer Cosntituição - não pode haver dúvidas de que, na legislação tradicional portuguesa a decisão “ultima ratio” caberia às Côrtes.
Repito agora citação já feita anteriromente de texto das Côrtes de 1828:
“... considera-se que desde 15 de Novembro de 1825, data da ratificação do tratado que confirmou a independência do Brasil, que Pedro IV, como soberano de um Estado estrangeiro, perdeu o direito à sucessão de Portugal que, portanto, nunca podia transmitir a um dos seus descendentes o direito a uma coroa que não herdara; muito menos a uma filha menor, a Princesa do Grão Pará (Maria da Glória), também ela estrangeira ...”
Repare-se que as Côrtes nem se dão ao trabalho de explicitar a qualidade de estrangeiro de D. Pedro; o simples facto de ser soberano estrangeiro ser-lhes-ia suficiente exactamente porque, como creio, nem conheceriam estatutos de dupla nacionalidade. Mas na frase final “... também ela estrangeira.” a palavra “também” não deixa qualquer dúvida sobre a qualidade que atribuíram a D. Pedro.
Mas é desde logo estranhíssima a declaração de D. João VI.
O Conselho de Regência, obviamente com o único intuito de afastar da Regência D. Carlota Joaquina fazia sentido. D. João VI tinha motivos válidos para desejar afastar sua Mulher da governação. Repudiava e temia a orientação política de que ela era o rosto visível e, entre outros motivos, a sua actuação no Brasil, criando incidentes diplomáticos em que o ocorrido com o embaixador americano fôra grave, a interferência na política sul-americana por seu irmão e, diz-se, depois com o intuito de ser feita Rainha de quatro países do Sul, justificariam - de facto mas não de direito - o seu afastamento da governação.
O Conselho também fazia sentido dada a evidente incapacidade e impreparação de D. Isabel Maria, personalidade de pouca saúde e vontade fraca. Mas a composição desse Conselho, inapropriadamente alargado, era já gato escondido com o rabo de fora.
Improbabilíssima era a decisão de que o Conselho governasse em nome de D. Pedro até que este determinasse outra coisa, sem mencionar o que seria de esperar que era até que as Côrtes decidissem outra coisa.
D. João VI em 1823, no rescaldo da Vilafrancada, promete nova constituição a ser aprovada por Côrtes; em 1824, no rescaldo da Abrilada, novamente insiste na necessidade de convocar Côrtes. É inexplicável que agora não insistisse nas Côrtes perante uma situação cujo enquadramento jurídico não podia ignorar pois, sendo D. Pedro, imperador do Brasil de duas uma, ou Portugal passaria à dependência política do Brasil, sendo o orgão legislativo brasileiro que ditaria as condições da monarquia dual - onde residiria o soberano, quem governaria da sua ausência, etc. - ou então seria indispensável que reunissem Côrtes em Portugal.
Relembro que a Constituição de 1822, no Título IV - Do poder executivo ou do rei, tinha um Capítulo II - Da delegação do poder executivo no Brasil.
Mesmo abstraindo das circunstâncias políticas, da revogação da Constituição por mera Carta de Lei, da alienação de uma importantíssima parcela do território nacional, de uma sucessão real em príncipe estrangeiro, ficaria a imprescindibilidade técnico-política de estabelecer as regras de funcionamento da monarquia dual.
Poderia estar D. João VI aterrorizado com a possibilidade de voltar a ser eleita uma maioria liberal à 1820 que o responsabilizasse pelo acordo de independência do Brasil?
Poderia ter mudado tanto politicamente que, tendo sempre recusado o absolutismo, o fomentasse agora na pessoa do filho D. Pedro?
Como já se sabe, a resposta é muito mais simples. D. João VI foi assassinado por administração de uma forte dose de arsénico aplicada de uma só vez, como foi provado por exame relativamente recente aos seus restos mortais. E, como corolário, também já objecto de perícia, o documento que institui o Conselho de Regência foi uma grosseira falsificação, obviamente pré-datada.
E são estas as autênticas fontes da “legitimidade” jurídica de D. Pedro: o regicídio e a falsificação.
Mais uma vez, considero exemplar que o regicídio, como facto histórico já conhecido há anos, não tenha sido incorporado nos manuais escolares. E também exemplar que ninguém que conheça da tal “comunidade científica” - sobre a qual a minha opinião será conhecida pelos que tenham boa memória - se tenha ainda debruçado sobre este regicídio, fazendo o seu enquadramento circunstancial.
Aqui apenas aponto os seguintes factos.
Em 1823, o rei era D. João VI, D. Miguel era vencedor e tinha sido nomeado generalíssimo. D. João VI nomeia uma junta para redigir nova Constituição que seria aprovada em Côrtes. A junta, presidida por Palmela, demitiu-se sem conseguir chegar a bom termo, alegadamente devido à obstrução dos membros afectos ao partido Rainhista, mas o que é facto é que nem foram reunidas Côrtes, nem nomeada comissão mais reduzida, nem encomendado projecto a um ou mais juristas - tudo soluções habituais em casos dessse tipo de impasse e uma delas até aplicada por D. Pedro no Brasil - e o governo continuou maioritariamente em mãos liberais, embora já não dos de 1820.
Em 1824, o rei continuava D. João VI, D. Miguel perdera e partira para o exílio, mas as Côrtes não foram reunidas e o governo ficou exlusivamente nas mãos de liberais (excluídos já os minoritários Rainhistas).
Em 1825, o rei era o mesmo e o governo continuava nas mãos dos mesmos e ninguém terá achado necessário ou oportuno ratificar em Côrtes a independência do Brasil.
Em 1826 o rei era já D. Pedro que manda convocar Côrtes “à sua maneira” para aprovar a Carta e o governo, sempre nas mãos liberais, não cumpre.
Em 1828 D. Miguel manda convocar Côrtes e estas reunem em prazo razoável e sem problemas de maior que ficassem registados. O governo já não estava nas mãos de liberais.
Q.e.d..
Voltando agora atrás, D. João VI, na questão das negociações, rendera-se às pressões inglesas. Tudo correu como o desejado do ponto de vista dos políticos situacionistas, cuja situação era cómoda. Irresponsabilizados pois as leis eram referendadas pelo Rei e este era intocável, sem uma Constituição que os estorvasse, governavam como queriam e entendiam sem Câmara nem Tribunal de Contas nem eleitorado a quem tivessem de responder. O rei não voltara a exigir Côrtes pelo menos publicamente. De facto o seu comportamente a seguir à independência do Brasil, tornou-se algo errático com variações bruscas de humores, o que foi depois convenientemente atribuído a sintomas prévios da doença que depois o vitimara.
É certo que teria razões para estar deprimido. A separação do Brasil fôra um fortíssimo desaire que lhe deixaria profunda marca; afinal o Reino Unido fôra de sua criação e lá vivera 14 anos impulsionando o extraordinário desenvolvimento desse período. Dependeu de navios ingleses para partir para o Rio de Janeiro e para de lá voltar. Depois, por receio do seu próprio exército, refugia-se numa nau inglesa no Tejo. Os seus dois filhos estavam ambos longe e não tinha vida familiar. Não teve poder para fazer o governo reunir Côrtes como desejou, não teve poder para moderar os comportamentos de D. Carlota Joaquina e depois obrigá-la a exilar-se, como ordenara; não teve poder para obter da justiça o esclarecimento do assassínio de Loulé, como por duas vezes decretara.
Triste rei absoluto aquele, que só foi absoluto para decidir o que convinha aos que tinham o poder de facto.
Creio que as pressões para recear o exército, sempre com o exemplo da Revolução Francesa presente, terão continuado, não apenas sobre o Rei mas sobre a sua Família.
Neste estado de espírito, poderia D. João VI ter repensado o passado? Afinal, apesar do que dizem a história oficial as Wikipédias e os Portais, os factos crus são que nas duas crises, na Vilafrancada e na Abrilada, assim que D. João VI deu ordens explícitas a D. Miguel, este acatou-as. Regressou de Santarém e entrou a cavalo em Lisboa ao lado da carruagem de seu Pai; abandonou o comando militar e apresentou-se na Windsor Castle; aceitou a destituição e partiu para o exílio. Ao invés, as duas ordens que D. João VI transmitiu a D. Pedro foram ignoradas a primeira e seguida de revolta declarada a segunda.
Poderia D. João VI, a sério ou apenas da boca para fora, ter dito a alguém que pensava chamar D. Miguel do exílio e entregar-lhe a governação?
Com toda a sinceridade, não imagino motivo que melhor explicasse a necessidade urgente de assassinar D. João VI.
Quanto às pressões e aos receios do própro exército que referi remeto para a página pessoal da Infanta Regente
http://www.geneall.net/P/per_page.php?id=5585
onde se pode confirmar que logo em Janeiro de 1827, celebrou um convénio que regulava a presença em Portugal de um corpo de tropas britânicas.
E assim termino o assunto focado, a ilegitimidade jurídica de D. Pedro como sucessor no reino de Portugal.
Como também já disse ao longo do tempo, pode ser defendida a legitimidade de D. Pedro como rei de Portugal no planos fáctico e ideológico, requerendo-se para o primeiro apenas senso comum e para o segundo integridade ou, se quiserem, inteligência no respeito pela verdade. Nada disso por aqui vi.
A. Luciano
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RE: A. Bivar - I
Caro António Bivar e restantes Confrades,
"Também me parece importante analisar o regime liberal não apenas quanto à legitimidade de origem, mas também quanto ao exercício efectivo do poder; ... "
Essa análise parece estar ausente não só dos nossos manuais escolares como também da principal literatura histórica e política escrita sobre esse regime. E é muita! Tipicamente, a historiografia faz a avaliação de regimes políticos nos planos Político, Social e Económico. O regime Liberal tem, grosso modo, escapado a qualquer exame por parte da nossa historiografia, limitando-se esta a sobrevalorizar a componente ideológica dos partidários do Liberalismo esquecendo o resto - no fundo esquecendo o essencial.
No plano Político, a avaliação do Liberalismo deverá ser extensa, complexa e sem qualquer possibilidade de simplificação para "consumo popular". No entanto, o quadro geral é de revoltas, golpes de estado, guerras civis, revoluções, motins, levantamentos e greves. Um quadro propício a aproveitamentos que se enquadram no que tipicamente se designa de oportunismos, mas que os mais audazes chamam de corrupção. Agora o termo da moda é "enriquecimento ilícito".
No plano Social, é inegável que os avanços civilizacionais comuns à generalidade da cultura ocidental, como a abolição da escravatura e da pena de morte, chegaram a Portugal na era do Liberalismo. Claro que todos concordam que foi a ideologia Liberal que impulsionou estes avanços em Portugal. Eu não me incluo em "todos", e considero que estes avanços civilizacionais aconteceram em Portugal apesar do Liberalismo. Neste ponto em particular tenho consciência que estarei completamente sozinho no meu pensamento e não irei convencer ninguém.
Ainda no plano Social não deixa de ser relevante a enorme fractura que o Liberalismo provocou na nossa sociedade, restando até aos nossos dias as discussões entre Liberais e Miguelistas. A impreparação de uma grande parte da Sociedade Portuguesa para o modo de pensar, de agir e de governar dos Liberais terá sido, no meu entendimento, um dos factores preponderantes para a incapacidade de Portugal funcionar como Nação durante as décadas posteriores à "Revolução Liberal" de 1820. A culpa, dirão uns, é do atraso cultural em que se encontrava a Sociedade Portuguesa. Eu digo que os Regimes Políticos existem para servir a sociedade e não o contrário.
A avaliação do Liberalismo no plano Económico raramente provoca debate, pois a Economia analisa-se de forma numérica e os números concretos raramente dão lugar a divergências de opinião. Por este motivo ninguém perde tempo a discutir os "prós e contras" do Liberalismo no plano económico. A título meramente ilustrativo, apresento um quadro elaborado por Augusto Mateus, na sua obra «Economia Portuguesa: Desde 1910», de 1998. Retirei este quadro do trabalho «A Primeira República e a Sustentabilidade das Finanças Públicas Portuguesas: Uma Análise Histórico-Económica» da autoria de Nuno Ferraz Martins e de
António Portugal Duarte que pode ser consultada em http://www.iseg.utl.pt/aphes30/docs/progdocs/Antonio%20%20PORTUGAL%20DUARTE%20e%20NUNO%20MARTINS.pdf.
_ PIB per capita a preços de 1990 - Percentagem em relação à CE-15 _
País . . . . . . . . . . . . . . . . .1820 . . . . . . . . . . . . . .1870 . . . . . . . . . . . . . .1900 . . . . . . . . . . . . . .1913
Bélgica . . . . . . . . . . . . . . .105 . . . . . . . . . . . . . . .134 . . . . . . . . . . . . . . .127 . . . . . . . . . . . . . . .121
Dinamarca . . . . . . . . . . . .100 . . . . . . . . . . . . . . . .98 . . . . . . . . . . . . . . .101 . . . . . . . . . . . . . . .110
Alemanha . . . . . . . . . . . . . .91 . . . . . . . . . . . . . . . .97 . . . . . . . . . . . . . . .109 . . . . . . . . . . . . . . .112
Grécia . . . . . . . . . . . . . . . . .62 . . . . . . . . . . . . . . . .50 . . . . . . . . . . . . . . . .51 . . . . . . . . . . . . . . . .47
Espanha . . . . . . . . . . . . . . .87 . . . . . . . . . . . . . . . .70 . . . . . . . . . . . . . . . .71 . . . . . . . . . . . . . . . .66
França . . . . . . . . . . . . . . . .99 . . . . . . . . . . . . . . . . .94 . . . . . . . . . . . . . . . .99 . . . . . . . . . . . . . . .101
Irlanda. . . . . . . . . . . . . . . .78 . . . . . . . . . . . . . . . . .90 . . . . . . . . . . . . . . . .87 . . . . . . . . . . . . . . . .80
Itália . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 . . . . . . . . . . . . . . . . 74 . . . . . . . . . . . . . . . .61 . . . . . . . . . . . . . . . .73
Luxemburgo . . . . . . . . . . .105 . . . . . . . . . . . . . . .134 . . . . . . . . . . . . . . .127 . . . . . . . . . . . . . . .121
Holanda . . . . . . . . . . . . . .127 . . . . . . . . . . . . . . .134 . . . . . . . . . . . . . . .123 . . . . . . . . . . . . . . .116
Áustria . . . . . . . . . . . . . . .105 . . . . . . . . . . . . . . . .95 . . . . . . . . . . . . . . .101 . . . . . . . . . . . . . . .102
Portugal . . . . . . . . . . . . . . .64 . . . . . . . . . . . . . . . 55 . . . . . . . . . . . . . . . .49 . . . . . . . . . . . . . . . .40
Finlândia . . . . . . . . . . . . . . .62 . . . . . . . . . . . . . . .56 . . . . . . . . . . . . . . . .56 . . . . . . . . . . . . . . . .60
Suécia . . . . . . . . . . . . . . . . .98 . . . . . . . . . . . . . . .84 . . . . . . . . . . . . . . . .89 . . . . . . . . . . . . . . . .91
Reino Unido . . . . . . . . . . . .143 . . . . . . . . . . . . . .165 . . . . . . . . . . . . . . .159 . . . . . . . . . . . . . . .147
CE-15 . . . . . . . . . . . . . . . .100 . . . . . . . . . . . . . . .100 . . . . . . . . . . . . . . .100 . . . . . . . . . . . . . . .100
EUA . . . . . . . . . . . . . . . . . .105 . . . . . . . . . . . . . . .124 . . . . . . . . . . . . . . .142 . . . . . . . . . . . . . . .155
O que este quadro mostra é que em 1820, o ano da "Revolução Liberal", os Portugueses viviam com 36% menos dinheiro que os seus pares do Continente Europeu. Em 1870, essa diferença tinha aumentado para 44%. Em 1900, os Portugueses já eram 51% mais pobres que os outros Europeus. Em 1913, ainda na ressaca do regime Liberal, os Portugueses viviam com 60% menos dinheiro que a média dos Europeus.
Durante a segunda metade do século XX conseguimos reconstruir o que o regime Liberal destruiu e hoje encontra-mo-nos novamente onde estávamos em 1820: cerca de 30% mais pobres que a média do Continente Europeu. Quando eu era estudante e sustentado por outros, estes números tinham para mim um interesse meramente académico. Agora que a comida que vai para a mesa dos meus filhos depende não só do esforço do meu trabalho mas também do estado geral da economia, eu sinto na pele o que representa a queda do PIB per capita. É preciso denunciar o regime Liberal pelo mal que nos fez, pois como demonstram os acontecimentos do ano passado, corremos diariamente o risco de repetir os erros do passado.
A última mensagem que deixei neste tópico foi escrita à pressa e em tom de desabafo. Espero agora ter dado o sumo necessário para que se compreenda melhor aquilo que quis transmitir.
Seguirei com interesse o debate sobre a legitimidade política de D. Pedro e D. Maria II para ocuparem o trono, pois está a proporcionar-nos uma boa lição de História.
Os meus cumprimentos,
Francisco
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RE: A. Bivar VII
Caro Confrade,
Muito obrigado pelo interessantíssimo conjunto de textos que aqui nos deixou; fica muita matéria para reflexão e levanta questões históricas, jurídicas e mesmo éticas que em muitos aspectos nunca me tinham ocorrido. Permita-me mais uma vez abusar da sua boa-vontade e levantar algumas questões que ainda gostaria de ver clarificadas; quando nas minhas mensagens «concedi» a hipótese de se considerar D. Pedro como português, pelo simples facto de o ser de origem, não tomei posição quanto à questão de saber se tecnicamente se poderia ou não considerar como de «nacionalidade portuguesa» em algum sentido, após a independência do Brasil. Apenas me pareceu que essa discussão não seria decisiva para a exclusão da sucessão da corôa portuguesa pois o facto de ser indubitavelmente soberano de um país estrangeiro, quanto a mim, resolve a questão pela negativa, quanto mais não seja pela interpretação das Côrtes de Lamego feita nas Côrtes de 1641, nomeadamente quando se afirma:
«Donde ficou por esta cabeça faltando tambem o direito de poder succeder ao Catholico Rei de Casthela, por ser Principe estrangeiro.»
Não consigo aceitar que, tendo em vista toda a argumentação expressa nas actas de 1641, D. Pedro pudesse não ser considerado «Príncipe estrangeiro», independentemente de se conseguir ou não encontrar-lhe ainda algum resquício de nacionalidade portuguesa (pelo menos depois do reconhecimento da independência do Brasil por Portugal), o que também me parece difícil de admitir. Com efeito, o que me parece essencial na natureza «estrangeira» impeditiva de suceder é que o pretenso sucessor não fosse vassalo do Rei de Portugal e D. Pedro não o era certamente quando D. João VI morre, pois seria absurdo admitir que o Brasil independente tivesse por soberano um vassalo português!
Outra questão que se me coloca, ainda que, a meu ver, acessória, tendo em vista o que precede, é a de saber se a disposição que regulava com algum pormenor a sucessão no caso do Rei suceder em Reino estrangeiro afinal encontrava ou não fundamentação em algum documento com valor de Lei; citei noutra mensagem a petição do Estado da Nobreza nas Côrtes de 1641 em que esta questão era regulada, mas, segundo parece, essa petição, ainda que merecendo a concordância expressa do Rei, não teria dado lugar a Lei que a pusesse em vigor. Confesso que não sei qual o valor legal, só por si, dessas petições com anuência do Rei, mas promessa, nunca concretizada, de futura «feitura» de Lei, embora também me custe aceitar que documentos tão solenes como as actas das Côrtes possam ser escamoteados, nestas condições.
Finalmente interrogo-me acerca do valor a atribuir à Constituição de 1822 à luz das leis tradicionais, ou seja, poder-se-á considerar como legítimo o modo com foi posta em vigor? Teria o próprio Rei direito de a aceitar independentemente de decisão de Côrtes convocadas ao modo tradicional?
Um abraço,
António Bivar
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RE: A. Bivar VII
Caro Confrade,
Fez-me o maior elogio que podia imaginar. Se de facto consegui apresentar-lhe alguma perspectiva que não lhe tinha ocorrido, fico extremamente orgulhoso pelo feito.
Dito isto, recomendo-lhe que, por prudência, não tenha demasiadas expectativas em relação à minha capacidade e conhecimentos.
Se bem interpreto as questões que levanta, no primeiro caso estamos totalmente de acordo mas tivémos prioridades diferentes. No seu caso, considerada a questão essencial que era a do soberano de país estrangeiro não poder suceder, foi-lhe secundária a questão da nacionalidade. Ao invés, eu estava incendiado por interlocutora sua que afirmou preto no branco que D. Pedro era português e quiz levar essa questão ao último pormenor.
Na segunda questão será de certa forma ao contrário. Desconheço totalmente se foi publicada Lei ou Decreto sobre a sucessão do secundogénito. A pesquisa de diplomas legais a que “et pour cause” nunca foi dada publicidade nem tratada pela esmagadora maioria do ensino oficial - até ao caso limite de decretos que parecem ter desaparecido e hoje só são conhecidos por referências coevas de correspondências e memórias particulares - não é nem nunca poderia ser da minha especialidade ou competência.
Mas, e por isso digo que será de certa forma ao contrário, não me parece que faça falta. Apresentada a petição e dada a resposta concordante do rei, estava fixado o essencial, isto é, que seria sempre matéria em que o rei só poderia decidir em conformidade com as Côrtes. Se porventura, não foi dado seguimento legislativo, ficaríamos com uma lacuna mas estava já fixada a doutrina e, mais importante do ponto de vista jurídico, o nível de competência em que as decisões tinham de ser tomadas. Admitindo por hipótese académica que D. João IV tinha agido com reserva mental e nunca tinha tido intenção de publicar o diploma - facto que ocorreu anteriormente em alguns casos nem sequer pouco frequentes embora em questões ordinárias - suscitado o problema e na ausência de diploma régio, só por decisão de novas Côrtes se poderia alterar a doutrina. Ora como Côrtes posteriores confirmaram inequívocamente a doutrina e chamaram a “segunda linha” a questão legal tem sempre a mesma leitura quer tenha havido publicação anterior quer não.
Para ajuizar já não no ponto de vista legal mas no ético, poderá existir alguma diferença mas necessariamente pouca. Pessoalmente não acredito que nenhum dos manos Bragança tivesse conhecimentos legais e a questão deve ser ponderada no nível dos seus conselheiros e apoiantes.
D. Miguel, como sabe, desde que primeiro chegou a Viena esteve de certa forma restrito aos interesses políticos austríacos, muito complexos pois o imperador era a cabeça da Santa Aliança e o defensor da legitimidade histórica do Sacro-Império, com a carga ideologógica que isso acarretava, mas era também o pai de D. Leopoldina e avô de D. Maria da Glória.
Pessoalmente, sigo muito Oliveira Martins mas faço-lhe algumas restrições e não creio que, como ele sugere, fosse Metternich quem ditava os memorandos que D. Miguel depois assinava, nomeadamente para o mano Imperador e para a mana Regente, mas não tenho a menor dúvida de que Metternich foi determinante nas decisões mais importantes, e designadamente no facto de D. Miguel ter aceite os esponsais com sua sobrinha e, depois de primeira recusa formal, ter jurado a Carta e esta só depois da intervenção pessoal do Imperador.
Tudo isso me leva a concluir, como melhor probabilidade, que D. Miguel nessa data nem faria ideia de que seria o herdeiro legítimo do reino e que esse conhecimento lhe foi dado já em Portugal.
Ora, se a memória não me está a falhar, foi precisamente o António Bivar que, em tempo já recuado, notou que as principais Casas da nobreza de Portugal apoiaram D. Miguel ao que eu acrescento, por prudência, que nenhuma dessas casas que eu recorde, foi apoiante do partido Rainhista-Ultramontano-de Queluz-do Ramalhão-da Junqueira-Legitimista o que permite a extrapolação de que essa doutrina da legitimidade do secundogénito era de conhecimento geral, tivesse ou não sido publicada em Decreto ou Carta de Lei.
Finalmente à terceira questão julgo já ter respondido anteriormente. É absolutamente impossível a até contraditório enquadrar em legitimidade jurídica vigente qualquer ruptura. A legitimação nesses casos só pode ser “a posteriori”. Afastando a legitimidade fáctica - que existiu - e a ideológica - que só existiu para os próceres - a legitimação poderia ser por aceitação do poder anterior, por aprovação da “comunidade internacional” - ou pela adesão dos governados e idealmente, seria por todas estas formas.
Tentando agora focar a questão em D. João VI caímos desde logo na questão ideológica. Os tontos que papagueiam que “O Rey he Ley animada...” logo lhe diriam - se fossem coerentes - que D. João VI tinha toda o direito de aceitar a Constituição e só não o dizem porque essa Constituição, envia os direitos de D. Pedro pela pia abaixo.Ou, em segunndo pensamento, talvez lhe dissessem que tinha o direito de aprovar e tinha também o direito de depois revogar. Como penso ter mostrado, para esses, D. João VI tinha todos os direitos menos o de convocar Côrtes!
Eu que não sou tonto, vejo a questão a dois níveis. Primeiro a própria pessoa de D. João VI e depois sua qualidade de soberano de Portugal.
No primeiro nível haverá que examinar se a decisão de D. João VI foi livre ou se encontrava de alguma forma coagido. É questão muito complexa e para a qual não haverá respostas inquestionáveis. Como já disse, a leitura que faço da actuação política de D. João VI levou-me à conclusão que a união de Portugal e Brasil era o seu primeiro objectivo e a simples constatação de que hostilizar as Constituintes seria muito prejudicial ao seu mais importante objectivo poderia ter sido o suficiente para ele decidir jurar a Constituição. Não sei mas admito que possa ter sido assim.
Quanto à sua qualidade de soberano de Portugal, com eu a entendo, é uma realidade sem par na história da Europa, pois Portugal não nasceu do feudalismo e, até na parte em que nasceu da conquista, esta foi em grande parte efectuada por exércitos com os quais o rei tinha uma relação contratual. As vilas davam uns tantos aldeãos que serviam por tempo limitado. E isto desde os primórdios quando, por exemplo na conquista de Lisboa, D. Afonso Henriques se viu abandonado por grande número de milícias dos concelhos que tinham já cumprido o seu tempo de serviço o que contribuíria para que, no acordo de rendição da cidade as tropas que entrariam em primeiro lugar seriam os de Bouillon do conde d’Aerschott, seguidos dos de um dos “condestabres” britânicos e depois dos de Munique. Portugueses nenhum, traduzindo de facto a subalternidade militar de D. Afonso Henriques.
Como já disse, entendo que Côrtes e Concelhos - com a moderação e suporte do Conselho - constituíam a essência da tradição monárquica portuguesa. Agora, com algum receio de dar um passo maior do que a perna, entendo que a situação de facto não permitia ao Rei ouvir o seu Povo na forma tradicional e por ter sido privado, seria ao próprio Povo que revertia o direito. Isto é, se o Povo, visivelmente se conformasse com a assembleia eleita e o seu governo, estaria feita a legitimação. Como se sabe, foi o contrário que aconteceu. Com excepção da maioria da nobreza cortesã, as grandes Casas e a grande maioria da nobreza de província repudiou o liberalismo; e o mesmo nas outras classes com excepção da burguesia citadina que pela natural mistura de ambição social e deslumbramenteo pelas novidades do exterior foi permeável às ideias da Revolução Francesa e mesmo essa, logo deserta da burguesia comerciante que, com os pobres que o são sempre, terá sido a classe mais prejudicada pela independência do Brasil. O que, quanto a mim, está na base da vitória política da facção liberal dita moderada sobre a mais radical vintista, da qual, percebendo de onde soprava o vento, muitos apoiaram depois a Carta, sendo exemplo notório Almeida Garret que de vintista exacerbado que se auto-exilou após 1823, se tornou Cartista disciplinado e merecedor de viscondado.
“The last but not the least” foi o liberalismo repudiado pela própria juventude, habitualmente o grupo etário mais predisposto à mudança, como se viu no exército que, com excepção de alguma oficialidade, apoiava e idolatrava D. Miguel.
Estará talvez lembrado que afirmei há dias que este foi um dos raros períodos históricos em que os interesses do Estado, como entidade política, não coincidiam com os dos portugueses.
Não atribuo qualquer culpa pessoal a D. João VI, nem quando decidiu partir para o Rio de Janeiro, nem quando decidiu regressar do Rio de Janeiro nem quando logo jurou a Constituição mas, nos dois primeiros casos os resultados políticos e no último o seu próprio povo, desaprovaram-no.
Sei que não respondi claramente à sua questão mas não sei fazer melhor.
A. Luciano
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RE: A. Bivar VII
Caro António Bivar
Não obstante os incêndios que possa provocar a Lei da Nacionalidade, constante das Ordenações Manuelinas e Filipinas, a qual, segundo alguns, tem articulado demasiado singelo, não contemplando, por isso, todas as eventualidades desejaveis, trago aqui um texto de Maria de Fátima Bonifácio que me parece enquadrar bem os factos na sua época, influenciados pelas correntes ideológicas reinantes, já que, para mim, é esta a vertente crucial da vitória do liberalismo.
"A «causa» de D. Maria II (1826-1834)
D. João VI adoeceu nos princípios de Março de 1826 com uma moléstia
do fígado. No dia 6 criou um conselho de regência, presidido pela infanta
D. Isabel Maria, que deveria ocupar-se da governação do país durante a sua
doença; no caso de falecimento do monarca, a infanta superintenderia aos
destinos do reino «enquanto o legítimo herdeiro e sucessor da coroa não
der as suas providências a este respeito». Não nomeava expressamente
D. Pedro, mas não podia haver dúvida de que era o seu filho primogénito
que o rei tinha em mente. De resto, assim o tinha indicado em documentos
anteriores, nomeadamente nas cartas patentes que entregara a Sir Charles
Stuart quando, em 1825, o encarregara de negociar o tratado da independência do Brasil (29-5-1825).
Na lei de 15 de Novembro que ratifica o
sobredito tratado, mais uma vez, D. João VI reconhece como imperador
do Brasil seu filho D. Pedro, referindo-se-lhe como «herdeiro e sucessor
destes reinos»
1
. À morte de D. João VI, ocorrida a 10 de Março, não houve
hesitações sobre quem era o legítimo sucessor da coroa de Portugal. O partido
absolutista, que desde 1823-1824 era já o partido do infante D. Miguel,
publicamente nenhuma objecção levantou, inclinando-se perante as regras
indisputáveis da legitimidade. O próprio D. Miguel, que se encontrava em
Viena de Áustria, apressou-se a escrever a D. Pedro, testemunhando acatar
a sua régia autoridade, uma atitude que reiterou noutra carta dirigida em 6
de Abril à regente sua irmã, D. Isabel Maria
2
. A regência despachou para o Brasil uma deputação, chefiada pelo duque de Lafões, com a missão de prestar homenagem a D. Pedro enquanto rei de Portugal, ao mesmo tempo
que dava ordens para que fossem promulgados em seu nome todos os actos
oficiais. E da parte das cortes europeias também não se manifestaram dúvidas, tendo todas elas, incluindo as cortes romana e espanhola, reconhecido
o novo monarca
* 1
História de Portugal Popular e Ilustrada, de Pinheiro Chagas, vol. VIII, p. 292 (daqui
em diante: História de Pinheiro Chagas).
2
Ibid., p. 293.520
3
.
Este soubera da morte do pai através das notícias trazidas por navios
mercantes, ainda antes da chegada da luzida deputação enviada de Lisboa. D.
Pedro não tinha a mais leve sombra de uma dúvida de que não poderia
acumular as duas coroas de Portugal e Brasil, porque o império, cioso da sua
recente independência, se oporia a uma semelhante solução, que, de resto,
também não seria do agrado de Portugal. Portugal e Brasil teriam de seguirdestinos radicalmente separados. D. Pedro optou pela coroa imperial e abdicou
da portuguesa em sua filha Maria da Glória, princesa do Grão-Pará (2 de
Maio). Dois dias antes, a 29 de Abril, reiterando perante o Brasil e o mundo
as suas convicções liberais, outorgou uma Carta Constitucional aos portugueses.
A abdicação, contudo, ficava sujeita a duas condições: que a Carta fosse
jurada pelo reino e por D. Miguel e que este efectuasse o seu casamento com
D. Maria da Glória. «Esta minha abdicação e cessão não se verificará, se
faltar qualquer destas duas condições
4
.» Por ora tratava-se, pois, de uma
meia abdicação, ou nem isso: enquanto a rainha não fosse proclamada, quem
reinava de facto era D. Pedro IV, através da regente D. Isabel Maria. Uma
situação falsa que desagradava profundamente a brasileiros e a portugueses:
os primeiros não queriam ser governados pelo rei de Portugal, os segundos
não queriam ser governados pelo imperador do Brasil.
Em Portugal, por esta altura, ainda nada se sabia a respeito das providências que D. Pedro haveria de tomar. Aparentemente, estava tudo tranquilo.
E assim se mantiveram as coisas até que no dia 7 de Julho aportou a Lisboa
o navio que trazia sir Charles Stuart e os decretos da outorga da Carta e da
abdicação em D. Maria. Nos meios absolutistas, que até ali tinham acalentadoa esperança de que D. Pedro abdicasse a favor de D. Miguel, os decretos
caíram como uma bomba e produziram uma reacção violenta. A regência,
que estanciava nas Caldas, mergulhou na hesitação e reteve a publicação da
Carta. Finalmente, a 15 de Julho começaram a ser publicados na Gazeta os
primeiros artigos constitucionais, bem como o acto de abdicação. Mas,
como tardasse em ser fixado o dia para o seu juramento, Saldanha, general
das armas do Porto, enviou Rodrigo Pinto Pizarro às Caldas, à frente de uma
coluna militar, significando que não seriam toleradas mais dilações. A 19 de
Julho era publicado o decreto que mandava jurar a Carta a 31.
Por esta altura já a insurreição absolutista lavrava em diversos pontos do
país. O regimento 24 de infantaria, comandado pelo visconde de Montalegre,
revoltou-se em Bragança; no Alentejo, o brigadeiro Magessi fazia o mesmo
3
Ibid., p. 294.
4
Ibid., p. 297.521
com o 17 de infantaria. Muitos outros corpos militares seguiram o exemplo,
refugiando-se de seguida em Espanha, donde realizavam novas incursões em
território nacional
5
. Apesar do estado de insurreição aberta em que se encontrava o país, efectuaram-se as eleições e as Cortes abriram em 30 de Outubro. No dia anterior, a 29, tinham-se celebrado em Viena de Áustria os
esponsais de D. Miguel com D. Maria, considerados como «promessa de
concluir o seu subsequente casamento per verba futuri»
6
. A 4 de Outubro,D. Miguel jurou a Carta Constitucional, conforme D. Pedro também exigira.
Tudo parecia decorrer de acordo com o plano por ele delineado.
Mas não corria. O regime constitucional português foi muito mal acolhido
numa Europa traumatizada pelas revoluções liberais de 1820 e apostada em
esmagar a «hidra revolucionária», substituindo as prerrogativas dos príncipes
aos direitos dos povos. É certo que a França se regia pela Carta Constitucional de 1814, aliás moderadíssima, outorgada por Luís XVIII, mas não é
menos certo que Carlos X fazia os impossíveis por alargar os seus poderes
à custa das modestas garantias liberais nela contidas. Quanto à Inglaterra,
com uma longuíssima tradição liberal, nem por isso achava que fosse do seu
interesse nacional promover o constitucionalismo na Europa. Se em Dezembro de 1826 interveio militarmente em Portugal, expedindo para cá o general
Clinton à frente de uma divisão de 600 homens, fê-lo porque o apoio da
Espanha aos rebeldes absolutistas portugueses chegou a configurar uma
invasão, caso em que os tratados de aliança e amizade entre os dois Estados
a obrigavam a garantir a integridade territorial de Portugal. Não o fez, conforme Canning explicou no Parlamento britânico, porque se achasse obrigada
a proteger o constitucionalismo no país aliado
7
. Sobravam, com voz activa
no concerto das nações, a Espanha, a Áustria, a Prússia e a Rússia, uma
Santa Aliança de estados autocráticos, fielmente absolutistas. A Carta outorgada a Portugal por D. Pedro IV não podia ter encontrado um ambiente
europeu mais desfavorável. E foi o facto de a ascensão ao trono de D. Maria
estar indissociavelmente ligada a ela e se confundir com a causa liberal que
concitou contra essa causa a hostilidade das potências, ainda que justificada
por argumentos político-dinásticos de circunstância e não derivados da dedução objectiva e desinteressada do princípio da legitimidade.
Em Portugal, a agitação absolutista recrudescia ante a inactividade ou atécumplicidade do ministério (ou de parte dele) e a paralisia das câmaras
legislativas. Saldanha, que no governo representava a opinião liberal, foi
5
Sobre «Os levantamentos miguelistas contra a Carta Constitucional (1826-1827)»,
v. Vasco Pulido Valente, Os Militares e a Política (1820-1856), Lisboa, 1997, pp. 75-97.
6
História de Portugal, dir. Damião Peres, Barcelos, 1935, vol. VII, p. 148 (daqui em
diante: História de Barcelos).
7
Sobre «Portugal na política inglesa», v. M. Fátima Bonifácio, Seis Estudos sobre o
Liberalismo Português, Lisboa, 1996, 2.ª ed., pp. 315-344, maxime pp. 331-333.522
M. Fátima Bonifácio
obrigado a demitir-se em 23 de Julho de 1827 e nem as «archotadas», uma
revolta popular que exigia a sua reintegração, foram capazes de obstar ao seu
afastamento definitivo. Enquanto isto, «o golpe de Estado de D. Miguel
estava-se preparando lentamente na Europa»
8
. Não convinha afrontar directamente D. Pedro IV, pois tal equivaleria a uma contestação escandalosa do
princípio da legitimidade. Mas há muito que ganhara raízes a tese de que o
problema português se resolveria conseguindo que D. Miguel fosse investido
na regência do reino assim que atingisse a maioridade, o que se verificaria
a 26 de Outubro de 1827. A Áustria era a principal patrocinadora desta
solução, que a Inglaterra também apoiou. Era impecavelmente conforme às
normas da regência fixadas no artigo 92 da Carta Constitucional
9
. Para a
Áustria, o importante era colocar D. Miguel no poder; depois disso se
decidiria o destino a dar à Carta. Para a Inglaterra, o importante era pôr
termo à meia abdicação de D. Pedro, em virtude da qual os governos de
Portugal e Brasil se achavam de novo confundidos. O imperador, muito
pressionado pelas potências neste sentido, em breve lhes faria a vontade.
Ainda D. Miguel estava em Viena e já cá chegava o decreto de D. Pedro de
3 de Julho de 1827 a nomeá-lo seu lugar-tenente e regente de Portugal
10
.
Como regente foi o infante recebido em Londres com todas as honras e
distinções, por onde passou na sua viagem para Portugal. Chegou a 22 dede
Fevereiro de 1828 e a 26 jurou fidelidade a D. Maria e à Carta Constitucional.
Logo de seguida mudou o governo e substituiu os governadores das armas
das diversas províncias e os comandantes dos corpos, demitiu magistrados
e a 13 de Março dissolveu a Câmara dos Deputados. Ignorando a flagrante
violação da Carta perpetrada em Lisboa, D. Pedro, no Rio, por decreto de
3 de Março, completava e efectivava a sua abdicação da coroa portuguesa,
querendo dar «uma prova indubitável» de que desejava ver a nação portuguesa «perpetuamente separada da nação brasileira»
11
. Este decreto chegou
à Europa em fins de Maio. Prudentemente, os representantes do imperador
nas cortes de Londres, visconde de Itabayana, e na da Áustria, marquês de
Resende, expediram uma circular às legações brasileiras (30 de Maio) em
que davam o decreto como suspenso «por não se verificarem as premissas
sobre que ele se fundara»
12
. De facto, não se verificavam: em Portugal, os ajuntamentos populares clamando por D. Miguel rei absoluto tornaram-se corriqueiros. A Câmara de Lisboa encabeçou um movimento peticionário a favor de que D. Miguel assumisse a realeza
8
História de Pinheiro Chagas, vol. VIII, p. 320.
9
«Durante a menoridade do rei [o reino] será governado por uma regência, a qual pertencerá
ao parente mais chegado, segundo a ordem da sucessão e que seja maior de 25 anos.»
10
Publicado na Gazeta de Lisboa de 10 de Outubro de 1827.
11
António Augusto de Aguiar, Vida do marquês de Barbacena, Rio de Janeiro, 1896,
p. 404.
12
Id., ibid., p. 389.523
. A 25 de Abril o Senado de
Lisboa proclama D. Miguel rei absoluto e este convoca a reunião dos antigos
três estados do reino por decreto de 6 de Maio, os quais, em 23 de Junho,
o confirmam como rei legítimo de Portugal. O marquês de Palmela, embaixador em Londres, demitiu-se imediatamente.
A decisão dos três estados baseava-se em quatro argumentos principais.
Primeiro, D. Pedro tornara-se estrangeiro pela circunstância de ser soberano
de um país estrangeiro, e essa qualidade excluía-o do trono de Portugal
consoante a doutrina estabelecida pelas Cortes de Lamego «e o reclamo dos
três estados por ocasião da assembleia de 1642»
13
. Segundo, a residência de
D. Pedro fora do reino violava as ordenanças das Cortes de Tomar de 1641,
bem como as cartas-patentes de 1642. Terceiro, Portugal e Brasil constituíam
Estados distintos desde a ratificação do tratado da independência brasileira
em 15 de Novembro de 1825; tendo D. Pedro optado pela coroa imperial,
auto-excluíra-se, ipso facto, de reinar em Portugal, em conformidade com
as mesmas cartas-patentes de 1642. Quarto, D. Pedro arrogara-se o poder
exorbitante e ilegítimo de romper com as antigas leis e tradições do reino.
Finalmente, os juramentos de D. Miguel estavam feridos de nulidade pelo
facto de terem sido obtidos sob coacção e proferidos no estrangeiro.
Estava consumada a «usurpação», consolidada com o esmagamento do
pronunciamento liberal que a 16 de Maio de 1828 eclodira no Norte, tendo
o Porto como epicentro, e que terminara em 3 de Julho com o caricato
episódio da Belfastada
14
. Derrotado pelas tropas miguelistas, o exército liberal, cerca de 3000 homens, interna-se na Galiza, comandado por Sá da
Bandeira, e, no meio das maiores provações, dali parte a refugiar-se em
Inglaterra, onde já se encontrava um considerável número de emigrados
portugueses. Enquanto isto se passava, a 5 de Julho D. Maria embarca no
Rio de Janeiro rumo à Europa, com destino à corte austríaca do seu avô,
o imperador Francisco I, onde deveria completar a sua educação até atingira idade nubente. Um só ponto do território nacional escapara à «usurpação»
miguelista: a ilha Terceira, nos Açores, defendida pelo depois lendário batalhão 5 de caçadores
15
. Esta ilha no meio do Atlântico seria nos próximos
anos o esteio territorial da realeza de D. Maria II. «A sua bandeira flutuava
nuns rochedos do Atlântico, e para esses rochedos, ao findar de 1828, se
dirigiam as atenções» dos partidários da jovem herdeira de 9 anos
16
.
13
Id., ibid., pp. 387-388.
14
Sobre «a ‘Belfastada’ (1828)», v. Vasco Pulido Valente, op. cit., pp. 97-105.
15
A Madeira, que inicialmente resistira, acabaria por se render em 22 de Agosto.
16
Memórias do conde do Lavradio, Coimbra, 1933, vol. I, p. 206.524
Os emigrados idos da Galiza entraram em Inglaterra por Portsmouth e
Falmouth entre finais de Agosto e princípios de Setembro de 1828. Pouco
depois foi criado um depósito geral em Plymouth, administrado por Cândido
José Xavier. O seu sustento era assegurado pelas magras quantias que Palmela
lhes dispensava, retiradas das prestações que o império do Brasil ia pagando
em conformidade com as obrigações contraídas ao abrigo do tratado da independência de 1825. Pensou-se inicialmente em embarcá-los para o Brasil
17
,
mas a chegada de D. Maria a Falmouth, ocorrida em 22 de Setembro de
1828
18
, despertando a esperança na reactivação da sua «causa», levou ao
abandono daquele projecto. Apostou-se na diplomacia para fazer triunfar essa
causa. A presença de D. Maria em Inglaterra, esbulhada do trono por um tio perjuro e com uma reputação de sanguinário já assegurada, seria um bom
argumento para obter do governo inglês o reconhecimento da sua soberania,
com exclusão de D. Miguel. Mas em Inglaterra governavam os tories chefiados pelo duque de Wellington, que consideravam a «causa» de D. Maria, «bem
que legítima, como a causa revolucionária, e a do sr. D. Miguel, bem que
rebelde, como a da realeza»
19
. Wellington advogava, portanto, o reconhecimento de facto da «usurpação». Mas como, se o rei de Inglaterra e o governo
inglês tinham recebido D. Maria como rainha de Portugal
20
? Casando-a com
o tio, amalgamando os direitos de ambos, solução em que nunca deixou de
insistir; quanto à Carta Constitucional, o melhor era esqucê-la.
Resguardada no princípio da neutralidade, a Inglaterra recusaria prestar
qualquer auxílio moral ou material à causa de D. Maria, à qual não augurava
grande futuro: D. Pedro estava muito longe para sustentar eficazmente os
seus direitos; o «mais prudente» era ser pragmático, «transigir, assegurando
ao menos o casamento» com D. Miguel, persuadir este a conceder «uma
completa amnistia» e a restituir os bens dos liberais que tinham sido perseguidos; e, claro está, mandar D. Maria para a corte do imperador da Áustria.
Palmela não tinha dúvidas: «Promete-se neste caso sustentar os direitos da
Senhora D. Maria II, o que significa cedê-los ao Senhor D. Miguel
17
História de Damião Peres, vol. VII, p. 181.
18
Cf. Vida do marquês de Barbacena, cit., p. 437. Outras fontes indicam datas divergentes: 24 e 30 de Setembro.
19
Duque de Palmela, Despachos e Correspondência, Lisboa, 1851-1869, vol. IV, p. 88.
20
A resolução do governo inglês de reconhecer D. Maria como rainha de Portugal foi
comunicada por escrito em ofício de Aberdeen a Palmela [cf. carta deste ao visconde da
Carreira de 22-9-1828, in Visconde da Carreira (Luís António de Abreu e Lima), Correspondência Oficial, Lisboa, 1871, p. 110]. Em Outubro de 1830, Aberdeen, o ministro dos
Negócios Estrangeiros britânico, reiterava ao visconde da Carreira: «Não há dúvida de que a
rainha foi reconhecida, isso não é objecto de discussão» (in Carreira, Correspondência Oficial,Correspondência Oficial, Lisboa, 1871, p. 110]. Em Outubro de 1830, Aberdeen, o ministro dos
Negócios Estrangeiros britânico, reiterava ao visconde da Carreira: «Não há dúvida de que a
rainha foi reconhecida, isso não é objecto de discussão» (in Carreira, Correspondência Oficial,
cit., carta à regência da Terceira de 22-10-1830, p. 627).
21
Carta de Palmela a D. Pedro de 14-8-1828 (in Palmela, Despachos e Correspondência,
cit., vol. IV, p. 109) em que aquele o põe de sobreaviso quanto às instruções com que
Strangford fora despachado para o Rio pelo governo inglês.525
Para Palmela, estas condições eram «vergonhosas». Mas era admissível que D.
Pedro fosse tentado a ceder-lhes como forma de se ver livre de uma questão
que ele não tinha força nem meios para resolver pessoalmente e que, para
mais, como veremos, lhe granjeava a hostilidade dos brasileiros, que «não
perdoavam a interferência de D. Pedro, levado por interesses de família, nos
destinos de Portugal»
22
. Os brasileiros, apesar das reiteradas «palavras de
constitucionalismo e brasileirismos na boca», sempre suspeitaram de que D.
Pedro era «português e absoluto de coração»
23
. Uns «desconfiavam das suas
secretas intenções, atribuindo-lhe o desígnio de fazer reverter o Brasil para
o jugo de Portugal»
24
. Outros temiam que ele envolvesse o Brasil numa
dispendiosa e prejudicial guerra com Portugal, porque havia quem não acreditasse «que a autoridade da Senhora D. Maria II possa estabelecer-se em
Portugal sem que alguma força brasileira e portuguesa se apresente diante do
Tejo ou do Porto»
25
. O marquês de Barbacena, que conhecia bem o imperador, escrevia-lhe de Londres em 23 de Outubro de 1828: «Consentir Vossa
Majestade Imperial no seu casamento com o usurpador, é consentir no
assassinato de sua filha, da Carta e dos portugueses fiéis que seguiram o seu
partido
26
.» Não se espantaria que o imperador fizesse isso mesmo depois da
precipitada e «fatal» abdicação que ratificara por decreto de 3 de Março de
1828 sob a pressão do enviado austríaco barão de Mareschall, «sem garantiaalguma para a conservação da coroa e das instituições»
27
.
O maior empenho da Áustria era destruir a Carta Constitucional, nem que
para isso tivesse de sacrificar os interesses e direitos da neta de Francisco
I
28
. A Rússia, conjunturalmente oposta à Inglaterra em torno da questão do
Oriente, poderia dispensar «algum apoio moral», mas insusceptível de produzir resultados práticos
29
. A França, para mais governada pelo ultraconservador Carlos X, limitar-se-ia a secundar a Inglaterra. Finalmente, a Prússia,
se bem que não tivesse nenhum interesse directo na questão portuguesa, não
desejava «ver aumentar o peso da balança europeia a favor dos estados
constitucionais»
30
. Isto com respeito aos Estados que, não querendo tomar
partido a favor de D. Maria, também não se atreviam a reconhecer pura e simplesmente D. Miguel
22
Lygia Lemos Torres, Imperatriz Amélia, São Paulo, 1947, p. 112.
23
Carta de Barbacena a D. Pedro de 15-12-1830, in Imperatriz Amélia, cit., p. 111.
24
Vida do marquês de Barbacena, cit., p. 540.
25
Era esta a opinião de Barbacena (cf. carta deste para o ministro dos Negócios
Estrangeiros do Brasil, o marquês de Aracaty, escrita de Londres em 1 de Janeiro de 1829,
in Vida do marquês de Barbacena, cit., p. 503).
26
Ibid., p. 505.
27
Ibid.
28
Palmela, Despachos e Correspondência, cit., vol. IV, p. 90.
29
Id., ibid., p. 91.
30
Menos escrúpulos tiveram a Espanha, o núncio
apostólico em Lisboa e os Estados Unidos da América, que o reconheceram
em finais de 1829, princípios de 1830; afinal, também a Rússia acabaria por
se lhes juntar.
Os que em Inglaterra se batiam pela causa de D. Maria não tinham apenas
de arrostar com a má vontade ou mesmo hostilidade das potências, nomeadamente do governo de Wellington, já que Jorge IV, esse, levado por razões
de «civilidade» e de «antiga aliança», se sentia obrigado a «facilitar a residência da rainha nesta capital e a fazer-lhe os maiores obséquios», como de
facto fez, tratando-a com todas as distinções devidas às «testas coroadas»
31
.
Só que uma coisa era o rei, que via na rainha uma parente da vasta família
constituída pelos soberanos do mundo, outra e bem diferente era o governo,
que defendia os interesses do Estado tal como os interpretava.
Outra fonte de angústias eram as vacilações do próprio D. Pedro. No
Outono de 1828, Palmela enviou ao Rio uma deputação, chefiada pelo conde
do Sabugal, para lhe pedir que em caso algum anuísse ao plano anglo-
-austríaco de recambiar D. Maria para Viena
32
, onde, como prisioneira virtual, seria um joguete indefeso nas mãos de Metternich. O objectivo mais
geral da missão era obter de D. Pedro firme e público apoio político para a
causa de D. Maria, o que até ali pelos vistos faltara
33
. Por isso, «um dos
objectos mais essenciais» a alcançar era o de «obter de Sua Majestade
Imperial a declaração de que não anuirá a nenhuma proposta tendente a
conservar no trono ou na regência o Sr. Infante D. Miguel», donde se seguia
que estava fora de causa efectivar o casamento outrora previsto como
condição da abdicação completa de D. Pedro
34
. Este terá respondido: «Tenho
resolvido obrar de maneira tal, que mostre ao mundo inteiro a determinação
em que estou de pugnar pelos direitos de minha Filha, vossa Rainha, e de
nunca transigir com o usurpador da coroa portuguesa
35
.» Mas não bastava
esta garantia dada em particular. «Faz-se em todo o caso necessário que
assim o comunique do modo mais formal e decisivo aos gabinetes, que se
mostram empenhados em fazer do dito casamento a base da reconciliação,
e que sobre isto não haja a menor hesitação
36
.» O imperador acedeu. Em 23
de Dezembro de 1828 emitiu um alvará em que autorizava o marquês deBarbacena a protestar contra a usurpação, a declarar que ele jamais reconhe-
31
Carta de Barbacena para D. Pedro de 5-11-1828, in Vida do marquês de Barbacena,
cit., p. 512.
32
Ibid., p. 541.
33
Memórias do conde do Lavradio, cit., vol. I, p. 212.
34
Cf. artigo 9 das instruções levadas por Sabugal, in Vida do marquês de Barbacena, cit.,
p. 544.
35
Memórias do conde do Lavradio, cit., vol. I, p. 212
36
Cf. artigo 9 das instruções, cit.527
ceria D. Miguel e a publicar «que eu anulo e considero como írrito e de
nenhum efeito o contrato de casamento celebrado e assinado em Viena de
Áustria aos 29 de Outubro de 1826, entre ele e a minha filha»
37
. Mas para
que a causa de D. Maria começasse a ganhar alguns foros de realidade a
deputação entregou a D. Pedro um projecto de decreto para a criação de um
conselho de regência excepcional em virtude da «necessidade absoluta de dar
alguma existência e forma legal a um governo que deverá obrar em nome
da Senhora D. Maria II enquanto se não puder instaurar a regência da
Carta»
38
. Nasce aqui o embrião da futura regência da Terceira, que, criada
finalmente por decreto de 15 de Junho de 1829
39
, apenas seria efectivamente
instalada em 16 de Março de 1830.
Nos finais de 1828, a situação da «causa» de D. Maria era desesperada.
Do Brasil não se podia esperar um soldado, um barco, um real. O governo do
império nem ao menos reconhecia oficialmente D. Maria como rainha de
Portugal, temendo que esse acto lhe acarretasse compromissos e responsabilidades políticas e financeiras. Em 1828 as câmaras brasileiras tinham encerrado sem que sequer aprovassem «o crédito suplementar pedido para o pagamento de Portugal [...] não passara»
40
. Ora não tinha Palmela já sugerido «um
tratado de aliança, um pacto de família, pelo qual o Brasil se obrigaria desdelogo a subsidiar um corpo de tropas portuguesas»
41
? Tinha. E não equivalia
isso a uma virtual declaração de guerra a Portugal? Equivalia. Com o Brasil não
se podia contar, uma circunstância que deixava D. Pedro de pés e mãos
amarrados e que, no entender de Aberdeen, ministro inglês dos Negócios
Estrangeiros, forçosamente o obrigaria a aceitar a «amalgamação dos direitos
do rei e da rainha» e o esquecimento da Carta Constitucional, conforme toda
a Europa pretendia. Caso contrário, «fará a guerra a Portugal?», interrogava,
irónico, Aberdeen, acrescentando: «Neste caso perderá a coroa do Brasil,
porque os jacobinos se aproveitarão da ocasião
42
.»
Por esta altura, a Inglaterra endureceu a sua posição. Por carta de 20
de Novembro de 1828
43
, Wellington exigiu a Palmela a disseminação dos
emigrados acantonados em Plymouth por várias localidades da Inglaterra,
37
Vida do marquês de Barbacena, cit., pp. 548-549.
38
Das instruções levadas por Sabugal, cit., p. 542.
39
Fernando de Castro Brandão, O Liberalismo e a Reacção (1820-1834), Lisboa, 1990,
p. 124.
40
Carta do ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil, marquês de Aracaty, para
Barbacena de 24-11-1828, in Vida do marquês de Barbacena, cit., p. 561.
41
História de Pinheiro Chagas, vol. VIII, p. 434.
42
Diálogo entre Aberdeen e Barbacena relatado pelo último numa carta a D. Pedro em
resposta a outra deste último datada de 23-11-1828, in Vida do marquês de Barbacena, cit.,
p. 557.
43
Palmela, Despachos e Correspondência, cit., vol. IV, p. 244.
com o argumento de que aquela concentração de militares — cerca de 1000
soldados e 2250 oficiais — constituía um gesto hostil contra o governo de
Portugal, implicando a quebra da neutralidade inglesa. Em 1 de Dezembro foi
passada ordem aos emigrados para que embarcassem rumo ao Rio de Janeiro. Mas soube-se, entretanto, que a Terceira se mantinha firme e fiel, pois
a esquadra enviada por D. Miguel para submeter a ilha tinha sido na sua
maior parte destroçada por um temporal. Foi então que surgiu a ideia de
encaminhar os emigrados para os Açores, ideia a que Aberdeen logo se opôs
com o argumento de que, por maioria de razão, a partida dessa expedição
militar de solo inglês violava intoleravelmente o princípio da não interferência
da Inglaterra no conflito português. O caso deu lugar a uma prolongada
troca de correspondência entre o ministro de D. Maria
44
e o ministro dos
Negócios Estrangeiros britânico, mantendo o primeiro que na Terceira não
existia conflito nenhum, uma vez que D. Maria era lá rainha de facto e de
direito
45
. Enquanto decorria o duelo diplomático, partia de Plymouth o primeiro troço de 265 expedicionários, que, interceptados pela marinha britânica, foram obrigados a rumar ao Brasil
46
. Três dias depois partia Saldanha
com 600 homens distribuídos por quatro navios de transporte. Também
estes foram interceptados diante do ancoradouro da Vila da Praia pelas
fragatas inglesas Ranger e Nemrod, comandadas por Walpole, que chegou
a abrir fogo sobre o brigue em que seguia Saldanha. Este retrocedeu, mas,
em vez de seguir para o Brasil, rumou em direcção à França, tendo aportado
em Brest a 30 de Janeiro de 1829
47
.
O caso, amplamente noticiado, caiu mal em Inglaterra, pois na realidade
era difícil qualificar de expedição militar o que não passava do embarque em
navios mercantes de 600 homens desarmados, «sem pólvora nem bala, nem
arma de qualidade alguma»
48
. No Parlamento, a oposição whig apresentou
uma moção muito crítica da forma como o governo se conduzia na questão
portuguesa. A moção, apresentada por James Mackintosh e defendida por
Palmerston, foi aprovada
49
. O governo não caiu, mas abrandou a pressão e
diminuiu os entraves colocados à reunião na Terceira de uma força capaz de
fazer valer os direitos de D. Maria ao trono português. O certo é que emBarbacena, enquanto plenipotenciário do imperador — «pai, tutor e curador da rainha» —,
Palmela foi nomeado ministro e secretário de Estado encarregue da «expedição de todas as
ordens que houverem de ser dadas a bem do meu serviço» (cf. Palmela, Despachos e
Correspondência, cit., vol. IV, p. 311).
45
Memórias do conde do Lavradio, cit., vol. I, pp. 208-209.
46
Ibid., p. 209.
47
Ibid., pp. 209-210, e Vida do marquês de Barbacena, cit., p. 580.
48
Carta de Barbacena para Aracaty de 6-2-1829, ibid., p. 568.
49
Memórias do conde do Lavradio, cit., vol. I, p. 216. Em finais de Março de 1829 já lá tinham desembarcado «mais de mil indivíduos,
4000 espingardas, balas, pólvora e 500 bocas de fogo»
50
. Impunha-se nomear uma autoridade que superintendesse ao governo civil da ilha e assumisse em simultâneo o supremo comando militar das tropas ali concentradas.
A escolha recaiu sobre o conde de Vila Flor, futuro duque da Terceira, que,
partido de Brest, ali aportou a 22 de Junho com mais 21 oficiais.
No plano diplomático, contudo, não se registavam quaisquer progressos.
Aberdeen continuava a insistir em que o casamento da rainha com o infante
era «condição sine qua non de qualquer negociação», uma exigência aliás
pouco realista, uma vez que D. Miguel já tinha manifestado a intenção de
desposar uma princesa da Baviera
51
. O marquês de Barbacena começava a
desesperar e a convencer-se de que o melhor era D. Maria voltar para o
Brasil «até que os negócios tomem a desejada face»
52
. Com efeito, passados
alguns meses, a sua «causa» continuava a ter «a aparência de ser inteiramente
abandonada»
53
. É certo que D. Pedro nomeou em 15 de Junho de 1829 a
regência da Terceira, composta pelos marqueses de Palmela e Valença e por
António José Guerreiro, mas, conquanto estes tivessem enviado alguns agentes à Europa, nenhuma potência a reconheceu, a começar pela Inglaterra,
que declarou francamente não reconhecer ao imperador do Brasil autoridade
para nomear uma regência que governasse Portugal
54
.
Mas o imperador do Brasil não dava menores dores de cabeça. Na resposta ao discurso da coroa nos princípios de 1829, nenhuma simpatia foi
manifestada pela sorte da filha de D. Pedro, quando, mais do que isso, teria
sido necessária a promessa de que «os seus fiéis súbditos» dispensariam o
auxílio requerido para aliviar os males da «oprimida e infeliz nação portuguesa». Como não era «mister declarar guerra a Portugal», continuava a crítica
velada de Barbacena, «mas somente prestar à rainha os socorros que cabem
nos limites da nossa dívida a esse reino», não deveria ter sido difícil ao
imperador arrancar às câmaras brasileiras uma declaração deste teor
55
. «Entre declarar a guerra a Portugal, e nada fazer pela rainha, há uma distância
imensa», insistia Barbacena
56
. Ao silêncio das câmaras seguiu-se um doloroso vexame. Chegado ao Brasil acreditado como embaixador da rainha D.
50
Ibid., p. 210. Corroborado por Palmela em carta ao conde do Sabugal de 7-3-1829
(Palmela, Despachos e Correspondência, cit., vol. IV, p. 412). Corroborado também por
Barbacena em carta a D. Pedro de 6-3-1829 (Vida do marquês de Barbacena, cit., p. 617).
51
Carta de Barbacena a Aracaty de 7-2-1829, in Vida do marquês de Barbacena, cit.,
p. 569.
52
Carta a D. Pedro de 16-3-1829, ibid., p. 618.
53
Carta de Barbacena a Aberdeen de 18-6-1829, in Palmela, Despachos e Correspondência, cit., vol. IV, p. 482.
54
Félix Pereira de Magalhães, Apontamentos para a história diplomática de Portugal
desde 1828 até 1834, p. 56.
55
Carta a D. Pedro de 4-2-1829, in Vida do marquês de Barbacena, cit., p. 575.
56
Carta de Barbacena a D. Pedro de 2-7-1829. Ibid., p. 669
D. Maria II, o conde do Sabugal não foi ali recebido por D. Pedro nessa
qualidade sob o pretexto especioso de que era ministro de uma soberana
menor
57
. Palmela desesperava, pois todos dirigiam os olhos «ansiosamente
para o Brasil», todos «imploram algum auxílio efectivo que acelere o momento da queda do usurpador». Não se compreendia como um tal auxílio
não fosse prestado, uma vez que não era de molde a «comprometer esse
império a uma guerra aberta com Portugal, nem a ocasionar despesas desproporcionadas». Tão-só se pedia «o exacto pagamento da dívida que esse
império contraiu com o governo legítimo de Portugal» e que o Brasil cedesse, ou vendesse ficticiamente, algumas embarcações de guerra com a respectiva artilharia
58
.
À má vontade dos brasileiros somavam-se a falta de energia e o desnorte
do imperador. Segundo informou José António Guerreiro, regressado do
Brasil em princípios de Abril de 1829, tomara ele «a vigorosa resolução» de
«reassumir a coroa portuguesa por haverem caducado as condições da sua
abdicação», quando por circular de 10 de Outubro de 1828 anunciara a todo
o corpo diplomático que reconfirmava essa abdicação e reconhecera D. Maria
como rainha reinante de Portugal, já depois de mais do que consumada a
usurpação. Voltar atrás — escreviam-lhe Palmela e Guerreiro — criaria um
insolúvel imbróglio jurídico e acarretaria o descrédito político da causa da
filha. Esta senhora, ainda que menor, «tem em si radicada a plenitude do
poder real» e, se não pode governar, pode criar uma regência que governe
em seu real nome, bastando para isso a autorização de D. Pedro como seu
tutor
59
. No mesmo sentido escrevia Barbacena, julgando também ele «impossível a execução de tudo quanto foi concebido no Rio debaixo da hipótese de
Vossa Majestade Imperial reassumir a coroa de Portugal»
60
. Era, pois,
impensável que D. Pedro quisesse agora instituir uma regência em seu próprio
nome como rei de Portugal; a única regência legal e regular seria em nome da
rainha
61
. Os argumentos de Barbacena e Palmela — ou as vicissitudes da
posição política de D. Pedro no Brasil — tê-lo-ão convencido. Como atrás se
referiu, a regência em nome de D. Maria foi efectivamente criada por decreto
de 15 de Junho de 1829. Mas, como também se disse, ninguém a reconheceu não podendo praticar nenhum acto público e formal.
Na Europa, os negócios continuavam a não correr de feição. Em meados
de 1829, o impasse diplomático era total e as perspectivas políticas eram
57
Carta de Palmela ao conde do Sabugal de 15-4-1829, in Palmela, Despachos e
Correspondência, cit., vol. IV, p. 437.
58
Ibid.
59
Carta de Palmela e Guerreiro a D. Pedro em 25-4-1829, ibid., p. 445.
60
Carta de Barbacena a D. Pedro de 28-4-1829, in Vida do marquês de Barbacena, cit.,
p. 653.
61
Carta de Barbacena a D. Pedro de 8-5-1829, ibid., p. 657.531
negras. Os governos inglês e francês explicaram-se perante os respectivos
parlamentos. O primeiro, reconhecendo embora o acto da usurpação, reafirmou o princípio da neutralidade ou não interferência nos negócios internosde Portugal. O segundo declarou enigmaticamente que as potências estavam
determinadas a manter a paz e evitar as revoluções, o que era uma maneira
de dizer que a «causa» de D. Maria era revolucionária. É certo que um e outro
tinham interrompido as relações diplomáticas com o governo de D. Miguel,
mas não era menos certo que em caso algum se deveria esperar das potências «auxílio efectivo a favor da senhora D. Maria II». E de Portugal o que
havia a esperar? Nada. O país vivia subjugado pelo terror e, «sem um
impulso externo», nenhuma «comoção» por certo se verificaria. Restavam a
«leal guarnição» que defendia a Terceira e os cerca de 2000 emigrados ainda
espalhados por França, Bélgica e Inglaterra. À insuficiência dos homens
acrescentava-se a falta de meios. Sem dinheiro, sem armas, sem navios de
guerra, sem enquadramento diplomático, o que se poderia fazer ? Não desanimar, porque «a causa é justa», e conquistar o «apoio efectivo» do
imperador. «Não se segue daí a necessidade absoluta de que o Brasil faça
a guerra a Portugal [...] Mas entende-se que Vossa Majestade Imperial
manifeste sem rebuço o interesse que necessariamente toma na causa da sua
augusta Filha» para que os emigrados não pareçam «à face do mundo inteiro
como uns poucos de indivíduos isolados e sem centro, sobre os quais a
calúnia faz recair os epítetos de facciosos e revolucionários» porque nenhum
soberano os sustenta, autoriza e legitima
62
.
D. Pedro resolveu mostrar sem rebuço o interesse que nutria pela causa
da filha expedindo ordens para que ela regressasse ao Brasil
63
. A decisão
agradou a Barbacena, que já anteriormente se lhe mostrara favorável, mas
deixou Palmela, Guerreiro e Valença descoroçoados. O reencaminhamento de
D. Maria para o Brasil seria interpretado como tendo o imperador abandonado a sua «causa», e as potências por certo aproveitariam o ensejo para
reconhecerem D. Miguel. Os defensores da Terceira receberiam a notícia
como «um golpe que deve aterrá-los [...] precursor de um completo abandono». Quanto aos demais portugueses, dentro e fora do reino, «cairão em
62
Carta de Valença, Palmela e Guerreiro a D. Pedro de 20-6-1829, in Palmela, Despachos
e Correspondência, cit., vol. IV, pp. 493-494.
63
Ignoro a data em que as expediu. Sei que as suspendeu por carta de 2 de Abril a Barbacena
cf. carta de Barbacena a D. Pedro de 30-6-1829, in Vida do marquês de Barbacena, cit.,pp. 666-667. Ignoro em que data as renovou, mas deve ter sido na altura em que foi informado
por Barbacena (por carta de 9-7-1829, p. 669) de que Amélia de Leuchtenberg, a noiva contratada
por Barbacena na Baviera, viajaria para o Brasil durante o mês de Agosto. D. Pedro terá querido
que a futura esposa e filha viajassem juntas, e o facto é que assim aconteceu. Em carta a Barbacena
de 19-6-1829, Francisco Gomes da Silva, secretário do imperador, afirma: «Ele [imperador] por
fás ou por nefas quer aqui a rainha» (Vida do marquês de Barbacena, cit., p. 675).532
inteiro desalento», tanto mais que, existindo a regência apenas no papel e não
estando ainda instalada, a «causa» de D. Maria ficaria privada de todo e
qualquer protagonismo diplomático
64
. Aberdeen, ao saber da confirmação da
notícia, declarou a Barbacena que D. Miguel estaria reconhecido pelos soberanos da Europa ainda antes de D. Maria chegar ao Brasil
65
. Era, de facto, um
rude golpe, revelador da incapacidade de D. Pedro, de pés e mãos atados pela
oposição brasileira, de empreender algo de palpável e efectivo a favor da
«causa» da filha, que fora uma criação sua. Ao chamá-la de volta ao Brasil,
o imperador não fez mais do que admitir a sua impotência e mostrar a sua
resignação.
No dia 27 de Agosto de 1829, Barbacena embarcou com a rainha a bordoda fragata Imperatriz e daí dirigiu uma declaração aos portugueses que ali
tinham acorrido a despedir-se da sua «augusta e adorada Soberana» para lhe
prestarem, nesse derradeiro momento, «novo juramento de fidelidade e
amor»
66
. Asseverou à audiência que a partida de D. Maria não significava
que o seu augusto Pai tivesse abandonado a sua «causa». Afirmou,
platonicamente, que a justiça da mesma «causa» era a melhor garantia do seu
sucesso. E ofereceu o asilo do Brasil a todos os que o preferissem ao dos
países europeus, prometendo que lá encontrariam «aquela generosa hospitalidade de que são justamente credores pelos seus não merecidos infortúnios,
e pela sua provada fidelidade às augustas Pessoas de Suas Majestades el-rei
D. Pedro IV e a rainha D. Maria II»
67
. A promessa não seria cumprida
68
.
Serviu de consolação aos emigrados portugueses a vitória da Vila da
Praia, em 11 de Agosto, sobre as tropas miguelistas ali desembarcadas nesse
dia. Ganharam novo ânimo
69
, tanto mais que, com a inestimável ajuda de
Barbacena, fora, finalmente, possível arranjar as 40 000 libras absolutamente
vitais para continuar a financiar a emigração e tirar a regência do papel,
instalando-a finalmente na Terceira
70
. A partida da rainha fora um duro
64
Carta de Palmela, Guerreiro e Valença para Barbacena de 6-8-1829, ibid., p. 682.
65
Carta de Barbacena para D. Pedro de 19-8-1829, Ibid., p. 686.
66
Carta dos regentes para D. Pedro de 29-8-1829, in Palmela, Despachos e Correspondência, cit., vol. IV, p. 553.
67
Vida do marquês de Barbacena, cit., p. 697.
68
No fim de Julho de 1830, um enviado plenipotenciário do imperador em Paris recusou-
-se a autorizar que 194 emigrados portugueses seguissem para o Brasil numa fragata brasileira
que se achava no porto de Brest, próxima a partir (v. Memórias do conde do Lavradio, cit.,
vol. I, pp. 233-234).
69
Ibid., p. 225; carta de Barbacena aos regentes de 30-8-1829, in Vida do marquês de
Barbacena, cit., p. 560.
70
Carta dos regentes (Palmela, Valença e Guerreiro) para Barbacena de 27-8-1829, ibidp. 694, e resposta de Barbacena em 29-8-1829, ibid, p. 695. Em circular de 26-2-1830,
Palmela anunciava ao corpo diplomático a próxima partida da regência para a Terceira, onde
esta, finalmente, se instalou em 16 de Março. O marquês de Valença foi nela substituído pelo
conde de Vila Flor, que, como sabemos, já lá se encontrava
.revés, é certo. Mas, em compensação, consolidara-se a lealdade da Terceira,
aliviaram-se os excruciantes apertos financeiros que ameaçavam asfixiar a
«causa» e perfilou-se a possibilidade de instalar a regência nos Açores, onde
actuaria como um embrião do governo de D. Maria. Mas D. Pedro espalhou
de novo angústia e perplexidade. No Verão de 1829, precisamente quando
se davam estes desenvolvimentos, chegou o marquês de Santo Amaro como
seu plenipotenciário para tratar dos negócios de Portugal, como logo se
espalhou
71
. Conforme o marquês confidenciaria mais tarde a Lavradio, quando ele saíra do Brasil, «o imperador, seu Amo, estava persuadido de que a
regência se não estabeleceria»
72
. Ficou muito espantado com os preparativos
que se faziam nesse sentido e fechou-se em copas sobre a sua missão
73
. Em
1830 foi de Londres para Paris, onde se encontrou com Lavradio. Este
notou-o muito evasivo, metodicamente ambíguo e pouco empenhado em
lutar pela «causa» da senhora D. Maria II. O marquês acabou por se explicar, confessando «que o imperador, seu Amo, queria, visto as instâncias do
governo inglês, reconciliar-se com o seu irmão». O imperador, segundo
interpretou Lavradio, «contentava-se com uma amnistia»
74
. Santo Amaro
viera «para tratar em Londres única e positivamente sobre o meio de por
termo às calamidades de que sofre Portugal» e nada podia fazer pelos
emigrados nem pela regência e seus agentes
75
. Lavradio concluiu que «o
gabinete do Rio de Janeiro não quer sustentar a causa de Sua Majestade
Fidelíssima»
76
. Nunca tinha querido e continuava a não querer, como claramente se infere das palavras que o imperador proferiu no discurso do trono
em 3 de Maio de 1830: «Posto que eu, na qualidade de pai e de tutor, deva
defender a causa da mesma soberana, todavia serei fiel à minha palavra dada
à assembleia de não comprometer a tranquilidade e interesses do Brasil em
consequência dos negócios de Portugal.» Os deputados apreciaram o que
ouviram e responderam que a «ingerência» nos negócios de Portugal, efectivamente, «seria sempre funesta à marcha progressiva do império»
77
.
As negociações conduzidas por Santo Amaro não conduziram a nada,
mas as suas instruções, datadas de 21 de Abril de 1830
78
, são reveladoras
do estado de espírito de D. Pedro em meados de 1830. Nelas se reconhece
71
Félix Pereira de Magalhães, Apontamentos para a história diplomática…, cit., pp. 1-2.
72
Memórias do conde do Lavradio, cit., vol. I, p. 237: relato da conversa com Santo
Amaro em 11-7-1830.
73
Félix Pereira de Magalhães, op. cit., p. 61.
74
Memórias do conde do Lavradio, cit., vol. I, p. 237: relato da conversa comAmaro em 11-7-1830.
75
Carta de Santo Amaro de 13-7-1830, in Memórias do conde do Lavradio, cit., p. 238.
76
Ibid., p. 240.
77
Vida do marquês de Barbacena, pp. 752 (fala do trono em 3-5-1830) e 754 (resposta
da Câmara em 6-5-1830).
78
Publicadas em Félix Pereira de Magalhães, op. cit., pp. 64-71.
a «imperiosa necessidade» de D. Pedro definir as suas reais intenções a
respeito de Portugal. Pois bem, «na dolorosa alternativa de recorrer ou à
força, ou à conciliação, Sua Majestade Imperial não poderia deixar de preferir
o segundo meio», até porque tem «solenemente prometido não prejudicar os
interesses do Brasil por causa da usurpação portuguesa». «Sua Majestade
Imperial [...] está na firme resolução de não perturbar a tranquilidade do
Brasil, e, conseguintemente, de não restaurar, pela força das armas, a coroa
da sua augusta Filha.» Qual seria então o meio de operar a «conciliação»?
O imperador desde já se compromete a autorizar o casamento da filha com
o irmão, uma vez que aquela complete os 18 anos e não se oponha, conquanto «que seja e fique ressalvada de qualquer modo a soberania da jovem
rainha». Uma condição absurda e implausível, pois não só D. Miguel tinha
já repudiado a sobrinha, como por certo não iria renunciar à soberania que
vinha exercendo de facto desde 1828. Outra condição inviável a que ficava
sujeita a promessa de autorizar o casamento era a de que D. Miguel publicasse uma amnistia a favor de todos os presos, degredados e emigrados e
que restituísse os bens confiscados. Como mais uma prova da boa vontade
do imperador, Santo Amaro ficava autorizado para declarar que D. Pedro
estava na disposição de entregar a rainha ao seu avô Francisco I até à idade
de 18 anos. Note-se que a respeito da Carta Constitucional não se dizia uma
única palavra. Mas o mais importante vinha no fim. Se os soberanos da
Europa rejeitassem, no todo ou na parte, as condições da conciliação propostas por D. Pedro, o imperador deixava «absolutamente à discrição» dos
mesmos «a decisão dos negócios de Portugal, removendo de si toda a
responsabilidade, que da mesma decisão possa resultar, e protestando, na
qualidade de tutor da jovem rainha, contra a usurpação da coroa da sua
augusta pupila». Ou seja, em meados de 1830, D. Pedro IV tinha implicitamente revogado a outorga da Carta Constitucional e praticamente desistido de
lutar pelos direitos da filha. Nada disto contribuía para credibilizar a «causa»
de D. Maria nem para inspirar confiança na determinação do imperador, de
quem Aberdeen pôde dizer que «e[ra] tão versátil, muda[va] tão facilmente de
parecer e de conduta, que pouca consideração merec[iam] as suas resolu-ções»
79
.
A revolução de Julho de 1830 em França, produzindo a queda dos
Bourbons e sentando no trono Luís Filipe de Orléans, suscitou a esperança
de que o novo governo francês viesse a patrocinar a causa liberal portuguesa. Mas Luís Filipe, em virtude precisamente da origem revolucionária do
seu reinado, não queria nem podia hostilizar as potências autocráticas, cujos
79
Cit. por Carreira em carta à regência de 4-11-30, in Correspondência Oficial, cit., p. 635.535
soberanos abominavam revoluções, exibiam impecáveis pergaminhos dinásticos e ostentavam coroas imaculadas. Também não queria nem podia
hostilizar a conservadora Inglaterra, imiscuindo-se nos negócios internos de
um pequeno Estado tradicionalmente colocado na sua área de influência geo-
-estratégica, onde a predominante influência britânica era respeitada à luz das
regras do convívio entre as potências tacitamente definidas desde o Congresso de Viena (1815). É verdade que o governo francês retomou o pagamento
dos subsídios aos emigrados acantonados na Bretanha
80
e é certo que o rei,como os ministros, mostravam simpatia pelo seu destino e pela sua «causa».
Com toda a probabilidade ainda, a revolução de Julho deitou por água a baixo
os «planos fatais e iníquos» concertados entre Polignac e o ministério britânico no quadro das instruções de Santo Amaro
81
. Molé recebeu Lavradio,
se bem que informalmente, logo em 18 de Agosto e ouviu-o com grande
abertura de espírito, mas teve de lhe dizer que a França não tomaria nenhuma
iniciativa que ofendesse a primazia britânica
82
. Ora em Inglaterra tudo continuava a marcar passo, e a única esperança que o visconde da Carreira
retirava das suas entrevistas com Aberdeen era a de que D. Miguel não fosse
por ora reconhecido, pois se lhe exigia para tanto a publicação de uma
amnistia que o «usurpador» não se dispunha a conceder
83
. A promessa do
reconhecimento debaixo da condição da amnistia foi oficialmente reiterada
por Eduardo IV no discurso de abertura do Parlamento sem que a oposição
whig abrisse a boca em defesa da causa liberal portuguesa
84
.
Aproximava-se assim o final de 1830 sem luz ao fundo do túnel.
O impasse político-diplomático condicionava o impasse financeiro, pois ninguém emprestava dinheiro para uma causa considerada falida; para mais o
Brasil suspendera o pagamento das prestações ainda em dívida, privando a
regência «do meio de levantar alguma soma que [a] pudesse habilitar a tentar
a fortuna das armas»
85
. Como se tudo isto não bastasse, na própria emigra-
ção grassavam cisões facciosas que se insultavam numa autêntica guerra de
panfletos, prenunciando o «reinado da frase e do tiro» que se seguiria à
implantação do regime constitucional. Em Londres, muitos emigrados que
não aceitavam a autoridade de Palmela recusaram prestar juramento de obediência à regência, ou juraram com restrições; em Paris, para evitar um
80
Memórias do conde do Lavradio, cit., vol. I, p. 251.
81
Carta de Carreira à regência de 22-9-1830, in Correspondência Oficial, cit., p. 610.
82
Memórias do conde do Lavradio, cit., vol. I, p. 260.
83
Carta de Carreira à regência de 12-10-1830, in Correspondência Oficial, cit., p. 621.
O visconde da Carreira estabeleceu-se em Londres em meados de Outubro de 1830 como
embaixador da regência da Terceira, mas nunca chegou a ser oficialmente reconhecido como
tal, pois isso equivaleria a reconhecer a própria regência.
84
Carta de Carreira à regência de 4-11-1830, in Correspondência Oficial, cit., p. 634.
85
Carta de Carreira à regência de 23-11-1830, ibid., p. 636.desaire semelhante, Lavradio teve de «retratar» a ordem para a prestação do
juramento
86
. Nestas condições, a ideia de organizar uma expedição militar para
decidir da «contenda entre a legitimidade e a usurpação» não passava então de
uma hipótese totalmente irrealista inspirada pelo desespero
87
. A queda dos
tories em 20 de Novembro de 1830 reanimou momentaneamente as hostes.
Palmerston ocupava a pasta dos Estrangeiros no novo governo whig
presidido por Grey. Segundo Carreira, «pelo que nos diz respeito, a escolha
não podia ser melhor»
88
. Tanto a Carreira como a Lavradio, que em Dezembro se deslocara a Londres, Palmerston prometeu que «nada se faria a favor
de D. Miguel por agora»
89
; mas sempre foi dizendo que «o estado actual das
relações com Portugal devia acabar»
90
. Esse estado actual era a não existência de relações diplomáticas, uma anomalia que prejudicava os interesses
ingleses em Portugal. Palmerston não nutria nenhuma simpatia por D. Miguel
e, ao contrário de Wellington e Aberdeen, não estava preocupado com o
carácter alegadamente revolucionário da «causa» de D. Maria. Apenas não
acreditava que esta causa pudesse vingar pelos seus próprios meios, pelo que
o seu triunfo exigiria uma intervenção inglesa — uma medida impensável,
dado o risco que envolvia de acarretar uma contra-intervenção da Espanha
absolutista de Fernando VII, a qual não deixaria de ser apoiada pelas potências autocráticas
91
. Num cenário pessimista, mas de modo algum impossí-
vel, uma intervenção inglesa em Portugal poderia desencadear uma guerra
europeia. Palmerston refugiou-se, pois, no princípio da neutralidade e recusou também ele reconhecer a regência, porque uma tal atitude dificultaria
depois em extremo o reatamento de relações com D. Miguel no caso, nada
improvável, de este vir a prevalecer no trono português. Nos primeiros
meses de 1831, por conseguinte, Palmerston continuava a repetir que «uma
estrita neutralidade era o único apoio com que poderíamos contar»
92
.
86
Carta de Carreira à regência de 23-11-1830, ibid., p. 644, e carta para a mesma de
15-12-1830, ibid., p. 561.
87
Carta de Carreira à regência de 23-11-1830, ibid., p. 646, e carta para a mesma de
15-12-1830, ibid., p. 650.
88
Carta de Carreira à regência de 23-11-1830, ibid., p. 646.
89
Memórias do conde do Lavradio, cit., vol. I, p. 307 (entrada do diário de 26-11-1830).
90
Carta de Carreira à regência de 14-12-1830, Correspondência Oficial, cit., pp. 648 e 649.
91
Em rigor, é preciso dizer que Palmerston, individualmente, era favorável a uma intervenção. Mas só em 1834 conseguiu convencer os seus colegas, cuja opinião prevaleceu até lá.
A 22 de Abril de 1834, com efeito, é celebrado o tratado da Quádrupla Aliança entre Portugal,Espanha, França e Inglaterra, destinado, entre outras coisas, a legalizar a intervenção anglo-
-espanhola em Portugal. O general espanhol Rodil ainda cá entrou com um corpo de tropas
que operaram conjuntamente com a divisão do duque da Terceira, mas na realidade a guerra civil
já estava nessa altura completamente decidida a favor dos liberais.
92
Carta de Carreira à regência de 15-2-1831, in Correspondência Oficial, cit., p. 663,
e carta para a mesma de 11-4-1831, ibid., p. 673.
A França dispensava encorajamento, mas seguia-lhe as pisadas. Apesar das
suas boas relações com o ministro Sébastiani, Lavradio não conseguia nem
o reconhecimento da regência nem entregar as suas credenciais
93
.
Lavradio, em Março de 1831, sucumbindo ao pessimismo, dava a «causa» como quase perdida. Os governos da Europa ou eram abertamente
contra ela ou exibiam uma «bárbara indiferença». Em Portugal nada havia a
esperar de uma oposição aterrorizada pelas implacáveis perseguições do
regime. Quanto ao «Pai e Tutor da Rainha», tinha, ao que tudo indicava,
«inteirament e abandonado» os seus defensor e s
94
. Lavr adio e s c r evi a
porventura neste dia o seu diário sob a impressão causada por uma carta de
D. Leonor da Câmara, sua prima e dama de D. Maria II na corte do Brasil.
Ela escrevera-lhe para que ele «entendesse bem o estado disto, para que não
esteja a esperar de cá o que cá não há», ou seja, apoio firme, constante e
decidido à causa da rainha
95
. D. Pedro exibia uma «indiferença que não se
crê sem observar de perto», «uma frieza que faz pasmar». «De vez em
quando, excitado por alguém, dá um passo a favor», mas logo mergulhava
na mesma abulia. Um desses passos consistira em escrever ao rei dos
franceses a sugerir o casamento de D. Maria com o filho, duque de
Nemours, o que aquele, como seria de esperar, diplomaticamente declinou
96
.
Este gesto apenas serviu para ilustrar o desnorte de D. Pedro e confirmar
a impressão de que desistira inteiramente de destronar o «usurpador», inutilizando «os sacrifícios heróicos que se têm feito e se estão fazendo»
97
.
Até que chegou a Londres a notícia de que o imperador, na sequência de
uma revolução ocorrida no Rio a 7 de Abril de 1831, tinha abdicado da coroa
brasileira e embarcado com a mulher e a filha rumo à Europa, tendo chegado
a Cherburgo a 19 de Junho. A 26 estava em Londres e hospedou-se no
Clarendon. Foi recebido pelo rei, a quem disse que nada queria para si e que
apenas necessitava de «apoio moral» para derrubar o «usurpador» do trono
português, e avistou-se com Palmerston e Grey, a quem garantiu, num
reconhecimento do carácter preferencial da aliança inglesa, que «de modo
algum obraria à revelia da Grã-Bretanha
98
. Em entrevista posterior com o
visconde da Carreira, em que este referiu a organização de uma expedição
militar agora facilitada pelo cabedal e pelo crédito do imperador, Palmerston
mostrou-se mais maleável: «Nous sommes disposés à ne pas voir ce qui ne
tombera pas sous nos yeux; ce que le ministère du duc de Wellington93
Memórias do conde do Lavradio, cit., vol. I, p. 310.
94
Ibid., p. 360 (entrada do diário a 28-3-1831).
95
Ibid., carta de 28-2-1831, transcrita a p. 347.
96
Confirmado por carta de Carreira à regência de 19-1-1831, in Correspondência Oficial,
cit., p. 655.
97
Carta de D. Leonor, cit..
98
Carta de Carreira à regência de 2-7-1831, in Correspondência Oficial, cit., pp. 683-684empêcherait, nous ne l’empêcherons pas, mais il faut en venir lá, ce que
l’empereur veut, ce qu’il veut faire
99
.»
Ora o que o imperador não queria eram compromissos financeiros que
pudessem comprometer a sua independência, uma perspectiva que o «afligia
e irritava». Resistiu a «entrar com alguma soma num empréstimo», declarando que «não arriscaria o futuro em empresas não seguras» e protestando
nem sequer ter meios para «sustentar [a filha] nesta corte com decência».
O mais que se conseguiu arrancar-lhe foi a promessa de contribuir com 25 000
a 30 000 libras como accionista de um empréstimo que se viesse a contratar
100
.
Reviveu logo a ideia de organizar uma expedição a Portugal. Sua Majestade o
Imperador, no entanto, apenas «parec[ia]» disposto a chefiá-la
101
. Também não
foi fácil convencê-lo a encarregar-se da regência do reino assim que a restauração se efectuasse em Portugal
102
. Igualmente declinou dirigir uma «proclama-
ção à nação portuguesa» a pretexto de que não era regente. Carreira concluiu
que Sua Majestade carecia de que lhe falassem «com energia», que lhe faltava
«ânimo resoluto, séquito nas ideias, constância e firmeza nos projectos, e o
esquecimento das considerações mesquinhas de dinheiro»
103
. Mouzinho da
Silveira era da mesma opinião: «É preciso que o Senhor D. Pedro se pronuncie
de modo firme e irrevogável [...] S. M. o Senhor D. Pedro deve quanto a mim
falar sempre como homem determinado a seguir a sorte da emigração, vivendo
ou morrendo com ela [...] o ponto único de que dependemos para ter Pátria
é que S. M. queira [...]; se ele não pode, ou não quer formar assim a vontade
de nos salvar, então o maior favor que nos pode fazer é abandonar-nos à nossa
desgraça, porque os espíritos já não podem com mais incerteza
104
.» Não
custam a compreender as hesitações de D. Pedro. Este ainda por esta altura
não sabia ao certo que rumo dar à sua vida, conforme se depreende de uma
carta que escreveu a um amigo no Brasil em 9 de Agosto de 1831: «Estou bom
[...] a rainha, boa e mui crescida: a sua causa não sei como vai. Por estes diasparto para França, pois Londres é muito caro [...] Vou vender a minha prata
e as jóias para fazer um fundo, para poder viver e andar de camisa branca e
engomada, sem dever a ninguém coisa alguma
105
.»
Acompanhado da rainha e da imperatriz, a 16 de Agosto partiu com efeito
novamente para França, depois de Palmerston lhe ter assegurado que, em bora a Inglaterra não pudesse «obrar abertamente», todavia «não empeceria
-
99
Carta de Carreira à regência de 2-7-1831, ibid., p. 687.
100
Carta de Carreira à regência de 4-7-1831, ibid., p. 691, e carta para a mesma de 6-
-7-1831, ibid., p. 693.
101
Carta de Carreira à regência de 6-7-1831, ibid., p. 695 (itálico meu).
102
Cartas de Carreira à regência de 12-7-1831, ibid., p. 697, e de 21-7-1831, p. 699.
103
Carta de Carreira à regência de 14-8-1831, ibid., p. 710.
104
Carta de Mouzinho da Silveira para o marquês de Resende datada de Londres de 30-
-8-1831, in Francisco Gomes Amorim, Garrett. Memórias Biográficas, Lisboa, 1881-1884,
vol. I, p. 536.
105
Carta transcrita por Lígia Torres, in Imperatriz Amélia, cit., p. 142.
o que a França fizesse a nosso favor», desde que, evidentemente, a Inglaterra conservasse sempre «a sua primazia em Portugal». A França, com
efeito, fizera-lhe «generosos oferecimentos»
106
. Por um lado, a protecção da
«causa» de D. Maria caía bem na opinião pública liberal, de que Luís Filipe
precisava para consolidar o seu trono; por outro, e sobretudo, a França
esperava no caso de sucesso, em paga dos seus bons ofícios, aumentar a
sua influência em Lisboa a partir do momento em que a restauração se
efectuasse. O rei e a rainha dos franceses já antes haviam recebido a família
imperial portuguesa com todas as honras devidas aos soberanos, tendo-lhe
cedido para residência o palácio de Meudon, próximo de Versalhes. Regressadas de Londres, Suas Majestades encontraram o palácio «ricamente disposto para as receber», não faltando «vinte e tantos cavalos de carruagem»
para o seu serviço. Seguiram-se jantares, visitas e retribuições de visitas em
que a rainha foi sempre tratada com todas as honras e deferências que lhe
eram devidas
107
, numa demonstração inequívoca de que a França apadrinhava a sua «causa». Não podia reconhecer a regência da Terceira para acautelar o melindre da Inglaterra, mas podia disponibilizar os seus portos para
que num deles se concentrasse a expedição destinada a libertar Portugal. Esta
continuava pendente da realização de um empréstimo que se conseguisse
negociar em Londres. Finalmente, depois de mil peripécias, o contrato foi ali
assinado com a casa francesa Ardoin em 23 de Setembro de 1831
108
. Ao fim
de quase quatro anos, a causa de D. Maria II adquiria pela primeira vez
alguma probabilidade, ainda que ténue, de vingar. D. Pedro disto mesmo se
terá convencido, pois em breve aceitaria chefiar a expedição libertadora e
assumir o título de regente.
Em Londres, beneficiando da complacência inglesa, diligenciou-se com
afinco para comprar e contratar os oficiais, mercenários, barcos, armas e
munições destinados à expedição projectada. O plano era reunir a esquadra
em Belle-Isle, onde o imperador e os emigrados portugueses se lhe deviam
juntar, para dali partirem a incorporar o exército estacionado na Terceira.
Simultâneamente, prosseguiram os esforços na frente diplomática, mas sem
êxito. Em Novembro de 1831, Palmela perdera já toda a esperança de obter
a «cooperação activa e decisiva» da Inglaterra, limitando-se agora a solicitar-
-lhe «a garantia contra a Espanha» e o «reconhecimento tácito do título de
regente assumido por Sua Majestade Imperial»
109
. Exceptuando o benévolofechar de olhos sobre os preparativos bélicos portugueses, Palmerston manteve-se inabalavelmente fiel ao princípio da neutralidade ou não interferência,
salvo em caso de agressão espanhola: a mais não era obrigado
110
.
D. Pedro chega a Belle-Isle a 2 de Fevereiro de 1832 e nesse mesmo dia,
a bordo da fragata Rainha de Portugal, publica um manifesto em que
anuncia ter reassumido provisoriamente a autoridade que estivera depositada
na regência da Terceira até que as Cortes o confirmassem na regênc
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RE: A. Bivar VII
Cont.
. Vivia rodeado de «cólera», «peste, fome e guerra»,
assistindo impotente à «grande miséria e privações que chegam a todos»; nos
hospitais morria uma em cada sete pessoas, «sobretudo mulheres»; em suma,
«tudo se conserva[va] na mesma; mais balas e bombas em um dia, menos no
outro, etc.»
114
Passavam semanas, meses, e não havia «novidades»: «Continua
o bombardeamento e as balas a causarem as suas.» Paradoxalmente, o que
lhe restava era só mesmo ter esperança: «Eu não perco as esperanças [...]
de te sentar sobre o teu trono salvando ao mesmo tempo a humanidade que
jaz oprimida pelo maior e mais feroz despotismo
115
.»
110
Carta de Palmerston a Palmela de 17-12-1831, ibid., p. 729.
111
Carta de D. Pedro a D. Maria de 18-7-1831, CCR, caixa 7321, cap. 134.
112
Carta de D. Pedro a D. Maria de 27-11-1832, CCR, caixa 7321, cap. 134.
113
Carta de D. Pedro a D. Maria de 9-1-1833, CCR, caixa 7321, cap. 134.
114
Carta de D. Pedro a D. Maria de 24-2-1833, CCR, caixa 7321, cap. 134.
115
Carta de D. Pedro a D. Maria de 23-4-1833, CCR, caixa 7321, cap. 134.541
A «causa» de D. Maria II (1826-1834)
Conseguiria D. Pedro esse desiderato pela força das armas? Afinal, já
desde Agosto, um mês logo após o desembarque, que pairavam a este
respeito as maiores dúvidas, e por isso se despachara Palmela para Londres,mandatado para pedir a intervenção da Grã-Bretanha «em favor dos interesses da Rainha», declarando-se sua aliada ou, «pelo menos», acreditando um
agente diplomático junto do regente
116
. Na carta dirigida a Palmerston,
Palmela deixa implícita a possibilidade de uma derrota militar: «o momento
é o mais crítico possível»; «V. Ex.ª não pode ignorar que o insucesso da
tentativa do imperador teria consequências fatais» não apenas para a nação
portuguesa como para toda a Europa do Sul
117
. Vila Flor confidencia a
Palmela que a situação é grave: «Nós aqui estamos muito pior do que tu nos
deixaste.» Havia «deserções em quantidade», ao passo que o inimigo continuava a receber reforços. «Digo-te que não estamos bem: isto é só para ti,
de quem principalmente dependerá o êxito da causa
118
.» Vila Flor, o militar,
cedo se rendera à diplomacia.
Não era o único. D. Pedro pensava de igual modo. Também ele via a
situação militar muito mal parada: «não quero deixar de lhe dizer» — escrevia
a Palmela — «que a nossa posição cada dia é mais precária [...]: estamos
reduzidos a 5000 baionetas de tropa de linha, cercados por dois exércitos»
de 12 000 homens ao todo, «e além disto quase bloqueados pela esquadra
[de D. Miguel] que está à vista». Quanto à tropa, «parte está animada, parte
não». D. Pedro e o seu estado-maior não estavam animados: «Antes de
aparecer a esquadra pensámos na retirada para os Açores», não o tendo feito
apenas porque o bloqueio o impediu. Face à dura realidade, «assentámos que
não havia outro remédio senão batermo-nos sem esperança de retirada».
Obrigados a baterem-se, resolveram então concentrar-se na fortificação da
cidade, abandonando Gaia para pouparem em extensão de linhas a defender
119
. Em meados de Agosto de 1832, pouco mais de um mês após a
entrada no Porto, D. Pedro estava disposto a capitular e por certo o teria
feito não fosse o providencial bloqueio miguelista. Ainda assim, não queria
combater, recuando perante a perspectiva de uma guerra civil com que,
pelos vistos, nunca contara e que temia perder: «Lembrei eu em conselho
[...] — por querer poupar o sangue de parte a parte, e [por ver] que no fim
nos veríamos obrigados pela força ou pela fome [...] a tratar de uma convenção, o que desejo evitar para me não ver obrigado a tratar com o meu
irmão, nem a ver acabar a cena horrorosamente — que firme nos meus
116
Carta de Palmela para Palmerston, Londres, de 2-8-1832, in Palmela, Despachos e
Correspondência, cit., vol. IV, pp. 749-750.
117
Ibid.
118
Carta de Vila Flor a Palmela de 14-8-1832, ibid., p. 762princípios de não querer promover a guerra civil, e evitar mais derramamento de sangue, que se propusesse aos chefes dos exércitos e armada de meu
irmão (não direi o modo) uma suspensão de armas até que o seu governo
aprove a seguinte proposta: «suspensão de armas e ficar tudo no status quo
até que as cinco grandes potências decidam, se a coroa portuguesa compete
a D. Maria ou a D. Miguel definitivamente
120
.» O conselho militar, menos
derrotista do que o seu chefe, deliberou que se não proporia, «por ora», a
suspensão de armas; ainda assim, ficou encarregado de se pronunciar sobre
se era «impossível ou improvável que o Porto se defenda»
121
.
O conselho deve ter concluído pela negativa, pois Palmela recebeu
instruções para «pedir ao governo inglês que imponha aos dois partidos
suspensão de armas», mas não para instar com D. Miguel para que acedesse
a um armistício; tal envolveria um pedido de suspensão de hostilidades que
seria desairoso para D. Pedro e enfraqueceria a sua posição negocial
122
, pois
o seu «evidente fim seria salvar o exército sitiado no Porto»
123
. Com o
exército libertador encurralado no Porto, Palmerston continuava a não se
querer comprometer, quer acreditando um ministro junto de D. Pedro, quer
autorizando Lord William Russel a ir residir para o quartel-general, quer
introduzindo no discurso da coroa uma frase mais favorável a D. Maria.
Apenas se podia contar com a intervenção da Inglaterra para o infeliz caso
em que, na sequência de algum revés, D. Pedro tivesse de retirar para os
Açores
124
, «do que naturalmente se seguiria o reconhecimento do Senhor D.
Miguel»
125
. Entretanto, a Inglaterra dispunha-se a agir diplomaticamente, despachando para Madrid um enviado especial incumbido de convencer Fernando
VII a secundar os seus esforços para impor uma suspensão de armas aos dois
partidos beligerantes e de, obtido isso, negociar o reconhecimento espanhol de
D. Maria a troco do esquecimento da Carta Constitucional. Para compreender
tão generosa concessão por parte de D. Pedro bastará ter em conta a situação
aflitiva em que se encontrava. Segundo Palmela, só «algum grande milagre»
poderia terminar «inesperadamente» aquela «extraordinária contenda»
126
. Desde que se conhecera «a impossibilidade em que estávamos de concluir por
meio das armas a nossa contenda», D. Pedro estaria disposto a tudo, «sem
exigir outra condição mais do que a exclusão do infante D. Miguel»
127
. Mas
para se compreender o empenhamento diplomático de Palmerston é necessáriolevar em linha de conta os condicionalismos europeus e peninsulares em que
a Inglaterra se movia.
Para os homens da primeira metade de Oitocentos, a Europa assemelhava-
-se a um sistema de vasos comunicantes em que qualquer vibração produzia
ressonâncias imprevisíveis e incontroláveis. Foi desta percepção da realidade
que se alimentou o medo constante de uma guerra geral durante o que veio
a ser, afinal, o mais longo período de paz vivido pela Europa até ao século XX.
Depois do Congresso de Viena (1815), as cinco grandes potências — Inglaterra, França, Áustria, Rússia e Prússia – auto-atribuíram-se a missão de cooperarem pela paz, ao mesmo tempo que competiam ferozmente entre si por
influência na Europa e no mundo. A partir de 1830, aquela cooperação era
ainda mais dificultada pela indisfarçável divisão da Europa em dois campos,
constitucional e absolutista. A Inglaterra agia tendo em conta os interesses
gerais da paz e os seus interesses específicos. Como já foi referido, uma
intervenção aberta em Portugal era susceptível de provocar uma contra-intervenção espanhola, e esta, por seu turno, devido à informal mas tradicional
aliança franco-espanhola, poderia acarretar o envolvimento da França. Tanto
bastou para que a Inglaterra se abstivesse de interferir no conflito português,
ou sequer de tomar aberta e oficialmente partido por um dos beligerantes. Mas
o prolongamento da indefinição em Portugal lesava os seus interesses no
extremo ocidente peninsular. Em 1830, quando Palmerston chega ao Foreign
Office, a Grã-Bretanha não possui em Lisboa representação diplomática.
A influência inglesa fora aqui substituída pela da Santa Aliança dos estados
absolutistas, ameaçando o livre acesso da esquadra britânica ao Tejo, que era
condição da segurança de Gibraltar e, por extensão, do Mediterrâneo oriental,
do Próximo Oriente e das rotas terrestres para a Índia. Os mercadores ingleses
eram hostilizados e molestados pelas autoridades miguelistas. O comércio
britânico ressentiu-se, atravessando uma grave depressão. O reconhecimento
de D. Miguel melhoraria, mas não resolveria a situação, pois o infante seria
sempre mais permeável à influência das cortes absolutistas.
A abertura da questão sucessória em Espanha ofereceu a Palmerston a
possibilidade de superar o impasse, sugerindo-lhe uma nova política portuguesa. Em Setembro de 1832, Fernando VII adoeceu gravemente e a rainha
Cristina assumiu a regência durante a menoridade da filha Isabel. O novo
primeiro-ministro, Zea Bermudez, prosseguiu a política contraditória de Fernando VII, tentando, por um lado, fazer vingar a sucessão de Isabel, que era
apoiada pelos liberais, mas governando, por outro lado, com o apoio do partido
apostólico, adepto da sucessão de D. Carlos, irmão de Fernando. O casoameaçava uma guerra civil, aliás logo esboçada a partir do Outono de 1833,
após a morte de Fernando VII, em 29 de Setembro desse ano. Palmerston
julgou poder explorar a contradição da política de Zea obtendo o reconhecimento espanhol de D. Maria a troco do apoio inglês à causa de Isabel.
A concordância da Espanha, no entanto, implicava não só o afastamento deD. Pedro, como o sacrifício da Carta Constitucional, prevendo-se apenas que
D. Maria viesse a reinar assistida por um conselho de regência de homens
moderados, críticos do absolutismo puro e duro e vagamente receptivos a
algumas ideias liberais. Estas concessões pareceram a Palmerston um preço
modesto a pagar pelo duplo ganho que contava obter: a recuperação do predomínio britânico em Lisboa e um aumento de influência em Madrid. Em suma,
a jogada, se bem sucedida, permitiria romper a aliança entre o absolutismo
nórdico e peninsular, integrando toda a Ibéria no campo constitucional europeu.
Foi este negócio que levou Strattford Canning a Madrid nos finais de
Dezembro de 1832, com o conhecimento e a anuência de D. Pedro
128
, que
estaria «disposto a aceder a tudo»
129
. Após numerosos contactos e prolongadas conversações, o plano terminou em nada. Zea Bermudez opôs-se à transacção por receio de que o reconhecimento de D. Maria lhe alienasse o apoio
«apostólico», pondo em perigo o seu governo e dificultando ainda mais a causa
de Isabel. Passam-se os dias, as semanas e os meses, e D. Pedro continuava
sitiado no Porto. À medida que o ano de 1833 avançava, parecia não restar
à Grã-Bretanha outra alternativa senão negociar com o «usurpador». E, com
efeito, depois da ruptura das negociações de Canning, em Março de 1833, o
seu reconhecimento esteve «mais próximo do que nunca»
130
.
Graças em grande parte a Palmela, aconteceu o «grande milagre» por que
ele tanto ansiara. Já demitido do ministério desde Novembro de 1832; e
desligado da sua missão diplomática desde Janeiro de 1833
131
, Palmela vai
para Paris, onde a mulher ficara a residir desde a sua partida para os Açores,
três anos antes. Por uma feliz coincidência para o partido liberal, a sua vida
e o seu destino estavam completamente hipotecados ao triunfo da «causa»
da rainha. Com o seu futuro em jogo, resolveu agir. Em Abril voltou a
Londres. Juntamente com Abreu e Lima (visconde da Carreira), Henrique
José da Silva (futuro barão de Lagos), o financeiro espanhol Mendizabal e
o almirante Napier, organizou, à revelia do imperador, a que ficou conhecida
pela «expedição dos vapores»
132
. Dinheiro, barcos, mercenários, oficiais e
almirante só se arranjaram graças ao seu envolvimento pessoal
133
.
128
Carta de D. Pedro a Palmela de 25-12-1832, in Palmela, Despachos e Correspondência, cit., vol. IV, p. 850.
129
Carta de Palmela a Carreira de 27-3-1833 (Paris), in Carreira, Correspondência Oficial,
cit., p. 74.
130
Roger Bullen, England, Spain and the Portuguese Question in 1833, «EuropeanStudies Review», vol. IV, n.º 1, 1974, p. 21.
131
Carta à mulher, Londres, 31.1.1833, in M. Amália Vaz de Carvalho, Vida do duque
de Palmela, Lisboa, 1898-1903 3 vols., vol. II, p. 498.
132
Luz Soriano confirma que tudo se passou à revelia do imperador: História do Cerco
do Porto, Porto, 1890, t. 2, p. 378.
133
Confirmado por Napier em War in Portugal, vol. 1, p. 144. Palmela afirma que só arranjou
dinheiro emprestado com a mesma condição. V. Vida do duque de Palmela, cit., vol. II, p. 515A esquadra atracou no Porto no primeiro dia de Junho de 1833. D. Pedro
reservou-lhes uma recepção «frigidíssima»
134
. Mas o plano cumpriu-se. Em
conselho militar, Napier propôs o envio de uma expedição naval que reentrasse
no país pelo Algarve, marchando daí para norte a fim de tentar a tomada de
Lisboa. A expedição fez-se ao mar em 21 de Junho. Napier comandava a
esquadra e Vila Flor o exército de terra; Palmela seguia como chefe político.
A 24 as tropas desembarcaram em Alagoa e a 27 tomaram Faro. Subindo pelo
interior, a 24 de Julho o exército liberal entrou triunfalmente em Lisboa, donde
as tropas miguelistas já se tinham retirado, a exemplo do duque de Cadaval e
do próprio D. Miguel. A 7 de Agosto, o governo britânico acreditava Lord
John Russel como embaixador junto da rainha D. Maria II. A «causa», depois
de várias vezes moribunda, estava ganha. A guerra ainda se arrastou por quase
um ano, mas em 26 de Maio de 1834 foi assinada a Convenção de Évora--Monte, nos termos da qual D. Miguel era banido de Portugal.
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RE: A. Bivar VII
Caro António Bívar,
depois de algumas mensagens trocadas entre nós há já vários anos, deixei de ter a honra de receber respostas a algumas mensagens que lhe fui enviando. Algo de errado certamente fiz, ou escrevi, mas não sei o quê!
Este tópico está com intervenções bastante interessantes, nomeadamente suas e dos confrades A. Luciano e Maria Benedita, aos quais endereço os meus cumprimentos, mas parece-me que vos está a escapar um ponto essencial. É que todas as cautelas legais instituídas na sequência da Restauração de 1640 foram pensadas para situações como a que colocou Filipe II de Espanha no trono português. Embora se possa tentar analisar o caso de Dom Pedro IV à luz da legislação existente na época, é evidente que há um conjunto de questões que escapam à aplicação directa dessa legislação. O caso de Dom Pedro IV dificilmente terá estado na cabeça de quem legislou no sentido de evitar um novo “Filipe II”. Filipe II era rei de um reino que não se desmembrou de Portugal e que já existia muito antes de Filipe II ter nascido. Filipe II não nasceu português nem nasceu como príncipe herdeiro do trono português. Pelo contrário, Dom Pedro IV, nasceu português e foi desde o nascimento tratado e educado como príncipe herdeiro de Portugal, na qual se integrava o Brasil. Do ponto de vista da lei portuguesa, Dom Pedro IV teve esse estatuto, de forma inquestionável até ao reconhecimento da independência do Brasil, portanto de 1798 a 1825.
Este caso de um príncipe herdeiro de Portugal aderir ao movimento independentista de uma parte de Portugal e se coroar monarca da parte tornada independente era tão impensável ou "atípico", que estou convencido que pouco do que havia sido legislado para os problemas “típicos” se lhe aplica. A solução que prevaleceu reflecte isso de forma clara.
Os melhores cumprimentos,
Coelho
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RE: A. Bivar VII
Caro Confrade,
Discuti neste tópico uma questão delimitada: a falta de legitimidade de D. Pedro como sucessor no reino de Portugal à data da morte de D. João VI. Essa discussão está terminada.
Acompanharei com interesse, aliás com o maior dos interesses, as mensagens do confrade Francisco de Távora mas não me interessa a discussão concreta de como os liberais conquistaram o finalmente poder, para onde vejo derivar o assunto do tópico. E também não tenho pachorra para extensíssimos copy-paste que, por desfastio, leio em diagonal. Ainda ponderei apresentar uma visão interpretativa mais aprofundada do Infante D. Miguel mas o desenvolvimento que já prevejo desinteressou-me.
Apenas uns rápidos apontamentos - para provar que ainda li em diagonal - e depois duas correcções que devo fazer.
No texto que nos foi oferecido ressalta desde logo o desconhecimento das circunstâncias da morte de D. João VI e a visão oferecida é claramente de “dentro” isto é dos que gravitavam no círculo da côrte. Basta observar que num parágrafo se diz que “todos” aceitaram D. Pedro como sucessor segundo o princípio da legitimidade para no parágrafo seguinte dizer que as revoltas no país se iniciaram de imediato.
Como é evidente, quem preparou o Conselho de Regência tinha já preparado as primeiras medidas incluindo a representação a D. Pedro no Brasil. É a vantagem dos Conselhos alargados em que um pequeno grupo sabe o que quer e o que faz. Depois os iludidos úteis, servem de cobertura para o exterior.
Não tenho dúvidas de que D. João VI acalentou até muito tarde a esperança de que a ruptura com o Brasil não fosse definitiva e a simples realidade da situação obrigá-lo-ia a manter as pontes de contaco com D. Pedro e até a insistir na sua condição de herdeiro, pois não haveria outra maneira práctica de manter essa esperança viva. Daí a concluir que quaisquer que fossem os desejos de D. João VI e o tratamento que dava a D. Pedro tivessem o efeito de alterar a realidade jurídica, só nas cabecinhas de certas pessoas.
Creio ter já dito que os 2 milhões de libras foram uma das razões de fundo que deram alguma força aos republicanos do Brasil e terão permitido ao Marechal Deodoro da Fonseca - figura que os brasileiros não veneram por aí além e a que reconhecem uma grande dose de oportunismo - proclamar a República. Ou seja, que D. João VI contribuíu de facto para o fim do reinado da dinastia Bragança brasileira. Dito de outra maneira, o liberalismo liquidou as duas monarquias.
E até o equívoco de D. João VI continuar a tratar D. Pedro como herdeiro virar-se-ia afinal contra aquele, já que muitos brasileiros nunca acreditaram que ele tivesse optado de corpo e alma pelo Brasil e a desconfiança de que poderia voltar a reunir os reinos, subalternizando o Rio de Janeiro a Lisboa mais se acentuava com a aparente boa disposição de D. João VI. A queda de D. Pedro no Brasil também se deve a essa desconfiança, agravadíssima quando entenderam ou exploraram o facto de ele se interessar empenhadamente nos assuntos portugueses, sobretudo nos meses iniciais até que Palmela e outros o convenceram a abdicar em D. Maria da Glória, solução que desagradou a muitos portugueses mas a muitíssimos brasileiros pois, sendo a filha menor, D. Pedro manteria a sua atenção nos negócios em Portugal, com prejuízo real ou imaginado, do Brasil.
Em Portugal, haveriam alguns poucos que admitiam que D. Pedro pudesse optar por voltar, abdicando no Brasil mas creio que muitos mais esperavam que D. Pedro aproveitasse para se reafirmar indubitavelmente brasileiro, renunciando a quaisquer direitos em Portugal.
Oliveira Martins diz que nesses meses, D. Miguel assumiu um papel sebastiânico e que todos esperavam que ele resolvesse tudo e até que conseguisse e reunificação dos reinos. Se Oliveira Martins não se deixou arrebatar pelo estilo e descontando o enorme exagero, existiriam expectativas inconciliáveis nessas esperanças.
A Carta e e abdicação em D. Maria da Glória, proposta pelos que queriam continuar a governar em nome do rei, como estavam habituados, foi assim um choque e até nos círculos da côrte e na própria Regência houve hesitações, decididas “manu militari” por Saldanha na primeira das muitas intervenções militares que protagonizou ao longo da vida.
Desejo então fazer duas correcções, que podendo parecer importantes, não o são de facto. Ao contrário do que escrevi, em cumprimento do decreto de D. Pedro em 1826, elegeram-se as Câmaras mas não sem haver oposição, isto é todos os candidatos eram cartistas, incluindo bastantes recuperados do vintismo, como Garrett que já tinha citado.
A segunda diz respeito ao exército. Este era essencialmente liberal no seu enquadramento, por motivos que seriam demasiado longos para explicar mas quando o repúdio pelo vintismo se exacerbou, houve três revoltas graves em menos de dois anos e em todas, apesar de em circunstâncias diferentes, houve apoio a D. Miguel. Contudo, quando regressou a Portugal para exercer a Regência e a Lugar-tenência, D. Miguel substitui todos os comandos mas para fazer face à revolta militar da Junta do Porto, teve de convocar as milícias.
Disse que não as considerava importantes, a primeira porque essas eleições para as Câmaras foram esvaziadas de conteúdo e a segunda porque as “nuances” militares, sobretudo ao nível da oficialidade, não alteram o facto dos militares que representavam um grupo etário mais jovem, terem muito maioritariamente rejeitado o liberalismo.
A. Luciano
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RE: A. Bivar VII
Caríssimo Coelho
Folgo muito em o ver de novo por aqui, pensava que já nem uma breve mirada dava a este Forum, tal o empenho com que o vejo exercer outras tarefas , bem interessantes, aliás.
Como já várias vezes foquei neste tópico, a questão pedrista/miguelista tem mais a ver com o contexto político e social da época, que a fez desenvolver no sentido do liberalismo que começava a campear por toda a Europa, que com a legitimidade de cada um dos "manos" a suceder a seu pai na coroa destes reinos.
Mas aquilo que diz está juridicamente correcto, de acordo com as Ordenações Filipinas, vigentes á época, D. Pedro nasceu e morreu português.
Das Cortes de 1838 há a apontar que não só que se baseiam,em parte, nas apócrifas Cortes de Lamego, o que invalida de imediato tal remissão, como esquecem que a rebelião de D. Pedro foi sancionada pelo rei ( vide a biografia de D. Pedro IV de Eugénio dos Santos , que foca bem que, perante a hipótese próxima de um Brasil independente, D. João VI o deseja " ao menos para ti, Pedro"), o que, igualmente invalida a "rebelião". O facto de D. João VI continuar a considerar D. Pedro como seu herdeiro e sucessor nos dois reinos confirma plenamente a anterior asserção. Podia não ter sido assim, podia ter sido elaborada norma legal que excluísse o"rebelde" da sucessão, mas tal não consta, e, sem isso nada feito.
Igualmente há a considerar a ordem de sucessão á coroa patente nas cortes de 1641, que a estabelecem de acordo com o testamento de D. João I,
"Porquanto na mesma cláusula do testamento do Sr. Rei Dom João I acima referida, fez o dito Senhor expressa constituição de linhas entre seus filhos para a sucessão destes Reinos, chamando em primeiro lugar o dito Sr. Infante Dom Duarte seu filho primogénito, e seus filhos, e netos e quaisquer outros legítimos descendentes por linha direita, que é a que os Doutores chamam linha do primogénito, e logo em falta desta primeira linha, chamou a dos outros seus filhos, por sua direita ordenança, a saber. Primeiramente a do Infante Dom Pedro (que era o filho segundo) com todos seus filhos, e netos, e faltando esta segunda linha chamou a do Infante Dom Henrique (seu filho terceiro) e acrescentou, que assim fosse nos outros seus filhos pelo modo sobredito, que são também palavras formais da mesma cláusula do testamento.
Das quais se segue precisamente, que na sucessão destes Reinos depois da representação tem o primeiro lugar a prerrogativa da linha para que em quanto houver descendentes da linha do filho primogénito se não admita pessoa alguma da linha do filho segundo génito, e da mesma maneira nos outros filhos. Porque ainda que de direito comum haja controvérsia nos Doutores, negando alguns as linhas mais, que a do possuidor, e primogénito, e não admitindo que os outros filhos constituam linha, senão quando chegaram a ocupar a sucessão. Contudo havendo expressa disposição do testador, que chamou seus filhos e descendentes por linhas separadas, não há Doutor algum, que as contradiga, nem pelo conseguinte podem ter controvérsia na sucessão deste Reino, onde expressamente estão dispostas na cláusula do dito testamento do Sr. Rei Dom João I. "
Por último, uma nota humorística nas mesmas Cortes de 1828, os juramentos de fidelidade feitos por D. Miguel ao Imperador e Rei, à Rainha e à Carta são dados como nulos " por terem sido feitos sob coação" (!) e no estrangeiro".
Resta-nos, pois, dessas cortes um ensinamento a ter em consideração nestes tempos conturbados, se quizer jurar falso atravesse ali a fronteira de Vilar Formoso, faça figas e tudo lhe será perdoado!
Perante o panorama descrito, mantenho que a defesa de cada um dos irmãos e dos princípios por eles representados , absolutismo e liberalismo, é uma questão de fé, nada mais.
E, como não podia deixar de ser, aqui deixo duas brilhantes e claríssimas participações do Dr. Eduardo Albuquerque, que definem a questão:
1-"Caros Confrades,
A propósito destas Cortes, convirá relevar alguns pontos, que porventura possam passar despercebidos a alguns espíritos aparentemente “atormentados”, sabe-se lá quem... e “obnubilados”, sabe-se lá porquê... que na sua aparente e intensa perturbação, projectam o seu pensamento para a fantasia e para o desnorte, e por isso mesmo, acabam por não causar qualquer dano à honra e dignidade do actual interveniente.
E o ponto a pôr em evidência, é este.
Para o pensamento actual, actual do ano do nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo de 2005, as Cortes de Lamego são falsas.
Se estamos a julgar factos à luz do nosso actual pensamento, é óbvio que qualquer referência a essas Cortes, venha ela de onde vier, só pode ser a de as considerar falsas.
Neste contexto, independentemente, da boa fé com que pudessem ter sido invocadas em diversas épocas, - e esta boa fé reservo-a apenas para pessoas que viviam fora do mundo da História, porque aqueles que por esta se interessavam, tinham manifesta obrigação de saber o que Fr. António Brandão dizia na Monarquia Lusitana, Parte Terceira, Livro X, Capitulo XIII , ou seja :
« Nem isto faz contra o que dissemos de não aver leis gerais ate o tempo del rey Dom Afonso Segundo;
porque COMO ESTE PAPEL NÃO HÉ AUTENTICO, tratamos só do que nos constava pellas escrituras. » -
eram falsas.
E, por isso, volto a dizer, os textos legais que serviram de fundamento às cortes de 1828, eram falsos ( Cortes de Lamego ), inexistentes ( preceitos dos Assentos das Cortes de 1641) e inaplicáveis ( leis da vizinhança ).
Assim, procurar-se fazer projecções ou conexões, entre o pensamento actual e aqueles pensamentos, só o manifesto tresler ou desnorte o pode justificar.
E por isso não me admira que se não tenha visto em Plato, o nome de Platão...
A conclusão é óbvia..."
2-"Cara Confrade, Maria Benedita,
É com o maior prazer que venho subscrever a sua última asserção, manifestação evidente de um espírito assaz cristalino, claríssimo, preciso e conciso, que sumamente me apraz registar!
Pois o cerne da questão, é esse mesmo, o da nacionalidade!
Esquece-se, faz-se por ignorar, ou convola-se para outros articulados das Ordenações, leis da vizinhança... – refiro-me à “douta” reposta ao Discurso de Proposição, realizado no acto de abertura das Cortes de 1828, já por mim transcrito – aquilo que de forma clara e precisa as ditas Ordenações consagram.
E por elas se vê, que, o Senhor D. Pedro IV, nunca poderia ser considerado estrangeiro!
Manteve sempre a nacionalidade portuguesa, porque, filho de pai português, nascido em Portugal, em Queluz, a 12 de Outubro de 1798, onde viria, igualmente a falecer, tuberculoso, a 24 de Setembro de 1834.
Quando as ditas Ordenações referem, passo a citar:
« que as pessoas, que não nascerem nestes Reinos e Senhorios delles, não sejam havidas, por naturaes delles,
postoque nelles morem e residam, e casem com mulheres naturaes delles, e nelles vivam continuadamente, e tenham seu domicilio e bens. »
( Ordenações Filipinas, Livro II, Tit. LV.)
É, manifestamente, trivial a conclusão.
Mas mais grave, é considerar-se a Senhora D. Maria da Glória como estrangeira!
Porventura, ignora-se que a Senhora D. Maria II, nasceu, no Rio de Janeiro, no palácio da Boa-Vista, a 4 de Abril de 1819 ?
Será que, o Brasil, nesta data, repito em 1819, era independente?
Será que, se ignora a data da proclamação da independência do Brasil ?
Como pode a Senhora D. Maria da Glória ser considerada estrangeira, em 1819, quando é consabido que, o grito, colérico, espontâneo e impensado, de « independência ou morte », foi lançado em data muito posterior, concretamente, em 7 de Novembro de 1822?
Mas, como ficou dito, e repito, para nós portugueses, o Brasil deixou de ser “terra” portuguesa, a partir do acto de reconhecimento formal, de 15 de Novembro de 1825.
É bom não esquecer que, o Senhor D. João VI, reservou para si o título de Imperador..., e que o Senhor D. Pedro IV, foi nomeado sucessor... apesar da, eventual, dupla nacionalidade.
Neste âmbito,
Será que a ordem interna de um país, se tem de reger da mesma forma que a ordem jurídica internacional?
Será que se ignora, que em Portugal, a Restauração não se realizou num acto, mas num processo penoso e moroso de vários anos?
A outro título,
Que dizer das expressas referencias às clausulas do testamento, repito, testamento, do Senhor D. João I, nos Assentos das Cortes de 1641, como fundamento jurídico para determinar a sucessão régia ?
Será que estes testamentos régios, eram aprovados em Cortes?
Por outro lado,
Não seriam, as Cortes, convocadas, apenas, na ausência de directo e legítimo sucessor?
Não seriam, as Cortes, mais órgãos consultivos?
Não seriam, as respostas do Rei aos capitulos, expressão da sua própria vontade?
Quando os ordenações consagram:
«... o Rey he ley animada sobre a terra e pode fazer lei e revoga-la, quando vir que convem fazer assi. »
( Ordenações Filipinas, Livro III, Título LXXV, §. 1.º)
é só ao direito ordinário, que o preceito se refere?
Onde está, o normativo clarificador, que contradite a regra?
Neste contexto, e ainda, que dizer das reiteradas declarações, do Senhor Infante D. Miguel, em que reconhece o mano, como legítimo soberano, herdeiro e sucessor da Coroa?
Será que, em Viena, estava coagido, ou teria agido sob reserva mental?
Eis, Cara Confrade, algumas das muitas interrogações que se poderiam enunciar...
Mas, uma coisa é certa, na minha modesta opinião, até prova em contrário, “de iure”, foi, o Senhor D. Pedro IV, o legítimo sucessor destes Reinos,
e por uma razão simples,
por nele convergirem todos os pressupostos necessários!
E para chegar a esta conclusão, não foi necessário recorrer a textos falsos, ( as pretensas Cortes de Lamego ), a preceitos inexistentes, ( Assentos de 1641 não verificáveis ) ou preceitos inaplicáveis ( leis de vizinhança ).
Na expectativa de a não ter molestado com todo este “arrazoado”, e subscrevendo plenamente a sua correcta asserção, termino estas breves considerações."
Por último deixo aqui uma palavra para o confrade Sequeira: eu também nunca entendi porque é que os monárquicos , para legitimar a posição do Senhor D. Duarte vão buscar Pactos de Dover, Paris, casamentos entre as duas linhas, e toda uma parafernália de ligações aos últimos reis de Portugal. D. Miguel foi rei, legitimado por cortes, a linha liberal extinguiu-se, resta a linha miguelista, representada, e bem, pelo Senhor D. Duarte. Salazar resolveu a questão da nacionalidade de D. Duarte Nuno por Despacho do Ministério da Justiça de 1943 ( despacho contra legem, mas sancionado posteriormente por Lei, tal como o Ipiranga foi sancionado pelo Rei), D. Duarte Pio é, pois, português, filho de português e descendente de rei português, de nada mais necessita.
Um grande abraço
Benedita
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RE: A. Bivar VII
Caro Confrade,
Acredite que não tenho consciência de ter deixado de responder voluntariamente a qualquer mensagem sua! Por alguma coincidência infeliz devem ter-me escapado algumas, o que deve acontecer de vez em quando sem que eu dê por isso, ou por deixar algumas respostas para mais tarde por alguma razão e depois não ter oportunidade de as retomar, ou por problemas com o computador (tive diversos recentemente), etc.. Tive sempre muito gosto em trocar mensagens consigo neste fórum, mas, mesmo quando discordo de alguém ou mesmo quando a intervenção não me é particularmente agradável (o que nunca foi o caso das suas) tenho por hábito responder logo que possível; assim peço-lhe que me desculpe por alguma ou algumas mensagens que tenham ficado sem resposta e pode estar certo que se alguma vez voltar a acontecer não será voluntariamente e agradeço que me chame a atenção. Deixo-lhe aqui o meu mail e peço-lhe que não hesite em usá-lo se voltar a acontecer alguma distração minha desse tipo: abivar arroba sapo ponto pt.
Quanto à questão em debate, também me parece que um caso como o de D. Pedro não terá ocorrido aos «legisladores» pós-Restauração como possibilidade provável; mas do meu ponto de vista tudo o que foi feito aponta para uma preocupação de, até ao limite, não «arriscar» situações de conflitos de interesses motivados por partilha de soberanos com outros países. A petição das Côrtes de 1641 que eu citei, independentemente do valor legal que tivesse, é exemplo claro desse estado de espírito, pois aí regula-se uma situação em que ambos os filhos do Rei teriam sido educados em Portugal, o primogénito para reinar sucedendo a seu Pai e mesmo assim cede-se o primogénito ao Reino estrangeiro e é impedido de reinar em Portugal.
1925 é mesmo uma data «fatídica» a esse respeito pois fica aí consagrada e aceite por Portugal a separação dos destinos dos dois países; a partir daí deixa de haver necessidade de harmonização dos respectivos interesses e essa situação, ao ser aceite por Portugal exclui obviamente D. Pedro da condição de vassalo do Rei de Portugal, uma vez que ficava livre para tomar decisões soberanas que poderiam colidir com os interesses do país de origem, e tal condição era aceite por Portugal. Essa condição de vassalo português (por oposição a príncipe estrangeiro) parece-me ser a crucial que deveria ter um Príncipe, até à morte do Rei para poder manter os seus direitos sucessórios.
Com os melhores cumprimentos e desejando um óptimo Ano de 2012,
António Bivar
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RE: A. Bivar VII
«Obviamente» e não «óbviamente» (não uso o acordo ortográfico, mas tento não dar erros de ortografia de acordo com o acordo anterior...).
RespostaLink directo:
Ainda a nacionalidade
Caro A. Luciano,
Fico contente por saber que segue com interesse as minhas mensagens embora temo que o vou desapontar. É que feita uma avaliação em traços gerais do Regime Liberal (aquele que vigorou de 1836 até 1910), restava-me agora mergulhar nos particulares da época e analisar esse regime evento a evento. Não possuo, nem terei a possibilidade de adquirir em tempo útil, os conhecimentos necessários para tal e por isso não vou desenvolver a avaliação que já fiz. Gostava que os leitores deste tópico retivessem o seguinte: por simpatias ideológicas, e às vezes genealógicas, os analistas do passado são levados a fazer a apologia de erros políticos graves - isso impede-nos de aprender com os erros do passado ficando condenados a repeti-los. Penso que para cumprir este objectivo são suficientes as minhas primeiras duas mensagens neste tópico.
Tinha prometido a mim próprio que não iria entrar na discussão da legitimidade de D. Pedro para assumir o poder após a morte de seu pai D. João VI. O que se escreveu sobre a nacionalidade é demasiada tentação e encontro-me por isso a quebrar essa mesma promessa. É certo que Nacionalidade, como Nação, são conceitos que evoluíram em significado ao longo dos séculos e o que para mim é nacionalidade não será o mesmo que era para os homens de há duzentos anos. Consciente disso, vou me esforçar para não escrever grandes asneiras.
Arrisco a dizer que a nacionalidade do sucessor ao trono de Portugal era indiferente aos Portugueses do século XIX. Nem sequer deveriam estar preocupados se ele falava português ou não. Podia ter nascido na Suécia, com os olhos em bico, e falar Russo. O que os Portugueses queriam é que o Rei fosse Português DEPOIS de suceder no trono. Quero com isto dizer que a grande preocupação dos legisladores de 1641 era garantir que sucedia no trono um homem que ficasse com residência na Capital, que passasse a maioria do seu tempo em território português e que, acima de tudo, mantivesse os interesses de Portugal acima dos interesses de qualquer outro Reino. Também os Portuenses que se revoltaram em 1820 mostraram essa mesma preocupação. Os inúmeros casamentos “além fronteiras” da família real Portuguesa, e consequente carácter estrangeiro da nossa Família Real, nunca icomodou os Portugueses. Aquilo que os afligia era uma repetição do que nos sucedeu em 1582, quando Rei, após ser jurado no trono, desapareceu. Por 60 anos. Afligia-os igualmente a ausência do Rei que após terminadas as Invasões Francesas, teimou em não regressar à Metropole.
Que era esta a preocupação dos Portugueses quanto à nacionalidade do Rei, o corpo legislativo sobre a matéria não deixa dúvidas. Podemos por a questão se as leis criadas para este efeito foram bem ou mal redigidas, se foram leis de facto ou se não passaram de intenções explicitamente expressas pelas Cortes, se estava em vigor uma ou outra versão. Mas essas questões são assessórias. O que interessa para o caso é a interpretação daquilo a que os juristas chamam o “Espírito da Lei” - e este, no caso em apreço é claríssimo como a água cristalina da fonte mais pura. Havendo alguma ambiguidade na interpretação da letra da lei, era o dever do eventual sucessor à Coroa fazer a interpretação do “espírito da lei” não de acordo com os seus interesses pessoais, mas de acordo com os interesses do Reino.
Que garantias oferecia D. Pedro que seria Português após aceder ao trono? Que se fixaria na Capital? Que poria os interesses de Portugal acima dos interesses do Brasil? Nenhumas. Logo, de acordo com o “espírito da lei”, a sua pretensão a suceder a seu pai no trono era ilegítima. Mas não só. Depois da série de mensagens que aqui pôs no tópico, e que li atentamente, estou convencido que as pretensões de D. Pedro eram não só ilegítimas, eram ilegais.
Termino comentando um promenor que surgiu no tópico e que se refere à interpretação da frase “príncipe estrangeiro”. Ora no imaginário popular, “príncipe estrangeiro” é um homem alto, loiro, de olhos azuis que fala Inglês ou Alemão e vem de uma corte cheia de cerimónia como a Britânica ou Austríaca (no imaginário popular, a Áustria é uma monarquia). Em Direito Constitucional/Dinástico, tal como em genealogia, “príncipe” não é uma pessoa, é um título que indica soberania sobre um Reino. “Estrangeiro” não se refere por isso à nacionalidade de uma pessoa, mas sim à qualidade de um Reino. “Príncipe estrangeiro” só pode ter um significado, que é o de soberano de um reino que não o Reino de Portugal, como por exemplo Imperador do Sacro Império Romano ou Imperador do Brasil.
Bem sei que considerou esta discussão terminada, mas não resisti e meter a "minha colher".
Qualquer coisa que queira escrever sobre o Infante D. Miguel será lida por mim com o maior interesse. Não interprete isto como simpatia, mas como um pedido.
Os meus cumprimentos,
Francisco
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RE: A. Bivar VII
Caro confrade António Bivar,
a tal preocupação de não permitir que o primogénito do rei português sucedesse simultaneamente em Portugal e num reino estrangeiro, que transparece na petição de 1641, não me parece suficientemente relevante para o caso aqui discutido. Dom Pedro IV não era monarca de um qualquer reino estrangeiro, mas sim, de um reino que se tinha acabado de separar de Portugal. Dom João VI tinha tido o cuidado de ocupar também o trono brasileiro, etc. Em vez de considerar que, "com algum jeito", a letra das diversas leis existentes (pós-1640), se aplicava à nova situação, acho mais simples (menos retorcido) considerar que existia um **vazio legal** para um caso tão específico como o que se colocou. A partir daí, alguns aspectos envolventes definiram o que se seguiu. Em primeiro lugar, há que não esquecer a situação de Dom Pedro IV até 1825 (português e herdeiro do trono). Depois, como referiu o confrade Luciano, Dom João VI deverá ter acalentado a esperança de manter os dois reinos unidos. Finalmente, como referiu a confreira Benedita, as novas ideologias pós- Revolução Francesa favoreciam o partido de Dom Pedro.
Reconheço, em todo o caso, que isto são meras achegas minhas ...
Desejando-lhe também as maiores felicidades para 2012.
Os melhores cumprimentos,
Coelho
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RE: A. Bivar VII
> Mas aquilo que diz está juridicamente correcto, de acordo com as Ordenações Filipinas, vigentes
> á época, D. Pedro nasceu e morreu português.
Caríssima confreira Benedita,
eu não disse exactamente isso. O que eu disse é que Dom Pedro IV nasceu português e foi inquestionavelmente português e herdeiro do trono português até 1825. A partir daí é discutível.
O ponto principal da minha mensagem para o António Bivar, que acabo de reiterar em nova mensagem, é que me parece mais simples considerar que existia um vazio legal para a situação sucessória gerada com a independência do Brasil.
De tudo o que foi dito, há um pormenor lateral que chamou a minha atenção. Segundo o confrade Luciano, e passo a citar:
"D. João VI foi assassinado por administração de uma forte dose de arsénico aplicada de uma só vez, como foi provado por exame relativamente recente aos seus restos mortais."
Na wikipedia, encontro isto:
"Recentemente uma equipe de pesquisadores exumou o pote de cerâmica chinesa que continha as suas vísceras. Pedaços do seu coração foram reidratados e submetidos a análises, que detectaram uma quantidade de arsênico suficiente para matar duas pessoas, confirmando as suspeitas de que o rei foi em verdade assassinado.[53][54]"
As referências da wikipedia, não científicas, são das revistas "Veja" e "Época", e do ano 2000.
Sobre isto apenas quero realçar que ainda hoje a principal aplicação do arsénico é na conservação de madeiras e couros (efeito fungicida), e que o arsénico é uma das substâncias tradicionalmente usadas pelos orientais nas técnicas de mumificação. Donde deduzo que talvez o arsénico encontrado no pote das vísceras de Dom João VI lá tenha sido colocado apenas como conservante após a extracção das mesmas após a morte, e não como veneno em vida ...
Para acreditar que a tese do envenenamento está demonstrada, precisaria de ver as provas detalhadas ... (se é que alguém alguma vez as apresesentou)
O confrade Luciano dizia-se já incendiado, e portanto não quero com isto contribuir para o incendiar ainda mais, sendo certo que até apreciei alguns aspectos por ele aqui expostos. Não queria no entanto deixar de fazer esta observação.
Um abraço,
Coelho
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RE: A. Bivar VII
Cara Mª Benedita
A questão da nacionalidade de D.Pedro suscita e suscitará sempre diferenças, conforme o posicionamento que adoptarmos relativamente aos dois irmãos.
Tenho para mim que D.Pedro foi português até soltar o grito do Ipiranga.
Aí fundou um novo estado independente, e, à luz do que parece racional, não se justificava que se mantivesse um estrangeiro à frente do novo país que acabara de fundar.
Uma coisa era a realidade pré independência, outra a post-independência.
Ao proclamar um Brasil livre e independente de Portugal, consigo na chefia do estado, D.Pedro tornou-se brasileiro, sem ter que tomar todas as medidas burocráticas que implicam uma alteração de nacionalidade.
Penso, aliás, que não existiria qualquer Loja do Cidadão no Rio de Janeiro, para tratar dessas burocracias ;-)
Quanto ao facto de D.João VI, abnegadamente, ter dito ao filho "ao menos para ti, Pedro", como qualquer lavrador abastado que dá a um filho uma quinta de mão-beijada, a minha questão é esta.
Podia fazê-lo ou só as Cortes poderiam tomar posição sobre o assunto ?
Já não estávamos em regime absoluto com os Reis representantes de Deus na Terra, para a felicidade dos seus povos...
D.Pedro tornou-se brasileiro, de factu, bem como toda a sua família.
Quando da promulgação da independência, não houve qualquer reserva de nacionalidade portuguesa em relação a D.Maria da Glória, tão brasileira como todos os seus irmãos.
A Princesa D.Januária, irmã mais velha de D.Pedro II, nasceu em 1822 mas antes da proclamação da independência.
Após a abdicação do Pai, tornou-se Princesa Imperial do Brasil e sucessora imediata do irmão Pedro.
Sendo mais velha que Pedro, quando se começou a pensar no seu casamento, uma das condições foi que o eleito ficasse a viver no Brasil, pois até D.Pedro ter filhos, D.Januária era a sua sucessora, e a nova Constituição exigia que só brasileiros pudessem subir ao trono imperial.
Que diferença faz D.Januária de D.Maria II ?
Ambas nasceram antes de o Brasil se tornar independente,mas enquanto uma o abandonou, a outra lá permaneceu (ao que parece até o marido se incompatibilizar com D.Pedro II), só viajando para a Europa quando o irmão já tinha descendência.
Porque era brasileira e a sua presença era indispensável, caso algo sucedesse a D.Pedro II
A teoria de que D.Maria era portuguesa por ter nascido no Reino Unido de Portugal e o Brasil, cai por terra face ao tratamento dado a D.Januária.
Ambas foram filhas do homem que liderou a independência do Brasil, homem esse que ao se tornar o Imperador do Brasil, naturalmente se tornou brasileiro, e abrasileirou toda a sua família.
M.cumprimentos
Bernardo
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RE: Ainda a nacionalidade
Caro Confrade,
Lamento mas compreendo que não queira dissecar o liberalismo, como eu não me apetece discutir o que se passou depois de 1828 por ser um período em que não consigo encontrar nada de bom, desde a violência sob o reinado de D. Miguel, à intervenção da Quádrupla Aliança que decidiu expulsar da Península os dois Infantes, D. Miguel e D. Carlos, porque sim.
Por outro lado, D. Pedro IV foi efectivamente rei de Portugal e não vejo utilidade em analisar ou simplesmente relatar o percusro de D. Pedro, como aqui foi feito por quem tem grandes qualidades de “copy-paste” mas nem terá analisado a imagem que lhe é dada naqueles escritos. D. Miguel seria diferente porque o retrato que dele ficou é de tal forma negativo que nem seria difícil apresentar perspectivas menos negativas. Mas não o farei, pelo menos para já.
Vou aproveitar a boleia desta sua mensagem, para insistir na questão da nacionalidade, que colocou muito bem e não difere do que o confrade António Bivar tem escrito sobre o que se pretendia de facto depois de 1640. Acho que deu um bom conteúdo ao que se entendia então por rei português e príncipe estrangeiro.
Começo por contrariar um outro confrade que entende que existiria uma lacuna. Não existia lacuna nenhuma e a existir alguma coisa seria um conflito de competências mas nem isso. Sendo a questão da nacionalidade, como hoje ainda, um direito básico, não tenho qualquer dúvida que a competência legal “ultima ratio” estaria nas Côrtes ou, durante algum tempo, na assembleia constituinte.
Começando então pelas Côrtes de 1828 não há dúvida nem na sua decisão nem na doutrina invocada que vinha de 1641 e dos diplomas que foram publicados em consequência. Que estes eram suficientemente claros, prova-se pela necessidade que D. Pedro teve de, reconhecendo-os, contestar a interpretação que deles foi feita.
Da já citada Proclamação de D. Pedro de 1832, cito agora.
“... contra a precitada decisão dos chamados Tres Estados do Reino, e os argumentos, em que a apoiaram; nomeadamente contra a falsa interpretação d’huma antiga lei feita nas Côrtes de Lamego, e de outra feita em 12 de Setembro de 1642 por ElRei D. João IV. a pedido dos Tres Estados e em Confirmação da mencionada Lei das Côrtes de Lamego.”
Repare que D. Pedro confirma aqui tudo o que foi primeiro negado pelo dr. Eduardo Albuquerque. Que os Três Estados pediram a confirmação da Lei das Côrtes de Lamego e que pelo menos parte do que fôra pedido, foi publicado por lei de D. João IV em 1642.
Repare ainda que as Côrtes de 1828 invocaram essas leis, a das Côrtes de Lamego, e a de D. João IV, pelo que D. Pedro, excluído da sucessão por qualquer delas, afirma sem provar que se tratou de falsa interpretação.
Repare ainda que nem o dr. Eduardo de Albuquerque nem a dra. Maria Benedita supriram a falta de prova da asserção de D. Pedro, explicando no fórum porque é que a interpretação das Côrtes de 1828 era falsa.
Em 2005 o dr. Eduardo Albuquerque, produziu a mensagem agora reproduzida em que, como todos podem ver, recusa legitimidade jurídica às Côrtes de 1828 por terem invocado leis de Côrtes inexistentes. Passado algum tempo o mesmo dr. Eduardo Albuquerque, depois de ter contrariado e mesmo agredido e insultado - levemente, salvo erro, lunático - quem tinha defendido a incorporação das Actas de Lamego no direito sucessório real - reproduz na íntegra essa enorme Proclamação de 1832 em que as Côrtes de Lamego são referidas 3 vezes, tendo então sido acusado de parcialidade e má-fé ao que se seguiram os habituais protestos e votos de louvor e desagravo.
Meses depois, já em 2006, o mesmo dr. Eduardo Albuquerque, apresenta como ideia sua a incorporação das Actas das apócrifas Côrtes de Lamego no ordenamento jurídico nacional porque encontrara uma douta citação nesse sentido, de já não me lembro quem. Depois de confrontado publicou uma mensagem explicando, em sua interpretação, e metendo os pés pelas mão, na minha interpretação.
O que é certo é que, desde 2006 que o dr. Eduardo Albuquerque reconheceu que, apesar de apócrifas as Actas de Lamego foram incorporadas na Lei depois de 1641.
Passou-se isto tudo em dois tópicos, um que subsiste e outro totalmente apagado. Apesar do tópico apagado, a mudança de posição do dr. Eduardo Albuquerque, foi comentada noutro fórum onde foi trazida por alguém que não eu e nesse fórum conservam-se as mensagens o que adianto aqui para evitar tentações ...
Trazida agora a este tópico pela dra. Maria Benedita a primeira mensagem com o conteúdo já abandonado pelo dr. Eduardo Albuquerque, tenho que me interrogar se não seria conveniente que a Faculdade de Direito não se limitasse à Deontologia e também leccionasse Ética.
Arrumada a questão da interpretação legal das Côrtes de 1828 ficaria apenas a da legitimidade da sua convocação.
É certo que D. Miguel jurara a Carta mas se a Carta não tinha em si legitimidade o juramento não tinha valor legal. As Côrtes de 1828 disseram isso mesmo, isto é que eram nulas as medidas tomadas por D. Pedro IV ao assumir a qualidade de Rei que não lhe competia, designadamente a Carta.
Ora, como também já disse, D. Miguel convocou Côrtes no cumprimento da Carta de Lei de 4 de Junho de 1824 de D. João VI, diploma comprido e indigesto que quem quiser pode encontrar em mensagem do dr. Eduardo Albuquerque no tópico por ele criado “Legislação avulsa do século XIX”.
Para os meus efeitos apenas vou copiar duas frases:
“... que Eu fosse servido declarar em seu vigor as antigas Cortes Portuguezas, compostas dos tres Estados do Reino; Clero, Nobreza, e Povo, ...”
“E o Meu Conselho de Ministros, assistido daquellas pessoas, que Eu houver por bem nomear, fica encarregado immediatamente de proceder a todos os trabalhos preparativos, para se verificar a convocação, que deverá ser regulada segundo os usos destes Reinos;”
Ora como se sabe, D. Pedro reduziu os Estados a dois juntando os braços da Nobreza e do Clero e não fez a convocação “segundo os usos destes Reinos”. Podia alguém alegar que D. Pedro teria o direito de alterar esses usos mas é o próprio D. Pedro que vem filiar sua outorga da Carta e subsequente reunião de Côrtes para sua aprovação na Proclamação de 1823 e nesta Carta de Lei. Ou seja, mais uma vez as Côrtes 1828 não tiveram de produzir decisão inovadora - e tinham legitimidade para isso - mas até apenas de verificar a inconformidade entre o que se legislou e o que foi feito.
Para completar o ramalhete, as candidaturas implicavam desde logo a aceitação das novas regras de jogo, isto é, quem se candidatasse às Côrtes era já nos termos da Carta e, obviamente, todos os procuradores eram anteriormente já cartistas.
Fica apenas, por cautela porventura excessiva, a questão da legitimidade pessoal de D. Miguel para fazer a convocação.
Legitimidade funcional, tinha. D. Pedro entregou a convocação das “suas” Côrtes à Regência, pelo que, na ausência do soberano, seria exactamente à Regência que cabia a convocação. Poder-se-ia então argumentar que essa legitimidade era apenas funcional mas, exercendo a Regência em nome do soberano, teria de se conformar às directivas políticas deste. O desenvolvimento deste tipo de argumentação seria bem interessante, pois o soberano era D. Maria da Glória e haveria agora que decidir quem decidiria por D. Maria da Glória, se o Pai tutor legal, se o Regente e Lugar-tenente que seria o tutor político. Mas nem vou por aí.
D. Miguel jurou a Carta e, segundo os que fazem a história, abjurou. Mas repare-se que D. João VI jurou a Constituição de 1822 e não se esqueça que, independentemente de cerimónia oficial e etiqueta que desconheço, em 1821 D. Pedro, ao aceitar a Regência do Brasil, também jurou fidelidade ao Rei.
Dos três “perjuros” D. Miguel entregou a decisão às Côrtes - contra o que desejavam os Legitimistas e sua Mãe - D. João VI procurou sempre justificar-se em Proclamações em que filiava o deu primeiro dever na felicidade dos povos e mesmo nesta Carta de Lei em que considera a Constituição “monstruosa” e repetindo sempre e explicitamente a recusa do despotismo. E cito:
“... não podendo caber senão em cabeças desvairadas, e corrompidas, que hum tal Governo Monarquico se possa chamar arbitrario, e despotico, ou que a expressão de Rei absoluto, que por este modo governa os seus Povos, possa ter outra intelligencia, que não seja, a que sempre teve, de Rei independente, e que não reconhece superior sobre a terra.”
É triste que Palmelas e comanditas nem as Cartas de Lei lhe cumpriam e que Albuquerques e Beneditas o queiram agora fazer déspota.
Esclareço que concordo com D. João VI e a felicidade dos povos - ou pelo menos a sua não infelicidade forçada - deve ser a primeira consideração dos príncipes.
Esclareço mais que, se D. Pedro, interpretando um mais do que justo direito à revolta dos habitantes do Brasil, tivesse gritado o Ipiranga em nome de seu Pai até que este se libertasse dos políticos que tanto ofendiam legítimos direitos dos governados - como fez D. Miguel em ambas as suas Proclamações na Vilafrancada e na Abrilada - eu seria provavelmente hoje um grande admirador de D. Pedro. Assim, entendo que dos três “perjuros” dois não o foram mas o terceiro merece-me muito sérias reservas.
A. Luciano
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RE: A. Bivar VII
Caro confrade,
Nesse ponto discordo de si, por razões parecidas com as que me levam a discordar da Maria Benedita: considero o «estrangeirismo» do Brasil pós-independência no mínimo tão relevante como o de qualquer outro país estrangeiro. Com efeito, não vejo que haja menos razões para conflito de interesses entre dois países recentemente «divorciados» do que para países que nunca estiveram ligados ou que o estiveram há mais tempo. Admito até que se poderiam encontrar razões acrescidas para esse conflito de interesses nesse caso. Sendo assim não vejo razões para indultar o Brasil da «qualidade» de país estrangeiro para permitir que o seu sobrerano sucedesse em Portugal, quando este tinha forçado sediciosamente o seu país de origem a reconhecer a plena independência do Brasil.
No entanto, na dúvida, ou considerando que haveria vazio legal (o que não é a minha posição) teriam de ser as Côrtes a decidir e as únicas que foram convocadas para dirimir esta questão decidiram como se sabe, interpretando a lei tradicional contra D. Pedro e D. Maria... Depois, a sorte das armas decidiu de outro modo, mas a legalidade que se impôs nunca passou por uma legitimação ao modo tradicional, partindo-se do axioma que D. Pedro sempre tinha sido o sucessor legítimo e que legítima era a Carta por ele imposta ao país, ou seja não se actuou com base na ideia de que haveria um vazio na lei de sucessão, mas na presunção de que esta tinha sido regularmente aplicada, dando lugar à sucessão de D. Pedro no trono português. Assim, acho que não ficamos logicamente impedidos de procurar analisar qual deveria ter sido o desenrolar dos acontecimentos à luz da legalidade do Antigo Regime e de emitir juízos quanto à maior ou menor legitimidade dos diversos actos praticados pelas diferentes facções. Percebo que será difícil obter consensos mas a clarificação de posições parece-me só por si benéfica.
Com os melhores cumprimentos,
António Bivar
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RE: A. Bivar VII
Caro Bernardo Luís
Na análise de toda esta questão importa-me apenas o que resulta da lei vigente ao tempo em Portugal, isto é o que determinam as Ordenações Filipinas. E ,face a estas, D. Pedro nasce e morre português, não obstante se colocar o problema de uma dupla nacionalidade após 1825, dado o reconhecimento do Brasil por Portugal como estado independente . Mas o facto de adquirir a nacionalidade brasileira não lhe retira a portuguesa já que, para nós portugueses rege o nosso Direito, independentemente do que possa consagrar qualquer norma de outro país sobre a mesma matéria. E não se encontra, nas Ordenações, qualquer norma impeditiva de um cidadão português ser considerado também, por qualquer normativo de um outro país , como seu nacional.
No que se refere ás tão faladas Cortes, há mais de século e meio que não eram convocadas, e nem por isso se deixou de legislar nem Pombal deixou de reformar, nem D. Maria I de ser substituída por um regente, etc, etc. E não se convocaram Cortes para decidir da ida para o Brasil da Família Real e do Governo face ás investidas napoleónicas.E estávamos ainda em pleno absolutismo, não obstante o avanço das ideias subjacentes á Revolução Francesa.
Assim, D. Maria II nasce portuguesa e morre portuguesa e Rainha.
Com os meus melhores cumprimentos
Maria Benedita
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RE: A. Bivar VII
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Eduardo_Rodrigues_Ferreira
RespostaLink directo:
RE: A. Bivar VII
Cara Maria Benedita
Se bem entendi, diz que a partir de 1825 se coloca a questão da dupla nacionalidade de D.Pedro, em virtude de só então Portugal ter reconhecido a independência do Brasil.
Para si então, qual foi a nacionalidade de D.Pedro entre 1822 e 1825 ?
Certamente, única e exclusivamente brasileira.
E se D.Pedro, nascido antes da partida da Corte para o Brasil, se tornou brasileiro após a independência, naturalmente que toda a sua família, leia-se. todos os filhos, também o eram !
E nunca encontrei em parte alguma ressalva da nacionalidade portuguesa para D.Maria da Glória.
Que D.Maria II nasceu portuguesa e morreu portuguesa e Rainha, não se discute;
A História é feita pelos vencedores e estes fazem-na e desfazem-na a seu bel-prazer, e nisso os liberais foram impagáveis - veja-se o caso dos seus casamentos com estrangeiros, por alta recreação do Senhor seu Pai, ao arrepio das leis vigentes.
Agora que entre a independência do Brasil e a sua efectiva subida ao trono, também tivesse sido portuguesa, já me custa mais a aceitar.
M.cumprimentos
Bernardo
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RE: A. Bivar VII
Caro Bernardo Luís
Só em Agosto de 1825 é que Portugal reconhece a independência do Brasil. Assim de acordo com o Direito Internacional Público, para nós, portugueses, até essa data o Brasil fazia parte do Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves e os seus naturais eram portugueses. Assim, entre o seu nascimento em Queluz e 1825, D. Pedro é exclusivamente português. A partir dessa data coloca-se a questão de uma dupla cidadania, já que a nossa lei o continua a considerar português.
"E nunca encontrei em parte alguma ressalva da nacionalidade portuguesa para D.Maria da Glória."
Não há ressalva alguma, as Ordenações consideram-na portuguesa. E em Portugal rege a lei portuguesa.
"A História é feita pelos vencedores e estes fazem-na e desfazem-na a seu bel-prazer, e nisso os liberais foram impagáveis - veja-se o caso dos seus casamentos com estrangeiros, por alta recreação do Senhor seu Pai, ao arrepio das leis vigentes."
Efectivamente a História é feita pelos vencedores, mas D. Maria não casou ao arrepio das leis vigentes. No seu primeiro casamento foi autorizada por seu pai, como regente, no segundo não necessitou de autorização, já era rainha.
No primeiro legislou-se nesse sentido e houve autorização das cortes
"Carta de Lei
D. Pedro, Duque de Bragança, Regente dos Reinos de Portugal e Algarves, e seus domínios, em nome da Rainha: Fazemos saber a todos os súbditos de Sua Magestade que as Cortes Gerais decretaram e Nós queremos a Lei seguinte:
Artigo Único- Que o Casamento da Rainha Reinante, a Senhora Dona Maria II, se trate com Príncipe estrangeiro, e se possa efectuar a aprazimento de seu Pai o Senhor Duque de Bragança, Regente em nome da mesma Augusta Senhora; declarando e dispensando as Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação, para este caso, e por esta vez sómente o art. 90º da Carta Constitucional da Monarquia Portuguesa.
Mandamos, portanto, a todas as autoridades aquem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contem.
etc.
13 de Setembro de 1834
No segundo, igualmente houve autorização das cortes e ela prória, já rainha, assumiu a Carta de Lei
Com os meus melhores cumprimentos
Maria Benedita
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Morte de D. Joao VI
Caros confrades,
foram-me enviadas umas notas biográficas sobre o arqueólogo Fernando Eduardo Rodrigues Ferreira:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Eduardo_Rodrigues_Ferreira
Na lista bibliográfica anexa a estas notas, constam as seguintes referências:
- M. L. Carvalho, F. E. Rodrigues Ferreira, M. C. M. Neves, C. Casaca1, A. S. Cunha, J. P. Marques, P. Amorim, A. F. Marques, M. I. Marques, "Arsenic detection in nineteenth century Portuguese King post mortem tissues by energy-dispersive x-ray fluorescence spectrometry", X-Ray Spectrometry, Volume 31, Issue 4, pages 305–309, July/August 2002.
- M.L. Carvalho, C. Casaca, A.S. Cunha, J.P. Marques e M.I. Marques, “O rei D. João VI foi envenenado? Detecção de arsénio nos restos mortais com técnicas de raios-x”, Poster apresentado na 13ª Conferência Nacional de Física, Évora, 6 a 10 de Setembro de 2002.
- Ferreira, F.E. Rodrigues e outros – Causas de Morte de D. João VI. Lisboa: Câmara Municipal, 2008
Da primeira destas publicações, consegui obter o seguinte resumo:
"Abstract
Arsenic and other heavy metal concentrations in post mortem soft tissues from a Portuguese King of the nineteenth century were studied by energy-dispersive x-ray fluorescence analysis. This work is an attempt to clarify the strange death of the King, through the analysis of his post mortem soft tissue remains, which were kept inside a Chinese porcelain container since his death in 1826. The container was put in a wooden coffin and buried underground in a chapel of the St Vicente de Fora Monastery in Lisbon. Quantitative elemental analysis of the remains showed very high concentrations of arsenic and lead, which on average correspond to a few hundred times the mean normal values for contemporary human soft tissues. Increased levels of Cu were found, and also small enrichments for Fe and Zn, probably due to either enrichment during the 175 years or contamination by direct intake from the container, or both. The results obtained are consistent with acute arsenic poisoning, reinforcing the conclusions from the medical anatomical–pathological report, based on the analysis of the fragments by scanning electron microscopy. Copyright © 2002 John Wiley & Sons, Ltd."
Foi portanto encontrada no corpo de Dom João VI (mais concretamente nas vísceras) grande quantidade de metais pesados, nomeadamente Arsénio e Cobre, mas também Ferro e Zinco.
Ora, como eu já tinha dito, a principal aplicação moderna do arsénio é como conservante, nomeadamente para madeiras e couros. E usa-se concretamente o composto CCA ("arseniato de cobre cromado")
De resto, desde épocas remotas, o arsénio foi também usado como conservante do corpo humano morto para embalsamento ou mumificação. Há bastante informação sobre isto na Internet.
O resumo acima transcrito não evidencia que tenha sido descartada a possibilidade da utilização de um composto químico à base de arsénio e cobre para conservação do corpo de Dom João VI. Assim, fico na dúvida sobre as conclusões que possam / tenham sido tiradas.
Cumprimentos,
Coelho
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RE: Morte de D. Joao VI
Caríssimo e sherlockiano amigo Coelho
Andou, em tempos, por este Fórum um tópico, inevitavelmente da autoria do nosso comum amigo Eduardo Albuquerque, do qual constava o relatório médico relativo aos últimos momentos de D. João VI. Ao que me lembre, a sintomatologia inicial correspondia a mal de fígado e vesícula, mas teriam depois, no último dia, ocorrido vómitos e dores abdominais semelhantes aos que surgem em envenenamento por arsénico. Procurei esse tópico mas confesso não o ter encontrado.
Mas encontrei este, http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=136698, perfeitamente esclarecedor da posição tomada , e temporalmente, pelo Dr. Eduardo Albuquerque, do qual, pela primeira e espero que última vez, discordo em parte: para mim as Cortes de Lamego nasceram falsas e morreram da mesma maneira e qualquer referência que lhes seja feita em normativo posterior não lhes dá qualquer validade, salvo se for expressamente referida a respectiva falsidade , não obstante a qual o seu teor é posto em vigor. Significa isto que não é por serem referidas num qualquer diploma que passam a verdadeiras e fazem lei.
E agora, uma ordem em voz tronitruante como é meu apanágio: livre-se de apontar o dedinho a quem quer que seja no caso de concluir mesmo pelo envenenamento! É que de acusadores sem provas a darem azo á sua prolífica imaginação já temos quanto baste.
Um enorme abraço sem qualquer dose letal de arsénico da
Benedita
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RE: Morte de D. Joao VI
Caríssima Benedita,
se realmente Dom João VI foi envenenado, longe de mim tentar saber quem o envenenou! Não tenho queda para esse tipo de especulações ...
Aproveito para frisar que não estou a negar a validade dos estudos que foram publicados em 2002 e 2008. Apenas afirmo que o pouco que li não me permite concluir que tenham sido excluídas outras explicações, para além do evenenamento. Possivelmente, o estudo de 2008 contém uma discussão pormenorizada das possíveis causas, mas eu não conheço essa discussão nem a respectiva conclusão. De resto, frequentemente acontece que uma hipótese cautelosamente colocada pelos especialistas é transformada pela comunicação social em facto confirmado.
Por outro lado, caso os ditos estudos sejam conclusivos, há que reconhecer que ainda passou pouquissimo tempo desde a sua publicação. Seria pedir muito que os livros de consulta e manuais escolares actuais já reflectissem o novo dado. A actualização da História é um processo lento, e ainda bem que assim é.
Um abraço,
Coelho
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RE: Morte de D. Joao VI
F.E. Rodrigues Ferreira fez a investigação entre 1997 e 2000 o que foi noticiado em alguma imprensa.
As revistas de 2002 que informam a Wikipedia, terão repescado essas notícias anteriores.
O livro de 2008 editado pela CML e que deverá assim ser de fácil consulta não creio que reflicta dados posteriores.
O texto que encontrou no "Google" é obviamente um "abstract" de artigo em publicação científica.
Houve assim tempo para um Conselho de Redacção apreciar e recomendar a publicação do "paper" processo que nem é fácil nem rápido.
Aceito que não houvesse tempo para inclusão em manuais escolares dado o centralismo burocrático vigente (e a certeza dos autores de que se meterem material "desagradável" nunca conseguem a aprovação).
Não pretendia que a "comunidade científica" identificasse o culpado mas, como escrevi, que fizesse o enquadramento circunstancial: a quem prejudicava, a quem beneficiava e para quem era indiferente. Sem esquecer, claro, as consequências políticas subsequentes incluindo, para quem se tenha esquecido, uma pequena guerra civil de 6 anos.
Já há anos, J.E. Rodrigues Ferreira era doutorando em Arqueologia Forense. Não sei se concluíu o doutoramento.
Cada um acredita no que quer e rejeita o que também quer. Pelo menos por enquanto. Eu não acredito que alguém admitido a provas de doutoramento em Arqueologia Forense e que publica em revistas científicas, desconheça o risco de contaminação. Se esse risco existe, e dadas as implicações históricas inerentes, a "comunidade científica" já deveria ter alertado a opinião pública. Até ao presente apenas registo o alerta do engº Coelho no fórum do Geneall. Aguardo expectante novos desenvolvimentos.
Por economia de meios, aproveito para reiterar que a explicação do dr. Eduardo Albuquerque, agora tão felizmente repescada, me continua a parecer meter os pés pelas mãos. Sobretudo porque as tais cautelas iniciais de um ano antes não estiveram nunca presentes no tópico Casa de Bragança. Basta ler.
Acrescento ainda que nesse tópico, que não lhe merece reparo, foram já ridicularizadas - em tentativa - as posições de quem entendia diferente. Imagine-se então o que se passou no tópico eliminado "Da Legitimidade da Casa Real Portuguesa" em que, admite que a redacção não foi feliz.
Finalmente anoto ainda que qualquer referência às Côrtes de Lamego sem referir a sua falsidade não tem qualquer valor jurídico. O que, desde logo, me leva a concluir da invalidade das Côrtes de 1641 e a aguardar a felicíssima restituição dos direitos de S.M.C. Juan Carlos de Borbon.
A. Luciano
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RE: A. Bivar VII
Cara Maria Benedita,
Desculpe-me a insistência mas não resisto a colocar-lhe directamente a questão da nacionalidade de D. Pedro nos seguintes termos: sem discutir se D. Pedro teria ou não em algum sentido técnico-jurídico uma dupla nacionalidade depois do reconhecimento da independência do Brasil por Portugal, será admissível que continuasse a ser considerado súbdito português? Ou, mais concretamente, haveria outro sentido, na época, para a nacionalidade portuguesa que não fosse, tirando o caso do próprio Rei de Portugal, a de ser súbdito deste? Como admitir que o soberano do novo estado independente do Brasil pudesse continuar súbdito do Rei de Portugal? e se o não era, que conteúdo poderia ter a sua alegada condição de português? Teríamos então de admitir que haveria portugueses assim considerados ao abrigo das ordenações que cita, mas que não estariam sujeitos a muitas das determinações previstas nessas mesmas ordenações e noutras leis para a generalidade dos portugueses? Não vejo, de facto, como conciliar o portuguesismo de D. Pedro soberano brasileiro reconhecido por Portugal com as consequências legais de se ser, nessa época, português, a menos que essa condição não acarretasse quaisquer consequências e fosse portanto esvaziada de conteúdo jurídico (com excepção, aparentemente, da possibilidade de suceder no reino)...
Estas considerações não afectam o modo como interpreto as exigências da lei portuguesa quanto à exclusão dos «príncipes estrangeiros», pelas razões que já extensamente expus (mesmo que pudessem ter dupla nacionalidade a segunda, pelo menos se afecta a condição de súbdito do Rei de Portugal, é, a meu ver, fatal!), mas mesmo assim acho que levantam pontos que me parecem merecer atenção.
Um abraço,
António
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RE: A. Bivar VII
Caro António Bivar
Perante a lei portuguesa, após 1825, D. Pedro continua Príncipe português, e, sendo o primogénito, herdeiro dos Reinos de Portugal e Algarves, e partilha com seu pai o título de Imperador do Brasil. Assim, é, em Portugal, subdito português. Nada disto é muito fácil de gerir, mas a lei é clara. Repare que a partilha do título de Imperador do Brasil com seu pai, que lhe atribui o exercicio da Soberania em todo o Imperio, é outro ponto candente, mas que é assim, é. E tudo isto resulta da vontade e benevolência do Rei para o bem dos povos. D. João sanciona claramente as posições tomadas por seu filho e, generosamente, faz do Brasil um Império, guardando para si o título de Imperador, mas cedendo e transmitindo a seu filho os seus direitos sobre aquele Império e concedendo-lhe, igualmente, o título de Imperador.
Tudo isto é uma concessão real, não chocando, pois, com o facto de um dos Imperadores do Brasil ser súbdito e herdeiro, nos reinos de Portugal e dos Algarves, do outro Imperador do Brasil que lhe concede, voluntariamente, tal graça.
"« Dom João por Graça de Deos, Rei do Reino Unido de Portugal, e do Brasil, e Algarves, d´aquem, e d’além mar, em Africa Senhor de Guine, e da Conquista, Navegação, Commercio da Ethiopia, Arabia, Persia, e da India, etc.
Aos Vassallos de todos os Estados dos Meus Reinos e Senhorios, saude.
Faço saber aos que esta Carta de Lei virem:
Que pela minha Carta Patente, dada em o dia treze de Maio do corrente anno, Fui Servido tomar em Minha Alta Consideração quanto convinha, e se tornava necessario ao Serviço de Deos, e ao bem de todos os Povos, que a Divina Providencia Confiou à Minha Soberana Direcção, pôr termo aos males, e dissensões, que tem occorrido no Brazil, em gravissimo damno e perda, tanto dos seus Naturaes, como dos de Portugal, e seus Dominios:
O Meu Paternal desvelo se occupou constantemente de considerar quanto convinha restabelecer a paz, amizade, e boa harmonia entre Povos Irmãos, que os vinculos mais sagrados devem conciliar, e unir em perpétua alliança:
para conseguir tão importantes fins, promover a prosperidade geral, e segurar a existencia Politica, e os destinos futuros dos Reinos de Portugal, e Algarves, assim como os do Reino do Brazil, que comprazer Elevei a essa Dignidade, Preeminencia, e Denominação, por Carta de Lei de dezeseis de Dezembro de mil oitocentos e quinze, em consequencia do que, Me prestárão depois os seus Habitantes novo juramento de fidelidade no Acto solemne da Minha Acclamação em a Corte do Rio de Janeiro:
Querendo de huma vez remover todos os obstaculos que podessem impedir,e oppôr-se à dita alliança, concordia, e felicidade de hum e outro Reino, qual Pai desvelado, que só cura do melhor estabelecimento de seus Filhos:
Houve por bem ceder e transmittir em Meu sobre Todos Muito Amado, e Prezado Filho, Dom Pedro de Alcantara, Herdeiro, e Successor destes Reinos, Meus Direitos sobre aquelle Paiz, Creando, e Reconhecendo sua independencia com o Titulo de Imperio:
Reservando-Me todavia o Titulo de Imperador do Brazil.
Meus designíos sobre tão importante objecto se achão ajustados da maneira que consta do Tratado de Amizade, e Alliança, assignado em o Rio de Janeiro em o dia vinte e nove de Agosto do presente anno, ratificado por Mim no dia de hoje, e que vai ser patente a todos os Meus Fieis Vassallos, promovendo-se por elle os bens, vantagens, e interesses de Meus Povos, que he o cuidado mais urgente de Meu Paternal Coração.
Em taes circunstancia, Sou Servido assumir o Titulo de Imperador do Brazil, Reconhecendo o dito Meu sobre Todos Muito Amado e Prezado Filho, D. Pedro de Alcantara,
Principe Real de Portugal, e Algarves, com o mesmo Titulo de Imperador, e o exercicio da Soberania em todo o Imperio:
e Mando que d’ora em diante Eu assim fique reconhecido com o Tratamento correspondente a esta Dignidade:
outro sim Ordeno, que todas as Leis, Cartas Patentes, e quaesquer Diplomas, ou Titulos, que se costumão expedir em O Meu Real Nome, sejão passados com a formula seguinte:
= Dom João por Graça de Deos, Imperador do Brazil, e Rei do Reino-Unido de Portugal, e Algarves, d’auqem, e d’além Mar, em Africa, Senhor de Guiné, e da Conquista, Navegação, e Commercio da Ethiopia, Arabia, Persia. E da India etc:
= Que os Alvarás sejão concebidos do seguinte modo:
= Eu o Imperador e Rei, Faço saber etc.:
= Que as Supplicas, e mais papeis, que Me são dirigidos, ou aos Meus Tribunaes, aos quaes Tenho Concedido o Meu Real Tratamento, sejão formulados da maneira seguinte:
= A Vossa Magestade Imperial, e Real
= Que a direcção dos Officios encaminhados à Minha Real Presença, ou pelas Minhas Secretarias d’Estado, ou pelos Meus Tribunaes, seja concebida pelo theor seguinte:
= Ao Imperador e Rei Nosso Senhor.
= E que os outros Officios se concebão assim:
= Do Serviço de Sua Magestade Imperial, e Real.
E esta, que desde já vai assignada com o Titulo de Imperador, e Rei Com Guarda, se cumprirá tão inteiramente como nella se contém, sem dúvida ou embargo algum,qualquer que elle seja.
Para o que Mando à Mesa do Desembargo do Paço; Meza da Consciencia e Ordens; Regedor da Casa da Supplicação; Conselhos da Minha Real Fazenda, e dos Meus Dominios Ultramarinos; Governador da Relação e Casa do Porto; Presidente do Senado da Camara;Governadores das Armas; Capitães Generaes; Desembargadores; Corregedores; Juizes; Magistrados Civis e Criminaes destes Reinos e seus Dominios; a quem e aos quaes o conhecimento desta, em quaesquer casos pertencer,
que a cumprão, guardem, e fação inteira e litteralmente cumprir e guardar como nella se contém, sem hesitações, ou interpretações, que alterem as Disposições della, não obstantes quaesquer Leis, Regimentos, Alvarás, Cartas Regias, Assentos, intitulados de Côrtes, Disposições, ou Estillos, que em contrario se tenhão passado, ou introduzido;
porque todos, e todas, de Meu Motu Proprio, Certa Sciencia, Poder Real, Pleno, e Supremo, Derogo e Hei por Derogados, como se delles Fizesse especial menção em todas as suas partes, não obstante a Ordenação, que o contrario determina, a qual tambem Derogo para este effeito sómente, ficando aliás sempre em seu vigor.
E ao Doutor João de Mattos e Vasconcellos Barboza de Magalhães, Desembargador do Paço, do Meu Conselho, que serve de Chanceller Mór destes Reinos, Mando que a faça publicar na Chancellaria, e que della se renettão Copias a todos os Tribunaes, Cabeças de Comarca, e Villas destes Reinos, e seus Dominios; registando-se em todos os Lugares, onde se costumão registar similhantes Leis; e mandando-se o Original della para a Torre do Tombo.
Dada no Palacio de Mafra, aos quinze dias do mez de Novembro, anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo, de mil oitocentos vinte e cinco.
Imperador e Rei. = com Guarda =
Um abraço
Maria Benedita
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RE: Ainda a nacionalidade
Continuando ...
Até que alguém demonstre que errei, onde e como, considero provado que as Côrtes de 1828, sem vício de legitimidade nem na sua composição nem na sua formação, decidiram que D. Pedro e sua filha eram estrangeiros.
Considero igualmente provado que essas Côrtes não inovaram mas apenas aplicaram e interpretaram direito já existente.
Sigifica isto que, dentro de princípios mínimos de boa-fé quem quer que seja que defenda que D. Pedro continuava português depois da ratificação do tratado de independência do Brasil, terá que não só que negar justificadamente a competência na matéria das Côrtes de 1828, como demonstrar a pela positiva, que D. Pedro pudesse ter mantido a nacionalidade portuguesa depois da citada ratificação. Não sendo assim minimamente curial repetir à saciedade que D. Pedro tinha a nacionalidade originária portuguesa, citando ordenações filipinas e já também manuelinas, o que me permite aguardar que se sigam as afonsinas e até ao Direito Romano. Peço desculpa aos confrades se lhes parecer que exagero mas, a propósito do direito de representação para “justificar” o direito de D. Maria da Glória, já vi fazer isso mesmo em relação à representação, instituto que não era contestado, mas escamoteando o que estava em causa e que era se por representação, a sucessão poderia passar a) directamente para uma neta b) indirectamente por interposto pai inabilitado para exercer o direito, e em ambos os casos existindo filho varão não inabilitado.
Como também acabei de ver, argumentar com o facto de não terem sido reunidas Côrtes durante 131 anos e terem continuado a fazer-se leis, em óbvia e canhestra sugestão para desvalorizar a necessidade de reunir Côrtes, escamoteando que nesses 131 anos não se produziu nehuma lei relativa à sucessão real que é o que se discute.
Repito portanto que o que está em causa é a nacionalidade de D. Pedro após a ratificação do tratado de independência do Brasil e não antes disso.
Pessoalmente não concordo com a decisão das Côrtes de 1828 ao retroagirem a condição de estrangeiro à data da ratificação por D. João VI porque, sendo então D. Pedro português até essa data, poderia ser responsabilizado pela sua acção política entre 1822 e 1825 em face das leis portuguesas, no limite permitindo que qualquer prejudicado, por exemplo uma viúva de militar português morto no Brasil, pudesse demandar D. Pedro exigindo reparação. Se como creio, foi decisão consciente das Côrtes reconhecer a independência, sanando o passado, teria sido mais eficaz retroagir a 1822. Mas, embora discordando, reconheço e aceito a legitimidade da decisão.
Analisando agora o que importa, começo por examinar se D. Pedro conservou ou não a nacionalidade portuguesa durante todo o tempo e, para já, sob vigência da Constituição de 1822. Já transcrevi duas previsões dessa Constituição uma que implicava perda da qualidade de herdeiro do trono por desobediência a ordem de regresso ao Reino de Portugal e do Algarve, e outra que implicava perda de nacionalidade por aceitação de cargos, títulos ou condecorações de governo estrangeiro sem autorização do governo português.
Como foi também já evidenciado, ambas as condições foram verificadas. Foi muito curta a vigência da Constituição de 1822 mas, durante essa vigência, D. Pedro reiterou a desobediência à ordem de regresso e aceitou título e condecoração estrangeira.
Bem sei que o os advogados de D. Pedro neste fórum têm defendido que até 1825 o Brasil era parte do Reino Unido - o que a mim, que terei uma deformação fiscalista onde vigora o princípio da substância sobre a forma, me é custoso aceitar - mas neste caso, para defender que D. Pedro se mantinha na esfera jurídica nacional, haveria que admitir como sendo dessa esfera a Ordem do Cruzeiro do Sul e o título de Defensor Perpétuo do Brasil que, foi atribuído pela Maçonaria Brasileira a D. Pedro em cerimónia pública. Desconhecendo tal título e tal Ordem na legislação portuguesa, só posso concluir que são estrangeiros.
Também já vi defender que, não tendo sido formulada acusação nem proferida condenação ou, agora decisão administrativa, seriam factos sem existência jurídica e de nenhum efeito. Por isso parece útil referir que na Constituição de 1822 se encontram normas que prevêem execução “nos termos da Lei” e que, naturalmente, só teriam efectividade quando promulgada a respectiva Lei se não existisse já, mas que esse não é o caso das normas citadas. Ou seja, sendo pública e notória a violação da norma, estava já verificada a condição.
Concluindo eu que D. Pedro perdeu efectivamente a qualidade de herdeiro e a nacionalidade portuguesa em algum tempo.
Haverá agora que verificar as consequências da revogação dessa Constituição de 1822. Para o que aqui possa interessar, sem complicar o que pode ser simples, há dois possíveis tipos de revogação. Uma que declara a nulidade do diploma, que é considerado como não existente e concomitantemente elimina da ordem jurídica quaisquer efeitos que possa ter produzido. Como é fácil de imaginar, este tipo de revogação pode criar problemas de muito difícil resolução por ir colidir com situações de facto entretanto ocorridas e violar direitos adquiridos e, por isso, é relativamente raro a não ser em normativos simples.
O outro tipo de revogação, anula o diploma, repondo (os jurista dizem repristinando) em vigor legislação anterior mas mantendo o que com essa não colide.
Entendo e não tenho pessoalmente dúvida de que a revogação da Constituição se enquadra no segundo tipo. De facto, foram repostas as Leis Tradicionas incluindo obviamente as Ordenações Filipinas e o que à sucessão real existia desde 1641/2 e 1697/8 mas não foi anulado o corpo legislativo promulgado ao abrigo e mesmo sob invocação da Constituição revogada. Basta referir que de 300 leis aprovadas só 40 foram abolidas (Graça e José Sebastião da Silva Dias, Ed. Instituto Nacional de Investigação Científica-1980, Vol. II, pág 835).
Tendo sido inovadora em muitos aspectos, sendo necessário acudir a algumas situações - e não eram poucas - que vinham do governo de Junot e depois da regência de facto de Beresford, a própria Constituição incluía normas que anteriormente seriam de direito ordinário e até talvez continuassem a sê-lo apesar de elencadas na Constituição, como seria a maior parte do Título VI - Do Governo administrativo e económico. Escolhendo propositadamente exemplo que não constasse das Ordenações Filipinas, é óbvio que se mantiveram os administradores de Distrito - que persistem com diferente título até hoje - e até as secretarias, etc..
Observando agora as normas que afectavam a qualidade de D. Pedro, a primeira, relativa à qualidade de Herdeiro da Coroa, apesar de inovadora e assim não contrariar directamente nada que viesse nas Ordenações, embora com alguma margem para discussão, poderia ser considerada revogada à semelhança do que sucedia com as revogações de sistema. De facto as Ordenações Filipinas dispunham em matéria de sucessão real em matéria de tal melindre haveria de prevalecer o princípio da unidade não parecendo aceitável a inclusão de norma avulsa retirada de outro ordenamento.
Mas quanto à perda da nacionalidade a questão já é diferente. No que respeita à aquisição da nacionalidade - que não está em causa no que se discute - é claro que nas poucas diferenças entre os dois normativos prevalece o das Ordenações Filipinas. Mas estas não previam a perda da nacionalidade o que, na minha opinião e lá irei, não significa que não pudesse ocorrer.
Ora nem em espírito nem em letra, o normativo da Constituição de 1822 ofende princípios das Ordenações Filipinas nessa matéria mas apenas regula uma omissão. Recorrendo agora à autoridade do dr. Eduardo Albuquerque, as leis até à sua efectiva aplicação têm um valor de projecto (estou a citar de cor e não garanto a literalidade mas apenas o sentido) e é na sua efectiva aplicação que deve ser aferida a sua legitimidade. Sem concordar com a aplicação universal desta doutrina e discordando especificamente do caso concreto em que o dr. Eduardo Albuquerque a defendeu, concordo que este princípio de efectividade da Lei tem o seu campo de aplicação. As disposições de perda de nacionalidade de 1822 nunca foram explicitamente revogadas e, como outras citadas, terão mantido a sua eficácia o que é confirmado em legislações posteriores que mantém, com diferenças de pormenor e diferentes formulações os dois princípios essenciais: perde a nacionalidade o que se naturaliza estrangeiro e o que sem licença se coloca na dependência ou ao serviço de governo estrangeiro, princípios que ainda hoje são válidos mesmo nos casos de dupla nacionalidade, a que em devido tempo lá terei de ir.
Perdida a nacionalidade portuguesa por D. Pedro, há agora que verificar se a recuperou antes da morte de D. João VI. Repito que o esencial e o que se discute é a qualidade de D. Pedro à data da morte do Pai. Nem quando nasceu nem quando morreu e que são apenas ruído - para não dizer pior e justificar a censura - as repetidas e tronitruantes afirmações de que era Português porque nasceu no Palácio de Queluz e morreu no mesmo Palácio.
Como evidente, a única possível recuperação teria sido por vontade de D. João VI.
Desde logo me parecem insuficientes para o efeito, os tratamentos dados a D. Pedro por D. João VI que, em matéria de tal melindre, deveria ser formal e específico e em documento próprio e, acrescento eu, em sede própria, o que nunca seria possível. Como já disse, entendo que D. João VI, sem merecer censura, antes pelo contrário, estava empenhado em reverter a separação do Brasil não como dizem e se pode ler em “sites” brasileiros, por ter vocação imperial, mas por entender ser esse o interesse de Portugal e sem que sequer tivesse a vocação centralista das Côrtes de 1822. Mas tal era a importância do que estava em monta que não seria razoável que não fosse afirmado em diploma próprio, enquadrando e justificando a decisão e não apenas marginalmente referido no próprio Decreto da ratificação. Veja-se a já citada Carta de Lei de 4 de Junho de 1824 que, lida a frio, é longuíssima, complicada e até de difícil compreensão e, no entanto, se explicado o seu enquadramento, qualquer aluno de escola a lê e compreende sem dificuldade pois faz relata o que anteriormente ocorrera e justifica o motivo da previsão.
[Abro parêntesis para referir que longos “copy-paste” sem interpretação nem explicação nem comentário são muitas vezes mais inúteis do que úteis e algumas vezes mesmo mais prejudiciais, apesar de dos já habituais “gritos” de que a história se faz com documentos.]
Assim o meu entendimento é que os tratamentos dados por D. João VI a D. Pedro, têm a sua razão de ser mas, para surtirem efeitos jurídicos, deveriam ter sido formalizados com enquadramento e explicitação, em documento com a solenidade requerida o que não aconteceu.
Mas, sendo outro o entendimento, haverá que verificar se D. João VI teria para isso legitimidade.
Como se sabe, são três os elementos essenciais do Estado, a População, o Território e a Organização Política (há quem use outras formulações para Estado e Organização Política mas o resultado é sempre o mesmo, sendo População e Território sempre constantes).
Antecedendo o Estado, Território e até durante muito tempo População, eram propriedade do seu Senhor que os podia transmitir mas já existindo Estado e não propriedade feudal, esta inaplicável ao reino de Portugal, o Rei, fazendo parte da Organização Política ou até em caso limite, sendo o único factor determinante desta, não podia ter poder absoluto sobre Território ou População sob pena de inexistência de Estado.
Imagine-se o mais poderoso e despótico dos Reis, sem ouvir o seu Conselho nem reunir as Côrtes, ceder o concelho de Valença à Galiza; ou mais absurdo, doar o senhorio de Alhos Vedros a seu cunhado o Rei de Espanha, determinando que quem nascesse em Alhos Vedros depois dessa data seria súbdito do Rei de Espanha. E o que seria válido para o todo, teria igualmente de ser válido para a parte pois se o Rei pudesse dispôr para um súbdito, porque não para dez, ou para mil, ou ....
Conceitos estes que serão necessariamente confusos - até por insuficiência minha - mas não são por isso menos exactos. A propósito, recomendo a releitura da Lei do Banimento, talvez a mais dura e violenta lei da história judicial portuguesa - basta referir que o seu incumprimento implicava a morte em processo sumário e verbal no espaço de 24 horas - em que todos os direitos incluido o de propriedade são retirados a D. Miguel e à sua descendência para sempre “em nenhum tempo poderem” mas em que não foi retirada a nacionalidade a D. Miguel.
Insisto ainda no facto de, ainda que o meu entendimento possa ser contrariado, terá de sê-lo fundamentada e cristalinamente pois se subsistir o mais leve resquício de dúvida, tudo teria de reverter para Côrtes.
A continuar ...
A. Luciano
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RE: A. Bivar VII
Cara Maria Benedita,
Este tópico acabou por se transformar em mais um excelente «dossier» relativo à sucessão de D. João VI, tanto em documentação como em colectânea de argumentos! Aqui vai mais uma acha para esta fogueira que nos tem aquecido neste princípio de Inverno de 2012...
Acabamos por esbarrar sempre nas mesmas questões de interpretação: por um lado o direito ou a falta dele que o Rei de Portugal teria para decidir sobre a sua própria sucessão e por outro a natureza estrangeira de D. Pedro por se ter tornado soberano de país independente. Estes actos de D. João VI levam até ao limite (ou ultrapassam esse mesmo limite, dependendo do ponto de vista) a vontade de «salvar» o que fosse possível da unidade de Portugal e do Brasil, mas não apagam alguns factos incontestáveis:
1) Portugal e D. João VI reconheceram a independência do Brasil, ou seja, o fim de um Reino Unido que incluísse o Brasil e Portugal; assim D. João não se limita a ceder a D. Pedro os direitos que tinha no Brasil como parte do referido Reino Unido, como se D. Pedro passasse a ser um mero regente com o título de co-imperador, mas aceita também o fim desse mesmo Reino Unido, como se vê na alteração do seu próprio título real (passou a incluir apenas os Reinos de Portugal e dos Algarves). Menos que isto seria sofismar a independência, o que, obviamente, os brasileiros nunca aceitariam. D. João, para além de toda a retórica, reconhece a soberania de D. Pedro sobre o Brasil e a plena independência deste novo país. O desejo que parece revelar de que essa independência nunca viesse a pôr em causa a harmonia plena das duas nações, expresso na exótica solução formal da coexistência de dois imperadores, não passa disso mesmo: um desejo pio, que nenhum mecanismo de poder institucional permitiria assegurar daí em diante.
2) A independência acarreta, sem dúvida, a possibilidade de futuro conflito de interesses entre os dois estados; quanto aos potenciais efeitos negativos na óptica e na lógica das leis portuguesas de exclusão dos príncipes estrangeiros não há formalismos que apaguem este facto.
3) O título de Imperador que D. João VI para si reserva tem o mesmo conteúdo real (enquanto oposto a, quando muito, meramente formal e cerimonial) que a pretensa manutenção da qualidade de súbdito português na pessoa de D. Pedro: nenhum. D. Pedro enquanto soberano do Brasil não poderia estar sujeito às leis portuguesas decretadas para a generalidade dos súbditos, nem se poderia obrigar, sob pena de traição ao seu novo país, a estar sujeito à autoridade de seu Pai como qualquer outro dos seus súbditos. Este título de Imperador que D. João VI para si reservou lembra-me o título de Rei de França que os soberanos ingleses continuaram a usar oficialmente até ao século XIX, sem que esse facto interferisse nas boas ou más relações que desde a Guerra dos Cem Anos foram sucessivamente mantendo com o Reino (e por vezes a República) de França e sem que deixassem de aceitar pacificamente a independência dos dois países e dos respectivos soberanos...
Um abraço,
António
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RE: A. Bivar VII
Caro Confrade,
Como eu escrevia noutra mensagem, ficámos aqui com um excelente dossier relativo à sucessão de D. João VI! Pelo meu lado, pelo menos, tive mais uma vez a oportunidade de muito aprender acerca destes assuntos e de exercitar a minha capacidade (ou incapacidade...) argumentativa numa questão controversa que considero particularmente interessante. Agradeço-lhe mais uma vez a amabilidade de responder ao meu apelo e às questões que fui levantando, dando-se ao trabalho de desenvolver em pormenor os seus pontos de vista e de expor os seus vastos conhecimentos na matéria.
Um abraço,
António Bivar
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RE: A. Bivar VII - Carta de Lei de 1825 - I
Caro Confrade,
Parece-me entender das suas duas últimas mensagens o desejo de dar este assunto por encerrado. Sábia decisão.
De facto, atingindo um determinado ponto ou se prossegue quase “profissionalmente” como quem obtém uma especialização ou se parte para outra. Talvez esse ponto seja atingido quando a componente de controvérsia ultrapassa a da informação. Seria assim assisado corresponder ao que parece o seu desejo e deixar cair este tópico mas, infelizmente, nem sou sábio tem tenho muito siso.
A questão que tinha posto era clara. A relação soberano/vassalo é unívoca não admite indeterminações; tal como títulos não admitem partilha.
Na resposta - talvez melhor no simulacro dela - obteve a Carta de Lei de 15.11.1825; não a sua localização, não um “link” mas o texto todo que será certamente a terceira, provavelmente a quarta vez que é transcrito neste fórum. Como nada nessa Carta esclarece essa relação - para o que seriam necessárias duas presunções sobre o que lá consta - suponho que a intenção fosse de alguma forma compensar o texto que antecede, para o que, na minha opinião, nem a transcrição da totalidade das Epístolas de S. Paulo seria suficiente.
Evidenciada assim esta Carta de Lei, ao arrepio do que projectara sob as epígrafes “Ainda a nacionalidade”, vou comentá-la. Deixo de lado a questão da legitimidade que já referiu mas vou chamar a atenção para aspectos não imediatamente evidentes e não vou começar pelo princípio. De facto vou mesmo saltar para o final:
“... não obstantes quaesquer Leis, Regimentos, Alvarás, Cartas Regias, Assentos, intitulados de Côrtes, Disposições, ou Estillos, que em contrario se tenhão passado, ou introduzido;
porque todos, e todas, de Meu Motu Proprio, Certa Sciencia, Poder Real, Pleno, e Supremo, Derogo e Hei por Derogados, ... “
“Meu Motu Proprio”
Compare-se com a Carta de Lei de 4 de Junho de 1824 - que já referi e pode ser consultada no tópico “Legislação avulsa do século XIX”
“ Tendo ouvido o Meu Conselho de Estado,
Hei por bem declarar em seu pleno vigor a antiga Constituição Politica, ...”
“Poder Real, Pleno, e Supremo”
Idem.
“... que a expressão de Rei absoluto, que por este modo governa os seus Povos, possa ter outra intelligencia, que não seja, a que sempre teve, de Rei independente, e que não reconhece superior sobre a terra: ...”
“Certa Sciencia”
No contexto, entre as asserções anteriores, só pode significar infalibilidade.
Seria possível que um homem com 57 anos de idade em 1824, pudesse em ano e meio evoluir de forma tão radical de uma postura mais do que moderada para um extremismo que coevamente, talvez só encontrasse igual nos mais assanhados Rainhistas, a que sempre se opôs?
Como é para mim claro, a resposta está dada na minha mensagem
http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=293724#lista
de que cito por comodidade:
“Ficaram-nos testemunhos de que D. João VI ficou horrorizada quando teve conhecimento do acordo mas possivelmente assustado pela perspectiva de uma dívida que não poderia satisfazer e que, se reclamada pela Inglaterra - não é preciso ser bruxo para adivinhar que essa ameaça foi feita - teria de ser paga pelo país certamente por imposto extraordinário e assim do conhecimento geral o que seria certamente uma real ameaça ao regime senão mesmo à sua Família, assinou ...”
Assim e para já, paralelamente à ilegitimidade eu entendo que houve invalidade. Como vou ainda reforçar, D. João VI só pode ter assinado este texto sob coacção, muito provavelmente não só a ameaça da reclamação da dívida pela Inglaterra como o abandono da protecção desta, com as habituais ameaças externas de intervenção militar e divisão do país - como esteve previsto - e internas com a imagem das guilhotinas da Revolução Francesa.
Observe-se então que as palavras déspota e despótico nunca foram usadas que me lembre e anteriormente, senão em relação ao período pombalino. E que D. João VI em momentos cruciais, recusou sempre o despotismo. Assim na mesma Carta de Lei de 15.6.1834 que citei
“... não podendo caber senão em cabeças desvairadas, e corrompidas, que hum tal Governo Monarquico se possa chamar arbitrario, e despotico, ...”
E, mais expressivamente na Proclamação de Junho de 1823 em que promete nova Constituição:
“Cidadãos: eu não quero nem desejarei nunca o poder absoluto, e hoje mesmo o repito: os sentimentos do meu coração repugnam ao despotismo e à opressão: desejo sim a paz, a honra e a prosperidade da nação… não receeis por vossas liberdades; elas serão garantidas por um modo, segurando a dignidade da coroa, que respeite e mantenha os direitos dos cidadãos.”
Vou mesmo mais longe, e a má memória do período Pombalino seria já o que se chama em sociologia um factor cultural. Nessa mesma crise da Vilafrancada o infante D. Miguel, emitiu uma Proclamação em Santarém em que se pode ler:
“Não acrediteis que queremos restaurar o despotismo, operar reacções ou tomar vinganças; juramos pela religião e pela honra que só queremos a união de todos os portugueses e um total esquecimento das opiniões passadas."
[Abro um parêntesis para mais duas citações uma desta proclamação, outra da Abrilada:
“Que é uma nação quando sofre ver-se assim aviltada? Eia, portugueses, uma mais longa prudência seria infâmia. Já os generosos transmontanos nos precederam na luta; vinde juntar-vos ao estandarte real que levo em minhas mãos; libertemos o rei e Sua Majestade livre dê uma Constituição a seus povos; fiemo-nos em seus paternais sentimentos; e ela será tão alheia do despotismo como da licença; assim reconciliará a nação consigo mesmo e com a Europa civilizada.
Acho-me no meio de valentes e briosos portugueses, decididos como eu a morrer ou a restituir Sua Majestade à sua liberdade e autoridade, e a todas as classes seus direitos. Não hesiteis, eclesiásticos e cidadãos de todas as classes, vinde auxiliar a causa da religião, da realeza e de vós todos: e juremos não tornar a beijar a real mão senão depois de Sua Majestade estar restituído à sua autoridade.”
“Soldados! foi para este fim que vos chamei ás armas, plenamente convencido da firmeza do vosso caracter, da vossa lealdade, e do decidido amor pela Causa do Rei.
Soldados! sejais dignos de Mim, que o Infante D. Miguel, Vosso Commandante em Chefe, o será de vós. Viva ElRrei Nosso Senhor, Viva a Religião Catholica Romana, Viva a Rainha Fidelíssima, Viva a Real Família, Viva o Briozo Exercito Portuguez, Viva a Nação, Morram os malvados Pedreiros Livres.”
Sem outras considerações, as intervenções de D. Miguel foram tudo menos revolta contra seu Pai. A Abrilada, que iniciou e a Vilafrancada a que aderiu quando estavam já revoltados todos os regimentos de Lisboa com excepção de Infantaria 18 e a que seu pai aderiria 2 ou 3 dias depois por insistência de Palmela e de todos os dirigentes liberais não vintistas, bastando dizer que a Proclamação de D. João VI - que em termos práticos inviabilizou a Assembleia Constituinte - foi redigida por Mouzinho da Silveira, o que depois extinguiria os morgadios.
É para mim revoltante ler em manuais escolares, wikipedias e portais que a Vilafrancada foi uma revolta iniciada por D. Miguel contra seu pai. E é a esta - e outras - que me refiro quando digo que vivi toda a minha vida sujeito a uma ditadura cultural de esquerda.]
Continuando e pedindo desculpa pelo interregno, a Carta de Lei foi certamente redigida sob pressão senão nunca utilizaria a fórmula final que sublinhei.
Apenas pelo que já se sabe, é fora de dúvidas que Conselheiros - membros do seu Conselho - designadamente Palmela e D. frei Patrício (que disse antes por laspso bispo de Beja mas foi arcebispo de Évora antes de Cardeal-Patriarca) - mentiram e enganaram deliberadamente D. João VI e é por aí que, em termos de melhor probabilidade, se pode explicar esta redacção que já tinha sido usada “ipsis verbis” - creio que uma única vez - no final da Lei de 29 de Julho de 1773 sobre os encravados, e essa redacção teve tal significado que foi citada como exemplo maior do despotismo pombalino (cf. “Ensaio sobre a historia do governo e da legislação de Portugal: para servir de introducção ao Direito Pátrio.” por Manuel Antonio Coelho da Rocha, ed. de 1851 Coimbra, Imprensa da Universidade) e não é crível que, se dispusessem de mais tempo, algum dos ditos (ou outro "Logista") conselheiros não arranjasse uma redacção que não fosse tão flagrantemente pombalina.
E vai a procissão no adro ...
A. Luciano
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RE: Carta de Lei de 1825 - II
Continuando.
Para afastar de vez qualquer ideia que D. João VI pudesse ter mudado radicalmente de moderado para absolutista apostólico ou despótico basta observar o que se passou em seguida, em que nada se alterou na cena política. Ora se D. João VI tivesse mudado, mesmo admitindo que não se reaproximaria de sua Mulher, o mínimo a esperar seria alguma substituição de Secretários e mesmo diplomatas liberais por legitimistas e a nomeação de alguns Conselheiros legitimistas mas nada disso aconteceu.
Considero assim indubitável que aquele assomo autocrático não pode ser procurado na pessoa de D. João VI mas no próprio acto.
A Carta de Lei, visa primordialmente o reconhecimento da situação de facto que era já a independência brasileira.
Convém lembrar que D. João VI tentara enviar D. Pedro para Lisboa a seguir a 1820 e que depois do seu regresso, pelos seus conselheiros mais próximos, começou por ser sugerido que depois das leis constitucionais decididas, existissem duas Câmaras, uma em Lisboa outra no Rio de Janeiro com competência legistativa apenas ordinária o que se justificaria pela profunda diferença de realidades e cirunstâncias entre os dois Territórios.
Claro que tal foi liminarmente recusado e afirmado o princípio de uma única lei. Passado tempo, chegaram a Lisboa os 65 deputados eleitos no Brasil que tiveram inicialmente uma participação bastante activa mas que não viram aprovada uma que fosse das leis e alterações que propuseram. É também por isso que digo que se D. Pedro, à semelhança de D. Miguel, se tivesse revoltado em nome de seu Pai, depois da Vilafrancada e da revogação da Constituição de 1822, seria perfeitamente possível que a separação não se efectivasse ou, no mínimo, que se efectivasse em circunstâncias mais vantajosas para as relações luso-brasileiras. Lembro que só em 1824 foi aprovada a Constituição Brasileira que proíbia que o governante exercesse simultâneamente no Brasil e em Portugal.
Mas na realidade, foi exactamente o contrário que aconteceu. Após a Vilafrancada, D. João VI logo enviou ao Brasil o conde de Rio Maior que, apesar dos seus enérgicos protestos, não foi recebido por D. Pedro. Este recusou mesmo aceitar as cartas de seu Pai.
Assim, considero verdadeiramente extraordinário o cenário que aqui foi oferecido, de um D. João VI que tudo podia - “Ley animada sobre a terra” - e de um D. Pedro em cordial relação, partilhando(??!!) o título de imperador e mantendo-se fiel súbdito de D. João VI em Portugal.
Já afirmado o essencial, aparece na Carta de Lei a designação“D. Pedro de Alcantara, Principe Real de Portugal, e Algarves, com o mesmo Titulo de Imperador, e o exercicio da Soberania em todo o Imperio:”.
A primeira observação a fazer é que nesta Carta de Lei se diz: “Meus designíos sobre tão importante objecto se achão ajustados da maneira que consta do Tratado de Amizade, e Alliança, assignado em o Rio de Janeiro em o dia vinte e nove de Agosto do presente anno, ratificado por Mim no dia de hoje ...”. Sendo assim esse Tratado o verdadeiro sujeito de Direito, sendo inútil precisar que a ratificação de um Tratado Internacional, por motivos evidentes, não pode em nada alterar o que está no Tratado. Assim, se Príncipe Real de Portugal e Algarves, tivesse o significado que alguns lhe querem dar, de confirmar D. Pedro como herdeiro em Portugal, teríamos então de concluir que sir Charles Stuart tinha de facto decidido sobre a sucessão em Portugal. E escusado será dizer que a sucessão no Reino de Portugal não constava dos poderes negociais conferidos a sir Charles, pelo que tal decisão seria nula e de nenhum valor.
Ficam assim duas hipóteses. a primeira é que D. João VI, quebrando as rígidas regras que se aplicavam aos tratados, tinha alterado o tratamento protocolar de D. Pedro na ratificação; a segunda é que esse seria já o estilo adoptado por D. Pedro no Brasil, o que não me lembro de ter alguma vez visto em diplomas brasileiros mas, de facto, não posso asseverar que nunca foi usado. Mas em qualquer dos casos, uma coisa é certa: qualquer alteração de estilo tem de ser devidamente aprovada por legislação. Ora D. Pedro quande se assume como imperador do Brasil não era soberano de Portugal e não podia aprovar nenhum estilo que a Portugal se referisse. Já sei que me vão dizer que ele era já Princípe Herdeiro e apenas acrescentou o Título de Imperador mas não é assim. Mesmo D. João VI quando criou o reino Unido, fez-se aclamar na nova condição e publicou a alteração do estilo.
Claro que tudo se devolve à legitimidade de D. João VI que decide neste caso, sem remeter para aprovação em Côrtes a reunir quando fosse possível e, aqui inacreditavelmente, sem ouvir o seu Conselho. E teria decidido, sem enquadramento nem justificação em diploma próprio mas, como se tudo fosse insignificante, pela mera alteração do estilo num diploma que se referia a outro assunto.
De tudo concluindo eu que, independentemente de razões e circunstâncias, o conteúdo do título de Principe Real dado a D. Pedro na Carta de Lei, é exactamente idêntico ao do título de Imperador dado a D. João VI no mesmo documento, isto é, nenhum. Apenas lembro que D. João VI nem foi sagrado nem nunca expediu qualquer acto político.
A. Luciano
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RE: Carta de Lei de 1825 - III
Continuando.
Além da hipótese já afastada de que a “herança” de Portugal fosse uma contrapartida negocial do títulode Imperador para D. João VI ficam então duas outras.
A primeira seria que isso fosse um desiderato expresso de D. João VI mas, como já disse, não me parece minimamente aceitável que assunto de tal monta não fosse tratado em diploma próprio o que permite afastá-la “de per si” mesmo abstraindo da questão da legitimidade de D. João VI para decidir em questões de sucessão.
A segunda, que me parece o “último refúgio” seria que, tendo sido D. Pedro em algum tempo príncipe herdeiro, inexistindo diploma que expressamente lhe tenha retirado tal qualidade, continuaria a sê-lo e o tratamento de Príncipe Real tinha sido naturalmente utilizado por nada nem ninguém o ter posto em causa.
Esta hipótese implica que não teriam sido tomados em conta nem considerados susceptíveis de produzir efeitos:
a) Os crimes de desobediência, sedição e traição;
b) A aceitação de títulos, honras e cargos estrangeiros;
c) O exercício de soberania de país estrangeiro;
d) A residência efectiva fora do reino de Portugal e Algarves.
Implicaria ainda que a Carta de Lei, nesse particular, fosse um documento incontroverso, quase diria trivial, onde nada era tratado que tivesse de ser justificado. Ou seja, ou como concluí antes, nenhum valor legal ou mesmo implicando inequívoca vontade régia se atribuía à designação de Príncipe Real ou então fica a enorme contradição de um diploma “trivial” e insusceptível de controvérsia ter aquele final pombalino, contrário a todos os outros anteriores e creio que posteriores.
Sem que evidentemente possa haver prova material, entendo como muitíssimo mais provável exactamente o contrário. Os conselheiros de D. João VI teriam perfeita consciência de que, quer o reconhecimento da independência do Brasil quer o tratamento de Príncipe Real a D. Pedro nessas circunstâncias, seriam contestados por tudo e por todos: politicamente pelos legitimistas de qualquer orientação e pelos constitucionalistas; socialmente pelos comerciantes - que ficaram então no dizer de um historiador, reduzidos a pequenas percentagens sobre a importação de panos ingleses - pelos funcionários com acentuada importância para os militares, para quem as comissões no Brasil eram a melhor garantia de remuneração e promoção. O povo, por seu lado, tendia então fortemente para os legitimistas quanto mais não fosse porque, não interessa aqui se expontaneamente se influenciados pela propaganda legitimista, associava os vintistas aos franceses e ao governo de Junot e os moderados pró-britânicos à regência de facto de Beresford que tinha também deixado má memória. Sem esquecer as reacções afectivas - que não sei aferir - dos familiares em Portugal daqueles que se encontravam no Brasil.
Saberiam também que nem dentro do Conselho seria possível a unanimidade e qualquer fractura nessa sede, com eventual reflexo para o exterior poderia ser muito perigosa. Assim a única saída era promulgar o documento por forma a eximi-lo de qualquer apreciação prévia - no Conselho - ou “a posteriori” em qualquer sede que fosse. E, na minha opinião, é essa a explicação para aquele final pombalino à primeira vista perfeitamente insólito e para a ausência do habitual “Tendo ouvido o Meu Conselho de Estado” que não faltava em diplomas de muito menor importância.
A. Luciano
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O segredo de Dover
Caros confrades
Com a devida vénia transcrevo um artigo de 2007, publicado na revista Pública (do jornal Publico), que mão amiga me fez chegar:
O segredo de Dover
Teria D. Manuel II, no exílio, passado a sucessão, ao primo, Duarte Nuno, pai do actual pretendente ao trono português? In Revista Pública de 25 de Fevereiro de 2007. Texto de José Manuel Ferreira
Cidade, ocasião e personagem eram das mais indiscretas para um escândalo. Dezenas de cabeças coroadas, milhares de estrangeiros, centenas de jornalistas aguardavam em Londres a coração de Eduardo VII. O protagonista do caso é o segundo filho do príncipe Miguel (II) de Bragança, pretendente ao trono de Portugal, e da primeira mulher, Isabel de Thurn e Taxis. Afilhado do imperador da Áustria, Francisco José, de quem recebera o nome de baptismo, é também sobrinho da soberana do Luxemburgo; da mulher do pretende ao trono de Espanha, Afonso Carlos de Bourbon; e ainda primo-direito da mulher do príncipe herdeiro da Bélgica e da princesa real da Baviera.
O tablóide "Morning Leader" devorou o caso às dentadas: um membro das grandes famílias reinantes da Europa estava acusado de "pederastia". Tinha sido preso na noite anterior, em Southwark, um bairro mal afamado de Londres, Dnde estivera em "public houses". O juiz evacuara a sala, na manhã seguinte, antes da leitura da acusação, e proibira os jornalistas de escrever sobre o caso: "Podia afectar as relações da Inglaerra com o estrangeiro".
O "Star" prometeu aos leitores fazer subir o assunto ao Parlamento. As audiências dos casos de polícia, por lei, deviam ser públicas. Assim, a 4 de Julho, desse ano de 1902, em Lisboa, o "Século" deu a notícia em primeira-mão. "Lon¬dres 3-o herói do escândalo de que tanto se falou é o príncipe Francisco José de Bragança, oficial do exército austríaco. Surpreendido em grave delito de imoralidade foi preso mas posto em liberdade sob fiança". 0 escândalo, por esses dias foi "o repasto dos círculos aristocráticos".
A revista "Occidente", em Lisboa, dois anos antes, felicitara o príncipe em termos elogiosos. Completava a "formosíssima idade de 21 anos". Embora "a idade legal da emancipação de há muito que fora suprida, mercê da reflexão assi¬sada e do exemplar convívio da família e do ensinamento paterno". Manuel de Bettencourt e Galvão, em "Dom Miguel II e o seu Tempo" (1943) recorda o príncipe, sem aludir ao episódio: "A sua simpatia comunicativa e alegria esfuziantes faziam de S.A o mais estimado dos nossos príncipes pelos partidários de seu Pai que viam nele todas as qualidades e defeitos da nossa raça. Até o seu nome familiar - Chico - era bem português e popular".
Duas mil e quinhentas libras foi o montante da caução para Francisco José de Bragança aguar¬dar julgamento em liberdade, adianta o republicano "0 Mundo". E observa: "mas os seus companheiros conservam-se detidos". 0 "Século", um mês depois, a 29 de Julho, relembra que o caso continua por julgar. A imprensa aplaudia a atitude independente dos magistrados. E só por¬que o réu estava em Londres, na ocasião, "como hóspede extraordinário" o tinham deixado em liberdade.
A acusação, na época, era grave. Uma verdadeira infâmia. Três anos antes, pelo mesmo "crime", e na mesma Londres, Óscar Wilde penara um calvário, dois anos de prisão, e (também) "De Profundis", a mais longa (para alguns a mais sincera) carta de amor da Literatura.
0 Partido Legitimista respirou de alívio, mês e meio passado sobre o caso. No seu órgão ofi¬cial, "A Nação", rejubila em primeira página, a 18 de Agosto. "Telegramas de Londres dão como tendo sido absolvido da acusação que se lhe imputara S.A.R, o Senhor Infante Dom Francisco José de Bragança". Foi ilibado em tribunal mas não pela imprensa. Para que escorra mais sangue azul, os jornais portugueses, sete anos depois, por ocasião do casamento do irmão mais velho, Miguel Maximiliano, voltam a pôr o dedo na ferida.
"O filho do pretendente D.Miguel vai casar com uma americana rica" - estampa em subtí¬tulo "O Mundo", a 14 de Agosto de 1909. "Dizem algumas línguas viperinas que o projectado casamento tem todo o ar de uma aventura escandalosa, e confundem o noivo com o irmão, o príncipe Francisco José, que há tempos deu que falar de si num caso muito ruidoso".
A noiva de Miguel Maximiliano de Bragança é Anita Stewart, uma jovem nova-iorquina, filha do multimilionário William Rhinelander Stewart e de Annie Armstrong, casal americano, protestante e divorciado. A mãe herdara grande parte da fortuna do segundo marido, o multimilionário James H. Smith. À viúva, este deixou três milhões de dólares; à enteada, Anita, uma renda de meio milhão.
"Um possível filho de miss Anita futuro pre¬tendente à coroa de Portugal?" interroga-se o "Século" em título. Miguel de Bragança ajustara casamento como "uma dessas meninas ricas que, em vez de armoriar pergaminhos, possuem milhões e um belo-sangue plebeu". Era "uma mulher dessas" que se ia tornar princesa de Bragança, visto que fora pedida, em Londres, a «- sua mãe, mistress Smith, por D. Miguel (II) para o filho primogénito. "Assim desaparecem as tradições gloriosas do exílio".
"Os príncipes agora vendiam a coroa pelos milhões e a carne branca de uma americana ambiciosa, filha de um dos seus positivos colegas da América, que, em vez de serem reis de um povo, são reis do petróleo, do sabão, dos caminhos de ferro, e de outras 'porcarias' com que se fazem as grandes fortunas", fustiga "O Mundo". Fosse como fosse, miss Anita Stewart estava "entusiasmada". Casando com o filho do pretendente à coroa portuguesa, "para a consolar, basta-lhe o título de princesa, o papel de exilada e o direito de poder em público lamentar-se das circunstâncias que a afastam do trono..."
O casamento celebrou-se na pequena cidade escocesa de Dingwall, a 15 de Setembro desse ano. "Ao meio-dia chegou a Senhora Dona Anna Stweart, num automóvel, acompanhada de seu irmão que vestia o uniforme escocês". Ostentava "uma magnífica 'toillete' de musselina de seda branca, com cauda de corte, um riquíssimo colar de pérolas e brilhantes, presente de sua mãe, e um diadema de brilhantes e safiras, jóia da Família Real exilada". Sob o olhar do bispo de Aber-deen, o noivo recebeu-a no altar "com a farda da ordem de Malta e várias condecorações". À saída foi "indescritível o entusiasmo da multi¬dão", refere ainda o repórter da "Nação", órgão oficial dos legitimistas. "Os hurras espontâneos ouviam-se a cada instante, aclamando todos o Príncipe e a Princesa que, de automóvel, se dirigiram para o riquíssimo castelo de Tulloch".
O artigo confere um toque europeu e de nobreza a Anita, americana e plebeia de quatro costados. "Os jornais lembraram um outro consórcio auspicioso que aproximou Portugal de Inglaterra e Escócia, o d'El Rei Dom João I com Dona Filipa de Lencastre". O bispo de Aberdeen, "numa eloquente prática" recordou a "coincidência do Príncipe Dom Miguel de Bragança ter desposado uma senhora de origem escocesa de apelido 'Stewart', o mesmo da última rainha da Escócia independente e livre".
O escândalo financeiro espreita os Bragança quando assistem ao casamento do primogénito com a milionária americana. Cinco meses depois "instituiu-se uma tutoria ao príncipe D. Miguel", titulava "O Século", em notícia reproduzida do francês "Matin" que a reproduz do austríaco "Viener Zeitung". A18 de Fevereiro de 1910, em segunda notícia, o jornal chama ao imbróglio: "Uma burla complicada".
"O cônsul inglês em Viena, um médico e um coronel do exército austríaco têm em seu poder letras assinadas pelo príncipe (no valor de cinco milhões de marcos) com a garantia de umas minas que não existem e endossadas ao banqueiro Fred Vanderbilt. O inquérito policial revelou que a assinatura daquele banqueiro é falsa". 0 príncipe "devia além disso 100.000 francos e mais os juros que ascendiam ao dobro da quantia". O caso "seria julgado brevemente".
Tratava-se do Miguel, pai, ou do Miguel, filho? interroga-se, trocista, "O Mundo": "O príncipe D. Miguel de Bragança que os jornais estrangeiros dizem ter sido dado como interdito é aquele que pretendeu ser rei de Portu¬gal e que depois esteve para ser conselheiro do sr. D. Manuel? É o mesmo?" A oito meses da monarquia tombar em Portugal, as dívidas do pretendente no exílio merecem do jornal apenas uma breve. É véspera de um comício republicano onde "os discursos notáveis, dos drs. Bernardino Machado e Afonso Costa", vão fazer a manchete do dia seguinte.
Fora o pai, segundo o "Diário de Notícias": "As Letras de D. Miguel de Bragança - o que diz a irmã do pretendente" (a duquesa de Parma). "Entrevistada por um jornal italiano acerca de estes... apuros económicos de seu irmão, D. Maria Antonieta declarou ontem que nas notas publicadas nos jornais há muitos exageros; que as dívidas de D. Miguel vão diminuindo notavelmente e com que com respeito às que ainda faltam para satisfazer, já se entabularam negociações com o fim de chegar a um acordo com os credores".
Essa "Carta de Itália", do correspondente em Roma do "Diário de Notícias", data de 27 de Fevereiro. Só é publicada um mês depois, a 16 de Março, ganhara o caso entretanto outras tinta junto aos leitores portugueses. Miguel Maximiliano de Bragança, recém-casado com Anita Stweart, fora apresentado como o protagonista do escândalo. "Foi dado como pródigo tendo assinado letras no valor de mil contos para receber não chega a duzentos", referira o "Primeiro de janeiro", do Porto, a 22 de Fevereiro. A longa carta anónimo foi reproduzida pelo "Dia", em Lisboa, também em primeira página.
"Já quando ele por dinheiro casou com uma americana rica, assemelhando-se a esses fidalgos arruinados e viciosos que procuram uma esposa entre as filhas dos 'parvenus' a fim de dourarem os seus brasões e prosseguirem a sua vida de ociosos; já então percebi que esse príncipe era um deprimido moral", zurzia o anónimo suposto leitor. E o irmão não era melhor: "arrastou o nome, há anos, pelos tribunais de Londres, em um processo ignóbil e escandalosíssimo".
O órgão oficial dos legitimistas, "A Nação", a 10 de Março, aproveita a deixa. Lembra que "morta politicamente por qualquer razão a sereníssima descendência do primeiro consórcio do Senhor D. Miguel II" ainda restavam das segundas núpcias, seis filhas do príncipe. E Duarte Nuno, então com dois anos. A este, "estaria reservado cingir, pelas leis e pelo direito natu¬ral, a coroa lusitana."
"À pretendida intervenção dos milhões da Stewart" na compra de armamento para os monárquicos que combatiam, de Espanha, a jovem República Portuguesa, "um jornal americano chamava com espírito 'uma sociedade comanditaria para a exploração de uma miragem", refere o monárquico Carlos Malheiro Dias, em "Zona de Tufões". O livro é publicado nesse mesmo ano, 1912, em que D. Manuel II, o rei exilado, e D. Miguel (II), pretendente ao trono, se encontraram em Dover.
Miguel Maximiliano e Francisco José de Bragança estiveram entre as hostes monárquicas estacionadas na Galiza. O jornal "A República", a 21 de Novembro de 1911, insurgira-se e insultara-os: "O mais velho casou-se com uma americana plebeia e rica, pertencente ao número enorme dessas 'snobinettes' dos Estados Unidos que procuram na Europa um marido rico e tarado. O outro arrastou o nome, há anos, num processo ignóbil e escandalosíssimo, pelos tribunais de Londres.
Eis aqui os representantes da realeza absoluta que vêm combater contra a República de Portugal." E rematava José de Alpoim, nesse crónica reproduzida do jornal "O Paiz" do Rio de Janeiro: "Note-se que eu não creio que eles se batam. Gostam de viver. Têm muito apego à vida...e ao 'bacarat' "
O encontro do ex-rei D. Manuel II com o primo, o pretendente, D. Miguel (II) de Bragança, decor-reu à porta fechada, a 30 de Janeiro de 1912, no "Lorde Warden Hotel" de Dover. "Das 4 às 6 da tarde", precisa o telegrama da agência Havas, "que fez o giro da imprensa" cita "A Nação". D. Manuel ao sair "parecia radiante". Recusou qualquer entrevista mas "um correspondente do 'Excelsior' conseguiu entrar no quarto onde vários papéis acabavam de arder, estando outros completamente rasgados e amarrotados. Num mata-borrão estava decalcada a assinatura de D. Manuel".
"A Nação" acolhe a história cepticamente: "0 que todos pasmam é a facilidade do repórter do Excelsior, a indiscrição que revela a sua política... tanta porta aberta, tanta gente cega e papel queimado! É deveras uma coisa espantosa que merece consagração teatral à americana." Mas a 13 de Fevereiro, o órgão oficial dos miguelistas retira a notícia de quarentena. No encontro de Dover "estabeleceu-se de uma forma nítida e bem definida a união comum das duas Casas, esquecendo rivalidades, sem que nenhum dos régios personagens abdique dos seus direitos e tradições."
Teria D. Manuel II acordado a passagem de testemunho ao primo, pai do actual pretendente? No livro-entrevista, de Palmira Correia, "D. Duarte de Bragança" (2006), o actual pretendente considera a questão descabida: "Há uns indivíduos um bocado atrevidos que põem em causa a existência do pacto de Dover", cujo documento "deve ter desaparecido durante a guerra". A historiadora Maria Cândida Proença, na recente biografia "D. Manuel II" (2006) é categórica: "enquanto não surgir qualquer novo documento, nada nos permite afirmar que existiu um Pacto de Dover com o significado e a redacção do articulado que se lhe atribui."
Em "A Crise Monárquica: documentos para a história e liquidação de responsabilidades", publicado em 1934, Luiz de Magalhães, recorda que as duas facções (manuelistas e miguelistas) tinham negociado a exclusão sucessória de Miguel Maximiliano e Francisco José de Bragança. D. Manuel II e D. Miguel, em vez de subscreverem um único documento, trocariam car¬tas fechadas, dados os "melindres" e as "interpretações menos lisonjeiras" para "os príncipes excluídos da sucessão à coroa". O documento humilhante, para estes, deixará de ter razão de existir, em 1920, por força dos factos.
Um dos Miguéis, o pai ou o filho, era oficial do exército prussiano", denunciou "O de Aveiro", em Junho de 1916, em crónica do jornalista Homem Cristo, «monárquico ferozmente anti-miguelista.
À luz dos dados mais recentes a acusação parece de má-fé. 0 príncipe e os dois filhos teriam abandonado o exército das Potências Centrais para servirem na Cruz Vermelha e não pegar em armas contra Portugal. Noticia-o o muito sério jornal britânico "Times", a 17 de Março desse ano, poucos dias após o ultimato da Alemanha. A notícia foi exumada dos arquivos para uma breve nota de roda-pé pelo historiador americano Russel Benton na sua biografia: "The Downfall of a King, Dom Manuel II of Portugal" (1977).
A família de Bragança vive momentos difíceis finda a I guerra mundial. Implantada a república na Viena, outrora imperial, a Áustria é um país pequeno e derrotado. "O futuro parece-me tão escuro que quase se deve ter inveja daqueles que, com a Graça de Deus, já não o têm diante de si", escreve Miguel (II) ao amigo, João de Almeida, marquês do Lavradio.
"Há alguns dias recebi a tristíssima notícia da morte do meu querido filho Chico". Francisco José morrera em Itália, perto de Nápoles, sem descendência. Inúmeros textos monárquicos referem que faleceu num campo de prisioneiros de guerra
Portugal saíra vitorioso, entre os aliados, e profundamente ferido. No ano anterior, num só dia, na batalha do rio Lys, na Flandres, em algumas horas perdera 7425 dos seus filhos, sob o fogo da artilharia e aviação alemã. Uma delegação de monárquicos, integralistas e legitimistas, visita o príncipe de Bragança, em Bronnbach, a 18 de Julho de 1920. E dá-lhe um ultimato. A vitória das nações aliadas, contras as quais ele e os dois filhos mais velhos "tinham pegado em armas", ditava-lhes a renúncia a favor de Duarte Nuno, o benjamim, com 12 anos. 0 pedido foi aceite.
O primogénito, Miguel Maximiliano, entrega uma declaração dois dias depois: "Decido por minha livre e espontânea vontade renunciar de hoje em diante, para todo o sempre, por mim e meus descendentes, à sucessão à coroa portuguesa." Tinha então três crianças, Isabel, João e Miguel, com nove, sete e cinco anos. Nenhum dos seus descendentes refutou a legitimidade do avô em abdicar em nome dos filhos já nascidos.
Miguel (II) de Bragança morre em 1927, na Áustria; Miguel Maximiliano, o filho mais velho, em 1923, em Nova Iorque; o ex-rei D. Manuel II, em Londres, sem descendência, em 1932, no exílio. Duarte Nuno de Bragança, aos 23 anos, reclama em vão aos Estado português, os bens do morgadio da Casa de Bragança, após reconhecido pelas organizações monárquicas como sucessor à coroa. Alguns fiéis à memória de D. Manuel II mantinham-se contudo relutantes.
António Cabral publica "El-Rei Dom Duarte II - Rei Morto Rei posto". Elogioso para com o biografado, cita textualmente o suposto articulado do pacto. O ex-rei teria subscrito, no segundo artigo, que em caso de morte sem sucessão, "o direito ao trono de Portugal pertencerá a S.A, o infante D. Duarte, terceiro filho do Senhor D. Miguel". Mil vezes repetido, até hoje, o documento original nunca foi encontrado.
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Cumprimentos
Ricardo Charters d'Azevedo
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RE: Reflexo da preocupação com a sondagem no sapo on line?
Caro Ricardo Charters,
Ficou mesmo preocupado com a sondagem Monarquia/República no sapo on line, não foi ?
http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=296689#lista
Cumprimentos amigos,
António Taveira
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Sobre as histórias que levasram ao pacto de Dover
Caro António Taveira
Eu? Preocupado ? Não, olhe que não...
Até porque nunca será no meu "tempo" de vida que eu verei inciar-se qualquer processo que possa conduzir a uma eventual mudança para um regime monárquico.
E você, caro Taveira, não quererá assistir a essa mudança, pois sera triste ver quantos se colocarão em bicos de pés para receber "mercês, mesmo que as tenham de vir a pagar. Já hoje, é o que é...
Não terei razão ?
Cumprimentos amigos
Ricardo Charters d'Azevedo
PS: estou muito mais preocupado pela falta de chuva por causa da agricultura e da falta que ela faz a lampreia ... E nisto estamos, 100% de acordo. Não será assim?
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